INTRODUÇÃOA utilização da análise acústica vocal computadorizada é um dos grandes avanços na área da voz, pois permite uma avaliação diagnóstica mais precisa. É um procedimento que, associado aos avanços na compreensão da fisiologia vocal e ao desenvolvimento científico1, fornece ao clínico uma riqueza de dados objetivos e quantificados que auxiliam na compreensão do mecanismo da fonação, permitindo descrever quase completamente a voz humana2,3.
A análise acústica da voz fornece dados normativos ou de base para diferentes realidades vocais. A grande quantidade de informações fornecidas pela análise acústica ainda é pouco conhecida e sua exploração é pouco estimulada. Dentre as medidas acústicas que os laboratórios de voz podem oferecer, as principais que apresentam aplicação clínica são: frequência fundamental, intensidade vocal, medidas de ruído e medidas de perturbação da frequência e da intensidade4.
O estabelecimento de padrões de base da normalidade é importante para guiar o profissional na área da voz, visto que existe grande variabilidade entre as vozes normais, pois a voz é uma característica pessoal, não existindo uma perfeitamente igual à outra2,5.
Considera-se importante o estabelecimento de padrões normativos ou de base de normalidade, a partir do processo de extração e quantificação de padrões precisamente definidos do sinal vocal3, que guiem o profissional na área de voz, em virtude da escassez de estudos que proponham medidas acústicas de vozes normais da população feminina adulta jovem.
Os programas de análise acústica são capazes de obter o traçado do formato da onda sonora através de processamento de sinais e algoritmos. Analisam, desta forma, medidas de frequência fundamental, medidas de perturbação, como Jitter e Shimmer, e medidas de ruído, permitindo descrever quase completamente a voz humana2.
Em virtude do avanço tecnológico e científico da área da voz, há no mercado diversos programas de avaliação vocal computadorizada, cada um com suas vantagens e desvantagens4. Na literatura, especialmente na nacional, há relatos da utilização diversos programas de análise acústica, como o Praat, o Programa Multi-Dimensional Voice (MDVP) da Kay Elemetrics, Doctor Speech Sciences da Tiger Elemetrics, CSL 4300 da Kay Elemetrics, e Análise de Voz da DSP Instrumentos Ltda1-6.
A escassez de publicações, na literatura nacional, que utilizam o software Praat6, que é gratuito, de fácil utilização e propicia, em sua página na web, a discussão entre os seus usuários e o esclarecimento de dúvidas junto aos criadores do programa, associado ao aumento de estudos publicados na literatura internacional7-12, instigaram a realização deste estudo.
Os autores do programa Praat13 propõem uma analogia entre os valores obtidos a partir de suas análises e os valores considerados normais pelo Programa Multi-Dimensional Voice (MDVP) da Kay Elemetrics, tendência que se confirmou em estudo posterior8.
O presente estudo pretende descrever as medidas acústicas de vozes de mulheres com laringe normal e sem queixas de voz. Objetiva, também, mostrar a equivalência entre os softwares Praat e Programa Multi-Dimensional Voice (MDVP) da Kay Elemetrics, em virtude da maior acessibilidade ao programa Praat. Propõe ainda, comparar os resultados desta pesquisa com os achados de pesquisas que utilizaram diferentes programas de análise vocal acústica, como Doctor Speech Sciences da Tiger Elemetrics, CSL 4300 da Kay Elemetrics, e Análise de Voz da DSP Instrumentos Ltda.
MATERIAL E MÉTODO
Caracterização da pesquisa e aspectos éticosO estudo caracteriza-se por uma análise quanti-qualitativa, transversal e exploratória, por meio do levantamento de dados em campo, cujo projeto de pesquisa foi previamente aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição de origem, sob o protocolo de número 024/2006. A coleta de dados teve início após leitura e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), conforme a Resolução 196/96, da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), por todos os sujeitos da pesquisa.
Sujeitos da pesquisaNa sequência, os critérios de inclusão dos sujeitos na pesquisa foram: sexo feminino, uma vez que há maior número de estudos envolvendo mulheres14,15 e maior facilidade de obtenção de voluntários; idades entre 18 e 40 anos, pois considera-se que nessa faixa etária o aparelho fonador ainda não sofreu a influência das alterações hormonais e estruturais do envelhecimento16, assim como não sofre mais as alterações do período da muda vocal, que na mulher ocorre entre os 12 e 14 anos17; e adesão ao TCLE.
Já os critérios de exclusão foram: apresentar história pregressa de doenças neurológicas, psiquiátricas, endocrinológicas18,19,20 ou gástricas10,21, que poderiam influenciar o desempenho vocal ou a compreensão das ordens durante as avaliações19; queixas vocais, como rouquidão, fadiga vocal, falhas na voz ou ardência na garganta, visto que são sintomas sugestivos de algum tipo de alteração vocal em nível orgânico ou comportamental18,19, os quais podem interferir nos resultados da pesquisa; afecções laríngeas, pois distúrbios laríngeos poderiam comprometer os resultados da investigação18,19; alterações hormonais decorrentes de gravidez ou período menstrual e pré-menstrual22 investigadas através de anamnese aberta; apresentar gripe, ou quadros de alergias respiratórias20,23, porque ambos podem causar edema nas pregas vocais ou outra doença que pudesse limitar o desempenho da produção vocal no dia das avaliações; hábitos de etilismo18,19 e tabagismo10,18, pois álcool e tabaco são agressivos à laringe e podem ocasionar problemas vocais orgânicos; ter realizado tratamento fonoaudiológico e/ou otorrinolaringológico prévios, para assim descartar a possibilidade de que o sujeito tivesse qualquer afecção vocal (mesmo já tratada) ou um certo condicionamento vocal através de treinamento com técnicas vocais14,15; alterações auditivas, pois estas podem alterar o automonitoramento vocal, comprometendo a qualidade da voz18,19; alterações do sistema estomatognático que pudessem interferir na articulação da fala, comprometendo a voz18; cantar em coros, a fim de evitar que o sujeito já tivesse sua voz "trabalhada".
Dessa forma, foram verificadas as medidas acústicas de vozes de 56 mulheres, adultas, sem queixas vocais e com laringe normal, em uma faixa etária de 18 a 38 anos (média de 23 anos).
Procedimentos de amostragem e de coleta de dadosApós assinarem ao TCLE, responderem a um questionário, realizarem avaliação otorrinolaringológica e passarem por triagem fonoaudiológica, que incluiu avaliação miofuncional orofacial e avaliação auditiva, foram selecionados para as avaliações os sujeitos que se enquadravam nos critérios de inclusão, totalizando 56 mulheres adultas.
Na triagem auditiva, optou-se por uma varredura de tons puros nas frequências de 500, 1000, 2000 e 4000 Hz a 25 dB, somente pela via aérea24.
Os voluntários que apresentaram alteração em alguma das avaliações foram descartados da pesquisa e encaminhados para avaliações mais completas. Aqueles que se encaixaram nos critérios de inclusão e exclusão iniciaram a coleta de dados. Inicialmente, foi colhida a emissão sustentada da vogal /a/, pedindo-se ao sujeito que ficasse em pé, com os braços estendidos ao longo do corpo. O microfone acoplado ao gravador digital da marca Creative Labs, modelo MuVo Tx FM, foi posicionado em ângulo de 90° graus da boca do sujeito, mantendo-se a distância de 4 cm entre o microfone e a boca8,9,18,25. Foi solicitada a realização da emissão sustentada, em frequência e intensidade habituais, após inspiração profunda, emitindo o som em tempo máximo de fonação, sem uso de ar de reserva expiratória.
Para a análise acústica da voz foram extraídos os 3,5 segundos iniciais da emissão da vogal /a/, sendo excluído o início da emissão para que o ataque vocal não interferisse na análise dos dados4,11,26.
As medidas, obtidas por meio do software Praat (versão 4.6.10)13, utilizado com sucesso em diversos estudos na área de voz7-12 foram: Frequência fundamental (f0); Frequência mínima; Frequência máxima; Jitter (local); Jitter (local, absoluto); Jitter (rap); Jitter (ppq5); Jitter (ddp); Shimmer (local); Shimmer (local, dB); Shimmer (apq3); Shimmer (apq5); Shimmer (apq11); Shimmer (ddp); Proporção ruído-harmônico (NHR); e Proporção harmônico-ruído (HNR). Tais medidas englobam todas as oferecidas pelo programa, sendo importantes na análise pelo fato de fornecerem subsídios sobre os níveis de aperiodicidade, de estabilidade, de ruído, e de frequência do sinal vocal.
Os valores de 150 a 250 Hz para a f0 feminina, propostos por Behlau, Tosi & Pontes27, foram considerados, neste estudo, por englobarem a média e/ou a faixa de frequência de normalidade encontrados por vários estudos posteriores2,3,5,14,15,26,28,29 (Tabela 1).
Em algumas das demais medidas do programa Praat, Boersma e Weenick13 propõem uma analogia aos valores considerados normais pelo Programa Multi-Dimensional Voice (MDVP) da Kay Elemetrics (Tabela 2).
Os dados foram analisados estatisticamente, por meio da estatística descritiva e a normalidade dos resultados foi avaliada pelo teste Shapiro-Wilk, ao nível de significância de 5% (p> 0,05), fornecendo uma curva da distribuição dos resultados (Figuras 1, 2, 3, 4, e 5).
Figura 1. Distribuição normal da frequência fundamental - Histograma
Figura 2. Distribuição normal do Jitter (local) - Histograma
Figura 3. Distribuição normal do Jitter (local, absoluto) - Histograma
Figura 4. Distribuição normal do Jitter (ppq5) - Histograma
Figura 5. Distribuição normal do Jitter (ddp) - Histograma
RESULTADOSAs variáveis f0; Jitter (local); Jitter (local, absoluto); Jitter (ppq5); Jitter (ddp) assumiram a distribuição normal, ou seja, seguiram um padrão- base de normalidade. Como ilustram, respectivamente, as Figuras 1, 2, 3, 4 e 5.
DISCUSSÃOA análise acústica, em função do grande avanço tecnológico dos últimos anos, está mais difundida entre os fonoaudiólogos, porém, a utilização de diferentes softwares e suas variadas formas de extração das medidas ainda dificultam a comparação entre os dados de diferentes pesquisas3,28.
Frente à verificação da escassez de publicações, na literatura nacional, que utilizam o software Praat6, usado neste estudo para a análise acústica de voz, optou-se por discutir conceitualmente os resultados com base em pesquisas existentes sobre o assunto, mesmo que com softwares diferentes.
Diversos estudos publicados na literatura internacional sobre diversas afecções vocais têm mostrado a funcionalidade do software Praat em diferenciar vozes patológicas daquelas sem alterações10. Por ser um software gratuito e de fácil utilização, tem sido utilizado em pesquisas científicas na área de voz e fala em todo o mundo7-12. Ele possibilita, em sua página na web, a discussão entre os seus usuários e o esclarecimento de dúvidas junto aos criadores do programa.
O estabelecimento de padrões de base da normalidade é importante para guiar o fonoaudiólogo em relação às vozes normais, visto que, além da variação entre as medidas obtidas por meio de diferentes softwares, existe grande variabilidade entre as vozes normais. Possivelmente, esse fato se deva ao grande número de diferenças individuais, uma vez que a voz é uma característica pessoal, não existindo uma perfeitamente igual à outra2,3. A produção da voz depende, também, do adequado funcionamento dos sistemas respiratório, cardiovascular, músculo-esqueletal, neurológico e psicossocial do indivíduo20.
A f0 é uma das medidas mais utilizadas pelos clínicos para caracterizar a voz humana, pois fornece indícios sobre aspectos como idade, sexo e altura do indivíduo3,5. A f0 corresponde ao número de ciclos glóticos realizados por segundo, estando relacionada a mecanismos como o comprimento, a massa e a tensão das pregas vocais. Portanto, quanto mais as pregas vocais forem alongadas, mais rápido se realizarão os ciclos glóticos e mais aguda será a frequência produzida4. Essa medida também está associada a diferentes fatores que podem determinar sua variação, como diferentes tarefas de fala (vogais sustentadas, leitura, conversação, canto); diferentes línguas e dialetos; hábito de tabagismo; stress; disfonia; formas de análise5.
As medidas de f0 deste estudo (Tabela 3 - Figura 1) seguiram distribuição normal, com forte concentração em torno dos valores de 210 e 220 Hz, mostrando faixa de variação e valores médios que estão de acordo com aqueles propostos por Behlau, Tosi & Pontes27, variação de 150 a 250 Hz, considerados referência para f0 feminina no Brasil.
Vão ao encontro, também, do valor médio da f0 de 203, 49 Hz, da faixa de 168,55 a 246,62 Hz, encontrados por Schwarz15, e da variação de f0 de 190 a 225 Hz, obtida por Brum14, em pesquisas realizadas com mulheres, sem alterações vocais e com laringe normal, por meio do Programa Multi-Dimensional Voice (MDVP), da Kay Elemetrics.
Essa tendência se mantém na pesquisa de Andrade26, realizada com 77 mulheres, por meio do software Análise de Voz, versão 2.0 da DSP Instrumentos Ltda, que mostrou valores médios de f0 de 209,61 Hz e variação de 172,44 a 286,48 Hz. Santos3, a fim de comparar os valores das medidas vocais acústicas entre idosos e adultos jovens, analisou as vozes de 38 mulheres jovens, em uma nova versão do software Análise de Voz, utilizado por Andrade26, e encontrou valores médios de f0 de 208,9 Hz. Felippe, Grillo & Grechi 29, ao analisarem as vozes de 20 mulheres, por meio do programa CSL- 4300 Kay-Elemetrics, encontraram valores médios de f0 de 207 Hz.
A pesquisa de Araújo et al.2, com 40 mulheres, que também utilizou o software Análise da Voz, encontrou f0 média de 215,42 Hz, na produção da vogal /a/. Siqueira e Moraes28 (2005), em estudo que analisou 50 vozes femininas, por meio do software Doctor Speech Sciences (versão 4.0), da Tiger Eletronics, encontraram valores médios de f0 de 214,78 Hz, o que converge para os resultados dos estudos citados anteriormente e com os deste trabalho (Tabela 3 - Figura 1).
Guimarães & Abberton5 encontraram medidas de f0 que variaram entre 199 e 215 Hz, por meio de eletroglotografia, realizada durante a emissão sustentada da vogal /a/ de 82 mulheres portuguesas, falantes nativas do português europeu, faixa que também se assemelha aos resultados da presente pesquisa (Tabela 3 - Figura 1) e aos demais estudos brasileiros já mencionados.
As medidas de perturbação ciclo-a-ciclo avaliam as variações do sinal acústico, ou seja, estão relacionadas a quanto um determinado período de vibração glótica se diferencia do outro que o sucede, com relação à frequência (Jitter) e à intensidade (Shimmer). É importante destacar que os resultados das medidas de Jitter e Shimmer dependem dos métodos utilizados por cada programa e podem variar de acordo com idade, sexo e vogal utilizada, não havendo ainda padronização para essas medidas3,4,26.
Vieira & Rosa25 sugerem maior confiabilidade das medidas acústicas que são baseadas em três ou mais ciclos glóticos. Alegam que esse tipo de estratégia suaviza as perturbações ciclo-a-ciclo, evitando erros na demarcação dos períodos, tornando as medidas mais fidedignas.
O Jitter, que se refere à perturbação ciclo-a-ciclo da frequência da voz4,10, é uma medida objetiva e repetível, que avalia pequenas irregularidades dos pulsos glóticos, refletindo a rouquidão da voz20 ou o ruído da voz.
As medidas de Jitter (local) (Figura 2), que é a diferença absoluta média entre períodos consecutivos dividido pelo período médio; de Jitter (local, absoluto) (Figura 3), que consiste na diferença média absoluta entre períodos consecutivos; de Jitter (ppq5) (Figura 4), que é a diferença absoluta média entre um período e a média dele e seus quatro vizinhos mais próximos dividido pelo período médio; e de Jitter (ddp) (Figura 5), como diferença absoluta média entre diferenças consecutivas entre os períodos consecutivos dividido pelo período médio13; seguiram uma distribuição normal neste estudo (Tabela 3).
No estudo de Schwarz19, realizado por meio do MDVP, da Kay Elemetrics, resultados passíveis de analogia com o Praat9,13; foi encontrado valor médio de Jitter (PPQ) de 0,56%, com faixa de variação de 0,25 a 1%. Esse resultado vai ao encontro dos encontrados por Brum14, que também utilizou o MDVP para a análise e encontrou uma variação de 0,33 a 1,5%. Os resultados obtidos nesses estudos concordam com a faixa de valores encontrada no presente trabalho (Tabela 3 - Figura 4), em que se observou forte concentração de valores entre 0,1 e 0,4%.
Oguz et al.11 encontraram valores médios de Jitter (local) de 0,3%; de Jitter (local, absoluto) de 1,227ms; e de Jitter (ppq5) de 0,17%, por meio do software Praat, em mulheres turcas sem alterações vocais, valores que estão de acordo com a faixa de variação encontrada neste estudo (Tabela 3 - Figura 2 - Figura 3 - Figura 4 - Figura 5). Tendência que segue em outra pesquisa que também utilizou o Praat, porém, avaliou homens e mulheres, na Turquia, e em que os valores médios encontrados foram: Jitter (local), 0,29%; Jitter (local, absoluto), 17,172ms; e Jitter (ppq5), 0,17%.
No presente estudo, encontraram-se valores fortemente concentrados entre 0,4 e 1% nas medidas de Jitter (ddp) (Figura 5), contudo, não foram encontrados relatos de extração desta medida em vozes de mulheres sem alterações vocais, que possibilitassem a discussão com os resultados deste estudo.
Dentre as medidas de Jitter, apenas o Jitter (rap), que consiste na diferença absoluta média entre um período e a sua média, mais a de seus dois vizinhos, dividido pelo período médio13, não seguiu distribuição normal (Tabela 3) neste estudo. Oguz et al.11 encontraram medidas de Jitter (rap) médias de 0,17%. Esses valores médios estão dentro da faixa de variação encontrada no presente estudo (Tabela 3), o que converge para os valores de Jitter (rap) de 0,16%, encontrados por Oguz et al.10.
Siqueira e Moraes28 obtiveram, por meio do software Doctor Speech Sciences (versão 4.0), valores de Jitter de 0,36%, com variação de 0,33 a 0,40%, sendo que os mesmos se encontraram dentro da faixa de normalidade sugerida pelo programa (valores iguais ou inferiores a 0,5%). Os autores relatam ainda que, no programa Doctor Speech, utiliza-se o Jitter relativo, que é expresso em porcentagem em relação à f0 média. Porém, não há relatos de que tais valores sejam passíveis de comparação com os resultados provenientes do Praat.
Fellipe, Grillo e Grechi29 encontraram valores de Jitter de 0,624%, após a análise acústica das vozes de 20 mulheres sem sintomas e problemas de voz, através do programa CSL- 4300 da Kay-Elemetrics. Sabe-se que há diferentes formas de extração de Jitter, como Jitter absoluto, Jitter relativo, RAP (relative average pertubation), PPQ (pitch perturbation quotient), dentre outras 4. Todavia, os autores não especificam a forma de extração desses valores, o que dificulta a comparação com a presente pesquisa (Tabela 3), uma vez que várias das medidas de Jitter do Praat, compatíveis com as do MDVP da Kay Elemetrics, também apresentam % como unidade.
As medidas de Shimmer do presente estudo não seguiram uma distribuição normal (Tabela 3). Elas refletem a perturbação da amplitude ciclo-a-ciclo e seu aumento está relacionado à diminuição ou inconsistência do coeficiente de contato das pregas vocais. Além disso, podem ser relacionadas à presença de soprosidade na voz 10 ou ao ruído como um todo.
O Shimmer (local, dB) é a média absoluta (log10) da diferença entre as amplitudes de períodos consecutivos, multiplicada por 20; o Shimmer (local) é a diferença da média absoluta entre as amplitudes de períodos consecutivos, dividida pela média da amplitude geral; o Shimmer (apq3) é a diferença absoluta média entre a amplitude de um período e a média das amplitudes de seus vizinhos, dividida pela amplitude média; o Shimmer (apq5) é a diferença absoluta média entre a amplitude de um período e a média das amplitudes dele e seus quatro vizinhos mais próximos, dividida pela amplitude média geral; o Shimmer (apq11) é a diferença absoluta média entre a amplitude de um período e a média das amplitudes dele e seus dez vizinhos mais próximos, dividido pela amplitude média geral; e o Shimmer (dda) é a diferença absoluta média entre as diferenças consecutivas das amplitudes de períodos consecutivos.
Os resultados médios de Shimmer (APQ) de 2,46%, com variação de 1,68 a 5,61%, encontrados por Schwarz15, são semelhantes aos encontrados neste estudo (Tabela 3), os quais também vão ao encontro daqueles encontrados por Brum14, em que a medida Shimmer (APQ) variou de 1,29 a 2,04%.
Oguz et al.11 encontraram valores médios de Shimmer (local) de 4,42 %; de Shimmer (local, dB) de 0,4 dB; de Shimmer (apq3) de 2,37%; de Shimmer (apq5) de 2,98%; sendo os resultados de Shimmer (local) e Shimmer (local, dB) superiores aos valores máximos de normalidade sugeridos pelo programa de análise. Em relação a esta pesquisa, todos os valores das medidas de Shimmer de Oguz et al.11 foram muito superiores, com exceção do Shimmer (apq11) (Tabela 3).
Essa tendência se repete quando analisados os valores médios de Shimmer, obtidos em outra pesquisa realizada por Oguz et al.10, em que os resultados foram: Shimmer (local) 4,54%; Shimmer (local, dB) 0,4 dB; Shimmer (apq3) 2,59%; Shimmer (apq5) 2,70%. A medida de Shimmer (apq11) de 0,157%, comparável ao Shimmer (APQ) das pesquisas de Schwarz15 e Brum14; bem como nos resultados do presente estudo (Tabela 3), estiveram dentro da faixa de valores proposta pelo programa de análise.
Os valores que estiveram fora da faixa de normalidade proposta pelo programa de análise, os altos valores de desvio-padrão encontrados nas pesquisas turcas10,11, os valores elevados de desvio-padrão encontrados no presente estudo (Tabela 3) e a grande faixa de variação das medidas de Shimmer encontrada por Schwarz19 são resultados que vão ao encontro de Behlau et al.18, que consideram o Shimmer uma medida que necessita de maiores investigações para fornecer dados mais conclusivos, uma vez que se mostra bastante variável.
As medidas NHR (relação ruído/harmônico) e HNR (relação harmônico/ruído) são medidas inversamente proporcionais, que avaliam a presença de ruído no sinal de voz analisado, apresentando relação direta com a qualidade vocal. Portanto, quanto menor for a NHR e maior for HNR melhor será a qualidade vocal. Essas medidas refletem a avaliação geral do ruído no sinal analisado, não são específicas para ciclos determinados, incluem contribuições tanto das perturbações de amplitude quanto de frequência e são medidas para a determinação da percepção geral de ruído e de rouquidão no sinal vocal11.
No que diz respeito aos valores de HNR, as medidas encontradas neste estudo (Tabela 3) não seguiram distribuição normal, e a faixa de variação encontrada engloba os valores médios de 24,24 dB, obtidos por Siqueira & Moraes28, por meio do software Doctor Speech, versão 4.0 da Tiger Elemetrics.
Os valores NHR encontrados neste estudo (Tabela 3) também não seguiram distribuição normal, porém, corroboram os resultados encontrados por Brum14, variação de 0,03 a 0,14; e com aqueles encontrados por Schwarz15, média de 0,14, variação de 0,09 a 0,17. Os valores encontrados nessas pesquisas, bem como aqueles encontrados no presente estudo (Tabela 3), também vão ao encontro dos obtidos por Oguz et al.10, de 0,157, e por Oguz et al.11, de 0,016.
CONCLUSÕESEm relação às medidas acústicas de vozes de mulheres com laringe normal e sem queixas de voz, pôde-se concluir que as medidas de f0, Jitter (local), Jitter (local-absoluto), Jitter (ppq5), Jitter (ddp), que seguiram distribuição normal, mostrando que são passíveis de serem utilizadas como valores-base de normalidade para a interpretação dos resultados de análises vocais acústicas femininas, com ou sem afecção laríngea. As medidas de Shimmer, NHR e HNR não seguiram distribuição normal.
Contudo, todas essas medidas, com e sem distribuição normal, mostram resultados semelhantes aos da literatura nacional e internacional, evidenciando diferenças mínimas entre os programas de análise vocal acústica e entre as diferentes análises do mesmo programa, o que ao contrário do esperado, sugere que diferentes populações poderiam ser avaliadas por diferentes programas, com resultados semelhantes quanto às mesmas medidas ou equivalentes.
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1 Mestre em Distúrbios da Comunicação Humana UFSM - Fonoaudióloga Clínica.
2 Dra. em Linguística Aplicada - PUC RS. Professora Adjunta do Departamento de Fonoaudiologia- UFSM RS.
3 Doutoranda em Neurociências UFRGS, Fonoaudióloga Clínica. Universidade Federal de Santa Maria.
Endereço para correspondência: Leila Susana Finger - Rua João Neves da Fontoura 716/404 Centro São Leopoldo RS 93010-050.
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da BJORL em 24 de janeiro de 2008. cod 5694
Artigo aceito em 21 de julho de 2008.