ISSN 1806-9312  
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3842 - Vol. 75 / Edição 3 / Período: Maio - Junho de 2009
Seção: Artigo Original Páginas: 375 a 380
Caracterização vestibular no ciclo menstrual
Autor(es):
Cintia Ishii1, Lucia Kazuko Nishino2, Carlos Alberto Herrerias de Campos3

Palavras-chave: audição, ciclo menstrual, eletronistagmografia, tontura.

Keywords: hearing, menstrual cycle, electronystagmography, dizziness.

Resumo: As alterações hormonais do ciclo menstrual podem comprometer a homeostase dos fluidos labirínticos, gerando alterações no equilíbrio e na audição. Forma do Estudo: Clínico prospectivo. Objetivo: Comparar os resultados dos testes do exame vestibular em mulheres jovens, nos períodos pré e pós-menstrual. Material e Método: Foram selecionadas vinte mulheres, entre dezoito e trinta e cinco anos, que não fizessem uso de qualquer tipo de anticoncepcional, com audição normal e sem queixas vestibulares. O exame vestibular foi realizado em cada participante no período pré e no período pós-menstrual, em ordem aleatória, e respeitando o limite de até dez dias antes do início da menstruação e até dez dias após o início da menstruação. Resultado: Foi observada a presença de diferença estatisticamente significante no ciclo ovariano somente para as provas do exame vestibular de calibração, movimentos sacádicos, prova rotatória pendular decrescente e prova calórica. As variáveis: idade, ciclo menstrual regulado, casos de surdez ou tontura na família, doenças anteriores, e sintomas do período pré-menstrual como zumbido, cefaleia, distúrbio do sono, ansiedade, náusea e hiperacusia também podem interferir no exame otoneurológico. Conclusão: Há diferenças nos resultados do exame vestibular em mulheres sadias entre os períodos pré e pós menstrual.

Abstract: Hormonal disorders in the menstrual cycle can affect labyrinthine fluid homeostasis, causing balance and hearing dysfunctions. Study Design: Clinical prospective. Aim: compare the results from vestibular tests in young women, in the premenstrual and postmenstrual periods. Materials and Methods: twenty women were selected with ages ranging from 18 to 35 years, who were not using any kind of contraceptive method for at least six months, and without vestibular or hearing complaints. The test was carried out in each subject before and after the menstrual period, respecting the limit of ten days before or after menstruation. Results: there was a statistically significant difference in the menstrual cycle phases only in the following vestibular tests: calibration, saccadic movements, PRPD and caloric-induced nystagmus. We also noticed that age; a regular menstrual cycle; hearing loss or dizziness cases in the family; and premenstrual symptoms such as tinnitus, headache, sleep disorders, anxiety, nausea and hyperacusis can interfere in the vestibular test. Conclusion: there are differences in the vestibular tests of healthy women when comparing their pre and postmenstrual periods.

INTRODUÇÃO

No ciclo menstrual regular, ocorrem variações nos níveis de hormônios esteroides ovarianos, estrógeno e progesterona, conforme as fases do ciclo, que são controlados pelo sistema hipotálamo - hipófise - ovário1.

Pode-se dividir o ciclo menstrual em duas fases, a folicular e a lútea. A fase folicular, também conhecida como folicular precoce ou menstrual, é caracterizada pelo baixo nível de estrógeno e de progesterona. Na fase lútea, conhecida também como lútea tardia ou pré-menstrual, ocorre a queda do nível de estrógeno e progesterona2.

É na fase lútea que ocorre a maioria das alterações nas mulheres, como retenção de líquido, elevação de peso, aumento de demanda energética, alteração de captação de glicose e trânsito mais lento do trato gastrointestinal, modificações no perfil lipídico e no metabolismo de vitamina D, cálcio, magnésio e ferro, hipersensibilidade emocional, dores generalizadas e mudança do comportamento alimentar3. É também nesta fase que podem ser observados quadro de hidropisia labiríntica (devido a retenção de sódio e consequentemente a hipertensão endolinfática) com intolerância ao ruído e sensação de "cabeça oca"4.

As alterações hormonais que ocorrem no ciclo menstrual, gestação e menopausa podem resultar no comprometimento da homeostase dos fluidos labirínticos, pois agem diretamente nos processos enzimáticos e na atuação de neurotransmissores, resultando em alterações do equilíbrio ou de audição5.

Estudo realizado sobre tonturas pré-menstruais sugere alteração vestibular periférica devido à retenção de líquidos na fase lútea do ciclo ovariano6, causado pelo aumento de liberação de estrógeno, progesterona e aldosterona7. Também é possível observar a presença de vertigem ou tontura nos dias que antecedem a menstruação devido ao aumento de estrógeno, progesterona e aldosterona que atingem a orelha interna, causando uma hidropisia no labirinto e sintomas muito parecidos com os da doença de Ménière7.

Diante desta realidade de possível influência dos hormônios ovarianos em diferentes fases do ciclo sobre a função vestibular, há o interesse em buscar achados vestibulares que possam comprová-los.

Assim o objetivo do estudo é verificar se há diferenças nos resultados do exame vestibular, em mulheres nos períodos pré e pós-menstrual.


MÉTODOS

Todas as participantes foram esclarecidas sobre os objetivos deste estudo e convidadas a participar do mesmo, com a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido. Este estudo foi realizado respeitando todos os princípios éticos que versam a resolução 196/96 (MINISTÉRIO da Saúde, 1996) sobre ética em pesquisa com seres humanos e as orientações do Comitê de Ética em Pesquisa, pelo protocolo 02/06.

Para a realização do estudo foram selecionadas 20 mulheres, na faixa etária de 18 a 35 anos.

Como critério de inclusão, participaram do estudo mulheres:

1) Que não fizessem uso de qualquer método anticoncepcional hormonal, nos últimos 6 meses;
2) Com limiares de audibilidade, nas frequências de 0,25kHz a 8kHz, e identificação do limiar de reconhecimento de fala (LRF) de até 25 dB NA, e índice de reconhecimento de fala com monossílabos (IRF) de no mínimo 88%.
3) Sem qualquer alteração no meato acústico externo (comprovada com a realização de meatoscopia);
4) Sem queixas vestibulares, investigadas através da aplicação de questionário composto por: identificação, antecedentes otológicos, queixas auditivas, queixas vestibulares e informações sobre o ciclo menstrual.

Após a confirmação dos critérios de inclusão, realizamos exame vestibular (EV) composto por: Pesquisa do Nistagmo de Posição (NP), Calibração (CAL), Pesquisa do Nistagmo Espontâneo de Olhos Abertos (NEOA) e Olhos Fechados (NEOF), Nistagmo Semiespontâneo de Olhos Abertos (SEOA), Movimentos Sacádicos (MS), Rastreio Pendular (RP), Pesquisa do Nistagmo Optocinético (NO), Prova Rotatória Pendular Decrescente (PRPD), Prova Calórica a ar (PC), a 42ºC e 18ºC.

Foi solicitado a cada participante a não ingestão de chocolate, café e chá preto, mate ou verde nos 3 dias que antecederam ao exame, e que evitasse bebida alcoólica e fumo.

Todos os testes foram registrados no computador, com cálculo automático do ganho, latência, precisão e velocidade angular da componente lenta do nistagmo, além de todos os cálculos necessários em cada prova.

O equipamento computadorizado da vectoeletronistagmografia digital utilizado incluiu programa específico (software), barra luminosa e otocalorímetro a ar do tipo NGR 07, da marca Neurograff Eletromedicina Ind. & Com. Ltda.

Os exames audiológicos foram realizados em cabina acústica tratada, com o audiômetro marca Interacoustics, modelo AC 40, fones Telephonics TDH 39P, e as medidas de imitância acústica foram pesquisadas no imitanciômetro marca Interacoustics, modelo AZ7R.

Após a coleta de dados, adotamos o nível de significância de 5% para a aplicação dos testes estatísticos. Foram utilizados os testes com o Programa SPSS (Statistical Package for Social Sciences, versão 13.0): Teste dos Postos Sinalizados de Wilcoxon e Análise de Correlação de Spearman.


RESULTADOS

Os resultados do EV encontravam-se dentro do padrão de normalidade.

Com a aplicação do questionário pudemos descrever as principais variáveis de caracterização da amostra e sintomas que ocorrem durante a fase menstrual do ciclo, nas Figuras 1 e 2.


Figura 1. Porcentagem de ocorrência das variáveis do questionário na amostra.



Figura 2. Porcentagem dos sintomas que ocorrem durante o período pré-menstrual na amostra.



Com o Teste dos Postos Sinalizados de Wilcoxon, verificamos possíveis diferenças entre os dois momentos considerados (Tabela 1). Houve diferença estatisticamente significante entre os períodos do ciclo menstrual, nas provas de: latência da CAL no olho direito, precisão dos MS no olho esquerdo, PRPD (preponderância direcional do nistagmo - PDN) canal superior, e na CAL, VACL (velocidade angular da componente lenta) a 42 graus Celsius.




Com a aplicação da Análise de Correlação de Spearman, verificamos a relação entre as variáveis do questionário com os resultados dos exames vestibulares.

As Tabelas 2 e 3 descrevem os p-valores significantes entre as variáveis do questionário e dos sintomas do período menstrual com EV.







DISCUSSÃO

O ciclo menstrual pode ser definido como o intervalo entre o primeiro dia de uma menstruação e o primeiro dia da menstruação seguinte. A Tensão Pré-Menstrual (TPM) é um conjunto de sintomas que surge entre 10 e 14 dias antes da menstruação e desaparece após o início da mesma. Mais de 150 sintomas já foram catalogados, com incidência variada e inconstante. Quando estes sintomas se tornam tão intensos que interferem na atividade diária, assumem a forma severa da Síndrome Pré-Menstrual (SPM). A TPM afeta aproximadamente 75% das mulheres em idade fértil8-10.

A diminuição da latência da CAL e o aumento da precisão dos MS no período pós-menstrual discordam do estudo11 que acompanhou dois ciclos menstruais, com 12 indivíduos, demonstrando que as mudanças hormonais do ciclo não têm efeito significativo na função optocinética, apenas na estabilidade postural lateral.

É importante ressaltar que os níveis de estrógeno e progesterona na fase pré-menstrual podem alterar o funcionamento no sistema nervoso central, podendo influenciar indiretamente na função optocinética. Isto poderia ocorrer especialmente nas áreas relacionadas com a interação visual-vestibular, como, por exemplo, nos receptores GABAA (Ácido Gama-aminobutírico, que age como neurotransmissor inibitório ligando-se a receptores específicos). Estes receptores podem ser modulados pelo metabolismo da progesterona e assim, alterar a transmissão dos núcleos vestibulares que estão envolvidos nos reflexos optocinético, vestíbulo-ocular e vestíbulo-espinal11.

O aumento do valor da PDN dos canais semicirculares superiores, no período pós-menstrual, na prova de PRPD, teve valor estatístico significante. Podemos supor que isto ocorreu devido à possível influência dos hormônios sexuais nos líquidos corporais12. Assim, com o aumento da pressão e do volume da endolinfa e perilinfa na fase pré-menstrual, no momento em que posicionamos a cabeça para realização da PRPD dos canais verticais, tanto para direita como para a esquerda, esta alteração da pressão e do volume produziria um efeito menor na estimulação da prova.

Na PC a 42º, o aumento no valor da VACL no período pós-menstrual também possuiu diferença estatisticamente significativa. Podemos supor que este fato ocorreu no período pré-menstrual porque há elevação na temperatura basal do corpo da mulher devido ao aumento dos níveis de hormônios sexuais13. Com este aumento da temperatura, quando estimulamos o ouvido a 42º Celsius no período pré-menstrual, ocorreria um efeito menor no labirinto do que quando realizamos a mesma prova no período pós-menstrual.

Quando cruzamos as variáveis do questionário e os sintomas manifestados sobre os resultados do EV durante o período pré-menstrual podemos levantar hipóteses sobre suas correlações.

O avanço da idade poderia influenciar na latência da CAL devido à diminuição natural dos movimentos musculares do corpo e processos degenerativos das células ciliadas, otólitos, células ganglionares e terminações nervosas no sistema vestibular periférico e central, fato que poderia ser mais observado em idosos14. O fato de o ciclo menstrual ser regulado ou não poderia interferir na velocidade da CAL, pois quanto mais regulado o ciclo, mais regulado seria o nível dos hormônios sexuais e consequentemente menores as alterações na orelha interna.

Casos de surdez e tontura na família podem representar uma predisposição genética aos indivíduos para desenvolverem alterações labirínticas e cocleares15, o que pode influenciar no EV. Doenças anteriores, como sarampo e varicela, e tratamentos medicamentosos podem interferir no resultado de: velocidade e latência da CAL, latência dos MS, tipo, frequência e PDN do RP, PDN do NO, velocidade e PDN da PRPD, porque são fatores de risco para a presença de alterações da orelha interna. Doenças virais podem desencadear labirintite endolinfática ou neurite do VIII par e levam a uma deficiência auditiva neurossensorial. Já otites médias e tratamentos medicamentosos podem afetar a base da cóclea, ocasionando lesões nesta região15.

Zumbido, cefaleia, distúrbio do sono, ansiedade, náusea e hipersensibilidade a sons intensos poderiam interferir nas provas de EV (tipo e frequência do RP, VACL e ganho do NO, velocidade e PDN da PRPD, VACL da PC) porque além do período pré-menstrual alterar a pressão da perilinfa e da endolinfa e a viscosidade sanguínea12, estudos mostram que existem sintomas psíquicos na síndrome pré-menstrual que diminuem a capacidade de concentração16, e isto diminuiria também a atenção da amostra na realização do exame.

Assim, os hormônios sexuais femininos alterariam fisicamente o vestíbulo, com mudanças na pressão endolinfática e na viscosidade sanguínea. Porém, as alterações mais significativas seriam as que envolveriam os efeitos da progesterona e do estrógeno no sistema nervoso central, e consequentemente, nos neurotransmissores e suas interações.


CONCLUSÃO

A presente pesquisa permitiu concluir que:

Nas diferentes fases do ciclo menstrual há alterações nas provas: CAL, MS, PRPD e PC VACL a 42º.


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1 Mestranda, Fonoaudióloga.
2 Especialista em Audiologia pelo Conselho Federal de Fonoaudiologia, Fonoaudióloga - Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.
3 Doutorado, Professor Adjunto da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da BJORL em 5 de dezembro de 2007. cod. 5609
Artigo aceito em 2 de janeiro de 2008.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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