INTRODUÇÃOÉ nos primeiros anos de vida que o desenvolvimento do processamento auditivo ocorre a partir da experienciação do mundo sonoro. Assim, perdas auditivas, histórias de otite média nesta época, podem ser indicadores de risco para o seu desenvolvimento, como também para a linguagem, fala e aprendizagem, pois este é o período crítico que a criança aprende como ouvir.1
O processamento auditivo é o termo utilizado para descrever o que acontece quando o cérebro reconhece e interpreta os sons em torno de uma pessoa2, e transtorno de processamento auditivo refere-se à dificuldade no processamento perceptual da informação no Sistema Nervoso Central, demonstrado por um baixo desempenho em uma ou mais habilidades auditivas, tais como localização, lateralização, discriminação auditiva, reconhecimento de padrões auditivos, déficits no processamento temporal e outras.3
Assim o processamento auditivo e o transtorno de processamento auditivo têm sido amplamente estudados em uma variedade de trabalhos clínicos4-8, porém poucos relatos são encontrados no que diz respeito à função auditiva central na população com fissura labiopalatina. É a grande ocorrência de problemas otológicos e conseqüente presença de perda auditiva periférica que tem sido enfatizado nos portadores dessa malformação congênita.
Entre os problemas otológicos, a otite média com efusão (OME) tem sido relatada como sendo quase universal entre crianças com fissura labiopalatina.9,10 A principal razão para isto parece ser devido à falha na abertura da tuba auditiva, conseqüente a uma anormal inserção dos músculos tensor e elevador do palato mole, causando a obstrução da tuba auditiva e pressão negativa da orelha média11; incapacidade da tuba auditiva de equilibrar as pressões positiva e negativa, devido a sua elasticidade reduzida e conseqüente obstrução funcional12; anormalidade na sua compliância tubal13; patência tubária, isto é, propriedade da tuba de se abrir mais do que o normal, propiciando passagem de secreções da nasofaringe para a cavidade timpânica14; e anormalidades do esqueleto facial15 têm sido sugeridos também como fatores contribuintes. Desta forma, uma alta ocorrência de OME e perda auditiva têm sido encontradas entre crianças portadoras de fissura labiopalatina, mesmo depois da reparação do palato, pois embora o funcionamento do músculo tensor do palato mole possa ser melhorado após este procedimento cirúrgico, dificilmente é normalizado, podendo tornar-se constantes os episódios de otite16-20.
A otite média com efusão produz uma perda auditiva de grau leve a moderada, intermitente, que prejudica a função auditiva central. As alterações auditivas centrais induzidas pela OME parecem contribuir para dificuldades sociais e acadêmicas.21
Assim, a caracterização dos sinais e sintomas fonoaudiológicos, a busca do diagnóstico etiológico e a constatação de entidades clínicas que acometem o sujeito com fissura labiopalatina têm sido preocupações dos profissionais da área de saúde. Portanto, sabendo que a fissura palatina é uma anomalia craniofacial importante em nossa realidade clínica e que de acordo com o Joint Committee on Infant Hearing22 as anomalias craniofaciais figuram como um dos indicadores de risco para a audição, apesar de não se restringir a elas, o fonoaudiólogo, como membro de uma equipe interdisciplinar, além de ter conhecimento das causas determinantes das complicações otológicas presentes, tem que ser capaz de avaliar todo o sistema vestíbulo-coclear e não apenas um segmento periférico, vindo contribuir desta forma para o processo de prevenção, terapia e para o estabelecimento de condutas adequadas23.
OBJETIVOVerificar o desempenho das crianças com fissura isolada de palato nos testes comportamentais especiais do processamento auditivo.
MATERIAL E MÉTODOParticiparam desta pesquisa 20 crianças de ambos os gêneros, na faixa etária de 7 a 11 anos (idade média de 9 anos e 4 meses), diagnosticadas como portadoras de fissura isolada de palato, operadas, escolhidas aleatoriamente de um hospital especializado em atendimento neste tipo de malformação congênita.
Todas as crianças apresentavam audição periférica e função de orelha média normais, verificadas por meio da avaliação audiológica convencional realizada (audiometria e imitanciometria). Nenhuma delas apresentava queixa auditiva e/ou afecção das vias aéreas superiores na situação de exame, nem histórico de queixa de desatenção, assim como qualquer dificuldade para compreender os testes.
A Tabela 1 apresenta a distribuição das crianças quanto à idade e gênero.
O referido trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa (protocolo Nº: 876/2003UEPCEP) e os pais ou responsáveis pelos participantes da pesquisa concordaram em participar do estudo, após leitura do Termo de Consentimento Livre Esclarecido e devidas explicações da pesquisadora, assinando o referido Termo. A pesquisa foi realizada no ano de 2004.
O processo de avaliação constou da aplicação de testes especiais comportamentais do processamento auditivo. São eles:
Testes dióticos: teste de localização sonora (LS)24, teste de memória seqüencial verbal (MSSV)24, teste de memória seqüencial não- verbal (MSSNV)24, e teste de Fusão Auditiva-Revisado(AFT-R)25
Testes monóticos: Teste Pediátrico de Inteligibilidade de Fala com mensagem competitiva ipsilateral (PSI/MCI)26 e o teste de Sentenças Sintéticas com mensagem competitiva ipsilateral (SSI/MCI);27
Testes dicóticos: Teste Pediátrico de Inteligibilidade de Fala com mensagem competitiva contralateral (PSI/MCC)26, teste de Sentenças Sintéticas com mensagem competitiva contralateral (SSI/MCC)27, Teste de Dissílabos Alternados (SSW)28, e Teste Dicótico de Dígitos (DD)29.
Todos os testes foram realizados em cabina acústica. Para os testes monóticos e dicóticos, utilizou-se o audiômetro de dois canais SD 50 acoplado a um CD player.
O teste de localização sonora (LS) avalia a habilidade de localização sonora24 e tem como objetivo dar informações sobre o mecanismo fisiológico auditivo de discriminação da direção da fonte sonora30. Com o auxílio de um guizo, cinco posições de localização em relação à cabeça da criança, de olhos vendados, foram pesquisadas: à direita, à esquerda, acima, à frente e atrás. A criança deveria indicar o local do som. Para este procedimento é esperado que a criança acerte pelo menos quatro das cinco direções apresentadas24.
No teste de memória seqüencial verbal (MSSV) são apresentadas oralmente à criança três diferentes seqüências de três sílabas (PA, TA, CA), que deveria ser repetida pela criança, exatamente, na seqüência apresentada. Pelo menos duas das três seqüências as crianças menores de 9 anos devem acertar. Para os com idade igual ou acima de 9 anos, espera-se o acerto de todas as três diferentes seqüências apresentadas31.
No teste de memória seqüencial não-verbal (MSSNV) foram utilizados instrumentos sonoros (guizo, coco, agogô e sino), percutidos em três diferentes seqüências. À criança foi solicitada a apontar os instrumentos musicais na ordem apresentada. Espera-se que a criança acerte pelo menos duas seqüências de quatro sons em três tentativas.
Os testes MSSV e MSSNV objetivaram dar informações dos mecanismos fisiológicos auditivo de discriminação de sons em seqüência30, visando avaliar as habilidades auditivas de ordenação temporal simples.
Os testes LS, MSSV e MSSNV foram demonstrados às crianças anteriormente a sua aplicação.
O teste AFT-R é designado para medir a resolução temporal, pela determinação do limiar de fusão auditiva, medido em milissegundos (ms). A criança é apresentada uma série de pares de tons puros, separados por intervalos de silêncio de zero a 300ms, aos quais deverá responder se ouviu um ou dois tons. Para as crianças de 7 anos é esperado um limiar de fusão de 9ms (DP=4) e de 8 ms (DP=3) para as crianças de 8 até a idade adulta de 50 anos. É aplicado a uma intensidade de 50 dBNS, considerando o limiar aéreo das freqüências avaliadas de 250 a 4000 Hz.
O Teste Pediátrico de Inteligibilidade de Fala26 e o teste de Sentenças Sintéticas27 são testes de reconhecimento de frases por meio da identificação de figuras (no PSI) e de sentenças escritas (no SSI), na presença de mensagem competitiva ipsilateral (escuta monótica) e contralateral (escuta dicótica). A mensagem competitiva é uma história. Primeiramente são apresentadas às crianças para o reconhecimento as figuras no PSI e as sentenças no SSI e, a partir daí, é dada a instrução para a criança prestar atenção e indicar, isto é, apontar as figuras ou sentenças correspondentes à frase ouvida, desprezando a mensagem competitiva. A intensidade de apresentação do sinal de fala é de 40dBNS, considerando a média dos limiares aéreos tonais nas freqüências de 500, 1000 e 2000Hz. Utilizou-se a relação mensagem/competição de zero, -10 e -15, para a escuta monótica e de zero e -40 para a escuta dicótica, para ambas as orelhas. É esperado que a criança apresente uma porcentagem maior ou igual a 80, 70 e 60, respectivamente na escuta monótica e maior ou igual a 90 e 100, respectivamente, na escuta dicótica.
O PSI teste, assim como o SSI teste, avaliam a habilidade de figura fundo para sons verbais30 e tem como objetivo dar informações sobre o mecanismo fisiológico auditivo de reconhecimento de sons verbais em escuta monótica e dicótica.30
O teste dicótico de dígitos (DD)29 consiste da apresentação de uma lista de 40 pares de dígitos dissílabos do português brasileiro (quatro, cinco, sete, oito e nove), em que quatro dígitos diferentes são apresentados simultaneamente, dois em cada orelha, caracterizando uma tarefa dicótica. Utilizou-se a versão gravada, na etapa de Integração Biaural. É aplicado a uma intensidade de 50 dBNS, tendo como referência a média dos limiares tonais aéreos das freqüências de 500, 1000 e 2000Hz. A criança é orientada a repetir todos os dígitos ouvidos em ambas as orelhas. Considerou-se erro quando um dígito foi omitido ou substituído. Como valores de normalidade foram considerados 95% de acertos ou mais em cada orelha para os de idade igual ou maiores de 9 anos e de 85% à direita e 82% à esquerda para os de idade de 7 e 8 anos.
O teste de dissílabos alternados - SSW28 consiste na apresentação de 40 itens, sendo cada item formado por quatro dissílabos paroxítonos, totalizando 160 vocábulos. Em cada item, houve a apresentação de duas palavras em cada orelha, ocorrendo uma sobreposição entre a segunda sílaba da segunda palavra e a primeira sílaba da terceira palavra, que foram enviadas simultaneamente às orelhas opostas. Verificando-se, desta forma, para cada item as condições de DNC (palavra apresentada na orelha direita sem mensagem competitiva), de DC (palavra apresentada na orelha direita com simultânea competição na orelha esquerda), de EC (palavra apresentada na orelha esquerda com simultânea competição à orelha direita) e de ENC (palavra apresentada na orelha esquerda sem mensagem competitiva na orelha contralateral). É aplicado a uma intensidade de 50 dBNS, tendo como referência a média dos limiares tonais aéreos das freqüências de 500, 1000 e 2000Hz. A criança é orientada a repetir todas as palavras ouvidas, obedecendo à ordem de apresentação das palavras. Considerou-se erro quando uma palavra foi omitida, substituída ou distorcida. Realizaram-se as análises quantitativas dos resultados nas condições DC e EC e as qualitativas, isto é, o efeito auditivo (EA), o efeito de ordem (EO), os erros de inversões (I) e o padrão de resposta tipo A (tipo A). Como valores de normalidade foram considerados para as crianças de idade igual ou maior de 9 anos 90% de acertos para DC/EC, I=1, EA=-4 a 4, EO=-3 a 3 e tipo A=3; para 8 anos de idade DC=80%/EC=75%, I=5, EA=-6 a 4, EO=-4 a 3 e tipo A=3; para 7 anos de idade DC=75%/EC=65%, I=5, EA=-8 a 6, EO=-4 a 10 e tipo A=6.
Assim como o teste DD, o teste SSW avalia a habilidade de figura-fundo para sons verbais30 e objetiva dar informações sobre o mecanismo fisiológico auditivo de reconhecimento de sons verbais em escuta dicótica. Avalia também a habilidade de ordenação temporal complexa, fornecendo informações sobre o mecanismo fisiológico auditivo de discriminação de sons em seqüência, quando inversões (I) estão presentes no SSW.30
O desempenho das crianças nos testes foi classificado em: desempenho ruim, quando as crianças não atingiram os escores esperado para a idade em qualquer uma das orelhas e condições competitivas, e desempenho bom quando atingido.
Nem todos os testes propostos e descritos na metodologia puderam ser aplicados na população amostrada, devido às alterações presentes na fala da população amostrada e aos problemas de ordem técnica.
Os dados obtidos foram organizados em Tabelas para facilidade de análise e apresentação. Foi realizado o tratamento estatístico, com o nível mínimo de significância de 5% (p < 0,05).
Foi aplicado o Teste de Mann-Whitney, com o intuito de se verificar possíveis diferenças entre os dois grupos de gênero, assim como o Teste dos Postos Sinalizados de Wilcoxon, visando verificar as possíveis diferenças entre os dois lados, para as variáveis estudadas.
RESULTADOSA Tabela 2 apresenta a estatística descritiva dos testes especiais comportamentais do processamento auditivo da população amostrada.
Somente uma criança foi submetida ao teste PSI, e os seus escores estão inclusos juntamente com os dados do teste SSI, recebendo esta denominação (SSI) nas Tabelas 2 e 3, tendo em vista seus similares objetivo e informações dadas.
A ausência de significância estatística verificada pelo teste de Mann-Whitney do efeito da variável gênero, e pelo teste dos Postos Sinalizados de Wilcoxon das possíveis diferenças entre as duas orelhas, determinou a não-separação de orelhas e de gêneros na apresentação dos resultados (Tabela 3).
A distribuição de crianças segundo a classificação de desempenho nos testes dióticos, monóticos e dicóticos a que foram submetidas é apresentada na Tabela 3.
DISCUSSÃOOs achados da presente investigação sugerem que as crianças com fissura labiopalatina da população amostrada demonstraram apresentar importantes alterações nas habilidades auditivas avaliadas, verificadas por meio de seu desempenho ruim nos testes especiais comportamentais do processamento auditivo.
Uma alta porcentagem de crianças do estudo (Tabela 3) demonstrou seus piores desempenhos no AFT-R (95%), no DD (95%), no SSW (95%) e no SSIMCI (80%).
Alteração no teste AFT-R, aplicado na população portadora de fissura labiopalatina, também foi verificado por pesquisadores32, relatando que das 30 crianças avaliadas no grupo com esta malformação congênita craniofacial e com audição normal, 22 (74%) apresentaram limiares médios de fusão auditiva alterados, sendo que em 19 encontraram história positiva de otite média. Em outro estudo33, os autores observaram resultados no teste de resolução temporal sugestivos de alteração no processamento temporal, em sete das 10 crianças com fissura palatina e com histórico de otite média. Contrastando, estudiosos34 não encontraram em seu estudo evidência para sugerir que otite média de efusão afeta a resolução temporal, mesmo após a audição ter retornado ao normal.
Enfatiza-se a presença de história positiva de otite média, como fator de provável influência no desempenho das crianças em estudo no teste AFT-R, devido à alteração de orelha média na população com fissura labiopalatina ser quase consenso35,36 inferindo-se assim que a sua presença deva ter estado presente em algum momento de suas vidas, podendo influenciar o resultado dos testes. A literatura35,36 aponta que as crianças com fissura labiopalatinas apresentam períodos muito mais longos de privação sensorial, causados por infecções de orelha média, em relação àquelas sem esta malformação craniofacial.
Tendo em vista que o teste AFT-R é designado para medir a resolução temporal, isto é, a capacidade de detectar intervalos de tempo entre estímulos sonoros ou detectar o menor tempo que um indivíduo pode discriminar entre dois sinais audíveis37,38, sua alteração pode resultar em dificuldades para identificar pequenas variações acústicas da fala ou em interpretar a mensagem ouvida.39
Testes dicóticos, tais como o DD e o SSW, são aqueles em que diferentes estímulos são apresentados para cada uma das duas orelhas simultaneamente40 e têm sido usados para explorar a habilidade de integração biaural. Assim, integração biaural é a habilidade de um ouvinte processar diferentes informações apresentadas nas duas orelhas, ao mesmo tempo. Desempenho pobre na integração biaural pode ser expresso em sintomas comportamentais de dificuldade auditiva na presença de ruído de fundo, assim como na dificuldade de entender duas pessoas ao mesmo tempo41,42. Estudiosos43 encontraram 65% de alteração nos testes dicóticos (dicótico de dígitos e dicótico não-verbal) nas crianças com fissura labiopalatina não-sindrômicas estudadas. No presente estudo encontrou-se a maioria (95%) das crianças com resultados alterados.
Pesquisadores44 demonstraram maior comprometimento das habilidades de figura-fundo, integração biaural e memória seqüencial estudando crianças com história de otite recorrente na infância. Sugeriram que a flutuação da audição, ocasionada pelas otites, pode apresentar efeito negativo no processo de desenvolvimento do indivíduo, em virtude da ineficiência das estratégias de ouvir, podendo persistir apesar da inatividade da doença.
Uma vez que a integração biaural envolve memória de trabalho e atenção dividida41, poder-se-ia pensar em déficits dessas habilidades influenciando o desempenho ruim encontrado nos testes dicóticos no presente trabalho, pois mesmo a tarefa auditiva mais simples é influenciada por funções de alto nível e não específicas à modalidade, como a atenção, a aprendizagem, a motivação, a memória e os processos de decisão2, além de que a atenção tem efeito facilitador no processo da audição.45 Porém, é importante ter em mente que o tipo de atenção requerida durante um teste dicótico é diversificado na literatura.46
A classificação de desempenho ruim no teste SSW se deu devido à pontuação atingida pela população em estudo no referido teste, tanto para a análise qualitativa, como para a quantitativa, cujos valores médios apresentados na Tabela 2 se mostraram bem abaixo do esperado para a idade. Alteração da habilidade de ordenação temporal complexa foi verificada pela presença de inversões no teste SSW, apresentada pelo estudo estatístico descritivo, atingindo valores de zero até um valor máximo de 16, com média 3,24.
Ainda no que se refere às análises qualitativas do SSW, uma variação de -16 a 6 (valor médio -2,18) e de -12 a 8 (valor médio de -0,76) foi pontuado neste estudo, respectivamente para EA e EO. Dependendo do tipo (alto-baixo ou baixo-alto) de efeito auditivo (EA) e de efeito de ordem (EO) observado, é possível sugerir a presença de alteração em determinadas áreas do cérebro, bem como as características comportamentais decorrentes desta alteração. No entanto, os tipos de EA e de EO obtidos não foram considerados na apresentação deste trabalho. Erro padrão tipo A também foi observado na população amostrada (valor médio de 6,24), apresentando valor máximo de 14, bem acima do considerado dentro do esperado para a faixa etária estudada. Este tipo de erro caracteriza dificuldades de integração auditivo-visual.47
Quanto à análise quantitativa do SSW, desempenho ruim (rebaixado) nas condições DC e EC do teste SSW pode sugerir disfunção no lobo temporal esquerdo48 e estão associadas a habilidades de decodificação fonêmica pobres, podendo demonstrar habilidades fonéticas pobres (afetando a leitura e a soletração), linguagem receptiva e dificuldades articulatórias nos seus primeiros anos49. No presente estudo foi obtido valor médio de 58,38% e 65,47%, respectivamente, para DC e EC, abaixo do esperado para a idade.
No que se refere ao teste SSI com mensagem competitiva ipsilateral (SSI-MCI), tanto os valores médios como os valores mínimos mostraram-se bilateralmente bem abaixo do esperado para todas as relações sinal-ruído avaliadas. Este resultado parece evidenciar que as crianças do presente estudo apresentam dificuldade de realização desta tarefa monótica, por meio de processo de atenção seletiva, uma vez que as informações apresentadas monoauralmente devem ser separadas, utilizando a habilidade de figura-fundo.50 No entanto, quando o teste foi realizado com tarefa dicótica de separação biaural (SSIMCC), isto é, tarefa na qual a criança deve dirigir sua atenção para a informação apresentada em uma orelha, enquanto ignora a mensagem competitiva (história) apresentado para a outra orelha, uma porcentagem alta (81%) de crianças com bom desempenho foi observada. Esta habilidade é importante para ouvir e entender a fala em ambientes ruidosos.51
Os melhores desempenhos, demonstrados por uma alta porcentagem de crianças (Tabela 3), ocorreram para três testes dióticos (LS, MSSNV, MSSV) e um dicótico (SSI/MCC).
Ao se analisar o resultado do teste de localização sonora (LS), visualiza-se que a maior parte (84%) das crianças com fissura labiopalatina da presente pesquisa apresentou adequação do mecanismo de discriminação da direção da fonte sonora. Este mecanismo depende do processo de interação biaural, isto é, como as duas orelhas trabalham juntas40,41,52 para uma boa percepção da direção da fonte sonora, tendo como estruturas responsáveis o complexo olivar superior e o colículo inferior, localizados no tronco encefálico40,53,54, assim como o córtex auditivo55. Alterações nesta habilidade seriam justificadas por uma perda auditiva periférica assimétrica40 não presente na situação do exame, nas crianças em estudo.
Tendo em vista que o desempenho nos testes que avaliam a memória seqüencial tanto para estímulos não-verbais (MSSNV) quanto para os estímulos verbais (MSSV) mostraram-se, respectivamente, com valores médios de 2,16 e 2,42, permitiu verificar que a habilidade de memória de curto prazo exigida para o desempenho das crianças nestes testes mostrou-se dentro do esperado para a idade.
CONCLUSÃOOs achados da presente investigação sugerem que uma alta porcentagem de crianças do estudo demonstrou seus piores desempenhos nos testes de Fusão Auditiva-Revisado Dicótico de dígitos, SSW no teste SSI-MCI. Os melhores desempenhos ocorreram para os testes de localização sonora, memória seqüencial para sons não-verbais e verbais e para o teste de sentenças sintéticas com mensagem competitiva contralateral.
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1 Pós-graduação Lato sensu, Aprimoramento. Aluna regular de Mestrado - FCM Unicamp.
2 Especialização em Audiologia, Fonoaudióloga clínica.
3 Professora Livre-Docente do Departamento de Fonoaudiologia da Faculdade de Odontologia de Bauru, Universidade de São Paulo, USP-Bauru. Universidade de São Paulo - Faculdade de Odontologia de Bauru - FOB USP Bauru Departamento de Fonoaudiologia. Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciaias - HRAC.
Endereço para correspondência: Mariza Ribeiro Feniman - Alameda Octávio Pinheiro Brisolla 9-75 Vila Universitária Bauru SP 17012-901.
E-mail: feniman@usp.br
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP.
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBORL em 28 de setembro de 2007. cod. 4828
Artigo aceito em 15 de abril de 2008.