ISSN 1806-9312  
Quarta, 30 de Outubro de 2024
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380 - Vol. 69 / Edição 2 / Período: Março - Abril de 2003
Seção: Artigo Original Páginas: 242 a 249
Controvérsias ou complexidade na relação entre processamento temporal auditivo e envelhecimento?
Autor(es):
Vera T. das Neves[1],
M. Ângela G. Feitosa[2]

Palavras-chave: envelhecimento auditivo, processamento temporal auditivo, detecção de interrupções no som, reconhecimento de fala.

Keywords: auditory aging, auditory temporal processing, gap detection, speech recognition.

Resumo: O presente artigo faz uma revisão breve da literatura sobre envelhecimento auditivo, abordando especificamente o envelhecimento do processamento temporal auditivo. São descritos os procedimentos experimentais para estudo de processamento temporal auditivo. São discutidos estudos sobre os efeitos do envelhecimento na detecção de interrupções em ruídos e tons puros, bem como estudos sobre a relação entre o processamento temporal auditivo e o reconhecimento de fala, entre sujeitos jovens e idosos. São descritas algumas das principais controvérsias sobre a relação entre processamento auditivo temporal e reconhecimento de fala. As diferenças entre os resultados encontrados nos estudos desta área são interpretadas em termos da complexidade dos procedimentos de avaliação de processamento temporal auditivo adotados. Finalmente, são apresentadas sugestões sobre direções futuras para pesquisa.

Abstract: The present article contains a brief review of the literature concerning auditory aging, describing specifical studies on aging of temporal auditory processing. Experimental procedures for research on temporal auditory processing are described. Studies about the effects of aging on the detection of gaps in noises and pure tones, as well as studies on the relationship between temporal auditory processing and speech recognition, among young and aged subjects, are discussed. Some of the main controversies about the relationship between temporal auditory processing and speech recognition are described. The differences found among the results of the studies in this area are interpreted in terms of the complexity of the procedures of assessment of temporal auditory processing adopted. Finally, suggestions about future directions of research are presented.

INTRODUÇÃO

Grande parte das informações transmitida através de sons, como a fala e a música, por exemplo, é expressa por mudanças nas características do som com o decorrer do tempo. O processamento auditivo temporal envolve a competência para processar estes aspectos do som que variam com o tempo. O interesse no exame da relação entre o envelhecimento e o processamento auditivo temporal tem sido crescente, nos últimos anos, por causa da existência de idosos que freqüentemente queixam-se de dificuldades para compreender a fala que não guardam relação com o nível de perdas auditivas que apresentam. Ou seja, enquanto alguns idosos com poucas dificuldades para detectar sons com baixa intensidade afirmam ter dificuldades para compreender a fala, principalmente em situações em que há ruídos ou reverberações, outros idosos com evidentes perdas auditivas, nem sempre apresentam tais queixas. Estudos recentes1,2 têm evidenciado que tais dificuldades com reconhecimento de fala podem estar relacionadas a perdas da capacidade de realizar o processamento temporal de sons, associadas ao envelhecimento. O exame de tais evidências é o propósito deste texto.

O estudo do processamento temporal auditivo é subdividido em dois grandes tópicos: a integração temporal (também chamada de somação temporal) e a resolução temporal (também chamada de acuidade temporal). A integração temporal auditiva consiste na capacidade do sistema auditivo de acumular informação durante algum tempo para melhorar a detecção ou discriminação de sons3. Historicamente, esta é a área mais antiga de estudo dos fenômenos auditivos temporais, e nela se examina como o aumento da duração dos sinais torna mais fácil sua detecção4. A resolução temporal, por sua vez, se refere aos aspectos rápidos do processamento auditivo, que permitem, por exemplo, detectar interrupções breves entre dois estímulos, ou detectar modulações nos sons3,4.

O exame da resolução temporal pode ser realizado de diversas maneiras. Eddins e Green4 classificam as numerosas variantes destes procedimentos de estudo em cinco grandes categorias: estudos de percepção de ordem temporal, de detecção de fase, de detecção de interrupções, de detecção de modulação de amplitude e de detecção de assincronias temporais. Até o momento, os estudos com idosos têm se concentrado, principalmente, no exame da detecção de interrupções em diversos tipos de sinais sonoros. Portanto, o exame das características da detecção de interrupções em idosos será o primeiro tema tratado no presente texto. Em seguida, serão examinados alguns estudos abordando tarefas mais complexas de processamento temporal e alguns estudos que tratam da relação entre processamento auditivo temporal e reconhecimento de fala.

Detecção de Interrupções e Envelhecimento Auditivo

Características gerais dos procedimentos de detecção de interrupções

Em sua forma mais tradicional, os estudos de detecção de interrupções são realizados adotando-se um paradigma de escolha forçada entre dois estímulos. Ou seja, são apresentados dois pulsos de ruídos com uma banda larga de freqüências, monoauralmente. Em um destes pulsos o ruído sofre uma interrupção, a introdução de um período de silêncio de duração brevíssima durante sua apresentação. No outro, o som tem a mesma duração, mas é contínuo, sem interrupções. A tarefa do sujeito experimental consiste em apontar, em uma seqüência de dois pulsos apresentados em ordem aleatória, qual dos ruídos apresenta a interrupção. Desta forma é determinado o limiar de detecção de interrupções (gap detection), ou seja, qual a duração mínima da interrupção para que sua existência seja detectada.

Além dos estudos em que se procura determinar os limiares de detecção de interrupções, existem trabalhos descrevendo as funções psicométricas de detecção de interrupções com uso de procedimentos sim-não, utilizando tons puros5, ruídos com bandas largas de freqüência6 e bandas estreitas de ruídos7. Tais estudos são descritos com mais detalhes em texto de Neves e Feitosa (2002, no prelo).

Tem sido verificado que, em tons puros e bandas estreitas de ruído, o limiar de detecção de interrupções diminui à medida que aumenta a freqüência dos sons apresentados. Ademais, verifica-se que os ouvintes, tanto jovens quanto idosos, têm mais dificuldade para detectar interrupções quando os sons têm duração mais curta, sendo que os idosos têm mais dificuldade que os jovens quando a interrupção se encontra muito próxima do início ou do término do som, isto é nos 5% finais ou iniciais de seu tempo de duração, ou quando o início da interrupção é imprevisível6.

Detecção de interrupções em jovens e idosos

A maioria dos estudos de detecção de interrupções com idosos tem como objetivo determinar se existe, ou não, um processo de envelhecimento que possa afetar exclusivamente o processamento auditivo temporal, sem afetar necessariamente a sensibilidade ao som, ou seja, seu limiar absoluto de detecção. Subjacente a esta questão está a necessidade de identificar-se a causa da dificuldade, verificada em idosos, para processar mudanças rápidas das características do som, principalmente em presença de ruído. Esta perda de capacidade poderia ser devida a uma deterioração dos processos auditivos periféricos (por exemplo, danos nas células ciliadas da cóclea, ou nas fibras do gânglio espiral), ou poderia ser causada por uma deterioração dos processos auditivos centrais, decorrente de danos a áreas centrais do sistema nervoso auditivo. Como exemplos de danos em áreas auditivas centrais temos a perda de volume neuronal na divisão ventral do núcleo coclear, provavelmente associada à perda de ramificações dendríticas8, a perda de fibras do lemnisco lateral9 ou alterações nos dendritos e corpo celular de neurônios do córtex auditivo10. Alternativamente, tal dificuldade poderia estar associada a perdas cognitivas gerais, próprias da lentificação generalizada dos processos cognitivos em idosos. Esta é questão norteadora dos estudos relatados a seguir.

Em 1992, Moore, Peters e Glasberg apresentaram um relato de pesquisa envolvendo a detecção de interrupções temporais em senoidais por jovens e idosos com e sem perdas auditivas. Procuraram verificar se os idosos teriam uma resolução temporal pior do que a de jovens e se este déficit seria restrito a pessoas com perdas auditivas. Para isso, constituíram dois grupos, um de pessoas com idades entre 63 e 86 anos portadores de perdas auditivas, e outro de pessoas com idades entre 62 e 83 anos com audição normal, que foram comparados a um grupo de pessoas com audição normal e idades entre 22 e 43 anos, examinados em outro estudo11. A sua tarefa consistia em detectar intervalos em senóides com freqüências entre 100 e 2000 Hz, intensidades entre 25 e 85 dB SPL e 500 ms de duração, em procedimentos de escolha forçada entre três alternativas. Seus resultados indicaram que os limiares de detecção de interrupções melhoravam à medida que aumentava a intensidade do som, mas atingiam valores assintóticos em níveis mais elevados, como 55 dB SPL para as freqüências entre 100 e 2000 Hz. Isto ocorria tanto entre jovens quanto idosos, apesar de alguns idosos apresentarem uma redução do desempenho no nível mais alto (85 dB SPL). Os limiares de detecção de interrupções dos dois grupos de idosos eram semelhantes, e ambos tinham limiares mais altos que o grupo de jovens, sendo que a variabilidade dos resultados era maior nos grupos de idosos que no grupo de jovens. Tais resultados poderiam indicar que a idade, mais do que a perda audiométrica, seria a principal razão para as diferenças entre os grupos. Contudo, observam os autores, esta diferença seria devido, principalmente, a um pequeno número de sujeitos idosos que teria limiares de detecção de interrupções excepcionalmente altos, enquanto a maioria dos ouvintes idosos teria limiares dentro da faixa de normalidade, quer tivessem perdas auditivas ou não. Isto permitiu-lhes concluir que a perda de resolução temporal não seria uma conseqüência inevitável do envelhecimento.

Já Schneider, Pichora-Fuller, Kowalchuk e Lamb12 compararam sujeitos jovens (média de idade de 23 anos) e idosos (média de idade de 69,2 anos) com audição normal (limiares = 25 dB HL entre 0,25 e 3 kHz) em uma tarefa de detecção de interrupções em tons senóides de 2kHz de freqüência, 91 dB SPL de intensidade e 250 ms de duração, em um paradigma de escolha forçada entre duas alternativas. Verificaram que, enquanto os ouvintes jovens tinham limiares de detecção de interrupções de 3,8 e 3,5 ms para as orelhas direita e esquerda, os limiares dos ouvintes idosos eram de 6,2 e 6,5 ms, respectivamente. Adicionalmente, os limiares dos ouvintes idosos eram mais variáveis que os dos ouvintes jovens. Contudo, os limiares audiométricos, tanto de jovens quanto de idosos, não apresentavam correlações significativas com seus limiares para detecção de interrupções. Ou seja, a perda auditiva não predizia a perda de resolução temporal, ou vice-versa, e os limiares absolutos seriam independentes dos limiares de detecção de interrupções em tons puros.

Em um estudo subsequente, Schneider, Speranza e Pichora-Fuller13 examinaram os efeitos da intensidade e da envoltória de tons puros de 2 kHz entre jovens (média de idade de 23 anos) e idosos (média de idade de 68 anos). Para isso, mediram os limiares de detecção de sinal para dois níveis de intensidade (40 e 60 dB SL) e envoltórias Gaussianas com desvios padrão entre 0,5, e 2 ms (isto é, com amplitudes crescentes, ou tempos de ataque mais longos). Os estímulos com desvios padrão menores em suas envoltórias têm uma dispersão espectral maior, o que poderia permitir que as interrupções fossem detectadas através da audição de altas freqüências, que é melhor em jovens que idosos. Por outro lado, os estímulos com desvios-padrão maiores nas envoltórias têm mudanças de intensidade do estímulo mais lentas, portanto, se as diferenças no limiar de detecção de interrupções entre jovens e idosos fosse causada por um tempo mais longo de integração temporal entre idosos, as diferenças entre estes dois grupos tenderiam a desaparecer à medida que as envoltórias tivessem seu desvio-padrão aumentado. Seus resultados indicaram que os idosos tinham limiares mais altos que os jovens com todas as amplitudes de envoltórias, concluindo-se de que as diferenças determinadas pela idade não poderiam ser atribuídas à dispersão espectral, nem a um tempo de integração mais longo, já que a diferença entre os dois grupos não se alterava significativamente entre as diversas amplitudes de envoltória. Finalmente, verificaram que os limiares de detecção de interrupções eram independentes dos limiares audiométricos, para ambos os grupos. Contudo, aproximadamente metade dos idosos tinham limiares de detecção de interrupções na mesma faixa que os de jovens, sendo as diferenças entre os grupos determinadas por apenas alguns idosos com limiares excepcionalmente elevados.

Subseqüentemente, Schneider e Hamstra14 investigaram o efeito da duração nos limiares de detecção de interrupção de jovens (média de idade de 21,9 anos) com audição normal (limiar = 30 dB HL entre 200 e 8000 Hz) e de idosos (média de idade de 72,4 anos) nos estágios iniciais de presbiacusia, variando sistematicamente a duração de tons puros com 2 kHz de freqüência e 90 dB SPL de intensidade envolvidos por um ruído branco mascarador. As durações testadas, em um procedimento de escolha forçada entre duas alternativas, variaram entre 5 e 1000 ms. Seus resultados evidenciaram que os limiares de detecção de interrupções de idosos são especialmente maiores nas durações mais curtas (2,4 ms). Entretanto, esta diferença tendia a diminuir à medida em que a duração aumentava, desaparecendo com durações de 1000 ms. Foi verificado, novamente, que o limiar de detecção de interrupções era independente do limiar auditivo absoluto, pelo menos entre estes ouvintes com audição relativamente normal em 2 kHz. Os autores depreenderam, portanto, que as mudanças de acuidade temporal relacionadas à idade podem ocorrer independentemente das mudanças relacionadas à idade na acuidade audiométrica.

Por sua vez, Snell15 utilizou procedimentos de detecção de interrupções, com escolha forçada entre duas alternativas, usando bandas de ruído passa-baixa com freqüência de corte superior de 1 ou 6 kHz, duração constante de 150 ms e níveis de intensidade de 70 e 80 dB SPL, para verificar os efeitos da freqüência de corte superior, da intensidade e da modulação senoidal de amplitude entre jovens (17 a 40 anos) e idosos (64 a 77 anos), em condições de silêncio, mascaramento com ruído branco e mascaramento com ruído de alta freqüência (freqüências entre 6 e 12 kHz) adicionado a ruído branco. Estas condições eram testadas, subseqüentemente, com uma modulação de amplitude de 12,6%. Com tais manipulações pretendia verificar se os idosos seriam mais afetados pela complexidade dos sinais apresentados que os jovens. Os ouvintes dos dois grupos eram emparelhados de forma a terem limiares audiométricos semelhantes entre 0,25 e 6 kHz.. Os resultados indicaram que a detecção de sinais era fortemente influenciada pela idade e pela freqüência dos sinais, sendo os limiares para 6 kHz menores (2,8 ms) que os de 1 kHz (8,3 ms), enquanto os limiares de jovens eram menores que os de idosos em todas as condições. Os limiares tendiam a aumentar em condições de modulação dos sinais e de mascaramento de alta freqüência. Em termos gerais, o desempenho dos idosos deteriorava mais que o dos jovens quando a complexidade dos estímulos apresentados era aumentada. Segundo a autora, apesar de existir alguma sobreposição entre o desempenho dos dois grupos, as médias não refletiam somente a deterioração do desempenho de uns poucos indivíduos, mas sim uma mudança generalizada na distribuição dos limiares com a idade.

Como vimos até o momento, há discordâncias na literatura sobre detecção de interrupções quanto à proporção dos idosos afetados por reduções na acuidade temporal, em relação ao total de pessoas em sua faixa etária. Enquanto alguns autores, como Moore, Peters e Glasberg11, acreditam que esta proporção seria pequena, outros, como Snell16, acreditam que é uma proporção grande o bastante para afetar a distribuição de seu grupo etário. Contudo, todos concordam que estas mudanças não atingem igualmente a todos os idosos, e que podem ou não acompanhar perdas audiométricas ou não. Ou seja, há evidências consideráveis de que os mecanismos que determinam tais mudanças não seriam somente as perdas neurossensoriais periféricas.

Entretanto, os estudos com detecção de interrupções em estímulos simples (tons puros ou bandas de ruído) não são a única forma de avaliar-se o processamento temporal. De fato, como veremos a seguir, estas não são sequer as medidas que melhor se correlacionam às dificuldades de reconhecimento de fala. Estes fenômenos são melhor descritos por estudos com tarefas de processamento temporal utilizando estímulos complexos, dos quais alguns são relatados a seguir.

Processamento Temporal de Estímulos Complexos, Reconhecimento de Fala e Envelhecimento Auditivo

Os estudos sobre a relação entre reconhecimento de fala e processamento temporal auditivo nem sempre encontram uma relação clara entre estes dois aspectos da audição. Tal relação foi negada por Lutman17 em estudo cujo objetivo de seu estudo era determinar se reduções na resolução de freqüências e na resolução temporal em idosos seriam associadas à redução da percepção de fala em ruído. Foram realizadas medidas da resolução de freqüências e medidas de detecção de interrupções em um ruído passa-banda com freqüência central de 2 kHz, largura de banda de 300 Hz e intensidade de 85 dB SPL em 229 sujeitos. Estes mesmos ouvintes realizaram um teste de identificação de sentenças contra um ruído de fundo, com um nível uniforme de 70 dB SPL. Foi verificado que as medidas de resolução de freqüências se relacionavam aos limiares audiométricos para 2 kHz, e que os jovens tinham melhor resolução de freqüências que os idosos para a maioria das faixas de limiar audiométrico.

Uma análise de variância apontou um efeito altamente significante do limiar audiométrico nos aumentos do limiar de detecção de interrupções, não encontrando efeito significativo da idade, nem interações entre os dois fatores. Ademais, uma série de análises de regressão múltipla indicou o limiar audiométrico como o principal preditor da compreensão de fala, explicando 36% de sua variância, seguido da idade (explicando 3%). De fato, a resolução temporal deixava de ser preditiva quando eram removidos os dados dos ouvintes com os nove maiores limiares de detecção de interrupções. Em função disto, o autor concluiu que a resolução temporal só afetaria o reconhecimento de fala nos casos mais extremos de deterioração, que seriam apenas 10% das pessoas com perdas auditivas leves ou moderadas.

Strouse, Ashmead, Ohde e Grantham18 mediram o processamento temporal monaural e binaural e a percepção de fala em jovens (entre 20 e 30 anos) e idosos (entre 66 e 75 anos de idade) com limiares normais, utilizando tarefas de detecção de interrupções em tons puros com freqüências variando entre 0,25 e 6 kHz, além de tarefas de detecção de intervalo interaural. Para a avaliação da percepção de fala foi utilizada uma tarefa de discriminação de fonemas (/ba/ e /pa/) em função de diferenças no tempo de início da vocalização, verificando-se que os idosos tinham menos capacidade de distinguir claramente estas categorias fonêmicas. Contudo, o desempenho nas tarefas de detecção de interrupções não foi um bom preditor do desempenho na tarefa de discriminação de sílabas. A verificação da inexistência de correlação entre as medidas das três tarefas e o limiar absoluto em idosos sugeriu a estes autores que outros fatores associados ao envelhecimento, além da perda auditiva periférica, contribuiriam para os déficits de processamento temporal dos idosos. Assim, os autores concluíram que não existiam evidências de que a percepção de fala pudesse ser explicada pelas capacidades de resolução temporal.

Por outro lado, Snell e Frisina16 examinaram as relações entre a detecção de interrupções em bandas largas de ruído e o reconhecimento de palavras espondaicas contra um ruído de fundo de conversação, em sujeitos com audição normal ou perda auditiva moderada, jovens (17 a 40 anos) e idosos (61 a 82 anos). Diante de ruídos com freqüências superiores de corte de 1 ou 6 kHz e nível geral de 80 dB SPL, os idosos apresentaram limiares mais altos que os jovens. Contudo, tais limiares não se correlacionaram significativamente com os limiares audiométricos para qualquer dos dois grupos. As reduções da capacidade de detectar interrupções eram associadas ao aumento da idade no grupo jovem, mas não no grupo idoso, começando relativamente cedo na idade adulta. Diferentemente, o reconhecimento de palavras não diminuía com o aumento da idade no grupo jovem, mas piorava com o envelhecimento no grupo de idosos, existindo correlações moderadas entre os dois desempenhos. Com base em tais achados, os autores apontaram a ocorrência de mudanças no processamento auditivo que aconteceriam durante toda a vida adulta, iniciando-se as alterações de acuidade temporal décadas antes do surgimento de déficits no reconhecimento de palavras.

Tais conclusões, entretanto, foram contraditas por uma série de experimentos realizados por Fitzgibbons e Gordon-Salant nos últimos nove anos, em que foram usados estímulos e tarefas de complexidade maior. Tais investigações terminaram por reunir evidências de que a complexidade dos estímulos e das demandas de processamento perceptual são fatores importantes na determinação dos déficits associados à idade.

Em 199519, estes autores examinaram o desempenho em tarefas de discriminação de duração de estímulos isolados e estímulos inseridos em padrões de seqüências tonais, examinando os efeitos independentes e interativos da idade e da perda auditiva. Para isso, 40 sujeitos foram distribuídos em quatro grupos: 1) idosos (65 a 76 anos) com audição normal (limiar = 15 dB HL, 250-4000 Hz), 2) jovens (20 a 40 anos) com audição normal (mesmos critérios), 3) idosos (65 a 76 anos) com perdas neurossensoriais leves a moderadas, com predominância de perdas nas freqüências altas e 4) jovens (20 a 40 anos) com perfis audiométricos emparelhados aos dos ouvintes do grupo 3. Estes grupos realizaram tarefas de determinação de limiar diferencial de discriminação de duração tonal (com tons de 250 ms de duração como padrão), e tarefas de determinação do limiar diferencial de discriminação de duração de interrupções (com interrupções de 250 ms, inseridas entre pares de tons de 4 kHz e 250 ms de duração como padrão). Adicionalmente, foram calculados limiares diferenciais de discriminação de duração de estímulos complexos. Estes estímulos eram formados por seqüências de 5 tons com 250 ms, de duração, cada um, e freqüências variáveis, das quais um componente, sempre de 4000 Hz, tinha sua duração variada nos sinais. Na discriminação de duração de interrupções este componente de 4000 Hz era substituído por um período de silêncio. Estas tarefas tinham três níveis de complexidade. No nível de complexidade mínima, uma só seqüência de tons era apresentada em todas as tentativas com o tom (4 kHz) ou interrupção alvo sempre na terceira posição, no meio da seqüência. No segundo nível, complexidade média, a localização do alvo, tom ou interrupção, era sempre na terceira posição, mas a localização dos outros tons era alterada aleatoriamente a cada tentativa. No terceiro nível, a localização de todos os componentes, inclusive o alvo, era trocada a cada tentativa. Seus resultados indicaram que as diferenças de desempenho entre os ouvintes eram determinadas primariamente em função da idade, não ocorrendo um efeito sistemático das perdas auditivas. A discriminação de duração de interrupções dos idosos era menos eficiente, sendo mais variável que o dos jovens. Em geral, o desempenho dos idosos era mais afetado pela complexidade dos estímulos que o dos jovens. Em função de tais resultados, os autores concluíram que muitos idosos teriam uma redução da capacidade de processamento temporal, que só se tornaria evidente com o uso de estímulos mais complexos, não sendo detectáveis com testes simples.

Em 199820, o processamento temporal de jovens e idosos foi comparado com o uso de tarefas de complexidade ainda maior. Para isso, Fitzgibbons e Gordon-Salant apresentaram a 4 grupos de 10 sujeitos, formados com os mesmos critérios dos grupos do estudo de 1995, tarefas de discriminação e identificação de ordem temporal de seqüências tonais. Estas seqüências consistiam em combinações de 3 tons com freqüências de 3548 Hz, 4000 Hz e 4467 Hz. Nos procedimentos de discriminação, sua duração era variada segundo três condições de complexidade crescente: 1- seqüências organizadas em ordens unidirecionais de freqüência (com tons de freqüências crescentes ou decrescentes), 2-bidirecionais (em que a ordem das freqüências era média-alta-baixa ou alta-baixa-média) ou 3- aleatórias (em que a ordem dos tons era trocada aleatoriamente a cada tentativa). Os sujeitos deviam comparar a primeira seqüência (padrão) em um procedimento de escolha forçada entre três alternativas, apontando qual seqüência (segunda ou terceira) soaria diferente da primeira.

Os dados obtidos acerca da discriminação temporal evidenciaram efeitos principais significativos de idade e condição de discriminação, e uma interação significativa entre estes fatores. O efeito principal das perdas auditivas sobre a discriminação não foi significativo, nem havia interações significativas com este fator. Os limiares de discriminação de ordem dos ouvintes idosos eram muito maiores que os dos jovens diante das condições bidirecionais e aleatórias, mas não diante das unidirecionais. Ademais, ocorria um declínio progressivo do desempenho à medida que diminuía a duração dos tons, para todos os grupos. Logo, foi concluído que os déficits de processamento temporal associados à idade devem variar em função tanto da complexidade dos estímulos quanto da velocidade de processamento dos ouvintes.

Finalmente, em 2001, Fitzgibbons e Gordon-Salant21 relataram uma pesquisa abordando mudanças relacionadas à idade na sensibilidade temporal a aumentos no intervalo entre os inícios de componentes sucessivos de seqüências tonais. Neste estudo, 52 ouvintes se distribuíam em quatro grupos, segundo os mesmos critérios dos estudos anteriores, tendo todos escores de reconhecimento de monossílabos = 80%. Foram usados como estímulos seqüências de cinco tons de 4000 Hz e 50ms separados por intervalos silenciosos de durações iguais. A duração dos intervalos silenciosos entre os tons era alterada a cada tentativa, entre 100 e 600 ms, mudando a duração total das seqüências. Nas condições de baixa complexidade todos os intervalos entre os tons tinham durações iguais que eram aumentadas na mesma medida. Nas condições de média complexidade, apenas o intervalo silencioso que antecedia o terceiro tom tinha sua duração alterada, mantendo-se com duração igual o restante das seqüências. Nas condições de alta complexidade o intervalo cuja duração era aumentada era mudado, aleatoriamente, a cada tentativa. Todos os tons tinham intensidades ajustadas para produzir, pelo menos, níveis de sensação de 25 a 30 dB SL em ouvintes com perda auditiva.

Verificou-se que em todos os grupos havia tendência a diminuírem os limiares diferenciais à medida que a duração dos intervalos silenciosos aumentava. Foram observados efeitos significativos de idade e duração de intervalos, porém, nenhuma das análises de dados revelou influências sistemáticas ou significativas de perdas auditivas, entre jovens ou idosos. Nas condições em que a complexidade da tarefa variava, os idosos tinham dificuldades crescentes com o aumento da complexidade da tarefa. Estes resultados, para os autores, não mostravam influências significativas da perdas auditivas neurossensoriais, sendo as diferenças indicativas de mudanças na resolução temporal, próprias do envelhecimento.

Como foi evidenciado até o momento, apesar de Lutman ter concluído que o principal determinante das dificuldades de reconhecimento de fala em idosos ser a extensão das perdas sensoriais sofridas pelos ouvintes, com pouco efeito atribuível ao envelhecimento, os estudos de Fitzgibbons e Gordon-Salant revisados até o momento, levavam a conclusões diferentes, já que demonstravam que várias tarefas de processamento temporal eram afetadas pela velocidade de processamento auditivo, sem sofrer influência significativa de perdas auditivas. Conclusões semelhantes são encontradas nos experimentos destes mesmos autores sobre as relações entre o reconhecimento de fala falada e características do processamento auditivo temporal de jovens e idosos, revisados abaixo.

Em 199322, Gordon-Salant e Fitzgibbons publicaram um estudo em que foram investigados os fatores que afetam o reconhecimento de sons da fala degradados por distorções temporais. Para tanto, apresentaram a 4 grupos de 10 sujeitos, semelhantes aos dos estudos anteriores, com escores de reconhecimento de palavras isoladas = 80%, sentenças com baixa previsibilidade, que forneciam o mínimo de pistas semânticas e lingüísticas para o reconhecimento da última palavra de cada frase, que deveriam ser escritas pelos ouvintes. O reconhecimento destas frases era feito sem distorção e com três tipos de distorção, em quatro níveis de intensidade: (1)- compressão temporal (30, 40, 50 e 60%), (2)- reverberação (após 200, 300, 400 e 600 ms), e (3)- interrupção (com taxas de 12,5, 25, 50 e 100/s). Adicionalmente, eram feitas medidas de discriminação de duração de tons e interrupções, semelhantes às do estudo anterior, e medidas de limiar de detecção de interrupções, entre tons de freqüências iguais ou tons de freqüências diferentes, de 500 ou 4000 Hz. Seus resultados indicaram que os sujeitos com audição normal tinham desempenhos significativamente melhores que os dos grupos com perdas auditivas nas tarefas de reconhecimento de frases sem distorção. Contudo, no reconhecimento de frases com compressão temporal, eram verificados efeitos significativos de idade, perdas auditivas, e razão de compressão temporal, e nos dados de fala com interrupções eram encontrados efeitos de idade e perdas auditivas, sem interações significativas. As medidas de discriminação de duração de tons e interrupções e de limiar de detecção de interrupções tinham relações preditivas com as medidas de reconhecimento de fala, sendo observado que: (1)- a presença de perdas auditivas de alta freqüência está associada a escores menores nos testes de reconhecimento de fala sem distorção e em quase todos os testes de fala distorcida; (2)- a idade e a discriminação de duração de interrupções são relacionados ao reconhecimento de fala com reverberação, e (3)- a idade avançada e limiares altos de discriminação de interrupções se associam a escores menores de reconhecimento de fala.

Em 1999, Gordon-Salant e Fitzgibbons23 voltaram a examinar o reconhecimento de fala de jovens e idosos, procurando identificar um conjunto de medidas de processamento temporal que discriminasse adequadamente o desempenho de jovens e idosos, com e sem perdas auditivas. Os sujeitos formavam 4 grupos, semelhantes aos dos estudos anteriores. Os estímulos para avaliar a percepção de fala foram as sentenças de baixa previsibilidade do estudo de 1993, com as mesmas distorções temporais, apresentadas em silêncio e contra um ruído de fundo de conversação. As medidas de processamento temporal foram: (1)- limiar diferencial de discriminação de duração, (2)- limiar diferencial de discriminação de interrupções e (3)- limiar diferencial de discriminação de duração de seqüências tonais complexas contendo como alvo um tom ou (4)- um intervalo silencioso, e (5)- limiar de discriminação de ordenação de tons em uma seqüência, com durações e variações iguais para todos os componentes de cada seqüência. Verificaram que a variância dos dados é associada com o desempenho nas medidas de limiar diferencial de detecção de interrupções em estímulos complexos (tarefa 3), limiar diferencial de discriminação de ordenação temporal (tarefa 5), desempenho em quatro medidas de reconhecimento de fala (fala sem distorção em silêncio, fala com compressão temporal + reverberação em silêncio, fala com compressão temporal + reverberação contra ruído de fundo e fala com compressão temporal de 50% contra ruído de fundo). A partir dos resultados, foram construídas funções discriminantes que permitiam separar os grupos de jovens dos grupos de idosos e permitiam separar os grupos com perdas auditivas dos grupos com audição normal. A classificação dos ouvintes de acordo com estas funções discriminantes foi correta em 90% dos casos referentes à classificação quanto às perdas auditivas, não ocorrendo erros na classificação em função da idade. Obtiveram, assim, uma combinação de medidas de processamento temporal e de percepção de fala capaz de distinguir padrões de desempenho de jovens e idosos, com ou sem perdas auditivas.

Finalmente, em 200024, Phillips, Gordon-Salant, Fitzgibbons e Yeni-komshian procuraram identificar as variáveis que permitiriam diferenciar idosos com boa capacidade para reconhecer fala dos idosos com dificuldades para reconhecer fala. Para tanto, foram compostos três grupos: (1) ouvintes com limiares auditivos normais (= 20 dB HL) entre 500 e 4000 Hz e excelente reconhecimento de palavras em silêncio (90% a 100% de acertos), (2) ouvintes com perdas auditivas cocleares lentas e progressivas, leves a moderadas, e bom reconhecimento de palavras e, (3) ouvintes com perdas auditivas emparelhadas em todas as freqüências às do grupo 2 e mau reconhecimento de palavras (menos de 70% de acertos). Cumpriram uma tarefa de reconhecimento de sílabas sem sentido em condições de silêncio e ruído e tarefas de discriminação de freqüências com alta e baixa complexidade de sinais. Finalmente, foi medida a resolução temporal com: (1) detecção de interrupções inseridas entre dois tons com freqüências variadas aleatoriamente entre 1 e 2 kHz, (2) detecção de interrupções, inseridas na segunda ou terceira posições, em seqüências de 5 tons com freqüências variadas aleatoriamente e (3) localização de interrupções nas mesmas seqüências com localizações variadas aleatoriamente.

As análises de regressão linear multivariada permitiram a construção de duas equações de regressão, uma tendo como critério a discriminação de sílabas em silêncio e outra para a discriminação de sílabas contra ruído de fundo. Para ambas, o único preditor significativo encontrado foi a média dos limiares absolutos para tons puros de 1, 2 e 4 kHz. Quando a média de limiares absolutos era removida das análises, o principal preditor para discriminação de sílabas em silêncio passava a ser a discriminação de freqüências em estímulos complexos em uma tarefa complexa. Para o reconhecimento de sílabas contra ruído de fundo o único preditor significativo passava a ser a detecção de interrupções em tons puros com freqüências variadas (tarefa 1). Os resultados indicaram que os idosos com mau reconhecimento de palavras tinham mais dificuldade para processar as características espectrais dos estímulos complexos que os idosos com bom reconhecimento de palavras, sendo que estas diferenças não podiam ser atribuídas a problemas auditivos periféricos, já que todos realizavam adequadamente as tarefas com estímulos simples.

COMENTÁRIOS FINAIS

Os estudos revisados acima são próprios de uma área de pesquisa em que existem, ainda, contradições, provavelmente, decorrentes de diferenças nos métodos adotados para descrever o processamento temporal. Os estudos que adotam procedimentos simples, como a detecção de interrupções permitem apenas afirmar que existem diferenças de resolução temporal entre jovens e idosos, que não são explicáveis somente por perdas auditivas, e não atingem igualmente a todos, sendo os déficits mais graves e mais precoces em algumas pessoas que em outras. Por outro lado, os estudos que adotam procedimentos simples para examinar a relação entre processamento temporal e reconhecimento de fala não encontram correlações claras entre os dois tipos de processos auditivos, sugerindo que as deficiências de reconhecimento de fala estariam associadas somente a perdas de sensibilidade. Já os estudos que utilizam estímulos e tarefas mais complexos indicam que as diferenças de compreensão de fala entre idosos, com ou sem perdas auditivas, não podem ser atribuídas somente a perdas auditivas neurossensoriais.

Portanto, as pesquisas atuais indicam a existência de processos auditivos temporais de complexidade variada, que podem ser afetados, em graus diferentes, por danos em diversas áreas, tanto no aparelho auditivo periférico, quanto no sistema auditivo central quanto em áreas de cognição não envolvidas exclusivamente com a audição. Cabe à pesquisa futura discriminar que processos são mais afetados por cada tipo de lesão, discriminando melhor como se relacionam as perdas auditivas e os déficits de processamento temporal, por um lado, e os déficits de processamento temporal e o reconhecimento de fala, com as mudanças fisiológicas próprias do envelhecimento.

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[1] Mestre - Universidade de Brasília e Fundação Universidade Federal do Rio Grande.
[2] Ph. D. - Universidade de Brasília.

Endereço para Correspondência: Universidade de Brasília, Instituto de Psicologia/ Depto de Processos Psicológicos Básicos/ Laboratório de Psicobiologia 70910-900 Brasília DF. - Tel (0xx??)307-2625 ramais 512 ou 520 - E-mail: vtn@terra.com.br ou afeitosa@unb.br

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