INTRODUÇÃOPara que o processo comunicativo seja efetivo entre os indivíduos, o interlocutor deve expressar-se adequadamente e contribuir para que, deste modo, o receptor consiga compreender a mensagem.
No ato de ouvir e decifrar o que está sendo dito pode-se observar a relação entre a integridade do sistema auditivo periférico com o sistema auditivo central. Portanto, para que haja efetividade na comunicação as habilidades de processamento auditivo são de extrema importância1.
O processamento auditivo refere-se ao que acontece quando o cérebro reconhece e interpreta os sons2. O mesmo é definido como o mecanismo e processo responsável pela localização e lateralização do som, discriminação auditiva, reconhecimento de padrões auditivos, aspectos temporais da audição (ordem e seqüência temporal, resolução temporal) e desempenho auditivo com sinais acústicos competitivos (incluindo escuta dicótica)3.
O processamento auditivo tem função primordial no desenvolvimento da fala e da linguagem, e o déficit de algumas dessas habilidades auditivas pode trazer ao indivíduo sérios problemas de aprendizado de fala, de leitura e de escrita4.
Indivíduos com deficiência auditiva e mesmo com audição dentro dos padrões da normalidade podem se queixar de dificuldades com relação à inteligibilidade de fala. Isso se explica em virtude do processamento auditivo não se completar na porção periférica do sistema auditivo, isto é, não basta detectar a presença dos sons, é necessário dar a esses sons um significado. Neste contexto, há o envolvimento de áreas da via auditiva central e outros sistemas como atenção, memória, linguagem e pensamento5.
Em virtude da quantidade de habilidades a serem analisadas, torna-se necessário uma bateria de testes de avaliação do processamento auditivo (central), sendo que cada teste avalia, predominantemente, alguma habilidade auditiva. Esta bateria de testes deve ser composta, no mínimo, por testes dicóticos, monoaurais de baixa redundância, de interação binaural e de processamento temporal6.
O processamento temporal está relacionado à percepção dos sons que variam com o tempo, especialmente no que se refere aos limites da capacidade de se detectar mudanças no tempo7. Uma das habilidades do processamento temporal é a resolução temporal que pode ser definida como a capacidade do sistema auditivo detectar a ocorrência de dois eventos auditivos consecutivos e evitar, conseqüentemente, que estes sejam detectados como um único evento8.
Vários pesquisadores apontam que o desempenho das crianças em tarefas de resolução temporal melhora com o aumento da idade9-4. As crianças detectam limiares de duração mais longos do que os adultos e só se assemelharão a estes por volta dos 10 anos de idade. Conforme esta colocação, os efeitos maturacionais do sistema auditivo central parecem influenciar diretamente na habilidade para detectar pequenas diferenças de duração entre os tons12,13.
A resolução temporal tem sido investigada em paradigmas psicoacústicos desde a década de 70, porém os testes de resolução temporal tornaram-se comercialmente disponíveis apenasno final da década de 90. No Brasil ainda são recentes as pesquisas com protocolos de resolução temporal e, clinicamente, ainda não são procedimentos utilizados na rotina de avaliação do processamento auditivo central por todos os profissionais.
Entre os procedimentos de avaliação de resolução temporal há o teste revisado de fusão auditiva (auditory fusion test-revised - AFTR) que mede o limiar de fusão auditiva pela percepção do ouvinte em identificar um estímulo ou dois, sendo que a duração entre os estímulos é variada de 0 a 300ms. Este limiar é medido para as freqüências de 500 a 400Hz15. O AFT-R foi utilizado numa pesquisa com crianças com distúrbio de leitura e escrita (DLE) evidenciando que os limiares de fusão auditiva são maiores nessas crianças quando comparado a crianças sem DLE16. Resultados semelhantes foram evidenciados em outro estudo utilizando o teste AFT-R em crianças com fissura palatina operada e sem fissura palatina, sugerindo alterações no processamento temporal auditivo17. Por outro lado, observaram-se em outra pesquisa que não há no desempenho no teste AFT-R evidências de diferenças entre os sexos, idade, variáveis escolares e a presença de grupo de risco para o desenvolvimento da linguagem18.
Outro procedimento mais recente de avaliação clínica da resolução temporal é uma revisão do AFT-R denominado teste de detecção de intervalos de silêncio ou detecção do gap (Random Gap detection test - RGDT). Esse procedimento também utiliza além de tom, os clicks, sendo que a apresentação dos intervalos é randomizada. A tarefa que o indivíduo tem que realizar nestes procedimentos é identificar se ouviu um ou dois estímulos auditivos. Esses são tons ou clicks com intervalos de silêncio variam de 0 a 300ms entre os tons19.
O estudo original do RGDT realizado nos Estados Unidos, com crianças de cinco a 11 anos sem nenhuma queixa auditiva ou escolar, evidenciaram que o limiar médio encontrado em crianças de cinco a sete anos foi de 7,3ms (dp = 4,8ms); em crianças de oito anos o limiar médio foi de 6,0ms (dp = 2,5ms); em crianças de nove anos 7,2ms (dp = 5,3ms) e em crianças de 10 e 11 anos, 7,8ms (dp = 3,9ms)20.
No Brasil, estudo com crianças da rede particular de ensino de Recife evidenciou diferença significante entre as freqüências em que foi pesquisado o RGDT, porém não houve diferença em relação a sexo, idade e escolaridade21. Outra pesquisa com escolares com desenvolvimento normal de Juiz de Fora (MG) encontrou média de 8,7ms (dp = 4,5ms) nos limiares de intervalo de silêncio22. Crianças com desvio fonológico em testes que avaliam o processamento auditivo temporal (testes de padrões de freqüência e detecção de intervalos no ruído - RGDT) tiveram desempenho abaixo do esperado, sugerindo dificuldade relacionada à resolução temporal23.
A influência da perda auditiva periférica, causada por um problema neurossensorial, foi amplamente investigada em paradigmas psicoacústicos de avaliação da resolução temporal e demonstram que há influências desta sobre a resolução temporal, sendo que indivíduos com perda auditiva apresentam limiares de duração mais longos que indivíduos sem perda auditiva10. Indivíduos com perda auditiva condutiva se forem avaliados com níveis elevados de sensação, apresentam limiar de duração do intervalo semelhante aos sujeitos com audição normal10,11. Porém, outras influências também são relatadas como: idade, nível de intensidade da tarefa e a freqüência central do ruído mascarador.
Há poucos relatos na literatura sobre as influências da perda auditiva condutiva, bem como quais as características dos testes de resolução temporal em crianças com distúrbios do processamento auditivo central, visto que o RGDT ainda não é aplicado na rotina clínica de avaliação. Neste sentido, é evidente a necessidade de estudar estas populações no intuito de caracterizar o padrão de resposta das mesmas, a fim de nortear processos diagnósticos visando à classificação do tipo de distúrbio do processamento auditivo presente. Por outro lado, isso possibilita identificar quais as áreas do sistema auditivo central que apresentam disfunções e planejar estratégias direcionadas a sua reabilitação5.
No contexto clínico, também há necessidade de pesquisas que evidenciem as vantagens e desvantagens de cada protocolo de resolução temporal, no intuito de nortear a escolha de qual o protocolo mais eficiente e adequado para ser aplicado em crianças. Esta preocupação já foi o foco de uma pesquisa realizada nos Estados Unidos que teve como objetivo comparar o desempenho de crianças com desenvolvimento normal em quatro testes de resolução temporal - teste revisado de fusão auditiva (auditory fusion tes-revised - AFTR); teste de detecção do gap (random gap detection test - RGDT); teste de interrupção no ruído (Gaps-in-noise - GIN) e o teste de fusão binaural (binaural fusion test - BFT). Os autores evidenciaram que há diferença de desempenho frente à tarefa, tipo de estímulo, modo de apresentação e modo de resposta, sendo que o RGDT e o GIN parecem apresentar mais vantagens nos resultados e aplicação. Porém, os autores enfatizam que são necessárias outras pesquisas para confirmar tais achados24.
Com base no exposto, essa pesquisa, teve como objetivo verificar a resolução temporal de crianças com perda auditiva condutiva (PAC) e com distúrbios do processamento auditivo central (DPAC).
CASUÍSTICA E MÉTODOA população desta pesquisa foi composta por 43 crianças de 1a a 4a série de uma Escola Municipal, bem como crianças atendidas no Setor de Atendimento Audiológico da Universidade do Vale do Itajaí, Santa Catarina. Estas crianças foram convidadas a participar desta pesquisa, sendo que antes da realização dos procedimentos da pesquisa, os pais ou responsáveis pela criança foram informados dos objetivos e da realização do estudo e, após aceitarem participar, assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido, conforme orientação do Comitê de Ética em pesquisa da instituição, parecer nº 145/2006.
A amostra desta pesquisa foi constituída por 31sujeitos na faixa etária dos 07 aos 10 anos e 10 meses, sendo 18 do sexo masculino e 13 do feminino. A amostra foi dividida em três grupos: Grupo 1 (G1): 12 sujeitos com a audição normal (7:1 a 10:10, média = 9:05), grupo 2 (G2): sete sujeitos com perda auditiva condutiva (7:0 a 9:0, média = 7:44) e Grupo 3 (G3): 12 sujeitos com distúrbios do processamento auditivo (central) (7:01 a 10:06, média = 7:59). Foram excluídos doze sujeitos por não apresentarem os critérios de inclusão nos grupos ou por não retornarem na data marcada para conclusão da avaliação.
No intuito de selecionar as crianças, os pais e responsáveis preencheram um questionário informando dados atuais e antecedentes da criança, bem como foi realizada avaliação audiológica e do processamento auditivo (central). Na avaliação audiológica foram realizados os seguintes procedimentos: meatoscopia, triagem audiométrica, timpanometria e pesquisa dos reflexos acústicos contra e ipsilateral. As crianças que tiveram alteração nestes últimos procedimentos realizaram avaliação audiológica completa constando de: via aérea, via óssea, limiar de recepção da fala e índice percentual de reconhecimento de fala.
Com o objetivo de realizar o diagnóstico do distúrbio do processamento auditivo (central) foram realizados os seguintes procedimentos: testes dicótico de dígitos, teste de fala filtrada e teste de dissílabos alternados (Staggered Spondaic Word - SSW). Todos foram realizados a 50 dB NS acima da média de 500, 1000 e 2000Hz25.
A partir destas avaliações as crianças incluídas no grupo 1 apresentaram as seguintes características:
- ausência de histórico otológico e/ou audiológico;
- ausência de queixas escolares;
- ausência de doenças neurológicas, psiquiátricas e psicológicas conhecidas;
- limiares auditivos dentro dos padrões da normalidade, com curva timpanométrica tipo A e presença de reflexos acústicos contra e ipsilaterais confirmados pela realização de screening audiométrico com técnica de varredura nas freqüências de 500 a 4000Hz em ambas as orelhas e limiares auditivos iguais ou melhores do que 15 dB;
- produção articulatória de todos os sons do Português;
- ter tido a Língua Portuguesa como primeira e única língua;
- ausência de distúrbios do processamento auditivo, apresentando resultados normais no teste dicótico de dígitos, teste de dissílabos alternados e teste de fala filtrada25, e
- ausência de comportamento hiperativo, desatenção e/ou impulsividade.
As crianças do G2, com perda auditiva condutiva, apresentaram as seguintes características:
- Presença de perda auditiva de grau leve e/ou moderado pela média das freqüências 500, 1000 e 2000Hz com a presença de curvas timpanométricas tipo B ou C empelo menos uma das orelhas, bem como ausência de reflexos acústicos contra e ipsilaterais;
As crianças do G3, com distúrbios do processamento auditivo (central), apresentaram rebaixamento no mínimo de dois testes da bateria de avaliação do processamento auditivo central, bem como queixas e histórico com sinais e sintomas indicativos da presença do distúrbio3. Os limiares auditivos tonais e a timpanometria encontravam-se dentro da normalidade. As crianças deste grupo apresentaram queixas escolares e, algumas crianças, distúrbios articulatórios.
Após os procedimentos de seleção foi aplicado o procedimento da pesquisa para avaliação da resolução temporal - Detecção de Intervalos de Silêncio (Random gap detection - RGDT). Este foi realizado através de um Compact Disc Player acoplado ao audiômetro Interacoustic AC-33 ou AC-40. O teste RGDT consistiu em pares de tons puros nas freqüências de 500, 1.000, 2.000 e 4.000Hz, com intervalos entre os dois tons que variaram de 0 a 40ms (RGDT) e de 40 a 300ms (RGDT-Expandido). Instruiu-se a criança para responder gestualmente se ela ouvia um ou dois tons. O teste foi apresentado a 50 dB NS nas freqüências testadas na condição binaural. Inicialmente foi realizada a faixa dois de treino, caso a criança detectasse intervalos iguais ou menores a 40ms, dava-se continuidade para medir as freqüências de 500, 1000, 2000 e 4000Hz. Caso a criança não identificasse nenhum dos intervalos como dois tons continuava-se utilizando o RGDT-Expandido. O resultado do RGDT é medido por meio do menor intervalo a partir do qual o sujeito passou a identificar a presença de dois estímulos. O resultado foi calculado para cada freqüência, de 500 a 4.000Hz, e também foi calculada a média dos resultados das quatro freqüências. O valor da normalidade adotado para comparação foi de 6.0 a 7.8ms com 2.5 a 5.3ms de desvio padrão em crianças norte-americanas15.
Na análise do RGDT primeiramente verificou-se o número de crianças que realizaram o RGDT e o RGDT-Expandido. Posteriormente, calculou-se a média e desvio padrão do limiar de duração em 500, 1000, 2000 e 4000Hz, bem como o valor de média do limiar de duração de todos os sujeitos de cada grupo avaliado. Para a análise estatística dos resultados foi aplicado o Teste de Wilcoxon, sendo definido um nível de significância de 0,10 (1%), em virtude do pequeno tamanho da amostra nos três grupos.
RESULTADOSA seguir serão descritos os resultados obtidos no RGDT em todos os grupos separadamente e, posteriormente, serão apresentadas as comparações entre os grupos.
Na Tabela 1 observa-se que o limiar de intervalo de silêncio da amostra estudada varia de 0 a 30ms dependendo da freqüência testada, sendo que os limiares são semelhantes em todas as freqüências no G1.
Na Tabela 2 estão apresentados os valores dos limiares de intervalo de silêncio do G2 - crianças com perda auditiva condutiva. Na amostra de sete sujeitos, quatro realizaram o RGDT e três o RGDT-Expandido. Observa-se, assim, pouca variação na média entre as freqüências testadas, porém com menor desvio padrão em 1000Hz. Uma das crianças não conseguiu detectar intervalos de 300ms em 4000Hz e apresentou respostas inconsistentes.
Os resultados do RGDT do G3 de crianças com distúrbios do processamento auditivo (central) podem ser observados na Tabela 3. Este grupo apresentou grande variabilidade de desempenho intra-grupo com valores de 0 a 300ms entre o mínimo e o máximo. Observa-se na Tabela 3 menor desvio padrão na freqüência de 500Hz e maior desvio padrão em 4000Hz. Em relação às médias dos limiares não há variação em relação à freqüência testada.
Ao analisar a Figura 1 que apresenta a média dos limiares de intervalo de silêncio obtidos em todos os grupos por freqüência testada observa-se que a média do G2 é superior ao G3 e, este ao G1 em todas as freqüências testadas. Há diferenças estatisticamente significantes, testadas pela aplicação do teste de Wilcoxon, entre os G1 e G2 e entre os G1 e G3, porém não foi evidenciada diferenças estatisticamente significantes entre os G2 e G3.
Figura 1. Média dos limiares de intervalos de silêncio dos grupos estudados em cada freqüência no teste RGDT. Foi evidenciado p<0,001 entre G1XG2 e entre G1XG3 e p>0,001 entre G2XG3, utilizando o teste de Wilcoxon.
Desta forma, constata-se nesta pesquisa que o teste RGDT apresenta influência da perda auditiva condutiva e do distúrbio do processamento auditivo (central), sendo um teste que diferencia crianças com audição normal de crianças com distúrbios auditivos. Por outro lado, o teste não consegue diferenciar entre o tipo de distúrbio auditivo: perda auditiva condutiva e distúrbio do processamento auditivo (central).
DISCUSSÃOA análise dos resultados obtidos no RGDT variou conforme o grupo em que as crianças foram classificadas, havendo evidências de que as alterações condutivas e o distúrbio do processamento auditivo (central) geraram limiares de detecção de intervalos de silêncio superiores ao grupo normal.
Observa-se que o G1 apresentou média no RGDT semelhante a um estudo brasileiro22, sendo que essa média foi maior do que a média encontrada em crianças americanas19. Por outro lado, o G2 apresentou limiares mais elevados do que o estudo com crianças com fissura palatina operada e histórico otológico17. O efeito da alteração condutiva sobre a resolução temporal vem sendo descrito na literatura como inexistente, uma vez que o nível de intensidade é ajustado para o grau da perda auditiva10,11. Desta forma, os achados desta pesquisa diferem da literatura consultada. Talvez existam outros fatores interferentes que não tenham sido mensurados totalmente no momento, como a presença de alterações audiológicas com e sem histórico otológico importante, visto que a perda auditiva condutiva é um fator de privação sensorial e pode, conseqüentemente, gerar ou impedir o desenvolvimento adequado das vias auditivas centrais e, assim, também das habilidades de resolução temporal ao longo do desenvolvimento da criança.
Outro questionamento em relação às habilidades de resolução temporal está à hipótese levantada por autoras26 que referem que o aprendizado musical pode indiretamente ser considerado uma forma de treinamento das habilidades temporais auditivas e, conseqüentemente, interferir positivamente no aprendizado das habilidades fonológicas. Para tanto é possível levantar também nesse estudo este questionamento, visto que crianças com histórico otológico e/ou perda auditiva também podem ter dificuldades no aprendizado das habilidades fonológicas, bem como no processamento temporal, interferindo assim na comunicação eficiente destes indivíduos.
As crianças do G3 também apresentaram média de limiar de detecção de intervalos maiores do que as crianças do G1 e menores em relação ao G2. Há evidências, desta forma, da validade do RGDT para diagnosticar crianças com distúrbios do processamento auditivo (central). Destaca-se o estudo com crianças com distúrbios de leitura e escrita27 em que foram encontradas médias de limiares de intervalo de silêncio aumentados e superiores a esta pesquisa. Como há descrito na literatura a relação estreita, embora não causal, entre os distúrbios de leitura e escrita e os distúrbios do processamento auditivo (central), fica evidente que o RGDT pode diferenciar crianças normais de crianças com DPAC.
O processamento temporal, em especial a resolução temporal, tem sido descrito como a base dos distúrbios específicos de linguagem28 e, talvez seja a natureza patológica dos distúrbios do processamento auditivo (central), evidenciando a necessidade de intervir terapeuticamente sobre estas habilidades. Com base em evidências científicas tanto a American Academy of Audiology29 quanto a American Speech and Hearing Association3 sugeriram a inclusão de procedimentos de resolução temporal entre os testes da bateria de avaliação do processamento auditivo (central).
Quando analisada a média dos limiares por freqüência no RGDT de 500 a 4000Hz em todos os grupos não foram demonstradas diferenças significativas, evidenciando que tanto no desenvolvimento normal, quanto na presença de perdas auditivas condutivas e DPAC os achados são homogêneos entre as freqüências9. Quanto ao G1 este resultado discorda de pesquisas10,11,22 que encontraram limiares de intervalo, durante o desenvolvimento, mais longos nas freqüências baixas do que nas altas.
Destaca-se que o teste RGDT apresentou grande variabilidade de desempenho em todos os grupos estudados, sendo esta variabilidade maior do que a observada em pesquisas com adultos30. Também se observa que houve uma ocorrência maior de crianças com DPAC que necessitaram realizar o RGDT-Expandido, o que corrobora com a idéia de que o RGDT apresenta sensibilidade para detectar DPAC, bem como há comprometimento da resolução temporal nas crianças com DPAC. Porém, dados qualitativos do momento da aplicação do teste também apontam a hipótese das dificuldades deste grupo em compreender a instrução dada, o que também está relacionado à própria dificuldade do DPAC5. Assim, não se pode descartar totalmente que as alterações apresentadas sejam de natureza da compreensão das instruções ou execução da habilidade, bem como do nível atencional exigido na tarefa, tendo em vista que os estímulos auditivos são rápidos.
Destaca-se que caso a perda auditiva condutiva esteja presente no momento da avaliação clínica do processamento auditivo (central) a criança pode apresentar alterações de resolução temporal que não poderão ser diferenciadas do quadro de distúrbio do processamento auditivo (central). Desta forma, cabe o alerta aos profissionais e familiares que as crianças que forem encaminhadas para avaliação do processamento auditivo (central) devem apresentar timpanometria normal bilateralmente no momento desta avaliação.
São necessárias novas pesquisas com este protocolo, bem como ampliação da amostra do estudo, no intuito de aprofundar os conhecimentos sobre a sua aplicação e também caracterização em diferentes populações. Também é necessário investigar de forma mais criteriosa se há ou não influência do histórico otológico além da presença momentânea do quadro de perda auditiva condutiva no desenvolvimento da resolução temporal.
CONCLUSÕESCom base nos resultados pode-se concluir que:
Crianças com perda auditiva condutiva apresentaram limiares de intervalos de silêncio, medidos pelo teste RGDT superiores a crianças normais. Assim, há influência da perda auditiva condutiva na obtenção dos limiares de intervalos de silêncio.
Crianças com distúrbio do processamento auditivo (central) demonstraram desempenho diferente do grupo de crianças normais evidenciando que o teste RGDT é sensível a detectar estas alterações e, portanto, deve ser incluído na bateria de testes de avaliação do processamento auditivo.
Não há diferença estatisticamente significativa entre os limiares de intervalos de silêncio de crianças com distúrbio do processamento auditivo (central) e com perda auditiva condutiva. Devendo-se, neste caso, associar os achados da avaliação do processamento auditivo (central) no mínimo com a realização da timpanometria para esclarecimento do diagnóstico.
AGRADECIMENTOSOs autores agradecem a colaboração durante a pesquisa de campo dos alunos do Curso de Fonoaudiologia da UNIVALI Mariane Perin da Silva e Ademir Comerlatto Junior. Também agradecemos aos professores e responsáveis pela Escola Municipal CAIC de Itajaí, SC; pelo encaminhamento das crianças.
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1 Doutora em Neurociências e Comportamento. Universidade de São Paulo, Docente do Curso de Fonoaudiologia e de Especialização em Audiologia. Universidade do Vale do Itajaí, UNIVALI. Fonoaudióloga clínica.
2 Bolsista da Pesquisa do artigo 170 do Governo do Estado de Santa Catarina, Discente do Curso de Fonoaudiologia da Universidade do Vale do Itajaí, UNIVALI.
3 Fonoaudióloga. Discente do Curso de Especialização em Audiologia da Universidade do Vale do Itajaí, UNIVALI, Fonoaudióloga do Setor de Atenção a Saúde Auditiva da Universidade do Vale do Itajaí, UNIVALI.
4 Bolsista da Pesquisa do artigo 170 do Governo do Estado de Santa Catarina, Discente do Curso de Fonoaudiologia da Universidade do Vale do Itajaí, UNIVALI.
5 Discente do Curso de Fonoaudiologia da Universidade do Vale do Itajaí, UNIVALI.
6 Médica otorrinolaringologista do Setor de Atenção a Saúde Auditiva da Universidade do Vale do Itajaí, UNIVALI, Docente do Curso de Fonoaudiologia da Universidade do Vale do Itajaí, UNIVALI.
Universidade do Vale do Itajaí.
Endereço para correspondência: Uruguai 458 Centro Itajaí SC 88302-202.
Bolsa de Iniciação Científica do Artigo 170, Governo do Estado de Santa Catarina.
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBORL em 23 de setembro de 2007. cod. 4815
Artigo aceito em 3 de julho de 2008.