INTRODUÇÃOZumbido é definido como a percepção auditiva na ausência de uma fonte sonora externa. Estudos epidemiológicos relatam a incidência de zumbido em 1 a 32% da população, estimando-se cerca de 35 a 50 milhões de pessoas nos EUA. A incidência aumenta na população idosa, chegando a até 15% na faixa etária cima dos 65 anos1,2.
Pode-se classificar o zumbido em para-auditivos (gerados por estruturas musculares e vasculares próximas às vias auditivas) e auditivos (gerados por alterações na orelha e vias auditivas). Dentre estes últimos, a grande maioria dos casos corresponde ao chamado "zumbido neurossensorial"3. As teorias mais recentes situam a geração do zumbido em nível coclear, com posterior percepção nas vias auditivas centrais4,5.
O tratamento do zumbido é, ainda nos dias de hoje, um dos maiores desafios para o otorrinolaringologista. Dentre os vários fatores responsáveis por esta dificuldade, um deles é, sem sombra de dúvida, a precariedade dos métodos de avaliação e mensuração do zumbido, não havendo consenso pleno na literatura quanto ao método ideal de avaliação.
Um dos métodos mais utilizados é a escala visual-análoga (EVA), bastante utilizada na avaliação da dor crônica. Nos pacientes com zumbido, pede-se para o paciente atribuir uma nota de 0 a 10 para o seu zumbido, com o auxílio de uma régua apropriada (Figura 1). A avaliação deve ser feita com relação a volume e incômodo. É de fácil aplicação, compreendida pela maioria dos pacientes. Entretanto, trata-se de avaliação superficial, influenciada por aspectos culturais, intelectuais e psicológicos6.
Figura 1. Modelo de Escala Visual-Analógica (EVA) utilizado.
Em 1996, Newman et al. publicaram artigo sobre o desenvolvimento do Tinnitus Handicap Inventory (THI), através da observação e críticas de outros métodos, tais como o Tinnitus Handicap/Support Questionnaire, Tinnitus Effect Questionnaire, Tinnitus Severity Questionnaire e Tinnitus Reaction Questionnaire. De acordo com os autores, seu principal objetivo era criar um método com as seguintes características7:
- resumido, adequando-se à prática clínica diária
- fácil aplicação e interpretação
- abordagem de vários aspectos do zumbido na qualidade de vida do paciente
- validade e confiabilidade.
Dados clínicos de pacientes com zumbido e dados de outras escalas foram usados no desenvolvimento do THI. Três itens principais são avaliados no THI, a saber7:
- reações funcionais ao zumbido, tais como dificuldade de concentração e tendências anti-sociais;
- reações emocionais ao zumbido, tais como raiva, frustração, irritabilidade, depressão;
- reações catastróficas ao zumbido, tais como desespero, sensação de impotência, sensação de "doença grave", perda de controle e incapacidade de cooperar.
O THI é hoje um dos métodos mais aceitos para a avaliação do zumbido, sendo referendado em vários consensos. A validação do THI para o português brasileiro (Quadro 1) foi feita em 20058.
Nosso objetivo com este estudo é avaliar a correlação entre os escores da EVA e do THI em pacientes com zumbido neurossensorial.
MATERIAL E MÉTODOForam selecionados 43 pacientes portadores de zumbido, atendidos em nosso Serviço entreMarço de 2006 e Janeiro de 2007. Os critérios para inclusão foram zumbidos de etiologia neurossensorial, sendo excluídos casos com doença da orelha externa e média e distúrbios da articulação têmporo-mandibular concomitantes. Audiometria tonal, vocal e imitanciometria foram realizadas em todos os pacientes, sendo excluídos todos aqueles com disacusia condutiva, mista e com presença de timpanogramas do tipo A-r, A-d, C e B. O audiômetro utilizado foi o AMPLAID A 177 PLUS, e o Imitanciômetro AMPLAID 750.
Os pacientes foram solicitados a preencher um questionário validado, no caso o THI (Tinnitus Handicap Inventory) em sua versão para o português. Adicionalmente, os pacientes classificaram o zumbido de acordo com escala análogo-visual, de 1 a 10 (para volume e incômodo), sendo feita a correlação entre os escores do THI e EVA, através do coeficiente de correlação de Spearman. O coeficiente de correlação de Spearman (rs) mede o grau de associação entre duas variáveis numéricas. Este coeficiente varia de -1 a 1, quanto mais próximo estiver de 1 ou -1, mais forte é a associação, quanto mais próximo estiver de zero, mais fraca é a relação entre as duas variáveis. O coeficiente negativo expressa uma relação inversa entre as duas variáveis.
O estudo foi aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa Médica da Faculdade de Medicina de Valença, sob o protocolo 003/2006.
RESULTADOSOs dados sobre a caracterização da amostra podem ser encontrados no Quadro 2.
De acordo com o coeficiente de relação de Spearman observou-se que existe correlação significativa entre o THI e a EVA (rs = 0,564; p = 0,0001; n = 43). Isto significa, que quanto maior o EVA, maior o valor esperado do THI (relação direta), conforme ilustra o gráfico (Figura 2).
Figura 2. Relação entre os escores da EVA e THI.
DISCUSSÃOGrande parte das inúmeras críticas aos ensaios clínicos em zumbido incide sobre os métodos de avaliação. Na procura pelo método ideal de mensuração do zumbido, vários questionários têm sido propostos, sendo o THI um dos mais empregados na literatura internacional. No Brasil, a maioria dos estudos clínicos já realizados empregou a EVA, mas os trabalhos mais recentes vêm sendo feitos com o THI.
A correlação entre os dois métodos, verificada em nossos dados, aumenta a credibilidade dos estudos já realizados com a EVA, um método mais simples e, em nossa opinião, de assimilação mais fácil pela maioria da população brasileira. Entretanto, consideramos o THI um método mais completo de avaliação, especialmente no que tange aos aspectos psicológicos e cotidianos do zumbido.
Considerando tais fatos, passamos a empregar os dois métodos conjuntamente em nossos estudos clínicos, o que, em nossa opinião, torna os resultados ainda mais confiáveis.
CONCLUSÃOExiste correlação entre os escores da Escala Visual-Análoga e do Tinnitus Handicap Inventory nos pacientes com zumbido neurossensorial.
AGRADECIMENTOSÀ Rosângela Noé, pela análise estatística.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS1. Azevedo AA, Figueiredo RR. "Atualização em zumbido", Rev Bras Otorrinolaringol . 2004 70(1). Caderno de Debates:27-40.
2. McFadden, D. Tinnitus: Facts, Theories and Treatments. Washington, D.C.: National Academy Press. 1982;1-150.
3. Shulman A. Classification of tinnitus. In Tinnitus, Diagnosis and treatment (Shulman A et al.). Philadelphia: Eds. Lea and Feibiger; p. 248-52.
4. Figueiredo RR, Azevedo AA. Aminoácidos neurotransmissores nas vias auditivas. Revista da Sociedade de ORL do Rio de Janeiro . 2004;4(2):49-54.
5. Eggermont J. Central Tinnitus. Auris Nasus Larynx . 2003;30:7-12.
6. Azevedo AA, Mello PO, Siqueira AG, Figueiredo RR. Análise Crítica dos Métodos de Mensuração do zumbido. Rev Bras Otorrinolaringol. 2007;73(3):418-23.
7. Newman C, Jacobson CG, Spitzer JB. Development of the Tinnitus Handicap Inventory. Arch Otolaryngol Head Neck Surg . 1996;122(2):143-8.
8. Ferreira PEA, Cunha F, Onishi ET, Branco FCA, Ganança FF. Tinnitus Handicap Inventory: adaptação cultural para o português brasileiro. Pró-Fono . 2005;17(3):303-10.
1 Mestre em Cirurgia Geral,Otorrinolaringologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Professor Assistente de ORL da Faculdade de Medicina de Valença, RJ.
2 Médica otorrinolaringologista, OTOSUL, Otorrinolaringologia Sul-Fluminense, Volta Redonda, RJ.
3 Fonoaudióloga, OTOSUL, Otorrinolaringologia Sul-Fluminense, Volta Redonda, RJ. OTOSUL, Otorrinolaringologia Sul-Fluminense.
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Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBORL em 18 de agosto de 2007. cod.4723
Artigo aceito em 9 de outubro de 2007.