INTRODUÇÃOO estudo da disfagia orofaríngea na Dermatomiosite (DM) é raro na literatura1. Os autores apresentam um caso de DM com disfagia orofaríngea grave.
A DM representa uma entidade inflamatória muscular cursando com rash cutâneo característico. É mais freqüente no sexo feminino (3:1). Apresenta dois picos de incidência: na infância e na quinta década de vida1.
O aspecto clínico fundamental é fraqueza muscular proximal e simétrica, envolvendo as cinturas pélvica e escapular, região anterior do pescoço e flexores do tronco. Em casos graves, a fraqueza pode se generalizar2.
A disfagia está presente em cerca de 15% e decorre do envolvimento da musculatura estriada da faringe e esôfago superior. Quando presente, predispõe à pneumonia aspirativa, representando uma das principais causas de óbito1.
O diagnóstico é fundamentado em aspectos clínicos associados a exames complementares: enzimas, eletromiografia e biópsia. Diversas evidências permitem classificá-la como auto-imune2.
O tratamento de escolha é prednisona ou outros corticosteróides não-fluorados3.
Fora da fase aguda, a fisioterapia e a terapia ocupacional ajudam na recuperação da força muscular.
APRESENTAÇÃO DO CASOE.A.P.N., sexo feminino, branca, 13 anos de idade, com diagnóstico de DM em fase aguda. Queixava-se de dificuldade para deglutição de sólidos, sialorréia, engasgos, tosse produtiva, mudança na voz e perda de peso há 30 dias. Impossibilitada de alimentação por via oral, recebia dieta por sonda nasoenteral (SNE) desde o início do quadro.
Realizada avaliação fonoaudiológica evidenciou: diminuição de tonicidade e força muscular dos órgãos fonoarticulatórios, permanência de resíduos em cavidade oral, voz molhada após a deglutição de todas as consistências, ausculta cervical ruidosa antes e após a deglutição.
Na avaliação otorrinolaringológica através da Nasofibrolaringoscopia observou-se incompetência velo-faríngea, abundante estase salivar em recessos piriformes, com sinais de aspiração (Figura 1). Realizada complementação com videoendoscopia da deglutição4,5 (VED) evidenciou: penetração e aspiração laringotraqueal de todas as amostras oferecidas, reflexo de tosse após os eventos de aspiração. Diagnosticada disfagia orofaríngea grave, sendo orientado manter dieta exclusiva por SNE e iniciar fonoterapia. Também foi sugerida introdução de amitriptilina 25mg/dia para induzir xerostomia e minimizar a aspiração salivar.
Figura 1. Estase salivar - Exame de videoendoscopia da deglutição evidencia a presença de estase salivar em recessos piriformes, retrocricóide e sinais de aspiração.
A fonoterapia visava ao aumento de força das estruturas orofaríngeas e deglutição de saliva, e treino de manobras de postura após melhora.
Em oito semanas apresentou melhora clínica da deglutição, sendo solicitada nova VED evidenciando disfagia moderada. Optou-se pelo aumento gradativo de alimentação por via oral, associado à complementação pela SNE. Após 17 semanas realizou-se a terceira VED na qual manteve o quadro de disfagia moderada.
A paciente permaneceu em gerenciamento otorrinolaringológico e fonoaudiológico por seis meses, atingindo uma boa ingesta oral, o que permitiu retirar a SNE.
DISCUSSÃOA paciente apresentava sintomas de disfagia no início do quadro, levando ao importante emagrecimento e desnutrição. Nesta entidade deve-se realizar a anamnese dirigida, aplicando-se questionário sobre distúrbios da deglutição, uma vez que esses pacientes não se queixam espontaneamente da dificuldade6.
A literatura descreve a melhora da disfagia após a realização da pulsoterapia, com desaparecimento dos sintomas em 2 a 14 dias3. Observamos neste caso um quadro arrastado, já tendo recebido pulsoterapia com melhora do estado geral. Em acompanhamento por seis meses, evoluiu com controle da aspiração salivar, contudo sem condições de alimentação exclusivamente por boca.
A fonoterapia trouxe benefícios ao ganho de força e efetividade na deglutição. A xerostomia minimizou a penetração e aspiração laringotraqueal de saliva.
COMENTÁRIOS FINAISÉ importante salientar a escassez de artigos na literatura discutindo especificamente a disfagia neste grupo de doentes. Faz-se necessário atentar para protocolos de anamnese e avaliação clínica.
Os autores apresentam o trabalho em equipe multidisciplinar no diagnóstico e acompanhamento da disfagia, com avaliações seqüenciais, permitindo progressão da dieta de maneira segura e efetiva, diminuindo os riscos de pneumonia aspirativa4.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS1. Takayasu V. Polimiostite/Dermatomiosite. Website oficial da Reumatologia - FMUSP. http: //www.usp.br/medicina/departamento/clinmed/reumatologia/polider.htm
2. Takken T, Elst E, Spermon N, Helders PJ, Prakken AB, Van der Net, J. The physiological and physical determinants of functional ability measures in children with juvenile dermatomyosits. Rheumatology 2003;42(4):591-5.
3. Hrncír Z. Favorable effects of methylprednisolone pulse therapy in dysphagia and primary idiopathic polymyositis/dermatomiositis. Cas Lek Cesk 1992;131(13):399-401.
4. Santoro PP. Avaliação funcional da deglutição por fibronasofaringolaringoscopia na doença de Parkinson: aspectos qualitativos e quantitativos; Tese (Doutorado) - Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo. São Paulo; 2003. p. 127.
5. Logemann, JA. Evaluation and treatment of swallowing disorders. Austin - TX: Pro-Ed; 1983.
6. Willig TN, Paulus J, Lacau Saint Guily J, Béon C, Navarro J. Swallowing problems in neuromuscular disorders. Arch Phys Med Rehabil 1994;75(11):1175-81.
1 Pós-Graduanda da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica - HCFMUSP, Responsável pelo Ambulatório de Disfagia Infantil ORL - HCFMUSP.
2 Doutora em Medicina pela FMUSP. Médica Assistente da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica - HCFMUSP, Responsável pelo Ambulatório de Disfagia ORL - HCFMUSP.
3 Médica Otorrinolaringologista, pós- graduanda e colaboradora do ambulatório de Disfagia ORL HC FMUSP.
4 Médica Otorrinolaringologista, pós - graduanda e colaboradora do ambulatório de Disfagia ORL HC FMUSP.
5 Doutora em Ciências em Oncologia pela FMUSP, Fonoaudióloga colaboradora do setor de Fonoaudiologia da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica - HCFMUSP.
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Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBORL em 23 de março de 2006. cod.1803
Artigo aceito em 29 de julho de 2008.