INTRODUÇÃOTontura é um sintoma muito comum na prática clínica, podendo estar associada a mais de 300 doenças. Apesar de a grande maioria dos casos de tontura estar relacionada à disfunção do sistema vestibular, há quadros decorrentes do comprometimento de outras partes do corpo humano1. Estudos recentes têm demonstrado que há associação entre sintomas auditivo-vestibulares e disfunção do sistema nervoso autônomo, sugerindo que, talvez, essa seja uma das possíveis causas de determinadas doenças vestibulares.2-5
RELATO DE CASOC.L.B.P. feminino, 47 anos, com história de tontura não-rotatória, tipo desequilíbrio, com duração de 3-5 minutos há 3 anos. A tontura melhorava espontaneamente ao deitar-se. Acompanhava sintomas de náuseas, vômitos, escurecimento visual e sudorese fria. Geralmente, apresentava a tontura com movimentos bruscos do corpo como se levantar. Ocorria em torno de 2-3 vezes por mês. Refere que já apresentou episódios de desmaio após a crise de tontura.
Negava alteração da audição e plenitude aural. Relatou presença de zumbido na cabeça há 3 anos, não-pulsátil, contínuo e que piorava com a crise de tontura. Nega outros antecedentes pessoais.
A paciente referia ter uma dieta balanceada apesar do intervalo prolongado entre as refeições.
O exame físico otoneurológico não evidenciou qualquer alteração. Os exames laboratoriais foram normais.
As audiometrias vocal e tonal (Figura 1) mostraram perda auditiva sensorioneural leve em freqüências graves (250-500) e imitanciometria mostrando recrutamento na pesquisa do reflexo estapediano, bilateralmente. A vectoeletronistagmografia mostrou resultados compatíveis com Síndrome Vestibular Periférica Irritativa Bilateral.
Figura 1. Audiometrias vocal e tonal da paciente previamente ao tratamento.
A paciente foi orientada quanto à dieta e encaminhada para avaliação cardiológica. Ela foi submetida a vários exames mostrando alteração apenas no teste da inclinação. Foi feita a hipótese diagnóstica de síncope neurocardiogênica, sendo instituído o tratamento pela equipe de arritmia.
Há 4 meses, a paciente está em uso de propranolol, fludrocortisona e fluoxetina referindo melhora importante da tontura, das síncopes e da intensidade do zumbido.
Foi solicitada uma nova audiometria, que apresentou resultado dentro dos valores da normalidade.
DISCUSSÃOAtualmente, estão sendo publicados alguns estudos que correlacionam quadros de vestibulopatias com disfunção do sistema nervoso autônomo. Esse quadro apresenta baixa prevalência, provavelmente, pelo fato de ser subdiagnosticado.
Staab et al. revisaram 1400 casos de pacientes com tontura, relatando que a prevalência da tontura induzida por esforço foi de 0.64% e que alterações autonômicas foram provocativas do sintoma.4
Pappas avaliou 113 casos de pacientes com diagnóstico de doença vestibular e disautonomia. Relatou que 58 casos tinham sido tratados previamente como doença de Ménière sendo que 9% apresentaram melhora, 34% mantiveram-se inalterados e 57% apresentaram piora dos sintomas auditivo-vestibulares. Após a instituição do tratamento para disautonomia, 86% dos casos apresentaram melhora e 14% ficaram inalterados, não havendo nenhum caso de piora.5
Isso reforça o fato de que o profissional deve estar atento para os quadros que não estão tendo evolução clínica satisfatória, pois pode haver falha na investigação e conseqüentemente na terapêutica.
O caso relatado ilustra bem a provável correlação existente entre o quadro vestibular e a disautonomia. Com exceção da síncope neurocardiogênica, não foi identificada nenhuma outra causa possível que determinasse os sintomas da paciente. É certo que o erro alimentar poderia ser mais um fator agravante para a disfunção vestibular, mas a melhora clínica referida após a instituição de medicações para a disautonomia reforça a hipótese de que a disfunção autonômica tenha provocado os sintomas otológicos e vestibulares, como relatado por outros autores.4,5
CONSIDERAÇÕES FINAISSão necessários mais estudos para a elucidação da correlação entre disautonomia e vestibulopatias, principalmente quanto à fisiopatogenia, mas há evidências de que a disautonomia seja um importante determinante do sintoma tontura e, possivelmente, de quadros otoneurológicos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS1. Ganança MM. Vertigem tem cura? São Paulo: Lemos editorial, 1998. 300p.
2. Ohashi N, Yasumura S, Shojaku H, Nakagawa H, Mizukoshi K. Cerebral autoregulation in patients with orthostatic hypotension. Ann Otol Rhinol Laryngol 1991;100:841-4.
3. Nakagawa H, Ohashi N, Kanda K, Watanabe Y. Acta Otolaryngol (Stockh) 1993; Suppl.504:130-3.
4. Staab JP, Ruckenstein MJ, Solomon D, Shepard NT. Exertional dizziness and autonomic dysregulation. Laryngoscope 2002;112:1346-50.
5. Pappas DGJr. Autonomic Related Vertigo Laryngoscope 2003;113:1658-71.
1 Mestre em Otorrinolaringologia pelo Curso de Pós Graduação da Santa Casa de São Paulo. Fellow em otoneurologia pelo departamento de Otorrinolaringologia e Cabeça e Pescoço pela UNIFESP. Médica otorrinolaringologista.
2 Mestranda em Otorrinolaringologia pelo Curso de Pós-Graduação da UNIFESP, médica otorrinolaringologista.
3 Mestre e Doutor em Otorrinolaringologia pela UNIFESP-EPM, Docente da disciplina de Otoneurologia do Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da UIFESP-EPM.
4 Professor Livre Docente da UNIFESP-EPM, Chefe da disciplina de Otoneurologia do departamento de Otorrinolaringologia da UNIFESP-EPM. UNIFESP-EPM.
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBORL em 17 de outubro de 2006. cod. 3457.
Artigo aceito em 23 de abril de 2007.