ISSN 1806-9312  
Domingo, 1 de Dezembro de 2024
Listagem dos arquivos selecionados para impressão:
Imprimir:
3731 - Vol. 74 / Edição 5 / Período: Setembro - Outubro de 2008
Seção: Artigo Original Páginas: 705 a 711
O Mismatch Negativity em pacientes com distúrbios do processamento auditivo (central)
Autor(es):
Simone Mariotto Roggia1, Nádia Tenório Colares2

Palavras-chave: audição, potenciais evocados auditivos, transtornos da audição.

Keywords: hearing, auditory evoked potentials, hearing disorders.

Resumo: O Mismatch Negativity (MMN) é um potencial evocado auditivo de longa latência que fornece uma medida objetiva das habilidades de discriminação e memória sensorial auditiva. Assim, pode ser utilizado como uma avaliação eletrofisiológica do processamento auditivo (central). Objetivo: Estudar o MMN em pacientes com Distúrbios do Processamento Auditivo (Central) - DPA(C). Forma do Estudo: Clínico prospectivo. Material e Método: Foram avaliados oito sujeitos com DPA(C), na faixa etária de nove a 14 anos, bem como um grupo controle. O MMN foi eliciado para estímulos tonais (tone bursts) diferindo quanto à freqüência (MMNf - estímulo padrão: 750Hz e estímulo diferente: 1000Hz ), bem como quanto à duração (MMNd - estímulo padrão: 100 ms e estímulo diferente: 50 ms; na freqüência de 1000Hz). Resultados: A presença do MMNf e do MMNd foi comprovada estatisticamente em ambos os grupos estudados. Não foram constatadas diferenças significantes estatisticamente entre os valores de latência e de amplitude do MMNf e do MMNd obtidos nos dois grupos. Também não foram verificadas diferenças significantes estatisticamente entre o MMNf e o MMNd em nenhum dos grupos estudados. Conclusão: Os sujeitos com DPA(C) avaliados não apresentaram alterações no MMNf, nem no MMNd.

Abstract: Mismatch Negativity (MMN) is a long-latency auditory evoked potential that provides an objective index of discrimination skills and auditory sensorial memory. It may, therefore, be used as an electrophysiological evaluation of central auditory processing. Aim: To study MMN in patients with Central Auditory Processing Disorder - CAPD. Study Method: A prospective clinical study. Material and Method: Eight individuals with CAPD, aged between nine and 14 years, were evaluated; there was also a control group. MMN was elicited for tone stimuli (tone bursts), differing in terms of frequency (MMNf - standard stimulus: 750 Hz and deviant stimulus: 1,000 Hz ), as well as duration (MMNd - standard stimulus: 100 ms and deviant stimulus: 50 ms; at 1,000 Hz). Results: The presence of MMNf and of MMNd was statistically demonstrated in both groups. No significant statistical differences, however, were observed between MMNf and MMNd latencies and amplitude values in the two groups. Also, no significant statistical differences were observed between the MMNf and the MMNd among the groups. Conclusion: The CAPD individuals that were evaluated showed no changes in MMNf or MMNd.

INTRODUÇÃO

O processamento auditivo central - PA(C) é definido como sendo o que acontece quando o cérebro reconhece e interpreta os sons em torno de uma pessoa1.

Corresponde a um conjunto de habilidades auditivas que são utilizadas para compreender as informações da fala, entre elas: capacidade de detecção dos sons, localização no espaço, discriminação, reconhecimento, atenção seletiva e sustentada aos sons e capacidade de retenção dos mesmos1,2.

Os distúrbios do processamento auditivo (central) - DPA(C) correspondem a dificuldades no processamento perceptual da informação auditiva no Sistema Nervoso Central, sendo demonstrados por um desempenho ruim em uma ou mais das habilidades do processamento auditivo3, isto é, na localização e lateralização sonora, discriminação auditiva, reconhecimento do padrão auditivo; aspectos temporais da audição, desempenho auditivo com sinais acústicos competitivos e no desempenho auditivo com sinais acústicos degradados4.

Geralmente as crianças portadoras de DPA(C) podem apresentar as seguintes características: em geral são do sexo masculino; apresentam entre seis e oito anos de idade, possuem dificuldades para a aprendizagem escolar, em especial para o aprendizado da leitura; têm inteligência dentro dos limites considerados normais; freqüentemente apresentam dominância manual esquerda ou mista; habilidades motoras finas e grossas normais; ocasionalmente apresentam atrasos na aquisição da fala; e não apresentam quaisquer evidências de danos ou sinais neurológicos5.

A avaliação do PA(C) pode ser feita mediante a utilização de testes auditivos comportamentais e eletrofisiológicos. Os testes auditivos comportamentais são os mais utilizados clinicamente, mas sua eficácia tem sido questionada nos últimos anos, em função da possibilidade da interferência de fatores não-auditivos, tais como a atenção e a motivação6.

Algumas vezes, a inclusão de medidas eletrofisiológicas na avaliação do Sistema Nervoso Auditivo Central (SNAC) é essencial, pois em certos casos, os testes eletrofisiológicos são superiores aos testes comportamentais na identificação de disfunções no SNAC7. Além disso, os testes eletrofisiológicos apresentam a vantagem de serem menos influenciados por variáveis irrelevantes8. Dentre os testes eletrofisiológicos existentes para a avaliação do PA podem ser citados os Potenciais Evocados Auditivos de Tronco Encefálico (PEATE); as Respostas de Média Latência; as respostas de N1 e P2; o P300 e o Mismatch Negativity (MMN)9.

O Mismatch Negativity (MMN) é uma resposta cerebral elétrica eliciada por qualquer tipo de mudança discriminável em algum aspecto repetitivo da estimulação auditiva10. Corresponde a um potencial evocado auditivo (PEA), caracterizado como uma onda negativa que independe da atenção do sujeito e que origina-se principalmente no córtex auditivo11. O MMN reflete a discriminação auditiva pré-atentiva, automática e a ativação da memória ecóica12. Corresponde à subtração dos potenciais relacionados a eventos auditivos (PREA) obtidos para o estímulo padrão menos os PREA obtidos para o estímulo diferente13.

Usualmente é obtido usando-se um paradigma oddball, no qual um estímulo padrão (standard) repetitivo é ocasionalmente substituído por um estímulo diferente (deviant)13. Pode ser eliciado não somente por tons puros simples e suas variações elementares (em freqüência, duração, intensidade, direção, etc.), mas também por estímulos complexos, incluindo a fala12.

Uma característica muito importante deste PEA diz respeito ao fato de ele ser desencadeado independentemente da atenção do sujeito11,14,15, o que torna um índice objetivo da discriminação auditiva14,16 de extremo valor10,15.

Apesar da diversidade de estudos existentes na literatura a respeito do MMN, até o presente momento foi encontrado apenas um estudo de caso17 no qual o MMN foi pesquisado em uma paciente com DPA(C) sem outros tipos de problemas associados. Nesse estudo, foram utilizados estímulos verbais para o desencadeamento do MMN, sendo que o mesmo foi ausente para os estímulos utilizados.

Além do estudo citado acima foi encontrado também um estudo18 no qual o MMN foi pesquisado em pacientes com suspeita de DPA(C), isto é, todos haviam falhado em um procedimento de triagem para o PA(C), mas ainda não haviam confirmado o diagnóstico mediante avaliações comportamentais do PA(C). Nesse estudo, foram constatados MMNs normais para estímulos de fala diferindo quanto ao ponto de articulação18.

Em se tratando de estudos a respeito do MMN em pacientes que apresentam DPA(C) em comorbidade com outras doenças, pode-se encontrar estudos nos quais o MMN foi alterado para estímulos de fala, mas normal para estímulos tonais19-22, um estudo em que o MMN foi alterado tanto para estímulos verbais como não-verbais23, estudos nos quais o MMN foi alterado para estímulos tonais diferindo quanto a freqüência24-25,estudos em que o MMN foi alterado para estímulos tonais diferindo quanto a freqüência, mas não quanto à duração26-27; estudos nos quais o MMN foi normal para tons puros diferindo quanto à freqüência, mas alterado para diferentes padrões de tons compostos28, bem como estudos nos quais não foram constatadas alterações no MMN para estímulos diferindo quanto à freqüência, nem quanto à duração29-32.

Considerando-se a diversidade de resultados encontrados no que se refere ao MMN de sujeitos com DPA(C), bem como a importância da realização de estudos sobre a avaliação eletrofisiológica do processamento auditivo, esta pesquisa teve por objetivo estudar o MMN em pacientes com DPA(C).


MATERIAL E MÉTODO

Tendo em vista que esta pesquisa envolveu a participação de seres humanos,a mesma foi submetida à análise pela Comissão de Ética em Pesquisa da Universidade na qual o trabalho foi desenvolvido, tendo sido aprovado sob o parecer 278/06 em 12 de julho de 2006.

A casuística desta pesquisa foi composta por oito sujeitos diagnosticados como tendo um DPA(C) mediante as avaliações comportamentais do PA realizadas no Setor de Atendimento Audiológico da Universidade, no ano de 2006 (grupo experimental) e oito crianças com desenvolvimento normal, emparelhadas quanto ao sexo, idade e nível sócio-econômico (grupo controle). A idade dos sujeitos variou de nove a 14 anos, sendo quatro do sexo feminino e quatro do sexo masculino.

Os pais ou responsáveis pelos sujeitos foram convidados para a pesquisa e informados quanto aos objetivos da mesma, sendo que os que concordaram em participar foram solicitados a assinar o termo de consentimento livre e esclarecido.

Para a participação dos sujeitos nesta pesquisa foram estabelecidos os seguintes critérios: limiares auditivos dentro dos padrões de normalidade bilateralmente, considerando-se o valor de 15 dBNA (deciBel Nível de Audição) sugerido por Northern e Downs33 para a avaliação de crianças; Limiar de Reconhecimento de Fala (Speech Recognition Threshold -SRT) compatível com a média tonal, ou seja, igual a média de 500, 1000 e 2000Hz ou até 10 dB pior34; Índice de Reconhecimento de Fala (IRF) com porcentagem superior à 88%35 e curvas timpanométricas de tipo A36.

Além disso, para a constituição do grupo controle foram selecionados somente sujeitos sem intercorrências que pudessem ter um efeito adverso sobre o sistema nervoso auditivo central, ou seja, sem histórico de mais do que três episódios de otite em fase de desenvolvimento de linguagem; atraso no desenvolvimento neuropsicomotor; intercorrências na gestação e/ou parto; queixas escolares, bem como comportamentos hiperativos ou de desatenção. Desse modo, os sujeitos do grupo controle foram selecionados a partir da análise dos prontuários dos pacientes atendidos no Setor.

Na tentativa de descartar possíveis alterações no PA dos sujeitos pertencentes ao grupo controle, o teste dicótico de dígitos (versão do teste gravado no CD elaborado por Pereira; Schochat37) também foi aplicado, sendo que somente puderam fazer parte do grupo controle os sujeitos com resultados normais nesse teste, segundo os critérios sugeridos por Santos38.

O registro do MMN foi feito no Setor de Atendimento Audiológico da Universidade, em uma sala isolada acusticamente, mediante a utilização do equipamento para medição de potenciais evocados auditivos da marca Interacoustics, modelo EP 25.

O MMN foi registrado mediante a utilização de quatro eletrodos descartáveis posicionados em Fz (de acordo com o sistema internacional 10 -20), mastóides direita e esquerda, bem como no lado esquerdo da fronte do paciente. A posição Fz foi escolhida por ter sido citada como uma das melhores posições para se registrar o MMN39. A mastóide esquerda foi utilizada como referência e a fronte para o eletrodo terra. O eletrodo da mastóide direita foi utilizado apenas para se conseguir a impedância necessária para a realização do teste. A impedância foi mantida em um nível inferior a 5 KW.

O MMN foi pesquisado duas vezes, ou seja, primeiramente foi eliciado para estímulos tonais (tone bursts) diferindo quanto à freqüência (estímulo padrão: freqüência de 750Hz e estímulo diferente: freqüência de 1000Hz), o qual foi denominado de MMNf e, após, para estímulos diferindo quanto à duração (estímulo padrão: 100ms e estímulo diferente: 50ms; ambos na freqüência de 1000Hz), que foi denominado de MMNd.

Tanto os estímulos diferindo quanto à freqüência, como quanto à duração foram apresentados aleatoriamente, num paradigma oddball, numa velocidade de 1.3 estímulos por segundo, com uma probabilidade de ocorrência do estímulo diferente de 20%. O número de estímulos apresentado foi de 800, na tentativa de se obter uma quantidade final de, no mínimo, 150 estímulos diferentes promediados. A polaridade de ambos os estímulos foi do tipo alternada.

Os estímulos auditivos foram apresentados em 60 dBNA (Nível de Audição), via fones de inserção 3A, acoplados à orelha esquerda, tendo em vista a utilização de estímulos tonais para o desencadeamento do MMN, bem como a dominância hemisférica direita para esse tipo de estímulo.

Durante o registro do MMNos sujeitos permaneceram sentados em uma poltrona confortável, em uma situação de escuta passiva, assistindo a um filme de vídeo infantil, sendo orientados a permanecerem o mais quieto possível e a prestarem atenção somente no filme e não nos estímulos dados. Na tentativa de garantir uma maior atenção dos sujeitos ao filme, os níveis de áudio do vídeo foram mantidos, mas em uma intensidade abaixo de 40 dBNPS (deciBel Nível de Pressão Sonora) (Escala A)14,12.

Os potenciais evocados auditivos foram captados, amplificados, digitalizados, promediados on-line e filtrados utilizando-se um filtro passa/baixo de 25Hz e um filtro passa/alto de 1,67Hz. A janela de registro utilizada foi de 60ms anterior à estimulação e 480ms posterior à estimulação12.

O MMN foi identificado como o maior pico negativo ocorrido no período de tempo entre 150 a 350ms40, visualizado na onda da diferença. A amplitude e a latência do MMN foram calculadas automaticamente pelo equipamento após o examinador ter posicionado o cursor no local determinado.

Após o registro e análise do MMN em todos os sujeitos pertencentes ao grupo experimental e ao grupo controle, os valores médios de latência e amplitude do MMNf e do MMNd para cada um dos grupos de sujeitos estudados foram calculados e os resultados obtidos foram analisados estatisticamente.

Para a confirmação estatística da presença do MMN o Teste T para uma amostra foi utilizado visando verificar se a amplitude média do MMN, obtida em cada um dos grupos de sujeitos estudados, para os diferentes tipos de estímulos utilizados (ou seja, diferindo quanto à freqüência e ou quanto à duração), foi significantemente diferente de zero.

O Teste T para comparação de duas amostras independentes foi aplicado com o objetivo de verificar a existência de diferenças significantes estatisticamente entre os valores médios de latência e amplitude obtidos em ambos os grupos para o MMNf e para o MMNd, ou seja, para verificar a existência de diferenças no MMN diferindo quanto à duração ou quanto à freqüência entre os dois grupos estudados.

Para a verificação de diferenças significantes estatisticamente entre os valores médios de latência e amplitude do MMN obtidos para freqüência (MMNf) e para duração (MMNd) dentro de cada um dos grupos foi aplicado o Teste T para comparação de duas amostras dependentes. Esta análise foi realizadacom o objetivo de verificar se o estímulo eliciador do MMN, ou seja, diferenças de freqüência ou diferenças de duração,provocou MMNs diferentes emcada um dos grupos.


RESULTADOS

Considerando-se o pequeno tamanho da amostra (n = 8), primeiramente foi aplicado o teste de Kolmogorov-Smirnov para testar, ao nível de significância de 5%, se as amostras são originárias de populações normais. Em todas as amostras a hipótese de normalidade não foi descartada, desse modo, o teste t de Student pôde ser aplicado.

Os valores médios e os desvios padrões referentes à amplitude do MMNf e do MMNd obtidos nos grupos controle e experimental podem ser visualizados na Tabela 1. Além disso, também encontram-se expostos na Tabela 1 os resultados obtidos mediante a aplicação do Teste t de Student para testar se a amplitude do MMNf e do MMNd são nulas.




Como pode ser observado na Tabela 1, a presença do MMNf e do MMNd foi comprovada estatisticamente, em um nível de significância de 1% (a = 0,01), em ambos os grupos de sujeitos estudados.

Os valores médios e os desvios padrões referentes à latência do MMNf e do MMNd obtidos nos grupos controle e experimental podem ser observados na Tabela 2.




Os resultados estatísticos obtidos mediante a comparação dos valores de latência e de amplitude do MMNf e do MMNd encontrados no grupo controle e no grupo experimental podem ser vistos na Tabela 3.




A partir dos dados expostos na Tabela 3 pode-se constatar que não foram verificadas diferenças significantes estatisticamente, ao nível de significância de 5% (a = 0,05), entre os valores de latência, nem de amplitude, das crianças com DPA e das crianças do grupo controle, tanto para o MMNf como para o MMNd.

Na Tabela 4 podem ser visualizados os resultados obtidos na análise estatística que comparou os valores de latência e de amplitude do MMN desencadeado para diferenças de freqüência (MMNf), com o MMN desencadeado para diferenças de duração (MMNd) em cada um dos grupos de sujeitos estudados.




Como pode ser observado na Tabela 4, não houve diferenças significantes estatisticamente entre os valores de latência, nem de amplitude dependendo do estímulo eliciador do MMN, ou seja, freqüência ou duração, em nenhum dos grupos de sujeitos estudados.


DISCUSSÃO

Considerando-se que o MMN apresenta uma relação sinal/ruído relativamente baixa16, a comprovação estatística de sua existência, ou seja, a verificação de que sua amplitude é significantemente diferente de zero, tem sido associada à identificação visual14,41-48. Essa comprovação estatística, em geral, é feita utilizando-se um Teste T, a partir da média da amplitude do MMN obtida nos grupos de sujeitos estudados. Desse modo, como pode ser visualizado na Tabela 1, a presença do MMN desencadeado para diferenças de freqüência, bem como para diferenças de duração pôde ser comprovada estatisticamente tanto no grupo de sujeitos com DPA(C), como no grupo controle.

Tendo em vista que o MMN corresponde a uma resposta cerebral elétrica, desencadeada por qualquer mudança discriminável em algum aspecto repetitivo da estimulação auditiva10, que aparece independentemente da atenção do sujeito11 pode-se concluir que tanto os sujeitos com DPA(C) como os sujeitos do grupo controle discriminaram, em um nível pré-atentivo, as diferenças de freqüência e duração dos estímulos apresentados.

Além de a presença do MMN ter sido comprovada estatisticamente em ambos os grupos de sujeitos estudados, não foram constatadas diferenças na latência, nem na amplitude do MMNf nem do MMNd entre os sujeitos com DPA(C) e os sujeitos do grupo controle (Tabela 3). Assim sendo, da mesma maneira que no estudo de Liasis et al.18, o MMN não pôde ser considerado como um indicador da presença ou da ausência das dificuldades auditivas apresentadas pelos sujeitos com DPA(C).

Desse modo, algumas hipóteses foram levantadas para tentar explicar os resultados obtidos neste estudo.

A primeira hipótese levantada diz respeito ao número de sujeitos avaliados nesta pesquisa, pois com um pequeno número de sujeitos a diferença entre os valores de latência e de amplitude do MMNf e do MMNd teria que ser muito grande para ser constatada uma diferença significante estatisticamente. Esta hipótese, entretanto, não nos parece a mais plausível, pois a grande maioria dos estudos feitos com o MMN avalia cerca de 10 sujeitos em cada grupo.

Outra hipótese que pode ser levantada é a de que os sujeitos com DPA(C) avaliados não apresentem problemas para a discriminação de tons puros diferindo quanto à freqüência, conforme foi verificado no estudo de Meng et al.28, ou quanto à duração, como constatado nos estudos de Baldeweg et al.26 e Korpilahti e Lang27. Talvez, ainda, os sujeitos com DPA(C) possam apresentar alterações no MMN somente para sons verbais, como demonstrado nos estudos de Schulte-Körne et al.19-20, Uwer, Albrecht e Suchodoletz21 e Sharma et al.22.

Acredita-se, portanto, que a inexistência de alterações no MMN constatada neste estudo possa ser decorrente de os sujeitos com DPA(C) avaliados apresentarem dificuldades de discriminação auditiva limitados a parâmetros acústicos que não foram avaliados neste estudo.

A última análise estatística realizada demonstrou que os MMNs desencadeados para estímulos diferindo quanto à freqüência foram semelhantes aos MMNs eliciados por estímulos diferindo quanto à duração tanto no grupo de sujeitos com DPA(C) como no grupo controle (Tabela 4). Esse achado também pode ser interpretado como um indicativo de que os sujeitos com DPA(C) avaliados não apresentaram dificuldades para discriminar as diferenças de freqüência e de duração apresentadas.

Deve-se ressaltar, no entanto, que os resultados obtidos neste estudo não podem ser interpretados como indicativos de que os sujeitos com DPA(C) não apresentem nenhum tipo de alteração na discriminação de freqüências ou de duração, tendo em vista que somente um tipo de distinção de freqüências e um tipo de distinção de duração foram utilizados para eliciar o MMN. Deste modo, não podem ser descartadas dificuldades para a discriminação de freqüência ou de duração de estímulos tonais mais semelhantes do que os que foram apresentados aos sujeitos avaliados.


CONCLUSÃO

Os sujeitos com DPA(C) avaliados não apresentaram alterações na latência, nem na amplitude do MMN desencadeado para os estímulos diferindo quanto à freqüência, nem quanto à duração utilizados.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Momensohn-Santos TM, Branco-Barreiro FCA. Avaliação e intervenção fonoaudiológica no transtorno de processamento auditivo. Em: Ferreira LP, Befi-Lopes DM, Limongi SCO, editores. Tratado de Fonoaudiologia. São Paulo: Roca; 2004. p. 553-68.

2. Alvarez AMMA, Balen SA, Misorelli MI, Sanchez M. Processamento auditivo central: proposta de avaliação e diagnóstico diferencial. Em: MunhozmsL, Caovilla HH, Silva MLG, Ganança MM editores. Audiologia clínica. São Paulo: Atheneu; 2000. p.103-20.

3. American Speech-Language-Hearing Association. (2005). (Central) Auditory Processing Disorders - Technical report [Site na Internet] Disponível em: http://www.asha.org/members/desckref-journals/desckref/dafaul. Acessado em 12 de março de 2006.

4. American Speech-Language-Hearing Association task force on central auditory processing consensus development. Central auditory processing: Current status of research and implications for clinical practice. Am J Audiol. 1996; 5(2): 41-54.

5. Page JM. Central auditory processing disorders in children.Otolaryngol Clin North Am 1985;18(2):323-35.

6. Jerger J. Diagnosing Auditory Processing Disorders. J Am Acad Audiol. 2000;11:93.

7. Musiek FE, Bornstein SP. Contemporary Aspects of Diagnostic Audiology. Am J Otolaryngol 1992;13(1):23-33.

8. Jerger J, Musiek FE. Report of the Consensus Conference on the Diagnosis of Auditory Processing Disorders in School-Age Children. J Am Acad Audiol 2000;11(9):467-74.

9. Chermak GD, Musiek FE. Central auditory processing disorders: new perpectives. San Diego: Singular Publishing Group; 1997.

10. Näätänen R. Mismatch Negativity(MMN): perspectives for application. Int J Psychophysiol 2000;37:3-10.

11. Näätänen R, Tervaniemi M, Sussman E, Paavilainen P, Winkler I. 'Primitive intelligence' in the auditory cortex. Trends Neurosci 2001;24(5):283-8.

12. Lang AH, Eerola O, Korpilahti P, Holopainen I, Salo S, Aaltonen O. Practical Issues in the Clinical Application of Mismatch Negativity. Ear Hear 1995;16(1):118-30.

13. Morr ML, Shafer VL, Kreuzer JA, Kurtzberg D. Maturation of Mismatch Negativityin Typically Developing Infants and Preschool Children. Ear Hear 2002;23(2):118-36.

14. Kraus N, McGee T, Micco A, Sharma A, Carrell T, Nicol T. Mismatch Negativityin school-age children to speech stimuli that are just perceptibly different. Electroencephalogr Clin Neurophysiol 1993;88(2):123-30.

15. Näätänen R. The perception of speech sounds by the human brain as reflected by the Mismatch Negativity(MMN) and its magnetic equivalent (MMNm). Psychophysiology 2001;38:1-21.

16. McGee TJ, King C, Tremblay K, Nicol TG, Cunningham J, Kraus N. Long-term habituation of the speech-elicited mismatch negativity. Psychophysiology 2001;38:653-8.

17. Kraus N, McGee TJ. Mismatch Negativityin the Assessment of Central Auditory Function. Am J Audiol 1994;3:39-51.

18. Liasis A, Bamiou DE, Campbell P, Sirimanna T, Boyd S, Towell A. Auditory Event-Related Potentials in the Assessment of Auditory Processing Disorders: A Pilot Study. Neuropediatrics 2003;34(1):23-9.

19. Shulte-Körne G, Deimel W, Bartling J, Remschmidt, H. Auditory processing and dyslexia: evidence for a specific speech processing deficit. NeuroReport 1998;9(2):337-40.

20. Shulte-Körne G, Deimel W, Bartling J, Remschmidt, H. Speech perception déficit in dyslexic adults as measured by Mismatch Negativity (MMN). Int J Psychophysiol 2001;40:77-87.

21. Uwer R, Albrecht R, Suchodoletz WY. Automatic processing of tones and speech stimuli in children with specific language impairment. Dev Med Child Neurol 2002;44(8):527-32.

22. Sharma M, Purdy SC, Newall P, Wheldall K, Beaman R, Dillon H. Electrophysiological and behavioral evidence of auditory processing deficits in children with reading disorder. Clin Neurophysiol 2006;117(5):1130-44.

23. Lachmann T, Berti S, Kujala T, Schröger E. Diagnostic subgroups of developmental dyslexia have different deficits in neural processing of tones and phonemes. Int J Psychophysiol 2005;56(2):105-20.

24. Holopainen IE, Korpilahti P, Juottonen K, Lang H, Silanpaa M. Attenuated Auditory Event-Related Potentials (Mismatch Negativity) in Children with Developmental Dysphasia. Neuropediatrics 1997;28:253-6.

25. Kujala T, Lovio R, Lepisto T, Laasonen M, Näätänen R. Evaluation of multi-attribute auditory discrimination in dyslexia with the mismatch negativity. Clin Neurophysiol 2006;117(4):885-93.

26. Baldeweg T, Richardson A, Watkins S, Foale C, Gruzelier J. Impaired Auditory Frequency Discrimination in Dyslexia Detected with Mismatch Evoked Potentials. Ann Neurol 1999;45(4):495-503.

27. Korpilahti P, Lang H. Auditory ERP components and Mismatch Negativityin dysphasic children. Electroencephalogr Clin Neurophysiol 1994;91:256-64.

28. Meng X, Sai X, Wang C, Wang J, Sha S, Zhou X. Auditory and Speech Processing and Reading Development in Chinese School Children: Behavioral and ERP Evidence. Dislexia 2005;11:292-310.

29. Roggia SM. O processamento temporal em crianças com distúrbio fonológico. [tese]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2003.

30. Roggia SM, Dias MOC. O Mismatch Negativity em Pacientes com Transtorno de Aprendizagem. Anais do XIV Congresso Brasileiro de Fonoaudiologia; 2006 Out 4-7; Salvador, Bahia.

31. Roggia SM, Castilho NN, Sgarbossa PM. Um estudo comparativo do Mismatch Negativity em crianças com desvio fonológico em dois momentos de terapia fonoaudiológica. [Trabalho de Conclusão de Curso]. Itajaí: Universidade do Vale do Itajaí; 2006.

32. Deparis AB. O Mismatch Negativity (MMN) em crianças com desvio fonológico com e sem associação de alteração de linguagem escrita. [Trabalho de Conclusão de Curso]. Itajaí: Universidade do Vale do Itajaí; 2006.

33. Northern JL, Downs MP. Audição em crianças. São Paulo: Manole; 1989.

34. Frota S, Sampaio F.Processamento auditivo. Em: Frota S, editor. Fundamentos em audiologia: audiologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1998. p. 31-45.

35. Russo ICP, Santos TMM. Audiologia infantil. 4ed. São Paulo: Cortez; 1994.

36. Jerger J. Clinical experience with impedance audiometry. Arch Otolaryngol 1970;93:311-24.

37. Pereira LD, Schochat E. Processamento Auditivo Central: manual de avaliação. São Paulo: Lovise; 1997.

38. Santos MFCS. Processamento auditivo central: teste dicótico de dígitos em crianças e adultos normais. [Tese]. São Paulo: Universidade Federal de São Paulo; 1998.

39. Kurtzberg D, Vaughan HG, Kreuzer JA, Fliegler KZ. Developmental Studies and Clinical Application of Mismatch Negativity: Problems and Prospects. Ear Hear 1995;16(1):105-17.

40. Korpilahti P, Krause CM, Holopainen I, Lang H. Early and Late Mismatch NegativityElicited by Words and Speech-Like Stimuli in Children. Brain Lang 2001;76:332-9.

41. Kraus N, McGee T, Carrell TD, Sharma A. Neurophysiologic Bases of Speech Discrimination. Ear Hear 1995;16(1):19-37.

42. Cheour M, Haapanen M, Hukki J, Ceponiene R, Kurjenluoma S, Alho K. The first neurophysiological evidence for cognitive brain dysfunctions in children with CATCH. Neuroreport 1997;8(7):1785-87.

43. Cheour M, Haapanen M-L, Ceponiene R, Hukki J, Ranta R, Näätänen R. Mismatch Negativity (MMN) as an index of auditory sensory memory deficit in cleft-palate and CATCH syndrome children. NeuroReport 1998;12(9):2709-12.

44. Ceponiené R, Hukki J, Cheour M, Haapanen M-L, Ranta R, Näätänen R. Cortical auditory dysfunction in children with oral clefts: relation with cleft type. Clin Neurophysiol 1999;110:1921-6.

45. Sussman E, Ceponiene R, Shestakova A, Näätänen R, Winkler I. Auditory stream segregation processes operate similarly in school-aged children and adults. Hear Res 2001;153:108-14.

46. Takegata R, Roggia SM, Näätänen R. A Paradigm to Measure Mismatch NegativityResponses to Phonetic and Acoustic Changes in Parallel. Audiol Neurootol 2003;8:234-41.

47. Näätänen R, Pakarinen S, Rinne T, Takegata R. The Mismatch Negativity(MMN): towards the optimal paradigm. Clinical Neurophysiol 2004;115:140-4.

48. Takegata R, Roggia SM, Winkler I. Effects of temporal grouping on the memory representation of inter tone relationships. Biol Psychol 2005;68:41-60.








1 Doutor; Professora Doutora do Curso de Fonoaudiologia da UNIVALI - SC.
2 Discente do Curso de Fonoaudiologia da UNIVALI - SC; Bolsista de Iniciação Científica. Universidade do Vale do Itajaí.
Endereço para correspondência: Simone Mariotto Roggia - Rua Bahia 99 apto. 404 Joinville SC 89203-580.
E-mail: simoneroggia@yahoo.com.br
Bolsa de iniciação científica do Artigo 170 do Estado de Santa Catarina.
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBORL em 17 de maio de 2007. cod.4528
Artigo aceito em 4 de agosto de 2007.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


Imprimir:
Todos os direitos reservados 1933 / 2024 © Revista Brasileira de Otorrinolaringologia