ISSN 1806-9312  
Quarta, 30 de Outubro de 2024
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373 - Vol. 69 / Edição 2 / Período: Março - Abril de 2003
Seção: Artigo Original Páginas: 193 a 196
Crescimento pôndero-estatural de crianças após adenoamigdalectomia
Autor(es):
Renata C. Di Francesco[1],
Paula Andreya Junqueira[2],
Ronaldo Frizzarini[3],
Fabio Elias Zerati[4]

Palavras-chave: tonsila, síndromes da apnéia do sono, insuficiência de crescimento, criança.

Keywords: tonsil, sleep apnea syndrome, failure to thrive, child.

Resumo: A hiperplasia adenoamigdaliana é a principal causa de obstrução das vias aéreas superiores em crianças, sendo muitas vezes associada à apnéia do sono. Esta, por sua vez, resulta em uma série de comprometimentos: baixo rendimento escolar, cor pulmonale, distúrbios de comportamento não específicos, hiperatividade, sonolência diurna, distração e atrasos de desenvolvimento, sendo o déficit pôndero-estatural o mais grave. A adenoamigdalectomia é o tratamento de escolha. O objetivo deste trabalho é mensurar o crescimento e desenvolvimento das crianças antes e depois da adenoamigdalectomia através da comparação dos percentis pré e pós operatórios. Forma de Estudo: Clínico prospectivo randomizado. Material e Métodos: Cinquenta e cinco crianças de 2 a 12 anos, com história de obstrução das vias aéreas superiores por hiperplasia adenoamigdaliana foram submetidas a exame antropométrico (peso e altura), antes e 6 meses após a adenoamigdalectomia. Os dados foram transformados em percentil para peso e altura, de acordo com a idade e comparados através de análise estatística. Resultados: No pré-operatório, encontramos a seguinte distribuição para o percentil altura: 78,2%, abaixo de p75 e para peso 70,9% abaixo de p50. No pós-operatório observou-se melhor distribuição das crianças: para altura 34,6% abaixo de p75, 32,8% entre p75-95 e 32,6% para p95 e acima e para peso: 35,5% abaixo de p50, 36,4% para p50-95 e 29,1% acima de p95. Conclusão: Observou-se uma melhora considerável do desenvolvimento pôndero-estatural das crianças após a adenoamigdalectomia.

Abstract: Tonsil and adenoid hyperplasia is one of the most common causes of upper airway obstruction in children; and generally comes along with sleep apnea. It is usually associated to poor school performance, non-specific behavioral disturbs, hyperactivity, daytime sleepiness, distraction and failure to thrive. This one is a very serious consequence for the child. The purpose of this study is to compare height and weight percentiles before and after surgery. Study Design: Clinical prospective randomized. Material and Methods: We studied 55 children (male and female) from 2 to 12 years old; with upper airway obstruction due to tonsil and adenoid hyperplasia. All of them were measured (height and weight) before and 6 months after adenotonsillectomy. Height and weight percentiles were plotted in graphics and compared with statistical analysis. Results. Before surgery, the majority of the children, 78.2% were under p75 for height and 70.9% were under p50 for weight. Three months after surgery there was a better distribution of the children throughout the percentil ranges. For height: 34.6% were under p75; 32.85 were between p75-95 and 32.6% were above p95. For weight 35.5% were under p50; 36.4% were under p50-95 and 29.1% were above p95. Conclusion: After surgery, children presented an improvement in their height and weight percentiles. They develop better after the treatment of upper airway obstruction, with T&A surgery.

Introdução

A hiperplasia adenoamigdaliana é um dos distúrbios mais freqüentes nos consultórios otorrinolaringológicos. Esta é a causa mais comum de apnéia do sono na faixa pediátrica, em torno de 70 a 75% dos casos1, sendo a remoção das tonsilas faríngea e palatina (adenoamigdalectomia) o tratamento de escolha2. Este é o principal procedimento cirúrgico realizado entre os otorrinolaringologistas3.

Ainda hoje, há algumas controvérsias frente às indicações cirúrgicas. Após grande entusiasmo na realização desta cirurgia na primeira metade do século, houve grande diminuição do número de indicações desde o conhecimento do valor imunológico das tonsilas. As indicações aceitas atualmente são: hipertrofia adenoamigdaliana (apnéia do sono e cor pulmonale), amigdalites de repetição, febre reumática e glomerulonefrite, halitose, rinossinusites repetidas, otite média secretora.3

A apnéia obstrutiva do sono está associada a baixo rendimento escolar, cor pulmonale4, distúrbios de comportamento não-específicos, hiperatividade, atrasos de desenvolvimento, sonolência diurna e distração.5 A maioria destas crianças são respiradoras orais e portanto as queixas de apetite pobre e dificuldades de deglutição.5,6,7

O retardo de crescimento é uma das conseqüências mais severas da apnéia obstrutiva do sono8. Retardo de crescimento resultado de hipertrofia adenoamigdaliana já foi descrito na literatura, entretanto a maioria dos trabalhos são relatos de caso9,10. Há poucos relatos com número de sujeitos maior de 20, e poucas citações no Brasil. É necessário que haja um acompanhamento pré-operatório e de longo prazo no pós-operatório das crianças submetidas à cirurgia para que se possa ter mais detalhes sobre a velocidade de crescimento após o procedimento.8

O objetivo deste trabalho é mensurar o crescimento e desenvolvimento das crianças antes e depois da adenoamigdalectomia através da comparação dos percentis para peso e altura antes e três meses após a adenoamigdalectomia.

Material e métodos

Estudamos cinqüenta e cinco crianças (32 meninas e 33 meninos) escolhidas de forma randômica na fila de espera para adenoamigdalectomia de nosso serviço. As crianças apresentavam-se dentro dos seguintes critérios de inclusão:

· Idade entre 3 e 13 anos;
· Quadro clínico de apnéia do sono (roncos, apnéia, respiração oral, distúrbios da deglutição) - Segundo questionário (Quadro 1);
· Tonsilas palatinas hipertróficas e faríngeas hipertróficas (graus III e IV) causando obstrução das vias aéreas. Para avaliação foi utilizada a classificação em graus de acordo com a descrição de Brodsky11 para tonsilas palatinas e grau de obstrução da coluna aérea da nasofaringe avaliada através de radiografia simples do cavum.

Foram excluídas crianças com outras doenças sistêmicas, anormalidades craniofaciais, distúrbios neurológicos.

Todas as crianças foram submetidas a exame antropométrico de peso e altura no pré-operatório, as quais foram repetidas 6 meses após o procedimento cirúrgico.

Os valores de peso (Kg) e altura (cm) foram comparados frente à curva de crescimento infantil para a população brasileira12, específica para cada sexo, antes e após a cirurgia, classificando-se as crianças segundo seus percentis de peso e altura.

Os pais e responsáveis assinaram termo de consentimento informando sobre esta pesquisa, tendo sido aprovada pelo Conselho de Ética e Pesquisa do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Para a análise estatística foi utilizado o teste não-paramétrico de McNemar com nível de significância de 5%, para comparação dos percentis do pré e pós-operatório.

Resultados

Foram estudadas 55 crianças (32 meninas e 33 meninos) com idades entre 3 e 13 anos (média de 5,9± 2,9 anos).

As Tabela 1 e 2 mostram dados antropométricos das crianças no pré-operatório e pós-operatório. Observa-se que a maioria das crianças (78,2%) encontra-se no percentil de altura abaixo de 75 e para o peso um predomínio das crianças (70,9%) no percentil abaixo de 50. Na comparação pré e pós-operatória para altura, podemos observar que houve mudança significativa da distribuição das crianças tanto para peso quanto para altura, com maior número de crianças nos maiores percentis no pós-operatório, mostrando que houve um maior desenvolvimento destas neste período.

Quadro 1: Questionário*:

1. Enquanto dorme, seu filho:

- Ronca mais da metade do tempo?
- Sempre ronca?
- Ronca alto?
- Tem respiração ruidosa?

2. O seu filho:

- Respira com a boca aberta durante o dia?
- Tem a boca seca quando acorda pela manhã?
- Tem enurese noturna?
- Acorda cansado pela manhã?
- Têm sonolência durante o dia?
- É difícil para acordar pela manhã?
- Tem dor de cabeça quando acorda?

3. Você já observou se seu filho pára de respirar durante a noite?

* adaptado de Pediatric sleep questionnaire of sleep disorder breathing (Chervin et al., 2000)


Tabela 1. Dados referentes a altura no pré- e pós-operatório



Teste: Mc Nemar - P<0,001*
Significante. Há aumento significativo de crianças nos percentis maiores após 6 meses.


Tabela 2. Dados referentes a peso no pré- e pós-operatório



Teste: Mc Nemar - P<0,001*
Significante. Há aumento significativo de crianças nos percentis maiores após 6 meses.


Discussão

É bastante conhecido que a hiperplasia adenoamigdalina é uma das principais causas de apnéia obstrutiva do sono em crianças e que o retardo de crescimento pode coexistir nestes pacientes13.

Há uma prevalência de retardo de crescimento de 1 a 46% em crianças com hipertrofia adenoamigdaliana13,14. Em nosso grupo, a maioria das crianças no pré-operatório encontrava-se na faixa de percentil menor que 75%, para altura e menor que 50% para peso, enquanto na população normal há um certo equilíbrio na distribuição dos indivíduos nestas faixas, em função de outros fatores, principalmente genéticos12.

No pós-operatório, após 6 meses, há uma mudança na distribuição das crianças nos percentis de peso e altura, neste momento com uma distribuição mais equilibrada entre os grupos. Há, portanto, uma diferença estatisticamente significante, mostrando que houve um maior crescimento das crianças após 6 meses da adenoamigdalectomia. Há uma maior velocidade de crescimento que se justifica pela mudança no percentil, o que corrobora os achados de outros autores2.

Estes dados estão de acordo, também, com Williams, 199113, que mostrou que há um aumento tanto no peso quanto na altura das crianças 6 meses após o tratamento com a amigdalectomia.

Há diversas explicações para a melhora do desenvolvimento das crianças após a retirada das tonsilas faríngea e palatinas. A respiração oral por hiperplasia adenoamigdaliana leva a distúrbios da deglutição, olfação, mastigação5,6,7, que pode estar associado ao apetite pobre5 e até à baixa ingesta calórica. Pudemos observar em outra série que há uma melhora significativa da mastigação e deglutição7 que podem facilitar a ingesta alimentar, entretanto outros autores observaram que a ingesta calórica antes e após a adenoamigdalectomia é semelhante15. Cita-se ainda a relação com a baixa saturação sangüínea noturna de oxigênio, acidose noturna e aumento do gasto energético resultado do aumento do trabalho respiratório16. Estudos recentes mostram que 34 a 61% das crianças com hipertrofia adenoamigdaliana que são submetidas a cirurgia apresentam graus variáveis de hipoxemia e distúrbios do sono que não são normais8.

Os distúrbios do sono na hiperplasia adenoamigdaliana severa são muito freqüentes e estão associados a apnéia. Comumente estas crianças apresentam pesadelos, enurese noturna, despertares freqüentes5.

A apnéia do sono, por provocar despertares freqüentes, está associada a uma liberação irregular da secreção do hormônio de crescimento (GH), interferindo no crescimento.8 Observa-se após a adenoamigdalectomia um aumento da secreção do GH8,16 assim como de IGF-I (Insulin-like Growth Factor - fator de crescimento semelhante à insulina) e IGFBP3 (Fator de crescimento semelhante à insulina ligado à proteína transportadora B3). Este fator é responsável pelo efeito anabólico do GH16.

O hormônio de crescimento é liberado durante o sono, principalmente na faixa etária pré-puberal. Nestas crianças a secreção do hormônio sobe rapidamente na fase de sono com ondas lentas17,18. Acredita-se que uma ruptura na arquitetura do sono das crianças, decorrente dos despertares freqüentes em conseqüência à apnéia ocorre, principalmente, na fase de sono com ondas lentas, sendo o mecanismo responsável pela redução da secreção do GH19. O tratamento da apnéia do sono levaria a uma reversibilidade desta situação1, favorecendo o crescimento normal das crianças após a adenoamigdalectomia.

A história clínica é extremamente importante e tem um valor preditivo positivo da ordem de 90 a 100% quando comparado ao exame polissonográfico20. Associado ao exame da faringe e ao estudo da curva de crescimento pode orientar o tratamento cirúrgico da hiperplasia adenoamigdaliana1.

O crescimento normal é sinal de saúde; crianças doentes têm crescimento mais lento. Sendo assim, o crescimento deve ser monitorizado em todas as crianças, e em geral é feito pelo pediatra no atendimento primário21, que deve estar atento aos relatos da mãe ou responsável quanto a apnéia do sono quando este(a) não as refere, à presença de respiração oral e eventualmente suas conseqüências craniofaciais, como: face alongada, retrognatia, atresia maxilar, olheiras, etc6. Por serem de ocorrência corriqueira, os sintomas respiratórios durante o sono são de pouca relevância aos pais, principalmente o ronco, que está presente em diversas faixas etárias e que muitas vezes não são considerados doença e portanto não são referidos nas consultas de rotina na puericultura. Assim, a demora para o diagnóstico da apnéia do sono por hiperplasia adenoamigdaliana pode chegar a dois anos1.

Concluímos que a hiperplasia adenoamigdaliana com conseqüente apnéia do sono interfere no desenvolvimento pôndero-estatural da criança e a adenoamigdalectomia contribui para sua recuperação Assim, seu diagnóstico e tratamento deve ser precoce, a fim de evitar-se conseqüência irreversíveis do crescimento e desenvolvimento infantil.

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[1] Médica-Assistente-Doutora da Divisão de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
[2] Fonoaudióloga da Divisão de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
[3] Aluno do Curso de Pós-Graduação, Área de concentração Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
[4] Ex-residente da Divisão de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Endereço para Correspondência: Rua Guarará 529 cj. 121 São Paulo SP 01425-001 - Tel (0xx11)3889-0359 - Fax (0xx11)3887-6387 - E-mail: difran@attglobal.net

Trabalho premiado com Menção Honrosa no 36o Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia, Florianópolis, 19 a 23 de novembro de 2002.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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