INTRODUÇÃOOs tumores do ângulo ponto-cerebelar são um grupo diverso de tumores encontrados freqüentemente na prática do otorrinolaringologista. Representam de 2 a 10% de todos os tumores intracranianos1-3, podendo ser fatais se não forem tratados adequadamente. Os schwannomas vestibulares (SV) são responsáveis por 80 a 90% dos tumores do ângulo ponto-cerebelar1,4,5. São tumores benignos, de crescimento lento, que têm origem do segmento vestibular do VIII par craniano, sendo que a maioria deles surge na divisão superior deste segmento1,3,6,9. Derivam histologicamente das células de Schwann, aparecendo, mais comumente, no interior do conduto auditivo interno (CAI)1-3, em uma região de transição entre a mielina central e a periférica, conhecida como zona de Obsteiner-Redlich.
A ocorrência de tumores malignos do VIII nervo é muito rara1.
REVISÃO DE LITERATURAO Schwannoma Vestibular foi descrito pela primeira vez por Sandifort em 1777, sendo que Cushing, em 1917, descreveu a história natural do tumor, mostrando como resolução terapêutica a craniotomia suboccipital bilateral com remoção subtotal do tumor.
Não se sabe com exatidão a atual incidência do schwannoma vestibular, estima-se, com base na literatura, que seja da ordem de 0,8 a 2,5%1,2,6,7. Podem ser diagnosticados em qualquer idade, no entanto, são mais comuns na 50ª década de vida1,2,8,9. Tem sido observada uma predileção pelo sexo feminino1,2,9,10, com uma relação que pode ser de 3:29. Entre raças não parece haver diferenças significativas1.
Macroscopicamente, o tumor apresenta-se capsulado e de superfície lisa1-3.
Histopatologicamente, pode ser encontrado sob duas variedades distintas. Na primeira, e mais comum delas1,11, tipo A de Antoni, predominam as fibras argirófilas e os núcleos dispostos em paliçada, que quando reunidos de forma circular, formam os corpos de Verocay1,2,9,11. Já o tipo B de Antoni, encontrado em tumores maiores1, caracteriza-se por núcleos arredondados e picnóticos, apresentando diversas formações císticas e microcísticas1,2,9.
O SV pode ocorre em duas formas: esporádica e associada à neurofibromatose tipo 2 (NF - 2). Na primeira, o tumor é unilateral e compreende cerca de 95% dos casos. Quando associado à NF - 2, o tumor é tipicamente bilateral e representa 5% dos casos1,2,6,8,9.
A hipoacusia unilateral e progressiva é o sintoma mais precoce e freqüente, aparecendo em 75 a 95% dos pacientes. A surdez súbita é encontrada como sintoma em 8 a 26% dos indivíduos1-3,5,6,8,9,12,13, sendo que em algumas séries de estudos chegou a mais de 26%2. Por outro lado, apenas 1 a 2% dos pacientes com surdez súbita têm como etiologia o schwannoma vestibular. Pode haver também plenitude auricular associada à hipoacusia flutuante, simulando a síndrome de Ménière1,3,9. Cerca de 5% dos casos de schwannomas vestibulares são descobertos em pacientes que têm audição normal3,13,14.
Tinido é a segunda queixa mais freqüente, podendo aparecer em 60 a 86% dos pacientes1,9, podendo ocorrer como sintoma isolado ou associado à surdez. O fato de ser contínuo ou flutuante, associado à unilateralidade desse sintoma, deve alertar para o diagnóstico de schwannoma vestibular1,2,6,8,9.
O crescimento tumoral lento, com conseqüente desenvolvimento de compensação e adaptação vestibular, tornam os sintomas vertiginosos incomuns. Estes, quando presentes, marcam o início do quadro e têm tendência a desaparecer com a evolução da doença1-3,6,9. Em recente estudo realizado por Selesnick et al., este sintoma apareceu em 19% dos pacientes2,15. Sensação de instabilidade e desequilíbrio, que progridem com o crescimento do tumor, são sintomas relativamente comuns1-3,6,9, provavelmente decorrentes de compressão cerebelar1,9.
A hipoestesia e a dor facial podem ocorrer quando o tumor é suficientemente grande para causar compressão do quinto par craniano. Nestes casos, o reflexo corneopalpebral pode estar reduzido1-3,9. Paralisia facial é de ocorrência muito rara, sendo encontrada em casos de tumores gigantes1,2,9.
Ao exame físico, poderá haver alteração das provas do equilíbrio estático e dinâmico, sendo que essa variação está na dependência do tamanho tumoral1,15. De maneira geral, o nistagmo não é freqüente, aparecendo nas ocasiões onde os sintomas vertiginosos estão presentes1,9. O exame clínico dos demais pares cranianos torna-se imperativo, sobretudo o V, VI, VII, XIX, X, XI e XII1,9.
A audiometria tonal limiar mostra, classicamente, uma perda auditiva neurossensorial unilateral, sem padrão característico de curva à timpanometria1-3,9,13. Estudos demonstram que apenas 5% dos pacientes com schwannoma vestibular têm exames audiométricos normais3,12. Além disso, a discriminação vocal costuma estar alterada, apresentando o fenômeno de roll-over1-3,9.
O achado mais característico à eletronistagmografia é uma hiporreflexia ou arreflexia labiríntica nas provas calóricas, do lado afetado1,2,9.
A audiometria do tronco cerebral (BERA), exame mais sensível e específico para a detecção das alterações geradas pelo tumor, tem uma sensibilidade da ordem de 93 a 98%1-3,12,9. Os achados mais importantes são aumento do intervalo entre as ondas I e III acima de 2,3ms; alargamento do intervalo entre as ondas I e V acima de 4,4ms; diferença interaural da onda V acima de 0,4ms, assim como ausência da onda I1,2.
Pode-se, ainda, realizar testes como a eletrococleografia, quando não se consegue detectar a onda I no BERA, e a eletroneuromiografia do nervo facial, para a complementação diagnóstica do schwannoma vestibular1.
Contudo, a tomografia computadorizada do osso temporal (TC) e a ressonância magnética (RM) do crânio são os exames de escolha para o diagnóstico do schwannoma vestibular, com sensibilidades de cerca de 95 e 100%, respectivamente1-3,6,9.
Como diagnóstico diferencial principal desses tumores pode-se citar o meningioma, a doença de Ménière, os tumores de outros nervos cranianos (sobretudo os do V nervo), o lipoma, o hemangioma e a lesões não tumorais do conduto auditivo interno (alças vasculares e neurites)1,3.
A conduta frente a um caso de schwannoma vestibular pode ser expectante, cirúrgica e/ou radioterápica1-3,8,9. A adoção da primeira modalidade está na dependência, principalmente, do tamanho do tumor e nas repercussões clínicas deste1. Dentro da modalidade cirúrgica, destacam-se as vias suprapetrosas (via da fossa média), retrossigmóidea e translabiríntica1,9. Vale ressaltar que a radiocirurgia estereotáxica trouxe uma nova opção de tratamento para pacientes sem condições clínicas ou que recusam proposta cirúrgica1.
RELATO DE CASOPaciente A. R. P., 37 anos, masculino, natural e procedente de Votorantim, São Paulo, admitido no ambulatório de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC - SP), campus Sorocaba, referindo sensação de instabilidade à deambulação de evolução há dois anos, de forma intermitente, sendo assistido em outro serviço e medicado com cinarizina, apresentando períodos de melhora parcial do quadro clínico. Refere que há três meses apresentou piora da instabilidade à marcha, apresentando retropulsão, associado a plenitude auricular à direita e tinido ipsilateral tipo "vento", sensação de parestesia em hemiface direita; não considerando hipoacusia. Nega hipertensão arterial, diabete melito, tabagismo e etilismo. Transplante de córnea à esquerda, não apresentando queixas oftalmológicas.
Ao exame otoneurológico e otorrinolaringológico apresentava no dímero direito: hipoestesia da hemiface com diminuição do reflexo córneo palpebral ipsilateral, hipoestesia da porção póstero-superior do pavilhão auditivo (sinal de Hitselberg positivo), diminuição do lacrimejamento, Romberg sensibilizado positivo. Observava-se discreto desvio da rima labial para a esquerda, não apresentando outras alterações nos demais pares cranianos. Na acumetria não havia alteração da sensibilidade auditiva em ambas as vias aéreas, com Weber não-lateralizado e com Rinne positivo, bilateralmente.
A avaliação audiológica não revelou deficiência auditiva, sendo o índice de reconhecimento de fala de 100%, bilateralmente. Apresentava curva tipo C na timpanometria com presença dos reflexos estapedianos. Na avaliação otoneurológica, arreflexia em todas as provas da orelha direita. Os exames metabólicos mostraram dislipidemia sem outras alterações.
Foi solicitada tomografia computadorizada (TC) contrastada de orelhas, com ênfase em conduto auditivo interno e ângulo ponto-cerebelar, sendo evidenciado lesão globosa, de 33,3mm em sua maior dimensão, com prolongamento para o conduto auditivo interno direito, proporcionando alargamento do mesmo, e efeito de massa com compressão na transição cerebelo pontina ipsilateral (Figura 1).
Figura 1. TC de mastóides evidenciando lesão globosa (33,3mm em sua maior dimensão) com prolongamento para o conduto auditivo interno e alargamento do mesmo. Também observa-se efeito de massa e compressão cerebelo pontina.
Indicado realização de potencial evocado auditivo do tronco cerebral (BERA) e emissões otoacústicas (EOA), assim como avaliação do serviço de Neurologia e Neurocirurgia da Faculdade de Medicina da PUC SP. Paciente medicado sintomaticamente com dimenidrato.
O referido paciente não mais compareceu ao ambulatório de Otorrinolaringologia da PUC - SP, pois está, até o presente, à disposição da justiça, não sendo liberado para a realização dos exames acima citados. Em pré-operatório do serviço de Neurologia e Neurocirurgia da Faculdade de Medicina da PUC - SP.
DISCUSSÃOOs schwannomas vestibulares são responsáveis por 80 a 90% dos tumores do ângulo ponto-cerebelar1,4,5, podendo ser diagnosticados em qualquer idade, sendo mais comum na qüinquagésima década de vida1,2,8,9 e possuindo uma predileção pelo sexo feminino de 3:21,2,9,10.
A hipoacusia unilateral e progressiva é o sintoma mais precoce e freqüente, aparecendo em 75 a 95% dos pacientes, sendo que o referido paciente apresentava avaliação audiológica dentro da normalidade, estando incluído entre os 5% de casos de schwannomas vestibulares sem deficiência auditiva3,13,14. O índice de reconhecimento de fala era de 100% o que contradiz com as referências na literatura, onde a discriminação vocal costuma estar alterada, apresentando o fenômeno de roll-over1-3,9.
Queixava-se de tinido unilateral à direita o que nos alertou para a pesquisa de possível processo expansivo retrococlear, devido à unilateralidade do zumbido e a associação a outros sintomas vestibulares1,2,6,8,9, acrescido de que, segundo a literatura, o tinido é a segunda queixa mais freqüente nos casos de schwannoma vestibular, podendo aparecer em 60 a 86% dos pacientes1,9.
A principal queixa do paciente era a sensação de instabilidade e desequilíbrio, de forma progressiva, em virtude do efeito de massa proporcionada pelo tumor no ângulo pontino cerebelar, o que condiz com os dados da literatura, onde em torno de 70% dos tumores acima de 30mm de dimensão manifestam tais sintomas15.
A TC contrastada de orelhas, com ênfase em conduto auditivo interno e ângulo ponto-cerebelar, ao lado da RM do crânio, são os exames de escolha para o diagnóstico do schwannoma vestibular, com sensibilidades de cerca de 95 e 100%, respectivamente1-3,6,9.
O comprometimento do V e VII pares cranianos levaram à hipoestesia em hemiface direita, diminuição do reflexo corneopalpebral ipsilateral, diminuição do lacrimejamento, hipoestesia da porção póstero-superior do pavilhão auditivo do lado acometido e discreto desvio da rima labial para a esquerda, citações essas também observadas na literatura, onde a paralisia facial é de ocorrência muito rara, sendo encontrada em casos de tumores gigantes1,2,9.
Na avaliação otoneurológica foi evidenciado arreflexia na orelha direita, sendo esse o achado mais característico à eletronistagmografia1,2,9.
A avaliação do potencial evocado auditivo do tronco cerebral não pôde ser realizada, uma vez que o referido paciente encontra-se à disposição da justiça até o presente momento. Contudo, esperaríamos encontrar aumento do intervalo entre as ondas I e III acima de 2,3ms; aumento do intervalo entre as ondas I e V acima de 4,4ms; diferença interaural da onda V acima de 0,4ms, assim como ausência da onda I.
COMENTÁRIOS FINAISO schwannoma vestibular pode se manifestar apenas com alterações vestibulares do tipo instabilidade à marcha, associado ou não a tinido unilateral, em um paciente sem queixas de hipoacusia. Tal fato deve nos alertar para o diagnóstico da patologia.
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1 Médico otorrinolaringologista, Assistente da disciplina de ORL da Faculdade de Medicina de Sorocaba da PUC-SP.
2 Médico residente da disciplina de ORL da Faculdade de Medicina de Sorocaba da PUC-SP.
3 Médico Residente da disciplina de ORL da Faculdade de Medicina de Sorocaba da PUC-SP.
4 Médico otorrinolaringologista, voluntário da disciplina de ORL da Faculdade de Medicina de Sorocaba da PUC-SP.
5 Doutor em otorrinolaringologia, Professor Titular do departamento de Cirurgia e Coordenador da disciplina de ORL da Faculdade de Medicina da PUC-SP. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Faculdade de Medicina de Sorocaba.
Endereço para correspondência: Av. Barão de Tatuí 709 Sorocaba SP 18030-000.
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBORL em 17 de agosto de 2005. cod. 666
Artigo aceito em 9 de setembro de 2005.