ISSN 1806-9312  
Sábado, 23 de Novembro de 2024
Listagem dos arquivos selecionados para impressão:
Imprimir:
3707 - Vol. 74 / Edição 4 / Período: Julho - Agosto de 2008
Seção: Artigo Original Páginas: 588 a 595
Atividade eletromiográfica dos músculos temporal anterior e masseter em crianças respiradoras bucais e em respiradoras nasais
Autor(es):
Aline Ferla1, Ana Maria Toniolo da Silva2, Eliane Castilhos Rodrigues Corrêa3

Palavras-chave: crianças, eletromiografia, respiração bucal.

Keywords: children, electromyography, mouth breathing.

Resumo: A respiração bucal tem sido estudada por causar sérios efeitos no desenvolvimento do sistema estomatognático. Objetivo: Estudar, através da análise eletromiográfica, o padrão de atividade elétrica dos músculos temporal anterior e masseter em crianças com respiração bucal, comparando-os com o de crianças com respiração nasal. Material e Método: Foram estudados dois grupos de crianças: 17 respiradoras bucais (RB) e 12 respiradoras nasais (RN). As crianças foram submetidas à avaliação eletromiográfica bilateral dos músculos supracitados nas situações de máxima intercuspidação e mastigação habitual. Utilizou-se o eletromiógrafo Myosystem Br-1, com 12 canais de aquisição, amplificação com ganho total de 5938, taxa de aquisição de 4000Hz e filtro passa-faixa de 20-1000Hz. O sinal foi processado em RMS, mensurado em µV e analisado e expresso em %, normalizado. Os dados foram tratados estatisticamente através do Teste t (Student). Resultados: Observou-se que o nível de atividade elétrica do grupo RB foi inferior para todos os músculos e estatisticamente significante somente para o temporal esquerdo; os respiradores bucais apresentaram predomínio de atividade elétrica no lado direito e no músculo temporal durante a mastigação habitual. Conclusão: A respiração bucal interferiu na atividade elétrica dos músculos estudados nas situações funcionais de máxima intercuspidação e mastigação habitual.

Abstract: Mouth breathing has been associated with severe impact on the development of the stomatognathic system. Aim: This paper aims to analyze the electromyographical findings and patterns of electrical activity of the anterior temporal and masseter muscles in mouth and nasal breathing children. Materials And Method: The patients were divided into two groups: mouth breathers (n=17) and nasal breathers (n=12). The children underwent bilateral electromyographic examination of the anterior temporal and masseter muscles at maximal intercuspal position and during usual mastication. A Myosystem Br-1 electromyograph with 12 acquisition channels, amplification with total gain of 5938, rate of acquisition of 4000 Hz, and band-pass filter of 20-1000Hz, was used in the examination. The signal was processed in Root Mean Square(RMS), measured in µV, analyzed and expressed as a normalized percentage. The data set was statistically treated with the T-test (Student). Results: The observed level of electrical activity in the mouth breathing (MB) group was lower in all analyzed muscles, with statistical significance found only in the left temporal muscle; during mastication, mouth breathers also presented increased electrical activity on the right side and on the temporal muscle. Conclusion: Mouth breathing impacts the electrical activity of the muscles studied at maximal intercuspal position and during usual mastication.

INTRODUÇÃO

A respiração, considerada função vital do organismo desde o nascimento, influencia diretamente a manutenção da organização esquelética, dentária e muscular do sistema estomatognático. É consenso na literatura que, quando o padrão respiratório ocorre de maneira inadequada, fazendo o indivíduo uso de uma respiração bucal de suplência, várias alterações podem ser associadas. Compensações posturais como extensão de cabeça para facilitar a passagem da corrente aérea1-6, padrão de crescimento predominantemente dolicofacial7-9 e alterações na mastigação10-13, além de outras, têm sido observadas em respiradores bucais e citadas como características desta alteração.

Embora muito tenha sido pesquisado sobre a respiração bucal, restritas discussões foram estabelecidas acerca de como se desenvolve a função mastigatória nestes indivíduos. É de consenso que a mastigação é afetada por aspectos como estado de conservação dos dentes, articulação temporomandibular, tipo de oclusão e postura craniocervical14-18. Entretanto, tem sido levantada a hipótese de que a mastigação também é influenciada pelo padrão de crescimento facial predominantemente vertical e pela respiração bucal, devido, principalmente, a hábitos alimentares inadequados.

Na prática fonoaudiológica, tem-se observado que no paciente respirador bucal, na maioria dos casos, a função mastigatória também se mostra alterada. A avaliação da musculatura mastigatória, entretanto, baseia-se principalmente na avaliação clínica, a qual fornece dados subjetivos e muitas vezes discordantes entre diferentes profissionais.

Com o intuito de auxiliar na avaliação e no diagnóstico destes pacientes, a eletromiografia surge como uma possibilidade de analisar a atividade elétrica muscular de forma objetiva e, há alguns anos, também vem sendo estudada em pesquisas fonoaudiológicas. A utilização de um dispositivo que capta e amplifica os potenciais de ação da contração voluntária dos músculos é útil no diagnóstico, por espelhar a condição do sistema neuromuscular19. Não excluindo a imprescindibilidade de uma avaliação clínica minuciosa do respirador bucal, a eletromiografia, desde que utilizada cautelosamente, pode auxiliar no entendimento dos padrões de atividade elétrica dos músculos faciais e mastigatórios, levando o profissional a um diagnóstico mais objetivo e a uma intervenção mais efetiva na área da Motricidade Oral.

MATERIAL E MÉTODO

I. Caracterização da Pesquisa

O projeto desta pesquisa foi previamente submetido à avaliação e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa sob o protocolo número 105/2003. Este trabalho constituiu-se de um estudo de campo, transversal, de caráter qualitativo e quantitativo. Objetivou analisar, por meio da eletromiografia, o padrão de atividade elétrica dos músculos temporal anterior e masseter, bilateralmente, em crianças com respiração bucal, comparando-o com o de crianças com respiração nasal, nas situações de máxima intercuspidação e de mastigação habitual.

II. Procedimentos de Seleção dos Grupos

Inicialmente, foram selecionadas 45 crianças voluntárias, com as quais foram realizados os seguintes procedimentos: assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pelos pais ou responsáveis, anamnese, avaliação otorrinolaringológica, avaliação fonoaudiológica e avaliação ortodôntica. Uma vez que há um consenso, na literatura, quanto às inúmeras alterações associadas à respiração bucal8,11,20-24, tornou-se necessária esta avaliação interdisciplinar para o diagnóstico das mesmas.

III. Critérios de Seleção dos Grupos

Realizados os procedimentos sobrescritos, as crianças foram consideradas respiradoras bucais ou respiradoras nasais, conforme os seguintes aspectos:

Grupo de Respiradores Bucais: informações dos pais na anamnese quanto à presença de problemas respiratórios; presença de alterações, na avaliação fonoaudiológica, sugestivas de respiração mista ou predominantemente bucal; diagnóstico otorrinolaringológico de respiração mista ou predominantemente bucal;

Grupo de Respiradores Nasais: ausência de queixa de problemas respiratórios; ausência de alterações, na avaliação fonoaudiológica, sugestivas de respiração mista ou predominantemente bucal.

Foram considerados, ainda, como critérios para a composição de ambos os grupos: não estar em tratamento fonoaudiológico e/ou ortodôntico durante o período de realização desta pesquisa ou tê-los realizado previamente; ausência de sinais e/ou sintomas sugestivos de desordem temporomandibular; ausência de mordida aberta e/ou mordida cruzada; ausência de sinais sugestivos de comprometimento neurológico.

Não foram considerados, como critério de seleção dos grupos, os tipos de oclusão apresentados pelas crianças porque foi realizada, previamente neste estudo, uma análise estatística através do teste ANOVA, correlacionando o tipo de oclusão e os dados eletromiográficos. Esta análise foi realizada com o propósito de excluir a interferência da variável tipo de oclusão na análise dos dados, sendo que seus resultados não apresentaram diferenças estatisticamente significantes entre os subgrupos.

IV. Caracterização dos Grupos

Do total de 45 crianças inicialmente selecionadas, 16 foram excluídas por não atenderem aos critérios estabelecidos. Desta forma, os grupos deste estudo ficaram assim caracterizados:

a) Respiradores Bucais (RB): 17 crianças, 7 meninas e 10 meninos, com idades entre 8 anos e 11 meses e 11 anos e 8 meses.

b) Respiradores Nasais (RN): 12 crianças, 8 meninas e 4 meninos, com idades entre 9 anos e 5 meses e 12 anos e 11 meses.

V. Avaliação Eletromiográfica

A avaliação da atividade muscular foi realizada por meio de registros eletromiográficos bilaterais dos músculos temporal anterior direito (TD), temporal anterior esquerdo (TE), masseter direito (MD) e masseter esquerdo (ME) nas condições de máxima intercuspidação e mastigação habitual (testes 1 e 2). Para cada um dos testes, foram realizadas três coletas. Antes da captação dos registros eletromiográficos, as crianças foram previamente treinadas para assegurar a constância dos resultados. Realizou-se a higiene da pele na região dos músculos a serem estudados com algodão embebido em álcool etílico. Para evitar interferência eletromagnética durante o exame e para proteção da criança, fixou-se no seu antebraço um eletrodo de referência untado com gel eletrocondutor. As crianças foram avaliadas sentadas confortavelmente em uma cadeira, com o tronco ereto, pés apoiados no chão, e a cabeça orientada segundo o plano horizontal de Frankfurt, paralelo ao solo.

Teste 01 - Máxima Intercuspidação - A criança foi orientada a apertar os dentes, contraindo a musculatura mastigatória bilateralmente e simultaneamente, com máxima intercuspidação dentária, permanecendo com esta contração por 5 segundos. Utilizou-se o seguinte comando verbal: "...aperta, aperta, aperta...".

Teste 02 - Mastigação Habitual - A criança foi orientada, inicialmente, a mastigar uma goma de mascar comercial da marca Trident por um tempo médio de 15 segundos, para obter uma consistência uniforme antes dos registros. A escolha deste alimento ocorreu por seu fácil manuseio, por ser bastante conhecido e por ter uma boa aceitação entre crianças. Solicitou-se que a criança mastigasse de forma habitual, porém com ritmo de mastigação determinada com palmas pela pesquisadora, durante 10 segundos.

O equipamento utilizado para os exames eletromiográficos foi o eletromiógrafo Myosystem Br-1, produzido pela PROSECON Ltda. Possui 12 canais, sendo 08 para aquisição de sinais EMG e 04 para aquisição de sinais auxiliares, e conversor A/D com resolução de 12 Bits. O equipamento foi projetado segundo normas internacionais e sua calibração seguiu as especificações padronizadas25. Neste estudo, utilizou-se freqüência de amostragem por canal de 4000 Hz; filtro passa-alta de 20 Hz e passa-baixa de 1000 Hz; ganho total de 5938.

Para a captação dos registros eletromiográficos, foram utilizados quatro canais de entrada, correspondentes aos músculos estudados. Utilizaram-se quatro eletrodos ativos de superfície diferenciais simples, formados por duas barras retangulares paralelas (10x2mm) de prata pura (Ag), espaçadas por 10mm e fixas em um encapsulado de resina acrílica (23x21x5mm). Os eletrodos foram posicionados sob a região anatômica mais próxima o possível dos músculos estudados (músculo masseter e porção anterior do músculo temporal), paralelos em direção às fibras musculares e com as barras de prata perpendiculares às mesmas, com o objetivo de maximizar a captação de atividade elétrica e minimizar a interferência de ruído26. Foram fixados na pele da criança com auxílio de adesivos para eletrodos (Stampa®) e de uma fita hipoalergênica Transpore 3M, para uma melhor fixação.

VI. Análise dos Dados

Para a análise quantitativa dos dados obtidos, foi utilizado o processamento digital do sinal mioelétrico no domínio da amplitude em Root Mean Square (RMS), por meio do software Myosystem. Para cada criança, foi escolhido, qualitativamente, o melhor sinal das três coletas obtidas dos músculos estudados. Considerou-se como melhor sinal o que apresentava menor interferência de ruído e que possuía um traçado de FFT e histograma coerentes com registro miográfico.

Em cada um dos testes (máxima intercuspidação, mastigação habitual), foram realizadas três diferentes análises:

a) Comparação, entre os grupos (RN x RB), das médias de atividade elétrica dos músculos temporal direito, temporal esquerdo, masseter direito e masseter esquerdo.

b) Comparação, em cada um dos grupos, entre as somas de atividade elétrica obtidas dos músculos no lado direito (temporal direito + masseter direito) e no lado esquerdo (temporal esquerdo + masseter esquerdo).

c) Comparação, em cada um dos grupos, entre as somas de atividade elétrica obtidas dos músculos temporais (direito + esquerdo) e dos músculos masseteres (direito + esquerdo).

Considerando as citações da literatura especializada, no que se refere à necessidade e normalização para a comparação de dados eletromiográficos e à dificuldade de se estabelecer a maneira mais adequada para fazê-la27-30, optou-se por realizar, neste estudo, uma análise eletromiográfica normalizada, expressa em %.

Para normalizar os dados, propôs-se utilizar, para cada um dos músculos estudados, em cada um dos testes realizados, as médias de máxima intercuspidação obtidas do grupo de respiradores nasais (RN), durante o referido teste. Desta forma, tanto os valores de atividade elétrica do grupo de respiradores nasais (RN), quanto aqueles do grupo de respiradores bucais (RB), foram normalizados pelos valores de máxima intercuspidação do grupo RN. Para calcular as porcentagens expressas nos resultados normalizados, utilizou-se regra de três simples, em que foram considerados 100% os valores de máxima intercuspidação obtidos do grupo RN.

VII. Método Estatístico

Os dados foram submetidos à análise estatística através do Teste t de Student. Quando os dados a serem comparados pertenciam a grupos distintos, utilizou-se a comparação de duas médias de dados não-pareados, com desvios padrões populacionais desconhecidos. Quando a comparação se deu dentro do mesmo grupo, utilizou-se a comparação de dados pareados. Para verificar se os desvios padrões, embora desconhecidos, eram ou não supostamente iguais, foi realizado, antes da aplicação deste teste, um teste para Comparação das Variâncias. Adotou-se o nível de significância de 5% (p<0,05) para todas as análises, sendo este ressaltado pelo uso do asterisco nas tabelas e texto.


RESULTADOS

Os resultados encontram-se nas Tabelas 1 a 6.



















DISCUSSÃO

Optou-se por discutir os resultados encontrados nos testes de máxima intercuspidação e mastigação habitual simultaneamente por se entender que estas situações se inter-relacionam.

A Tabela 1 apresentou as médias normalizadas da atividade elétrica dos músculos estudados, obtidas dos grupos RN e RB, durante a máxima intercuspidação. Já a Tabela 4 apresentou análise semelhante, porém no teste de mastigação habitual.

Analisando-se em conjunto os resultados obtidos nas Tabelas 1 e 4, constatou-se que o padrão de atividade elétrica do grupo de respiradores bucais foi inferior em todos os músculos, porém de forma estatisticamente significante somente no músculo temporal esquerdo.

Entre uma série de possíveis alterações encontradas nos respiradores bucais, observam-se hipotonia e hipofunção dos músculos elevadores da mandíbula e mastigação ineficiente10,11. A mastigação também pode se apresentar alterada por flacidez dos músculos elevadores da mandíbula, ou mesmo por incoordenação da respiração com a mastigação e a deglutição13.

O fato de todos os músculos estudados, no grupo de respiradores bucais, apresentarem atividade elétrica inferior àquela dos respiradores nasais pode também estar associado à preferência, destes indivíduos, por uma dieta mais macia16,31, o que levaria a uma menor atividade muscular15,16,32,33.

Outra hipótese para justificar as médias inferiores de atividade elétrica dos músculos mastigatórios das crianças respiradoras bucais, quando comparadas às nasais seria a tendência a um padrão de crescimento craniofacial vertical observado nos indivíduos que fazem uso de respiração bucal de suplência07-09,11,23, o que justificaria uma menor atividade elétrica dos músculos mastigatórios, devido à relação entre a função mastigatória e o desenvolvimento craniofacial14,15,17,32,34. Há, em contrapartida, estudos em que não se encontraram diferenças significantes ao se comparar a atividade eletromiográfica dos músculos entre os grupos com tendência a tipologia dólico, meso e braquifacial35.

Considerando as médias de atividade elétrica dos músculos das crianças respiradoras bucais, observou-se que houve uma assimetria de ativação entre os músculos, mais acentuada para os músculos temporais. Esta assimetria e a diferença estatística encontrada apenas no músculo temporal esquerdo podem ser correlacionadas, possivelmente, ao padrão de preferência lateral mastigatória - definido nesta pesquisa através da avaliação clínica fonoaudiológica - e à postura alterada de cabeça, freqüentemente observada em respiradores bucais1-6,11,16,18,36. Estas suposições discordam de alguns autores, que atribuíram à assimetria da porção anterior do músculo temporal pouca significância clínica, devido à função estabilizadora deste músculo37. Nos resultados aqui encontrados, a maior atividade do músculo temporal direito em relação ao esquerdo sugere que o primeiro está atuando de forma compensatória, devido à preferência mastigatória predominante no lado direito nos respiradores bucais desta pesquisa e à menor atividade dos músculos masseteres.

Analisando juntamente os achados eletromiográficos com os achados clínicos, pode-se supor que, pelo fato de a maioria dos respiradores bucais desta pesquisa terem feito uso de mastigação unilateral direita - e entendendo-se que esta atividade dinâmica, a longo prazo, interfere nas atividades estáticas dos músculos - estes indivíduos desenvolveram, de forma mais intensa, a musculatura no lado de trabalho mastigatório. Assim, tanto o músculo masseter direito quanto o músculo temporal anterior direito apresentaram padrões de atividade elétrica mais acentuados do que seus correspondentes no lado de balanceio.

Nas Tabela 2 e 5 foram comparadas as somas da atividade elétrica dos músculos masseter e temporal direitos e dos músculos masseter e temporal esquerdos em cada um dos grupos nos testes de máxima intercuspidação e de mastigação habitual, respectivamente. A análise de ambas as tabelas permite referir que, neste grupo de crianças respiradoras bucais, o padrão mastigatório apresentado pode ser considerado mais assimétrico do que o apresentado pelas crianças respiradoras nasais. O lado direito do músculo masseter e porção anterior do temporal apresentaram maior atividade elétrica do que no lado esquerdo, porém somente no teste de mastigação habitual houve diferença estatisticamente significante.

Tanto na análise da avaliação clínica, assim como na análise eletromiográfica durante a mastigação habitual, as crianças do grupo de respiradores bucais apresentaram, claramente, em sua maioria, um padrão de mastigação unilateral. Acredita-se que, fazendo uso prolongado de mastigação preferencialmente por um dos lados direito ou esquerdo, a musculatura do lado de trabalho torna-se mais potente, enquanto que, no lado de balanceio, os músculos encontram-se mais alongados e com tônus rebaixado, demonstrando, muitas vezes discreta, entretanto perceptível, assimetria muscular10. Desta forma, também em uma situação de contração isométrica, aqui representada pelo teste de máxima intercuspidação, podem ser observadas tais características. As assimetrias observadas tanto nas condições estáticas (máxima intercuspidação) como nas dinâmicas (mastigação habitual) indicam que existem fatores comuns que influenciam estas ações38.

Da mesma forma, fortalecendo os resultados aqui encontrados, há relatos de que os distúrbios funcionais ligados à respiração bucal e à mastigação ineficiente acarretam redução de força destes músculos e assimetria associada à mastigação unilateral33.

Observou-se, na Tabela 3, que, no grupo de respiradores nasais, houve um padrão de atividade, entre os músculos, mais simétrico do que no grupo de respiradores bucais, embora não tenha sido encontrada diferença significante do ponto de vista estatístico. Já para o teste de mastigação habitual, a Tabela 6, de forma semelhante, mostrou as somas dos músculos masseteres e temporais em cada um dos grupos estudados. Para as crianças respiradoras bucais, nos testes de máxima intercuspidação e de mastigação habitual, os músculos temporais apresentaram maior atividade do que os músculos masseteres.

Quanto às funções dos músculos masseter e temporal, a literatura coloca que o primeiro, mais potente, apresenta papel funcional mais importante do que o segundo, que tem como função principal o posicionamento mandibular15,26,37,39,40-43.

No que se refere à relação entre respiração bucal, musculatura mastigatória e craniocervical, muitas são as colocações que sugerem esta interação1,7,8,10,18.

Como já exposto, tem sido um achado comum nas pesquisas científicas que a postura anteriorizada de cabeça, o padrão de crescimento craniofacial e a preferência por alimentos de consistência mais macia são características freqüentemente observadas nos indivíduos respiradores bucais. Sabendo que estas situações causam interferência na função mastigatória e, estando associadas à respiração bucal, acredita-se que a função respiratória inadequada também interfere, entretanto talvez não de forma direta, na mastigação.

Os resultados deste trabalho e os comentários referenciados permitem confirmar a suposição acima descrita; todavia, determinar as direções causais das alterações encontradas remete à polêmica discussão sobre causa x efeito e requer outros estudos mais específicos. O achado de maior ativação dos músculos temporais nas atividades de máxima intercuspidação e mastigação habitual (também característico de disfunção temporomandibular) encontrado nas crianças respiradoras bucais pode ser explicado pelo fato de que, na respiração bucal, a postura anteriorizada de cabeça para facilitar a respiração leva a uma atividade elétrica maior dos músculos temporais para compensar a menor atividade dos masseteres. Os resultados aqui encontrados também levam a questionamentos que poderiam ser esclarecidos em pesquisas longitudinais, como a hipótese de que estas crianças teriam tendência, posteriormente, a desenvolverem outros sinais e sintomas de disfunção temporomandibular.

Entende-se, entretanto, que trabalhos semelhantes ao aqui desenvolvido são essenciais para o entendimento de como as alterações da mastigação ocorrem no respirador bucal, assim como para determinar, desta forma, o tratamento que será mais efetivo para o paciente.


CONCLUSÃO

Quando comparados os resultados obtidos entre os grupos de respiradores bucais e de respiradoras nasais, conclui-se que a atividade elétrica dos músculos masseter e temporal anterior foram inferiores nas crianças respiradoras bucais, porém estatisticamente significante somente para o músculo temporal esquerdo, nas situações de máxima intercuspidação e mastigação habitual.

Quando comparados os resultados obtidos em cada um dos grupos, em relação à lateralidade, conclui-se que as crianças respiradoras bucais apresentaram maior atividade elétrica dos músculos no lado direito na mastigação habitual.

Quando comparados os resultados obtidos em cada um dos grupos, em relação à atividade dos músculos temporais e masseteres, conclui-se que nas crianças respiradoras bucais houve maior atividade dos músculos temporais, ao serem comparados aos masseteres, na mastigação habitual; nas crianças respiradoras nasais, não foram encontradas diferenças entre a atividade elétrica dos músculos temporais e masseteres.

A partir da análise dos resultados encontrados nesta pesquisa, e considerando o objetivo ao qual ela se propôs, pode-se concluir, finalmente, que a respiração bucal interferiu nos padrões de atividade elétrica dos músculos masseter e temporal anterior nas situações funcionais de máxima intercuspidação e mastigação habitual.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Aragão W. Aragão's function regulator, the stomatognathic system and postural changes in children. J Clin Pediatr Dent 1991;15:226-31.

2. Krakauer LH, Guilherme A. Relação entre respiração bucal e alterações posturais em crianças: uma análise descritiva. Rev Soc Bras Fonoaudiol 1998;2:18-26.

3. Gomes RCG. Relações entre postura corporal e sistema estomatognático. J Bras Fonoaudiol 1999;1:36-41.

4. Carvalho MP. Respiração bucal: uma visão fonoaudiológica na atuação multidisciplinar. Rev Bras Otorrinolaringol 2000;2:54-9.

5. Eletromiografia dos músculos esternocleidomastóideo e trapézio em crianças respiradoras bucais e nasais durante correção postural. Arq Otorrinolaringol 2003;7:13-9.

6. Ribeiro-Corrêa E, Marchiori SC, Silva AMT. Electromyographics muscle EMG activity in mouth and nasal breathing children. J Craniomand Pract 2004;22:145-50.

7. Solow B, Siersbaek-Nielsen S, Greve E. Airway adequacy, head posture, and craniofacial morphology. Am J Orthod 1984;86:214-23.

8. Köhler NRW, Köhler GI, Köhler JFW. Anomalias morfofuncionais da face: uma introdução à visão etiológica e terapêutica multidisciplinar. In: Marchesen IQ, Bolaffi C, Gomes ICD et al. (Org.). Tópicos em fonoaudiologia. São Paulo: Lovise; 1995.

9. Song H, Pae E. Changes in orofacial muscle activity in response to changes in respiratory resistance. Am J Orthod Dentofac Orthop 2001;119:436-42.

10. Marchesan IQ. Motricidade oral: visão clínica integrada do trabalho fonoaudiológico integrado com outras especialidades. São Paulo: Pancast; 1993.

11. Marchesan IQ. Avaliação e terapia dos problemas da respiração. In: Marchesan, IQ. Fundamentos em fonoaudiologia: aspectos clínicos da motricidade oral. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1998.

12. Bianchini EMG. Mastigação e ATM: avaliação e terapia. In: Marchesan IQ. Fundamentos em fonoaudiologia: aspectos clínicos da motricidade oral. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1998.

13. Motta AR. Mastigação e pesquisa: uma parceria necessária. In:Comitê de Motricidade Orofacial - SBFa. Motricidade orofacial:como atuam os especialistas. São José dos Campos: Pulso; 2004.

14. Franco MLZ. Mastigação bilateral: mito ou realidade. Rev Soc Bras Fonoaudiol 1998;2:35-42.

15. Douglas CR. Tratado de fisiologia aplicada às ciências da saúde. São Paulo: Robe; 1999.

16. Felício CM. Fonoaudiologia aplicada a casos odontológicos. São Paulo: Pancast; 1999.

17. Solow B, Sandham A. Cranio-cervical posture: a factor in the development and function of the dentofacial structures. Eur J Orthodont 2002;24:447-56.

18. Tessitore A. Alterações oromiofuncionais em respiradores orais. In:Ferreira LP, Befi-Lopes DM, Limongi SCOL. (Org.) Tratado de fonoaudiologia. São Paulo: Roca; 2004.

19. Dahlström L. Electromyographic studies of craniomandibular disorders:a review of the literature. J Oral Rehabil 1989;16:1-20.

20. Moyers RE. Ortodontia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1979.

21. Hungria H. Otorrinolaringologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1995.

22. Jabur LB. Avaliação fonoaudiológica. In: Ferreira FV. Ortodontia: diagnóstico e planejamento clínico. São Paulo: Artes Médicas; 1998.

23. Montonaga SM, Berti LC, Anselmo-Lima WT. Respiração bucal: causas e alterações no sistema estomatognático. Rev Bras Otorrinolaringol 2000;66:373-9.

24. Di Francesco RC. Definindo a respiração oral. In: Krakauer LH, Di Francesco RC, Marhcesan IQ. (Org.). Conhecimentos essenciais para entender bem a respiração oral. São José dos Campos: Pulso; 2003.

25. Merletti R. Standards for Reporting EMG Data. Disponível em:http://isek.bu.edu/publications/standards/emg_standards.html. Acesso em 30/09/2004.

26. Cram JR, Holtz J, Kasman GS. Introduction to surface electromyography. Gaithersburg, Maryland: An Aspen Publication; 1998.

27. Correia PP, Santos PM, Veloso A. Electromiografia:fundamentação fisiológica, métodos de recolha e processamento, aplicações cinesiológicas. Lisboa: Faculdade de Motricidade Humana; 1993.

28. Ervilha UF, Duarte M, Amadio AC. Estudo sobre procedimentos de normalização do sinal eletromiográfico durante o movimento humano. Rev Bras Fisiot 1998;3:15-20.

29. Soderberg GL, Knutson LM. A guide for use and interpretation of kinesiologic electromyographic data. Phys Ther 2000;80:485-98.

30. Nagae M, Bérzin F. Electromyography: applied in the phonoaudiology clinic. Braz J Oral Sci 2004;3:506-9. Disponível em:www.fop.unicamp.br/brjorals. Acesso em 15/10/2004.

31. Tomé MC, Marchiori S. Mastigação: implicações na dieta alimentar do respirador bucal. J Bras Fonoaudiol 2000;3:60-5.

32. Kiliaridis S. Masticatory muscle function and craniofacial morphology. Am J Orthod Dentofac Orthop 1987;92:355-6.

33. Terra V. Mastigação: abordagens terapêuticas. In: Comitê de Motricidade Orofacial - SBFa. Motricidade orofacial: como atuam os especialistas. São José dos Campos: Pulso; 2004.

34. Corrêa ER, Bérzin F. Temporomandibular disorder and dysfunctional breathing. Braz J Oral Sci 2004;3:498-502. Disponível em:www.fop.unicamp.br/brjorals. Acesso em 15/10/2004.

35. Trawitzki LVV, Puppin-Rontani RM, Felício CM. et al. Investigação eletromiográfica dos músculos masseter e temporal durante a mastigação em crianças com diferentes tendências de crescimento facial. Rev Soc Bras Fonoaudiol 2000;5:54-8.

36. Vig PS, Showfety BS, Phillips C. Experimental manipulation of head posture. Am J Orthod 1980;77:258-68.

37. Abekura H, Kotani H, Tokuyama H. et al. Asimmetry of masticatory muscle activity during intercuspal maximal clenching in healthy subjects and subjects with stomatognathic dysfunction syndrome. J Oral Rehabil 1995;22:699-704.

38. McCarroll RS, Naeije M, Hansson TL. Balance in masticatory muscle activity during natural chewing and submaximal clenching. J Oral Rehabil 1989;16:441-6.

39. Basmajian JV, De Luca CJ. Muscles alive: their functions revealed by electromyography. Baltimore: Williams & Wilkins; 1985.

40. Pancherz H. Temporal and masseter muscle activity in children and adults with normal occlusion: an electromyographic investigation. Acta Odontol Scand 1980;38:343-8.

41. Burdette BH, Gale EN. Reliability of surface electromyography of the masseteric and anterior temporal areas. Arch Oral Biol 1990;35:747-51.

42. Feres MA. Componentes do aparelho estomatognático. In: Petrelli E. Ortodontia para fonoaudiologia. São Paulo: Lovise, 1994.

43. González NZT. Componentes do aparelho estomatognático. In: González NZT, Lopes LD. Fonoaudiologia e ortopedia maxilar na reabilitação orofacial. São Paulo: Santos, 2000.






1 Mestrado em Distúrbios da Comunicação Humana pela UFSM, Fonoaudióloga Clínica da Prefeitura Municipal de Novo Hamburgo-RS.
2 Doutorado em Distúrbios da Comunicação Humana pela Universidade Federal de São Paulo, Fonoaudióloga, Professora Adjunto da UFSM.
3 Doutorado em Biologia Buco-Dental pela Universidade Estadual de Campinas, Fisioterapeuta, Professora Adjunto da UFSM. Universidade Federal de Santa Maria.
Endereço para correspondência: Aline Ferla - Av. Dr. Maurício Cardoso 977/407 Hamburgo Velho Novo Hamburgo RS 93510-250. Tel.: (0xx51) 9305-4812
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBORL em 9 de abril de 2007. cod 4429
Artigo aceito em 10 de junho de 2007.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


Imprimir:
Todos os direitos reservados 1933 / 2024 © Revista Brasileira de Otorrinolaringologia