INTRODUÇÃOAs metástases em cavidade oral são extremamente raras, e representam 1% de todas as neoplasias malignas da boca. Localizam-se em 80 a 90% dos casos na mandíbula, sendo ainda mais raras em maxila. Podem surgir de várias neoplasias malignas primárias, localizadas principalmente em mama, próstata, pulmão, tireóide e rim, que são as que dão origem à maioria das metástases ósseas1.
O comprometimento metastático dos referidos ossos apresenta uma variedade de sinais e sintomas, podendo, entretanto, o paciente encontrar-se totalmente assintomático, e o diagnóstico ter sido feito mediante um achado de um exame radiológico.
Os tumores da mandíbula e da maxila, pela sua evolução natural e níveis de comprometimento loco-regional, determinam alterações morfológicas e funcionais significativas, exigindo, na maioria das vezes, uma abordagem multidisciplinar completa2.
O diagnóstico das referidas neoplasias pode, entretanto, oferecer dificuldades com relação aos seus aspectos diferenciais. A precisão de exames laboratoriais, como a imunohistoquímica, pode oferecer alguns destes parâmetros. O tipo de parestesia, seja unilateral, hipoestesia ou anestesia do lábio inferior, com ou sem presença de dor, pode ser a manifestação clínica inicial de um percentual significativo de lesões que comprometem o osso mandibular. Alterações de sensibilidade envolvendo o lábio inferior, até sem importantes mudanças radiológicas, devem alertar o especialista em pensar na possibilidade de uma metástase inicial3.
As metástases ósseas são achados relativamente comuns nos carcinomas avançados, especialmente aqueles que se originam da mama, pulmão, tireóide, próstata e rim. Quando os ossos gnáticos são envolvidos, a mandíbula tem uma predileção em relação à maxila na proporção de 4:1, particularmente em sua porção posterior, onde existe abundante tecido vascular e hematopoiético3.
O presente estudo tem como objetivo analisar retrospectivamente a incidência de metástase nos maxilares, em um período de 20 anos, de pacientes atendidos e tratados em serviço de referência, traçando o perfil de comportamento epidemiológico a partir dos dados obtidos na amostra.
MATERIAL E MÉTODOSFoi realizado um estudo retrospectivo no período de janeiro de 1980 a dezembro de 2000, dos pacientes atendidos e tratados no ambulatório de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Centro de Oncologia (CEON) do Hospital Universitário Oswaldo Cruz (HUOC) - Universidade de Pernambuco (UPE).
No período supracitado, encontrou-se registrados 190 casos de tumores ósseos do segmento cabeça e pescoço, dos quais dez pacientes (5,2%) eram portadores de neoplasias metastáticas dos maxilares, sendo seis mulheres e quatro homens, com idade entre 13 e 75 anos (média de 43 anos). Foram analisados ainda a localização topográfica da metástase, sítio do tumor primário e tipo histológico do tumor (Tabela 1).
O presente estudo foi cadastrado e devidamente aprovado no Comitê de Ética da referida instituição sob o protocolo nº134707/07.
RESULTADOSDe acordo com os dados obtidos, os pacientes da amostra foram assim distribuídos:
Figura 1. Aspecto clínico de metástase de adenocarcinoma de próstata em mandíbula.
Figura 2. Aspecto clínico de metástase de adenocarcinoma de mama em mandíbula.
DISCUSSÃOAs neoplasias malignas dos ossos gnáticos, particularmente da mandíbula, têm uma incidência percentual mínima em relação à totalidade dos tumores humanos (menos de 0,7%). As referidas neoplasias, pela sua evolução, níveis de comprometimento loco-regional e as formas agressivas de tratamento, acarretam alterações morfológicas, funcionais e estéticas significativas. São divididos em malignos primários e secundários ou metastáticos. Sob o ponto de vista histológico, apresentam três origens: os derivados do tecido odontogênico, dos tecidos conjuntivos esqueletogênicos e os de outros tecidos não-odontogênicos e não-esqueletogênicos2.
Os ossos gnáticos normalmente são considerados localizações incomuns para metástase, podendo, entretanto, estar envolvidos com uma maior freqüência do que relatado geralmente na literatura4.
Rutsatz et al.5, em um período de 35 anos, relatam 1008 pacientes portadores de tumores malignos da face (partes moles e ossos) e da boca, encontrou apenas cinco pacientes (0,5%) com neoplasias metastáticas para a mandíbula, referidas como metástases à distância de tumores de diversas localizações topográficas.
Pruckmayer et al.6 realizaram um importante estudo retrospectivo em 763 pacientes apresentando dores inespecíficas na mandíbula, dos quais, apenas nove pacientes (1,2%) apresentaram metástases para a mandíbula. O autor alerta que o fator dor é um indicador importante para a investigação, e que quando as metástases ocorrem nos ossos gnáticos traduzem doença disseminada4,6, fato este também observado na amostra do presente trabalho.
Analisando as faixas etárias dos pacientes, verificou-se que 3 casos ocorreram nas 2ª e 4ª décadas de vida (30%), enquanto 2 casos ocorreram nas 7ª e 8ª décadas (20%). Os extremos etários variaram entre 13 e 75 anos (mediana de 43 anos).
Van der Waal et al.7, analisando uma amostra de 1537 casos de câncer de boca, dos quais 24 sendo tumores metastáticos, observaram igual distribuição por sexo e idade, com extremos etários de 8 a 90 anos, e uma mediana de 60 anos de idade.
D'Silva et al.8 comentam em sua amostra a distribuição por sexo e faixa etária das metástases dos maxilares, afirmando que as mulheres são acometidas pelo dobro do número de metástases que os homens, com faixa etária de 31 a 40 anos e 71 a 80 anos, respectivamente, como de maior ocorrência, confrontando com os dados obtidos na presente pesquisa.
Concernente à localização topográfica, a mandíbula e a maxila apresentaram igual acometimento de metástases ósseas, com 5 casos cada, contrariando o que relata a literatura, em que aponta em média uma prevalência de 80% das metástases ósseas para o osso mandibular4,9.
D'Silva et al.8, em estudo retrospectivo de 114 casos de doença metastática nos maxilares, relataram que a predileção pelo osso mandibular é mais freqüente no sexo feminino, quando comparado ao masculino.
Hirshberg et al.10 realizaram um estudo de 390 casos de tumores metastáticos para os ossos gnáticos, onde 316 casos (81%) estavam localizados na mandíbula, e apenas 58 casos (14%) ocorreram na maxila; ambos os ossos foram envolvidos em 21 pacientes (5,4%).
Com relação aos tipos histológicos dos tumores metastáticos, o material em estudo mostrou o adenocarcinoma papilífero (um caso), adenocarcinoma mal diferenciado (um caso), adenocarcinoma S.O.E. (três casos), carcinoma folicular (dois casos), fibrossarcoma mixóide (um caso), o sarcoma alveolar (um caso), além do carcinoma ductal (um caso)
Van der Waal et al.7, apontam o adenocarcinoma como o principal tipo histológico responsável por metástases para ossos gnáticos, a partir das mais diversas localizações de tumores primários, corroborando com os dados obtidos na amostra.
De acordo com os dados obtidos, a localização primária da neoplasia que originou a metástase à distância para os ossos gnáticos foi representada pela glândula tireóide (3 casos), próstata (3 casos), como os sítios mais prevalentes, seguido da mama (2 casos) e partes moles (sarcomas) (2 casos).
As metástases para os tecidos moles da cavidade oral são incomuns, mas de ocorrência significativa. Dentre as neoplasias primárias mais comumente responsáveis por metástases à distância por via hematogênica para os ossos gnáticos, a literatura cita a mama, tireóide e pulmão3,11,12. Outras localizações topográficas como próstata, partes moles e rim são consideradas raras3, e algumas que serão citadas mais adiante, raríssimas.
Piattelli et al.13, em 390 casos de câncer oral, encontraram 22 casos (5,6%) de tumores metastáticos em ossos gnáticos, sendo o sítio primário a glândula prostática. Ressaltam, ainda, a rara ocorrência da mesma como sítio primário de tumores metastáticos dos maxilares.
Stavropoulos e Ord14 referem um caso de uma paciente que apresentou metástase de câncer de mama para o côndilo mandibular com subseqüente fratura patológica, cujo caso foi inicialmente diagnosticado e tratado como uma manifestação não-neoplásica da articulação têmporo-mandibular.
Porter et al.15 referem um caso de teratoma maligno do testículo com metástase para ambos os côndilos mandibulares, cujo diagnóstico só foi feito em decorrência do paciente apresentar queixas de dor intensa nos locais afetados. Schumacher e Rohde16 reportam um raro caso de carcinoma da vulva com metástase para a mandíbula. Yanagi et al.11 fazem referência a um caso de um paciente do sexo masculino, com 59 anos de idade, portador de feocromocitoma maligno, com metástase para a mandíbula de um tumor primário de glândula adrenal direita. Ogunsalu e Samith17 relatam um caso de um neuroblastoma da adrenal direita com metástase para a mandíbula em um paciente do sexo masculino com 21 anos de idade. Localizações topográficas como partes moles (sarcomas) e tumores primitivos de outros ossos, raramente metastizam para a mandíbula e maxila4.
Existem ainda os casos de neoplasias de partes moles do pescoço, as quais apresentam um crescimento e comprometimento por contigüidade de estruturas vizinhas e o exame radiológico simular um tumor primitivo do osso. Captier et al.18 referem um caso de uma criança com 10 anos de idade, que apresentava um tumor no ramo horizontal da mandíbula, estendendo-se à região submandibular. O exame radiológico sugeria uma neoplasia primária do osso, porém o resultado do exame histopatológico mostrou tratar-se de um sarcoma sinovial de partes moles de pescoço, invadindo a mandíbula e o soalho da boca, embora seja um tumor de origem mesenquimal extremamente raro no segmento cefálico em crianças.
A literatura afirma que, em aproximadamente 30% dos casos, pacientes portadores de metástase em ossos gnáticos possuem um tumor primário não diagnosticado e de comportamento assintomático9. Na amostra estudada, não foi observado nenhum caso de tumor primário oculto com metástase já existente.
O prognóstico para as neoplasias metastáticas dos ossos gnáticos é considerado reservado e sombrio, em decorrência da fisiopatologia do tumor primário que originou a metástase, que geralmente apresenta-se com alto grau de agressividade histológica, ocorrem em um estágio avançado da doença e pela existência das síndromes paraneoplásicas associadas.
CONCLUSÕES1. As metástases em ossos gnáticos são raras e podem acometer qualquer faixa etária e ambos os sexos, com igual prevalência tanto para a mandíbula quanto para a maxila.
2. As glândulas tireóide e próstata parecem ser os sítios mais freqüentes de metástase à distância para ossos gnáticos, bem como o adenocarcinoma o tipo histológico de maior incidência de metástase.
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1 Cirurgião-dentista, Aluno do curso de especialização em Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial.
2 Cirurgião de Cabeça e Pescoço. Centro de Oncologia (CEON) do Hospital Universitário Oswaldo Cruz (HUOC) da Universidade de Pernambuco (UPE).
Endereço para correspondência: Antonio Azoubel Antunes - Rua Guilherme Pinto 345/303 Derby Recife PE 52010-210.
E-mail: antunesctbmf@yahoo.com.br
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBORL em 30 de março de 2007. cod. 3911.
Artigo aceito em 13 de maio de 2007.