INTRODUÇÃOA avaliação é o ponto de partida para o diagnóstico e o tratamento de qualquer alteração ou patologia vocal, bem como do aperfeiçoamento da voz, e sua importância mantém-se ao longo do tratamento/aperfeiçoamento como uma forma de medir as possíveis evoluções do cliente/paciente e assegurar o momento adequado para a alta.
No caso de crianças, considerando-se a velocidade com que as mudanças orgânicas e fisiológicas ocorrem, é imprescindível que o profissional da área de voz, fonoaudiólogo, médico otorrinolaringologista, ou professor de canto, possa acompanhar a evolução de seu cliente/paciente e adequar suas condutas para melhores resultados.
No estudo da voz, foram realizadas diversas pesquisas com o objetivo de determinar o nível de normalidade para os índices utilizados na avaliação vocal. Dentre esses estudos, a determinação dos tempos máximos de fonação (TMF) foi o objetivo de muitas pesquisas por tratar-se de uma das medidas mais utilizadas na prática de avaliação vocal clínica, de fácil coleta e considerada uma medida acústica objetiva de verificação da eficiência glótica.
As pesquisas já realizadas nacional e internacionalmente quanto à extensão dos TMF em crianças chegaram a diferentes resultados. Contudo, todas constataram que o TMF é uma medida que pode refletir o controle neuromuscular e aerodinâmico da produção vocal de um indivíduo, podendo ser utilizada por fonoaudiólogos, otorrinolaringologistas, e professores de canto como uma pré-avaliação para outras formas de avaliação qualitativas e ou quantitativas.
Este estudo não teve a pretensão de determinar parâmetros de normalidade, mas sim de contribuir com a verificação das medidas de TMF de crianças entre quatro e seis anos, de ambos os sexos, estudantes de pré-escolas da rede pública e privada.
MATERIAIS E MÉTODOS
Aspectos bioéticosNo contato inicial com as quatro pré-escolas públicas e privadas que concordaram em participar do estudo, por meio do Termo de Autorização Institucional (TAI), foi eleita a melhor forma de esclarecer pais ou responsáveis a respeito do trabalho e, após esses esclarecimentos, os pais que concordaram que seus filhos participassem da pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), sendo tanto esse, quanto o TAI baseados na norma 196/96 da CONEP e aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição de origem, sob o protocolo de número 099/05.
Descrição da amostraA população da qual foi selecionada a amostra compreendeu crianças entre quatro anos e seis anos e oito meses, de ambos os sexos, estudantes de pré-escolas da rede pública e privada de uma grande cidade. Foram incluídos no presente estudo os sujeitos: sem infecções de vias aéreas, no momento das avaliações; com limiares auditivos dentro da faixa da normalidade; sem história pregressa de doenças neurológicas, psiquiátricas ou gástricas; que não cantavam em coros e/ou como solistas; sem tratamento fonoaudiológico prévio; sem cirurgia laríngea prévia; com voz considerada adequada ou normal, resultando em 23 sujeitos.
Descrição do materialNo processo de seleção da amostra e na coleta de dados, além de um questionário com base na literatura, também foram utilizados um audiômetro da marca Amplivox, modelo A260, otoscópio da marca TK Missouri, um cronômetro da marca Cássio, um gravador digital de voz da marca Creative, modelo Muvo TX FM, USB 2.0, com 256MB de memória com microfone acoplado e um software de edição de áudio Wave Pad v. 3.05, da NHC Swift Sound em um computador PC Pentium 266HHZ, CD-ROM, 16 MB de RAM.
Procedimentos
Procedimentos para a seleção da amostraNo processo de seleção da amostra, foi avaliada uma população de 104 crianças, cujos pais responderam a um questionário sobre as condições gerais de cada criança que incluía perguntas sobre: história pregressa de doenças neurológicas, psiquiátricas ou gástricas; canto em coros e/ou como solistas; realização de tratamento fonoaudiológico prévio; realização de cirurgia laríngea prévia1.
Além do questionário, todas as crianças foram submetidas a uma avaliação auditiva, com base na literatura2 em ambiente silencioso, realizada por uma fonoaudióloga. Essa avaliação foi realizada através de uma triagem das freqüências da fala (1000 e 2000Hz em 20dBNA, e 4000Hz em 25dBNA)2 e os resultados anotados em protocolo específico, sendo encaminhados à fase seguinte da amostragem, a avaliação vocal perceptivo-auditiva, somente os sujeitos que apresentaram limiares auditivos iguais ou abaixo de 20dB para as freqüências de 1000 e 2000Hz e iguais ou abaixo de 25 dB em 4000HZ, indicativos de normalidade da função auditiva em ambas as orelhas.
Da população de 104 crianças, apenas 83 passaram nessas etapas de seleção da amostra, sendo, então, encaminhadas para a etapa final da amostragem, a de avaliação vocal perceptivo-auditiva, visando à conclusão da aplicação dos critérios de inclusão.
Dos 83 sujeitos que foram encaminhados a esta etapa do processo de seleção da amostra, cinco não foram submetidos à coleta da amostra vocal por não comparecerem às aulas no período. Assim, os 78 sujeitos selecionados nas etapas anteriores foram retirados individualmente das salas de aula, com o conhecimento dos professores, e conduzidos a uma sala silenciosa e reservada. Cada sujeito foi orientado a ficar em pé, com os braços estendidos ao longo do corpo, e o gravador digital foi mantido a uma distância de quatro centímetros da boca do sujeito 3, 4, 5, 6 e o mesmo foi orientado a fazer a emissão sustentada do fonema /a/ após uma inspiração profunda, em altura, intensidade, qualidade, e velocidade habituais de fala3,6-9.
Tais amostras vocais foram encaminhadas a quatro juízas, todas fonoaudiólogas, mestres ou mestrandas, com experiência mínima de cinco anos na área de voz, que desconheciam os objetivos do estudo, e realizaram sua análise de forma independente e sem conhecimento das demais juízas12.
A análise perceptivo-auditiva foi realizada por meio da escala R.A.S.A.T.13, que se trata de uma adaptação para o português da escala G.R.B.A.S., elaborada pela Sociedade Japonesa de Laringologia14. A escala R.A.S.A.T. avalia os parâmetros de rouquidão (R), aspereza (A), soprosidade (S), astenia (A), e tensão (T), sendo que, para cada um dos parâmetros, podem ser atribuídos os graus: 0 para normalidade, 1 para alteração discreta, 2 para alteração moderada, e 3 para severa.
Como base em metodologias utilizadas em outros estudos, o critério utilizado para considerar uma voz adequada ou adaptada (normalidade) baseou-se na média do julgamento das quatro juízas para os níveis de alteração e normalidade, em cada parâmetro analisado por meio da escala R.A.S.A.T.12,15-22. Para o presente estudo, estabeleceu-se, como critério de normalidade vocal, o grau médio de até 0,9 em, no mínimo, quatro dos cinco parâmetros da R.A.S.A.T. ou o grau médio de até 1 em um dos cinco parâmetros da R.A.S.A.T12.
Esta avaliação foi considerada de suma importância, pois seus resultados foram determinantes na classificação das vozes como normais ou alteradas e, conseqüentemente, como critério de inclusão do sujeito, uma vez que, após o contato com quatro médicos otorrinolaringologistas, todos referiram acreditar ser inviável a realização do procedimento de laringoscopia indireta na população de crianças escolhida, devido à faixa etária e ao número de sujeitos. Esses profissionais indicaram o exame nasofibrolaringoscópico como a forma mais indicada de avaliar crianças na faixa etária escolhida para a pesquisa, porém esta opção também se mostrou inviável pela impossibilidade de que toda a população a ser avaliada fosse conduzida a um consultório médico. Desta forma, julgou-se que o procedimento mais indicado e confiável para a seleção da amostra de vozes quanto à presença ou ausência de disfonia seria uma rigorosa análise vocal perceptivo-auditiva, conforme descrito anteriormente.
A avaliação perceptivo-auditiva, por meio da R.A.S.A.T., permitiu excluir 55 crianças cujas vozes foram consideradas disfônicas, restando 23 sujeitos com vozes adaptadas (normais) selecionados para compor a amostra deste estudo, sendo que sete tinham idades entre quatro anos e quatro anos e onze meses (n=7); onze tinham idades entre cinco anos e cinco anos e onze meses (n=11); e cinco tinham idades entre seis anos e seis anos e oito meses (n=5).
Procedimentos para a coleta de dadosNa etapa da coleta da amostra de voz para a análise perceptivo-auditiva vocal (amostragem), optou-se, por realizar também a tomada dos TMF (coleta de dados). Cada sujeito foi orientado a fazer as emissões sustentadas dos fonemas /a/, /s/, e /z/, após uma inspiração profunda, em altura, intensidade, qualidade, e velocidade habituais de fala3,6-9.
Todos os sujeitos realizaram três sustentações de cada fonema, até o final da expiração, com um intervalo médio de 10s entre cada sustentação10,11. No entanto, nenhum deles foi previamente informado sobre qual seria o número total de sustentações, com o objetivo de evitar qualquer influência nos resultados12.
Foi utilizado um cronômetro para quantificar os tempos de fonação e os dados referentes ao TMF dos sujeitos foram anotados em um protocolo específico e posteriormente tabulados. Na tabulação, os sujeitos foram agrupados em três faixas etárias, de quatro, cinco e seis anos e, em cada faixa etária, foi calculado o valor mínimo, o máximo, a média, e o desvio-padrão para as emissões sustentadas de /a/, /s/ e /z/. O mesmo foi realizado considerando-se as três faixas etárias como um único grupo (amostra total).
As medidas de TMF foram analisadas e os resultados foram considerados normais ou alterados para cada faixa etária e para o grupo total, considerando-se, como base de normalidade, uma média do valor mínimo e do máximo, dentre outros estudos já realizados sobre TMF em crianças. Estas médias foram estabelecidas por faixa etária: para quatro anos, de 4 a 9,6s; para cinco anos, de 5 a 9,36s; para seis anos, de 6 a 14,2s4,8,15,23-27.
Os TMF abaixo dos intervalos de normalidade considerados neste estudo foram interpretados como sugestivos de escape aéreo transglótico; e os TMF que situaram-se acima dos intervalos de normalidade foram considerados sugestivos de aumento da tensão glótica3,4,10,27.
Foi verificada a relação entre TMF de /s/ e /z/, que se trata de uma medida identificada a partir da divisão do valor do TMF de /s/ pelo TMF de /z/. Para estabelecer um intervalo de normalidade para a relação s/z, neste estudo, foram identificados na literatura os valores mínimos e máximos para crianças na faixa etária estudada, obtendo-se a média mínima de 0,78 e máxima de 1,02, considerando-se os valores acima desse intervalo como indicativos de escape aéreo durante a fonação e, abaixo, indicativos de aumento da tensão glótica3,4 10,15,24,27.
Tratamento estatísticoApós toda a coleta de dados, a análise estatística foi realizada por meio da Estatística Descritiva (média, mediana, desvio-padrão, valor mínimo e máximo); do teste "t" (de Student); da Análise de Correlação (coeficiente de Pearson) e da Análise de variância - ANOVA. Nas conclusões, foi utilizado o nível de significância de 5% (p = 0,05). Os achados foram computados no programa SPSS, versão 11.5.
Foram verificadas as significâncias estatísticas na comparação entre as médias identificadas para cada faixa etária, entre as médias totais e os intervalos de normalidade. Mesmo havendo um número de sujeitos diferente em cada uma das faixas etárias, foi possível a homogeneização da amostra, uma vez que todas as análises foram baseadas nas médias obtidas por faixa etária e para a amostra total. Para verificar a confiabilidade da análise das juízas, por meio da escala R.A.S.A.T., foi aplicada aos resultados a análise de correlação de Spearman.
RESULTADOSA média dos TMF de /a/ (p= 0,007), /s/ (p=0,0001) e /z/ (p=0,004) aumentou, paralelamente, conforme o aumento da idade, sendo que os TMF de /s/ e /z/ mostraram um acréscimo médio de 2s de uma faixa etária para outra. Contudo, na análise de correlação pelo coeficiente de Pearson, foi observada somente a correlação estatística positiva entre a média da amostra total do TMF /a/ e a idade (p=0,007), ou seja a medida que idade aumentou o TMF/a/ também aumentou. Além desta correlação positiva também foi verificada a correlação positiva entre a média total do TMF /a/ e as médias totais do TMF /s/ (p=0,003) e do TMF /z/ (p=0,0001), evidenciando que a medida de que o TMF /a/ aumentou, os TMF /s/ e /z/ também aumentaram.
Para o TMF /a/, verificou-se que houve diferença estatisticamente significativa entre as médias do TMF /a/ de quatro e de seis anos (p=0,024), ou seja a média do TMF /a/ na idade de seis anos foi significativamente maior que a média da idade de quatro anos. Para a análise do TMF /a/ na comparação entre a média da faixa etária dos seis anos com o total da amostra, também houve significância estatística (p=0,022), constatando-se assim que a média do TMF /a/ na idade de seis anos foi significativamente maior que a média TMF /a/ da amostra total.
Para o TMF /s/, verificou-se que houve diferença estatisticamente significativa entre as médias do TMF /s/ de quatro e de seis anos (p=0,02) e entre as médias dos cinco e seis anos (p= 0,050), sendo a média do TMF /s/ aos seis anos significativamente maior quando comparada as médias aos quatro e cinco anos. Também quanto ao TMF /s/, observou-se a significância estatística (p=0,04) na comparação entre a média total da amostra e a média da faixa etária dos quatro anos, ou seja, a média total da amostra foi significativamente maior que a média verificada na idade de quatro anos.
Para o TMF /z/, verificou-se que houve diferença estatisticamente significativa entre as médias do TMF /z/ de quatro anos e de seis anos (p=0,025), verificando-se que a média aos seis anos foi significativamente maior que a média aos quatro anos. Porém, a análise do TMF /z/, na comparação entre as médias das faixas etárias com o total da amostra, não mostrou diferença estatisticamente significativa.
Quanto à relação s/z, não se observou diferença estatisticamente significativa entre as faixas etárias, assim como na comparação das mesmas com a média total da amostra.
Além das comparações entre as faixas etárias, os resultados deste estudo foram comparados com a literatura e, para tanto, como já foi citado na metodologia, foi estabelecido um intervalo de normalidade e também calculadas as médias, o mínimo, o máximo, e o desvio-padrão (DP) por faixa etária, descritos nas Tabelas 2, 3, 4 e 5.
Na comparação com a literatura para as idades de quatro, cinco e seis anos observou-se que embora o TMF /a/, /s/ e /z/ de alguns sujeitos tenha ficado abaixo ou acima do intervalo de normalidade baseado na literatura, as médias em todas as faixas etárias deste estudo para os TMF verificados ficou dentro do intervalo de normalidade, concordando com a literatura.
Na comparação dos resultados da relação s/z, para as faixas etárias deste estudo, com a literatura, verificou-se que apenas a média na faixa dos quatro anos ficou discretamente acima do intervalo de normalidade estabelecido com base na literatura.
DISCUSSÃOO TMF é considerado uma medida acústica da voz, sendo um dos métodos mais utilizados na prática clínica de avaliação da função vocal que pode ser realizado tanto por fonoaudiólogos quanto por médicos otorrinolaringologistas, além do professor de canto. Em virtude da aplicabilidade dessa forma de avaliação, muitos estudos já foram realizados na tentativa de estabelecer um padrão para medidas de TMF em crianças.
Autores afirmaram, de maneira geral, que crianças em idade escolar, sem alterações vocais, deveriam ser capazes de sustentar a emissão durante aproximadamente dez segundos. No entanto, é importante analisar os resultados do presente estudo por idades para estabelecer comparações mais fidedignas e de uso mais prático na avaliação clínica da voz26.
No presente estudo, o TMF médio por faixa etária para a sustentação de /a/, /s/ e /z/ aumentou conforme a idade, porém somente o TMF /a/ apresentou significativa correlação positiva em relação à idade.
Esses resultados corroboram outro estudo11 que mostra a relação de aumento do TMF com o aumento da idade. Muitos dos trabalhos de pesquisa sobre os TMF em crianças referem-se a faixas etárias mais extensas e idades médias maiores do que os deste estudo, impossibilitando análises mais críticas dos resultados11,15,28. Apenas alguns autores pesquisaram o TMF de crianças na mesma faixa etária deste trabalho, especificando a média por idade, sendo possível uma comparação real entre os resultados.
Os TMF médios de /a/ verificados no presente estudo para as idades de quatro, cinco e seis anos foram, em média, 3s menores quando comparados a outras pesquisas23,25, sendo que na idade de seis anos esta diferença chegou a aproximadamente 4s.
Quanto ao TMF /z/, só foi possível fazer a comparação para a idade de cinco anos, em virtude de não existirem na literatura estudos para esta medida nas demais faixas etárias. Verificou-se que os resultados do presente estudo apresentaram uma diferença menor do que 1s, quando comparados com os resultados de outra pesquisa24.
Em pesquisas nacionais, autores afirmam que as crianças apresentam TMF médios numericamente próximos a sua idade cronológica, por exemplo, aos cinco anos, esperar-se-ia 5s de sustentação4. Contudo, no presente estudo, observou-se que os sujeitos mostraram sustentações, em média, 2s maiores do que as suas idades cronológicas, tanto para a vogal /a/, quanto para as fricativas /s/ e /z/. Esse fato ocorreu mesmo entre os sujeitos com quatro anos, que, teoricamente, apresentam menor controle neuromuscular.
A partir da análise estatística, verificou-se que as crianças na faixa etária dos seis anos apresentaram valores de TMF significativamente maiores do que as crianças na idade de quatro anos, tanto na emissão sustentada de /a/, quanto na emissão sustentada das fricativas /s/ e /z/ (TMF /a/, /s/ e /z/ seis anos > TMF /a/, /s/ e /z/ quatro anos). Além disso, na comparação entre as médias de cada faixa etária e a média da amostra total, verificou-se que, na sustentação de /a/, as crianças com seis anos apresentaram médias maiores do que a média da amostra total (TMF /a/ seis anos > TMF /a/ da amostra total). Essa diferença entre as médias foi de aproximadamente 3s maior para idade de seis anos em relação à média da amostra total.
Em relação a essa mesma comparação, porém nas sustentações das fricativas, observou-se que o TMF /s/ aos quatro anos foi significativamente menor do que a média da amostra total (TMF /s/ quatro anos < TMF /s/ da amostra total).
Esses dados evidenciam que as crianças menores podem apresentar TMF dentro da normalidade para as sustentações de /a/ e /z/, fonemas em que ocorre a ação vibratória das pregas vocais. No entanto, seus TMF /s/ (em que não ocorre a vibração das pregas vocais e, portanto, não há obstáculos laríngeos à saída do ar), mesmo dentro da normalidade, foram reduzidos quando comparados às demais sustentações, possivelmente devido ao menor controle do suporte respiratório3,4,6-8,15,27,29.
Quanto à possível correlação entre os TMF da vogal e das fricativas para as médias totais, a análise estatística evidenciou que as medidas dos TMF /a/, /s/, e /z/ apresentaram significativa correlação positiva, ou seja, à medida que o TMF /a/ da média total da amostra aumentou, os TMF /s/ e /z/ também aumentaram.
A correlação positiva foi maior entre o TMF /a/ e o de /z/ e, ainda, os valores médios dos seus TMF isolados foram bastante próximos, sendo o de /a/ maior que p de /z/. Esses achados contrariam a literatura vigente, pois a mesma refere que a sustentação da fricativa sonora /z/ possui dois pontos de obstrução à passagem do ar, um glótico e o outro articulatório, o que, teoricamente, obstruiria mais a saída do ar do que no TMF /a/, propiciando maior sustentação do TMF /z/3,4,6,11,15.
Assim como ocorreu entre os TMF /a/ e /z/, também verificou-se correlação positiva entre os TMF /z/ e /s/ e os TMF /a/ e /s/, ou seja, à medida que o TMF /z/ aumentou, o TMF /s/ também aumentou e o mesmo ocorreu em relação ao TMF /a/ e /s/. Porém, os TMF /s/ foram discretamente menores do que os TMF /z/, apresentando maior diferença quanto ao TMF /a/ (TMF /a/ > TMF /z/ > TMF /s/), estando de acordo com a literatura. Contudo, também conforme a literatura4,27, o TMF /z/ e o TMF /s/ devem ser próximos, porém o TMF /z/ tende a ser levemente maior (até 3s) do que o TMF /s/ em falantes normais, devido à associação entre o controle glótico e o controle articulatório, e também ao maior quociente de fechamento das pregas vocais que ocorre no fonema /z/. Contudo, a diferença entre o TMF /s/ e /z/ do presente estudo foi inferior ao referido na literatura e em outra pesquisa30 que verificou em seus sujeitos TMF /z/ em média 2s maior do que o TMF /s/. Nessa pesquisa a justificativa para tal resultado, assim como em outros estudos27, foi o valvulamento laríngeo do fonema /z/.
Para explicar a ocorrência deste fato contrário à literatura no presente estudo, pode ser sugerida a seguinte hipótese: que devido à forte influência das médias aos quatro anos de idade na média total da amostra, ficou evidente que além das dificuldades devido ao menor controle do fluxo aéreo expiratório nessa idade3,11,15,30, mostra-se evidente da mesma forma a inabilidade no controle neuromuscular das pregas vocais e articulatório refletindo no resultado da média do TMF /z/.
Quanto à relação s/z, ela deve ser verificada em crianças, pois pode ser um indicador de mau funcionamento da laringe por lesões nas pregas vocais31. Autores afirmam que essa é uma medida que relaciona o controle expiratório e laríngeo3,4,6,8,11,27. No presente estudo, as médias da relação s/z para todas as faixas etárias foram próximas de 1 e, na comparação com a literatura, apenas a média dos quatro anos foi levemente maior, porém a diferença não foi significativa. Em pesquisa realizada com crianças de sete a onze anos32, encontrou-se resultados próximos aos do presente estudo, sendo que a relação s/z foi de 1,02.
Em pesquisa para verificar a relação s/z, constatou-se que a média dessa relação para sujeitos entre quatro e onze anos 15, sem lesão nas pregas vocais, foi de 1,06, portanto maior do que a média encontrada no presente estudo. Pesquisadores constataram que, na relação s/z para crianças de cinco, sete e nove anos, houve apenas um aumento gradual em função da idade para os TMF /s/ e /z/, porém a relação s/z permaneceu estável, mesmo nas diferentes faixas etárias24. Esse resultado também foi encontrado no presente estudo, visto que a média dos TMF /s/ e /z/ aumentou conforme a idade, porém a relação s/z não variou significativamente entre as faixas etárias.
De forma geral, observou-se que a maioria dos resultados encontrados, a partir da implementação deste trabalho de pesquisa, foram condizentes com a literatura consultada, reforçando achados nacionais e internacionais, sendo que os resultados divergentes da literatura podem ampliar e estimular novas pesquisas que contribuam ainda mais com os conhecimentos que fundamentam a prática da avaliação clínica fonoaudiológica e otorrinolaringológica, e também da área do canto.
CONCLUSÕESDe acordo com o objetivo geral deste trabalho de contribuir com a verificação das medidas de TMF de crianças entre quatro e seis anos, de ambos os sexos, pôde-se concluir que:
1. Os TMF /a/ para as faixas etárias de quatro, cinco e seis anos foram, respectivamente, 5,77s, 7,16s e 10,32s, estando dentro do intervalo de normalidade estabelecido com base em pesquisas nacionais e internacionais, porém acima dos valores propostos na literatura nacional para essas faixas de idade;
2. Os TMF /z/ para as faixas etárias de quatro, cinco e seis anos foram, respectivamente, 5,32s, 7,30s e 9,55s, estando dentro do intervalo de normalidade estabelecido com base na literatura, porém maiores do que os resultados de pesquisas nacionais e menores do que os encontrados em algumas pesquisas internacionais para essas faixas de idade;
3. Os TMF /s/ para as faixas etárias de quatro, cinco e seis anos foram, respectivamente, 4,73s, 6,35s e 8,62s, estando dentro do intervalo de normalidade estabelecido com base na literatura, porém maiores do que os resultados de pesquisas nacionais e menores do que os encontrados em algumas pesquisas internacionais para essa mesma faixa etária;
4. Os TMF /a/, /s/ e /z/, aos seis anos, foram significativamente maiores do que o TMF /a/ aos quatro anos e, à medida que a idade aumentou, os TMF /a/, /s/ e /z/ também aumentaram significativamente, ocorrendo o mesmo entre as médias totais dos TMF /a/, /s/ e /z/, evidenciando a maturação nervosa e muscular que ocorre à medida que a criança cresce fisicamente, além do aumento do controle neuromuscular, e que é exposta na literatura nacional e internacional; foi claro que os resultados dos TMF, nos quatro anos, mostraram imaturidade nessa idade.
5. A relação s/z para as faixas etárias de quatro, cinco e seis anos foi próxima de 1 e, para a amostra total foi de 0,99, o que concorda com as demais pesquisas e evidencia a importância dessa medida nunca ser utilizada isoladamente em avaliação, mas em conjunto com outras, uma vez que TMF /s/ e /z/ alterados podem resultar numa relação s/z normal e levar a falsos-negativos.
Os resultados encontrados devem ser aprofundados com amostras maiores. No entanto, este trabalho poderá servir de base para a avaliação da voz e dos TMF de crianças.
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1 Doutora, Professora do Departamento de Otorrino-Fonoaudiologia e do Programa de Pós-Graduação em Distúrbios da Comunicação Humana da Universidade Federal de Santa Maria/RS.
2 Mestre em Distúrbios da Comunicação Humana - UFSM, Fonoaudióloga.Universidade Federal de Santa Maria.
Endereço para correspondência: Avenida Azenha 305/22 Bairro Azenha Porto Alegre RS 90160-000.
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBORL em 23 de março de 2007. cod. 3812.
Artigo aceito em 11 de junho de 2007.