ISSN 1806-9312  
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3695 - Vol. 74 / Edição 4 / Período: Julho - Agosto de 2008
Seção: Artigo Original Páginas: 508 a 511
Incidência de alterações estruturais das pregas vocais associadas ao pólipo de prega vocal
Autor(es):
Claudia Alessandra Eckley1, João Swensson2, André de Campos Duprat3, Fernanda Donati4, Henrique Olival Costa5

Palavras-chave: laringe, pregas vocais, pólipo, voz.

Keywords: larynx, vocal folds, polyp, voice.

Resumo: A etiologia mais aceita para pólipos de pregas vocais é o fonotrauma. Imaginamos que possa existir alguma alteração anatômica prévia nas pregas vocais que predisponha indivíduos a apresentarem lesões fonotraumáticas. Objetivo: O presente estudo retrospectivo procura encontrar correlação entre os pólipos de prega vocal e alterações estruturais da prega vocais. Material e Método: Foi realizado trabalho retrospectivo a partir da descrição cirúrgica de 33 pacientes submetidos a exérese de pólipo de prega vocal no período de três anos em hospital universitário. Resultados: Trinta e um pacientes apresentaram pólipos unilaterais e 2 bilaterais. Foram encontradas 27 lesões associadas: 10 lesões reacionais, 12 sulcos, 3 cistos e 2 ectasia capilars. Foram 14 lesões contralaterais e 13 ipsilaterais. Discussão e Conclusões: Encontrou-se uma forte correlação entre a presença de uma lesão de base influindo como co-fator de fragilização da prega vocal ao fonotrauma, pois das 27 lesões encontradas 17 foram consideradas pré-existentes (63%). As lesões poderiam interferir na coaptação das pregas vocais, gerando uma onda mucosa irregular durante a fonação, expondo o espaço de Reinke a uma agressão estrutural. Apesar do caráter preliminar do trabalho os achados sugerem íntima correlação entre o pólipo e lesões estruturais mínimas das pregas vocais.

Abstract: Phonotrauma is considered the main cause of vocal fold polyps (VFP). However, the authors believe that an underlying anatomical deviation could render the vocal folds more susceptible to such trauma. Aim: To prove this hypothesis a retrospective chart review was carried out to correlate the surgical findings of patients with VFP. Material and Methods: The charts of thirty-three patients who underwent surgery for excision of VFP were reviewed: 21 had right VFP, 10 had left VFP and 2 had bilateral lesions. Results: Associated lesions were reported in 27 patients (14 lesions on the opposite VF and 13 on the ipsilateral VF): 10 opposite nodules, 12 sulcus vocalis, 3 cysts, and 2 capillary engorgement. Discussion and Conclusions: The high incidence of associated anatomical lesions to the VF (63%) suggests that patients with these minor underlying anatomical deviations are more vulnerable to vocal abuse, probably because they present abnormal glottic closure and an irregular vibratory margin.

INTRODUÇÃO

A literatura atual afirma que a principal etiologia dos pólipos de pregas vocais é o fonotrauma súbito, que acarreta a formação de hematoma no espaço de Reinke podendo gerar um processo inflamatório, que estaria relacionada com a formação do pólipo1,2,3.

Os pólipos de pregas vocais normalmente se localizam nos dois terços anteriores das mesmas4, podendo eventualmente ser encontrados em outros locais (comissura anterior ou posterior); geralmente são unilaterais, podendo ser pediculados ou sésseis, geralmente observados em homens1,3,5,6.

O fonotrauma é muita freqüente em nosso meio, porém os indivíduos apresentam diferentes respostas a esta agressão. Há pessoas que desenvolvem pólipos, outros nódulos e outros não apresentam o desenvolvimento de lesões nas pregas vocais após um fonotrauma. Fatores como a configuração glótica e exposição a químicos e alérgenos já foram usados para explicar a formação de diferentes tipos de lesões fonotraumáticas1-6. Estudos mais recentes discutem as diferentes quantidades de fibronectina e ácido hialurônico nas pregas vocais de homens e mulheres o que também parece explicar o porquê da prevalência de nódulos no sexo feminino e de pólipos no sexo masculino6. Entre outros fatores possíveis, acreditamos que possa existir alguma alteração anatômica prévia nas pregas vocais, as chamadas lesões estruturais mínimas, que possam predispor certos indivíduos a apresentarem estas lesões fonotraumáticas. Essas alterações por estarem relacionadas com ectasia capilar, deixariam estas pregas vocais mais predispostas a hematomas.

Com o objetivo de contribuir na fisiopatologia dos pólipos de prega vocais, o presente estudo procura encontrar uma correlação entre pólipos de prega vocal e alterações estruturais na prega vocal contralateral ou ipsilateral.


MATERIAL E MÉTODO

Foi realizado um trabalho retrospectivo, a partir de prontuários de 33 pacientes consecutivos submetidos à microcirurgia laríngea para exérese de pólipo de prega vocal entre julho de 1997 e agosto de 2003, em Hospital Universitário terciário após aprovação do comitê de ética em pesquisa médica da instituição (CEP 39/03). Do total de pacientes, 18 eram homens (55%) e 15 (45%) mulheres, com idade média de 42 anos.

O diagnóstico de pólipo foi realizado clinicamente através da videolaringoestroboscopia e confirmado no intra-operatório. Os pacientes que apresentaram no exame anatomopatológico processos infiltrativos ou de doenças de depósito foram excluídos.

Durante o procedimento cirúrgico em nosso serviço é pesquisada de rotina a presença de alterações estruturais na pregas vocal, através da manipulação das pregas voais com um descolador ou ponteiro rombo.

Na análise dos prontuários as lesões foram agrupadas da seguinte maneira: as lesões associadas foram descritas como lesões reacionais na prega vocal contra-lateral, cisto epidermóide, cisto mucoso, sulco estria menor, sulco estria maior, sulco bolsa, ectasia capilar e microdiafragma de comissura anterior, sendo descrito o lado da lesão como ipsi ou contralateral ao pólipo.


RESULTADOS

Dos pacientes, 21 (63,6%) deles apresentaram pólipo em prega vocal direita (PVD), 10 (30,3%) apresentaram pólipo em prega vocal esquerda, e 2 (6,1%) apresentaram pólipo em ambas as pregas vocais (Figura 1).


Figura 1. Localização dos pólipos de pregas vocais.



Foram encontradas no total 27 lesões associadas nas pregas vocais, no ato intra-operatório: 10 (37%) delas foram lesões reacionais tipo espessamento nodular, 6 (22,2%) sulco tipo estria maior, 3 (11,1%) cisto tipo epidermóide, sulco estria menor e sulco tipo bolsa, 2 (7,4%) ectasias capilares. Não foi achado cisto tipo mucoso e micro diafragma de comissura anterior (Figura 2). Excluindo-se as lesões reacionais, observou-se 51.51% (17/33) de lesões estruturais associadas ao pólipo de pregas vocais.


Figura 2. Tipos de lesões das pregas vocais associadas ao pólipo de prega vocal.



Dos seis pacientes com descrição de sulco tipo estria maior metade se apresentou na prega vocal acometida de pólipo e a outra metade na contralateral.

O cisto tipo epidermóide foi encontrado em um caso na prega vocal contralateral, e em dois casos na prega vocal ipsilateral. O sulco tipo estria menor e o sulco tipo bolsa tiveram curiosamente a mesma estatística e incidência.

As ectasias capilares foram encontradas na mesma prega vocal em que forma encontrados os pólipos.

Nenhumas das lesões foram encontradas bilateralmente.

Do total das lesões estruturais encontradas (17), 6 foram contralateral e 11 ipsilateral (Figura 3).


Figura 3. Localização das lesões associadas (excluindo as lesões reacionais tipo nodulares) em relação à prega vocal com pólipo.



DISCUSSÃO

A nossa hipótese inicial de que uma lesão pré-existente, por alterar a dinâmica da vibração das pregas vocais, deixaria o paciente mais vulnerável ao fonotrauma mostrou-se bastante justificável, pois das 27 lesões encontradas, 17 delas são consideradas lesões pré-existentes (cisto, sulco, ectasias capilares). Portanto, 51% dos pacientes com pólipo já apresentavam alguma alteração estrutural prévia.

Este estudo preliminar faz parte de um estudo maior que ainda está em andamento e que visa uma melhor compreensão dos fatores associados à gênese dos pólipos de pregas vocais. Observamos a presença lesões estruturais em 63% dos pacientes operados de pólipo. Imaginamos que estas lesões pré-existentes contribuam para uma modificação na aerodinâmica da vibração das pregas vocais, e juntamente com o abuso vocal, propiciam a formação de hematomas no espaço de Reinke, formando os pólipos de prega vocal. Essas lesões estruturais modificam as camadas das pregas vocais, que já apresentam uma estrutura anatômica própria adaptada ao movimento vibratório9-10. As lesões poderiam interferir na coaptação das pregas vocais, gerando uma onda mucosa irregular durante a fonação. Uma onda mucosa irregular poderia expor o espaço de Reinke a uma agressão estrutural9.

A predominância de pacientes do sexo masculino, no nosso estudo, está de acordo com a literatura, mas não houve uma predominância maciça de homens, talvez pelo fato de sabidamente mulheres procurarem mais o serviço médico do que homens. Além disso, os pacientes do sexo feminino, pelo aumento de massa nas pregas vocais, apresentam um pitch mais agravado, causando um impacto na vida social destas pacientes, maior que ocasionaria em pacientes do sexo masculino.

Curiosamente a predominância de pólipos encontrados somente em prega vocal direita supera 2 vezes o acometimento de pólipo na prega vocal esquerda. Este dado poderia ter relação com dominância cerebral, porém não foi o foco do estudo.

As lesões reacionais encontradas em 37% dos pacientes confirmam a suspeita de que o impacto do pólipo na prega vocal sadia, a longo prazo, pode causar uma alteração da camada epitelial da prega vocal contra-lateral6-9.

Das lesões estruturais mínimas, os sulcos foram as lesões mais freqüentes (70%), aparecendo 4 vezes mais que os cistos (17%), e 6 vezes mais que as ectasias capilares (12%). As ectasias capilares que poderiam predispor o paciente a um maior risco de hematoma tiveram uma incidência baixa.

Este estudo tenta demonstrar a importância da avaliação de lesões associadas aos pólipos de pregas vocais no intra-operatório, podendo ser assim detectada uma maior vulnerabilidade do paciente para a recidiva da lesão9-11. É muito importante também a detecção da lesão nos exames pré-operatórios (apesar das dificuldades diagnósticas), para ser realizado um melhor planejamento cirúrgico com possível abordagem das lesões associadas.

Apesar de o trabalho ter um caráter preliminar ele sugere íntima relação entre pólipo de pregas vocais e lesões estruturais mínimas explicando melhor a maior susceptibilidade de alguns indivíduos a desenvolverem um pólipo de prega vocal após fonotrauma.


CONCLUSÕES

A freqüência de lesões estruturais associadas ao pólipo de prega vocal sugere que alterações anatômicas da prega vocal possam estar relacionadas com a fisiopatologia dos pólipos de prega vocal. As lesões estruturais associadas devem sempre ser investigadas para um melhor planejamento terapêutico.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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9. Duprat AC. Histoarquitetura e propriedades biomecânicas das pregas vocais. Tese de Mestrado apresentada na Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de SP em 1997.

10. Duprat AC. Comportamento Histológico do Enxerto autólogo de Gordura na Prega Vocal de coelhos. Tese de Doutorado apresentada na Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de SP em 2001.

11. Hochman I, Sataloff RT, Hillman RE, Zeitels SM. Ectasias and varices of the vocal fold: Clearing the striking zone. Ann Otol Rhinol Laryngol 1999;108(11):10-6.






1 Doutora em Medicina pela FCMSCSP, Fellow em Voz Profissional Thomas Jefferson University - Philadelphia, Professora Assistente.
2 Médico Otorrinolaringologista, Especializando do Departamento de Otorrinolaringologia da Santa Casa de SP.
3 Doutor em Medicina pelo Departamento de Otorrinolaringologia da Santa Casa de SP, Professor Instrutor do Departamento de Otorrinolaringologia da Santa Casa de SP.
4 Médico Otorrinolaringologista, Especializanda do Departamento de Otorrinolaringologia da Santa Casa de SP.
5 Doutor em Medicina pela Universidade de São Paulo, Professor Adjunto do Departamento de Otorrinolaringologia da Santa Casa de SP. Departamento de Otorrinolaringologia da Santa Casa de São Paulo
Endereço para correspondência: Claudia Alessandra Eckley - Rua Joaquim Floriano 101 3º andar Itaim Bibi São Paulo SP.
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBORL em 23 de janeiro de 2007. cod. 3620
Artigo aceito em 05 de março de 2007.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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