INTRODUÇÃOMixoma é uma neoplasia benigna de origem mesenquimal com crescimento lento, mas localmente agressiva. Virchow criou este termo em 1863, pois acreditava que, assim como o cordão umbilical, esta patologia continha mucina. O mixoma pode ocorrer em tecidos duros e moles (coração, subcutâneo, pele, entre outros). Geralmente, ao acometer tecido ósseo afeta os ossos faciais1-3.
O mixoma odontogênico é um tumor benigno raro, que não sofre metástase e afeta o complexo maxilo-mandibular. Quando ocorre na maxila, os mixomas odontogênicos podem expandir para dentro do seixo maxilar, sendo diagnosticados tardiamente somente após terem atingido grande dimensão. Podem ainda acometer, o palato, a órbita e a cavidade nasal causando sintomas relacionados a essas estruturas1,3,4.
A natureza odontogênica dos mixomas maxilares a partir do germe dentário pode ser comprovada através dos seguintes fatos: ocorrência raríssima em outros ossos que não os da face; semelhança histológica com o mesênquima dentário; associação com dentes não erupcionados ou ausentes e presença esporádica de ilhas de epitélio ou tecido odontogênico dentro do estroma mixomatoso2-5.
REVISÃO DE LITERATURASegundo a última classificação da Organização Mundial da Saúde para tumores odontogênicos publicada em 1992, o mixoma é considerado um tumor de ectomesênquima odontogênico, com ou sem a presença de epitélio odontogênico. A raridade desta patologia pode ser verificada em algumas publicações, como num estudo retrospectivo de 30 anos realizado no laboratório de Patologia Oral da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte em que foram analisados 127 casos de tumores odontogênicos e o mixoma odontogênico correspondeu a 4,72% da amostra com 3 casos ocorrendo em homens e igual número afetando mulheres6,7.
Os mixomas maxilares odontogênicos foram citados pela primeira vez na literatura por Thoma e Goldman em 1947. Geralmente aparecem em adolescentes e adultos jovens, entre a segunda e terceira décadas de vida, sendo muito raros antes dos 10 e após os 50 anos de idade. Não há consenso na literatura a respeito de predileção por localização (maxila ou mandíbula) e gênero (masculino ou feminino) mais afetados, entretanto a maioria dos pesquisadores afirma que não há predileção racial1,8.
Assim como a maioria dos tumores odontogênicos, os mixomas odontogênicos são assintomáticos somente causando dor, parestesia ou assimetria quando assumem maior tamanho. Geralmente seu crescimento é lento, mas localmente agressivo. Podem causar divergência ou reabsorção radicular, deslocamento ou mobilidade dentária2,4,8.
Num estudo prospectivo recente de 33 casos de mixoma odontogênico, a faixa etária mais atingida foi aquela entre 10 e 39 anos, tendo havido predileção pelo gênero feminino e pela mandíbula, na região posterior. Como a maior parte dos casos era avançada, a sintomatologia mais percebida foi dor e perfuração da cortical com invasão de tecidos moles. As características radiográficas de multilocularidade e reabsorção radicular foram as mais encontradas5.
Apesar dos aspectos radiográficos dos mixomas odontogênicos serem bastante variáveis, eles apresentam-se sempre radiolúcidos. Podem se apresentar com a aparência de bolhas de sabão, raquete de tênis e favos de mel, já tendo sido também relatado casos com o aspecto de raios solares3,9.
Numa análise radiográfica retrospectiva de 21 casos a mandíbula foi mais afetada que a maxila. Verificou-se que as formas uniloculares estavam localizadas, na sua maioria, na região anterior dos maxilares, enquanto as formas multiloculares afetavam a região posterior9.
Tanto as radiografias convencionais como a tomografia computadorizada devem ser utilizadas na investigação radiográfica para determinação do tamanho do tumor, da definição das margens, do padrão de septos ósseos e da possibilidade de perfuração da cortical10.
No seu aspecto histológico, o mixoma odontogênico apresenta uma abundante substância intercelular mucosa composta por tecido conjuntivo frouxo eosinofílico, imersas neste estroma encontram-se células fusiformes e estreladas com citoplasmas alongados, com ou sem pequenas massas de epitélio odontogênico inativo. Casos de mixomas com características até então não relatadas na literatura têm aparecido recentemente, dentre elas a presença de corpos arredondados calcificados compostos por um tecido ósseo-cementário e a existência de ilhas de epitélio odontogênico ativo11,12.
Histologicamente o diagnóstico diferencial deve ser feito com rabdomiossarcoma, lipossarcoma mixóide, sarcoma neurogênico, neurofibroma, lipoma, fibroma condromixóide, fasciite nodular8.
O diagnóstico diferencial clínico e radiográfico dos mixomas odontogênicos pode incluir: hemangioma intraósseo, querubismo, cisto ósseo aneurismático, displasia fibrosa, ameloblastoma, lesão central de células gigantes, cisto ósseo traumático e cistos odontogênicos (radicular, periodontal lateral, dentígero, ceratocisto)2,8,9.
Como os mixomas odontogênicos possuem alto índice de recidiva, devido principalmente a sua consistência gelatinosa e ausência de cápsula, faz-se necessário que o tratamento inicial seja bastante eficaz. Um importante aspecto que deve ser levado em consideração é a possibilidade de os pacientes não comparecerem adequadamente para as consultas de controle. Dessa forma, uma possível recidiva será verificada somente tardiamente e o tratamento será dificultado. Por todas estas razões, uma ressecção com margem de segurança acaba sendo o tratamento mais indicado5,10.
A proservação pós-operatória dos pacientes com mixoma odontogênico deve ser feita indefinidamente, principalmente nos dois primeiros anos, pois este é o período de maior recidiva4.
APRESENTAÇÃO DO CASO CLÍNICOPaciente do gênero feminino, leucoderma, 23 anos, natural de Recife-PE, procurou clínica privada com queixa de aumento de volume na região de maxila direita.
Ao exame clinico, observou-se aumento de volume na região de onde havia sido removida a unidade dentária 16 (1o molar superior direito) há cerca de 12 meses. A mucosa sobrejacente apresentava-se normocorada e sem alterações. Radiografia panorâmica dos ossos maxilares e radiografia periapical da área evidenciaram na região edêntula presença de lesão radiolúcida osteolítica e reabsorção radicular das unidades dentárias números 15 (2o pré-molar superior direito) e 17 (2o molar superior direito). Demais exames pré-operatórios mostraram-se sem alterações. Históricos médico, familiar e de hábitos apresentavam-se sem qualquer anormalidade. Foi realizada então biópsia incisional sob anestesia local, sendo fornecido o diagnóstico histopatológico de mixoma odontogênico.
Após o conhecimento deste diagnóstico, foi solicitada tomografia computadorizada com janela para tecidos moles e duros, cortes axial e coronal, que evidenciou a presença de uma lesão invadindo o seio maxilar direito, estendendo-se por toda a parede anterior do seio maxilar, propagando-se até o assoalho orbital (Figura 1).
Figura 1. Imagens da tomografia computadorizada, corte coronal, que evidenciaram a presença de um tumor invadindo o seio maxilar direito.
Novos exames pré-operatórios foram solicitados e todos eles se encontravam dentro do padrão de normalidade. Foi então realizada cirurgia sob anestesia geral inalatória e entubação nasotraqueal. Através de uma incisão de Neuman modificada foi exposta a parede anterior do seio maxilar e realizada a ressecção óssea e exérese total do tumor juntamente com os elementos dentários de número 15, 17 e 18 que foram afetados pela lesão que possuía em seu maior diâmetro cerca de 5 cm (Figura 2). O exame histopatológico da peça operatória confirmou em definitivo o diagnóstico anterior de mixoma odontogênico, pela presença de células fusiformes, de núcleos ovalados ou alongados, sem atipias celulares, imersas em matriz frouxa, mixomatosa, incluindo vasos escassos, presenciando-se ainda focos irregulares de calcificações (Figura 3).
Figura 2. Aspecto transoperatório demonstrando ressecção óssea para exérese do mixoma odontogênico maxilar.
Figura 3. Aspecto histopatológico do mixoma odontogênico maxilar, corado em HE, 100X.
No controle pós-operatório de 6 meses não foram encontrados sinais clínicos e radiográficos de recidiva. A proservação deste caso seguirá indefinidamente.
DISCUSSÃORelatamos um caso de mixoma odontogênico dos maxilares envolvendo seio maxilar. O crescimento lento, mas agressivo desta patologia permite que ela atinja grandes dimensões e, quando afeta a maxila, invada todo o seio maxilar, assim como aconteceu neste caso1,3,4.
Como não se consegue atribuir características clínicas e radiográficas específicas ao mixoma odontogênico, todas as lesões que possam ser consideradas como tal, devem antes ser submetidas a uma biópsia incisional, assim como aconteceu neste caso relatado. Dessa forma, podem-se evitar surpresas no trans-operatório e uma possível remoção incompleta do tumor13.
Em virtude do grande volume do tumor relatado e do crescimento lento dos mixomas, pode-se levantar a hipótese de que este tumor já estava presente quando foi efetuada a remoção do primeiro molar superior direito devido cárie dentária. Alterações radiográficas iniciais nos tecidos ósseos podem passar despercebidas, se não for realizada uma análise pormenorizada das radiografias de rotina para procedimentos odontológicos.
Casos como este também demonstram a necessidade da realização de radiografias panorâmicas dentro de um check-up odontológico anual, além da realização de radiografias periapicais em situações que demandam maiores detalhes. A tomografia computadorizada pode ser solicitada sempre que for necessário conhecer detalhadamente características da lesão relacionadas a seu tamanho, configuração interna, entre outras14.
As características clínicas e radiográficas do mixoma odontogênico são bastante variáveis, sendo assim ele deveria ser considerado no diagnóstico diferencial de lesões radiolúcidas e mistas dos maxilares em todas as faixas etárias. Uma destas características clínicas pouco comuns que estavam presentes no caso relatado foi a reabsorção radicular15.
Por se tratar de uma patologia agressiva, infiltrativa e com alto índice de recidiva, o tratamento efetuado neste caso relatado foi a ressecção óssea, pois além de permitir a enucleação de todo o tumor, remove o tecido ósseo que poderia estar microscopicamente afetado, possibilitando a recidiva da patologia3.
COMENTÁRIOS FINAISOs aspectos clínicos e radiográficos dos mixomas odontogênicos maxilares não são conclusivos, sendo necessário exame histopatológico para diagnóstico definitivo. Em virtude do alto índice de recidiva, devido principalmente ao aspecto gelatinoso e mucóide desta patologia, o tratamento cirúrgico através da ressecção óssea é a terapêutica mais indicada, devendo ser mantida uma proservação criteriosa durante anos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS1. Allphin AL, Manigilia AJ, Gregor RT, Sawyer R. Myxomas of the mandible and maxilla. Ear Nose Throat J 1993;72:280-4.
2. Zachariades N, Papanicolaou S. Treatment of odontogenic myxoma - Review of the literature and report of three cases. Ann Dent 1987;46:34-7.
3. Wachter BG, Steinberg MJ, Darrow DH, McGinn JD, Park AH. Odontogenic myxoma of the maxilla: a report of two pediatric cases. Int J Pediatr Otorhinolaryngol 2003;67:389-93.
4. Piatelli A, Scarano A, Antinori A, Trisi P. Odontogenic myxoma of the mandible. Report of a case and review of the literature. Acta Stomatol Belg 1994;91:101-10.
5. Simon ENM, Merkx MAW, Vuhahula E, Ngassapa D, Stoellinga PJW. Odontogenic myxoma: a clinicopathological study of 33 cases. Int J Oral Maxillofac Surg 2004;33:333-7.
6. Kramer IRH, Pindborg JJ, Shear M. The WHO histological typing of odontogenic tumours: A commentary on the second edition. Cancer 1992;70:2988-94.
7. Santos JS, Pereira Pinto L, Figueredo CRLV, Souza LB. Tumores odontogênicos:análise de 127 casos. Pesq Odontol Bras 2001;15:308-13.
8. Costa ALL, Rocha AC, Cavalcanti MGP, Silva JSP. Mixoma odontogênico: relato de caso com considerações clínicas, radiográficas e histopatológicas. RPG 1996;3:246-9.
9. Peltola J, Magnusson B, Happonen RP, Borrman H. Odontogenic myxoma - a radiographic study of 21 tumors. Br J Oral Maxillofac Surg 1994;32:298-302.
10. MacDonald-Jankowski DS, Yeung RWK, Li T, Lee KM. Computed tomography of odontogenic myxoma. Clin Radiol 2004;59:281-7.
11. Oygür T, Dolanmaz D, Tokman B, Bayraktar S. Odontogenic myxoma containing osteocement-like spheroid bodies: report of a case with an unusual histopathological feature. J Oral Pathol Med 2001;30:504-6.
12. Kimura A, Hasegawa H, Satou K, Kitamura Y. Odontogenic myxoma showing active epithelial islands with microcystic features. J Oral Maxillofac Surg 2001;59:1226-8.
13. Hernández VG, Cohn C, Garcia PA, Martínez LS, Llanes MF, Montalvo MJJ. Myxoma of the jaws. Report of three cases. Med Oral 2001;6:106-13.
14. Koseki T, Kobayashi K, Hashimoto K et al. Computed tomography of odontogenic myxoma. Dentomaxillofac Radiol 2003;32:160-5.
15. Kaffe I, Naor H, Buchner A. Clinical and radiological features of odontogenic myxoma of the jaws. Dentomaxillofac Radiol 1997;26:299-303.
1 Especialista em Saúde Pública e Mestrando em Diagnóstico Bucal, UFPB. Cirurgião-Dentista do Serviço de Oncologia do Hospital Gov. João Alves Filho.
2 Especialista e Mestre em Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo Facial e Doutorando em Estomatologia, UFPB. Professor Titular de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo Facial da Faculdade de Odontologia de Recife, FOR.
3 Especialista e Mestre em Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo Facial, Professor Adjunto de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo Facial Faculdade de Odontologia de Recife, FOR.
4 Estomatologista e Mestrando em Diagnóstico Bucal, UFPB. Professor Substituto de Estomatologia, UFPE.
5 Aluno de Graduação da Faculdade de Odontologia de Caruaru, Aluno de Graduação da Faculdade de Odontologia de Caruaru.
Faculdade de Odontologia de Recife e Universidade Federal da Paraíba.
Endereço para correspondência: Sérgio Bartolomeu de Farias Martorelli - Av. Conselheiro Aguiar 1360 Sala 128 Boa Viagem 51011-030 Recife PE.
Não há suporte financeiro para este relato de caso.
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBORL em 4 de junho de 2005. cod. 407
Artigo aceito em 12 de setembro de 2005.