ISSN 1806-9312  
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3669 - Vol. 74 / Edição 3 / Período: Maio - Junho de 2008
Seção: Artigo Original Páginas: 370 a 373
Estudo anatômico do osso temporal de um primata não-humano (Callithrix sp)
Autor(es):
Andrei Borin, Luciene Covolan1, Luiz Eugênio Mello2, Daniel Mochida Okada3, Oswaldo Laércio Mendonça Cruz4, Jose Ricardo Gurgel Testa5

Palavras-chave: anatomia, animal, nervo facial, orelha, osso temporal

Keywords: anatomy, animal, facial nerve, ear, temporal bone

Resumo: A busca por modelos experimentais constitui passo fundamental para o avanço da medicina. Objetivo: Demonstrar, através da dissecção com técnicas microcirúrgicas, as estruturas anatômicas do osso temporal do primata Callithrix sp. Forma de estudo: Experimental. Método: Dissecção de ossos temporais de Callithrix sp e documentação fotográfica. Resultados: Identificamos as principais estruturas do osso temporal (orelhas externa, média e interna, e nervo facial). Conclusão: O primata não-humano Callithrix sp representa aparentemente um modelo viável para o estudo do osso temporal uma vez que apresenta alta similaridade anatômica com humanos.

Abstract: The search for experimental (animal) models is essential to the development of clinical studies. Aim: To demonstrate, by means of micro dissection techniques, the anatomical structures of temporal bones from the primate Callithrix sp. Study design: Experimental. Methods: Dissection of temporal bone structures of Callithrix sp and photographic documentation. Results: We identified the main constituents of the temporal bone (external, medium and inner ear and facial nerve). Conclusion: The non-human primate Callithrix sp. is an adequate experimental model for the studies of temporal bone structures given its close anatomical similarities to that found in humans.

INTRODUÇÃO

A pesquisa de novos modelos animais em ciências biológicas constitui um passo fundamental na busca de avanços científicos aplicáveis no dia-a-dia da medicina. O estudo da fisiologia, da fisiopatologia e dos efeitos de novas propostas terapêuticas em animais de experimentação tornou-se um precedente obrigatório antes de se realizar ensaios clínicos nos seres humanos. A otologia também necessita de tais avanços, sendo relatados na literatura, diversos modelos experimentais. Mamíferos de pequeno porte como ratos, camundongos e porquinhos da Índia1-5 são corriqueiramente utilizados nos estudos sobre ossos temporais, sendo sua anatomia e fisiologia amplamente descritas. Outros mamíferos como quatis6 e porcos7 também já constituem modelos experimentais bem definidos. Porém, a "distância" filogenética de tais animais em relação ao ser humano não permite a direta transposição dos resultados obtidos8. Além disso, fatores como um equilíbrio corpóreo baseado na posição quadrúpede, uma estrutura coclear pouco diferenciada, uma dificuldade de avaliação de movimentos faciais específicos, entre outros, dificultam ainda mais o estudo experimental do osso temporal nestes animais. Estudos anatomo-cirúrgicos em primatas vem sendo apresentados na literatura para transpor estas dificuldades8-10. O sagui utilizado no presente estudo (Callithrix sp) é um primata nativo do Brasil, de pequeno porte, que não corre risco de extinção, com boa capacidade de reprodução em cativeiro e representa uma alternativa de relativo baixo custo de manutenção para estudos em diversas áreas do conhecimento. Os saguis, como os seres humanos, são primatas, sendo portanto animais mais próximos na escala filogenética.

Nossa proposta é apresentar um estudo preliminar sobre a anatomia do osso temporal da espécie Callithrix sp com objetivo viabilizar futuros esforços para definir um novo modelo experimental em otologia.


MÉTODO

Foram utilizados quatro crânios de Callithrix sp (8 ossos temporais) de espécimes sacrificados como parte de outros estudos sobre sistema nervoso central previamente aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa de nossa Instituição (Protocolo 1113/01). Estes animais foram provenientes do Biotério de nossa Instituição. Com o auxilio de um microscópio cirúrgico (DF-Vasconcelos® M90) acoplado a uma câmera digital (FUJI® F420), obtivemos imagens correspondentes a diversas etapas das dissecções destes crânios, procurando constatar a viabilidade em se realizar o acesso cirúrgico necessário para a aplicação de paradigmas experimentais no osso temporal.


RESULTADOS

A Figura 1 ilustra o aspecto macroscópico do crânio e face dos animais em dissecções com e sem a pele, anexos e musculatura. A Figura 2 apresenta uma visão superior da base do crânio, evidenciando nervos cranianos e o meato acústico interno. A Figura 3 ilustra a dissecção da orelha média com visibilização da mastóide, antrostomias posterior e anterior, membrana timpânica e ossículos. A Figura 4 evidencia o nervo facial em seu trajeto intrameatal, labiríntico, timpânico, mastoídeo e extratemporal. A Figura 5 corresponde à dissecção da orelha interna com a abertura do vestíbulo, dos canais laterais, janelas oval e redonda, promontório, dos giros cocleares, do início da tuba auditiva e da carótida.


Figura 1. Aspecto macroscópico do crânio e da face. - Visões frontais (A, C, E) e laterais (B, D, F) do crânio e da face dos animais com a pele (A, B), sem a pele e anexos (C, D) e sem a musculatura (E, F). Estilete demonstrando o meato acústico externo.


Figura 2. Visão superior da base do crânio. - A: fossa anterior; B: fossa media; C: fossa posterior; D: mastóide; 1: nervo olfatório; 2: nervo óptico; 3: nervo oculomotor; 4: gânglio do nervo trigêmeo; 5: meato acústico interno (estilete).


Figura 3. Dissecção da orelha média (osso temporal direito). - A - Visão com meato acústico externo íntegro - 1: meato acústico externo; 2: nervo facial extratemporal; 3: antrostomia posterior; 4: bigorna; 5: martelo; 6: antrostomia anterior. B - Retirada parcial da parede posterior - 1: membrana timpânica; 2: cabo do martelo; 3: cabeça do martelo; 4: ramo curto da bigorna; 5: vestíbulo; 6: antrostomia posterior; 7: nervo facial. C - Retirada da membrana timpânica e da parede epitimpânica - 1: abertura da tuba auditiva; 2: cabo do martelo; 3: tendão do tensor do tímpano; 4: cabeça do martelo; 5: corpo da bigorna; 6: ramo longo da bigorna; 7: estribo. D - Ossículos - 1: martelo; 2: bigorna; 3: estribo (sem a platina).


Figura 4. Dissecção do nervo facial (osso temporal direito). - A - Visão superior da base do crânio - 1: gânglio do trigêmeo; 2: meato acústico interno; 3: nervo vestibulococlear; 4: nervo facial intracraniano. B - Dissecção do meato acústico interno - 1: nervo facial intrameatal; 2: nervo facial labiríntico; 3: entrada do canal de Falópio. C - Dissecção extratemporal - 1: meato acústico externo; 2: nervo facial extratemporal; 3: mastóide. D - Parede medial da orelha média - 1: nervo facial timpânico; 2: nervo facial mastóideo; 3: nervo facial extratemporal; 4: janela oval; 5: janela redonda; 6: promontório.


Figura 5. Dissecção da orelha interna (osso temporal direito) - A - 1: nervo facial extratemporal; 2: nervo facial mastóideo; 3: nervo facial timpânico; 4: vestíbulo; 5: janela oval; 6: promontório; 7: janela redonda. B - 1: giro basal da cóclea; 2: giro médio da cóclea; 3: giro apical da cóclea; 4: janela oval; 5: janela redonda. C - 1: abertura da tuba auditiva; 2: carótida (parede medial da tuba); 3: giro basal da cóclea. D - 1: cóclea; 2: abertura do canal semi-circular superior; 3: vestíbulo; 4: abertura do canal semi-circular posterior; 5: abertura do canal semi-circular lateral; 6: janela oval; 7: janela redonda; 8: nervo facial.



DISCUSSÃO

Diversos paradigmas experimentais sobre o osso temporal vêm sendo propostos em várias espécies animais no estudo da orelha (externa, média e interna) e do nervo facial (intra e extra-temporal). A espécie Callithrix sp a princípio mostra-se promissora na aplicação destes modelos de estudo já que cirurgicamente fomos capazes de localizar as mesmas estruturas anatômicas citadas nestes trabalhos1-10. Porém, algumas peculiaridades merecem destaque.

Aparentemente o nervo facial desta espécie tem sua porção extra-temporal localizada sob a parótida e não entremeada nela, como em humanos. Isto já se encontra descrito em ratos1, e ao nosso ver, facilita sua manipulação experimental. Não constatamos a presença de uma artéria estapediana que cruza sobre o nicho da janela redonda como descrito no rato5, ausente em humanos, o que também representaria uma facilidade na manipulação desta região. Através da antrostomia posterior temos acesso às janelas do vestíbulo onde poderíamos, por exemplo, realizar transferência gênica para a orelha interna como proposto em ratos5. Evidenciamos uma cóclea composta de 2,5 giros, semelhante a dos seres humanos (2,5-2,75 giros), e diferente de camundongos (1,5 giro) e porquinhos da Índia (4,5 giros)6, o que constitui uma outra vantagem.

Algumas dificuldades também foram constatadas. Não conseguimos realizar a abertura do meato acústico interno pela via fossa média sem violar as estruturas das orelhas interna e média, como realizado nas cirurgias em humanos. Aparentemente a porção labiríntica do nervo facial se encontra envolvida pelo giro apical da cóclea e pelo canal semi-circular superior, o que inviabiliza este acesso. Também não conseguimos um bom acesso da fenda timpânica através do meato acústico externo com o uso de espéculos, pelo diminuto tamanho do mesmo e pela inclinação da sua porção óssea. Isto dificultaria procedimentos de injeção transtimpânica.


CONCLUSÃO

Este estudo preliminar anatômico microcirúrgico do osso temporal do Callithrix sp sugere ser esta espécie um potencial candidato para o desenvolvimento de pesquisas otológicas em primatas.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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10. Wiberg M, Vedung S, Stalberg E. Neuronal loss after transection of the facial nerve: a morphological and neurophysiological study in monkeys. Scand J Plast Reconstr Hand Surg 2001;35:135-40.










1 Otorrinolaringologista; mestre em otorrinolaringologia, pós-graduando doutorado UNIFESP/EPM.
2 PhD, Professor Adjunto, Departamento de Fisiologia, Universidade Federal de São Paulo.
3 MD, PhD, Professor Titular, Departamento de Fisiologia, Universidade Federal de São Paulo.
Otorrinolaringologista, médico.
4 Livre-Docente, Professor Afiliado, Departamento Otorrinolaringologia, Universidade Federal São Paulo.
5 Doutor, Professor adjunto, Departamento Otorrinolaringologia, Universidade Federal de São Paulo.
Universidade Federal de São Paulo - São Paulo SP Brasil.
Endereço para correspondência: Andrei Borin - Rua Loefgreen 1587 apto 152 São Paulo SP 04040-032.
FAPESP, CAPES, CNPq.
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBORL em 22 de março de 2007. cod. 3803
Artigo aceito em 10 de junho de 2007.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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