INTRODUÇÃOA aplicação do EG é uma técnica bastante antiga e simples de aferição objetiva e momentânea da permeabilidade nasal. Poucos otorrinolaringologistas ainda aplicam este instrumento, porém muitos fonoaudiólogos recomendam sua aplicação para a avaliação e seguimento de respiradores orais1-4.
A técnica, primeiramente descrita por Zwaardemarker5-6, foi popularizada por Glatzel6-7 e é empregada há mais de 100 anos5. Esse método de avaliação objetiva da função respiratória nasal consiste na observação da condensação do ar expirado sobre uma superfície metálica fria. Assim sendo, a comparação da área de condensação entre as duas fossas nasais fornece uma avaliação momentânea da permeabilidade nasal ao clínico examinador. A técnica contribuiu para o estudo do ciclo nasal5-6,8 e o acompanhamento de pacientes submetidos à cirurgia nasal9-10. Contudo, são poucos os estudos de validação dos dados obtidos por meio do EG6,11.
Os testes de avaliação objetiva da função nasal devem ser, idealmente, confortáveis ao paciente, acurados, padronizáveis, de fácil realização, aplicáveis clinicamente e não devem interferir na anatomofisiologia nasal12. Além disso, é fundamental sua reprodutibilidade, que é a habilidade do teste em produzir resultados consistentes quando repetido independentemente.
Os testes mais empregados atualmente pelos centros de pesquisa em fisiologia nasal são a rinomanometria e a rinometria acústica. O primeiro mede o fluxo aéreo transnasal e o segundo calcula a área transversal intranasal em toda sua extensão13. Esses testes preenchem parcialmente os quesitos citados e requerem equipamentos sofisticados para sua realização. A rinometria acústica, por ser um exame estático que não precisa da respiração ativa do indivíduo em teste, parece apresentar menor variação entre as medidas de teste e re-teste7,14-15. Já a rinomanometria, que mede o fluxo aéreo transnasal enquanto o indivíduo respira pelo nariz, parece apresentar maior variação entre as medições15-17.
A verificação da reprodutibilidade das aferições obtidas por meio de EG em momentos diversos poderá ajudar a melhor definir a interpretação dos achados e o seu valor em teste e re-teste. Mais ainda, a investigação da correlação entre a percepção subjetiva da permeabilidade nasal e a medida obtida com o espelho possibilitará o embasamento teórico da aplicabilidade clínica desse instrumento, outro quesito desejável. Por fim, o espelho poderá ser um instrumento valioso no rastreamento inicial da obstrução nasal e respiração predominantemente oral. Assim, este estudo tem por objetivo verificar a correlação intra-sujeito entre a percepção subjetiva de permeabilidade nasal e as medidas objetivas obtidas mediante o EG. Além disso, visa investigar a variabilidade minuto a minuto de medidas consecutivas de permeabilidade nasal obtidas com o EG, assim como estudar o comportamento da permeabilidade nasal por meio de medidas obtidas com o EG em períodos de tempos independentes.
MATERIAL E MÉTODOSFoi realizado um estudo transversal em trabalhadores do departamento jurídico de uma empresa de Porto Alegre, RS, no período de abril a maio de 2003. O tamanho da amostra calculada, utilizando-se os parâmetros fornecidos por Gertner et al.9, foi de 20 indivíduos. Assim, para repor possíveis perdas, selecionaram-se 25 indivíduos, 14 homens e 11 mulheres, com idades entre 22 a 47 anos (média = 31 anos), que responderam a um questionário padronizado, seguindo o proposto por Lund17, tendo sido submetidos à rinoscopia anterior por um otorrinolaringologista.
Foram excluídos os fumantes; os que apresentaram infecção das vias aéreas superiores no dia do exame ou nos últimos 14 dias; indivíduos com pólipos, tumores nasais, perfuração septal, cirurgia prévia de palato ou nasal; os que fizeram uso crônico nos últimos três meses de descongestionante, anti-histamínico, anticolinérgico ou corticosteróide nasal tópico ou sistêmico; aqueles que declararam apresentar doenças de tireóide, pulmonares e cardiovasculares e as mulheres que estivessem na menopausa ou grávidas. Todos os participantes foram orientados a evitar o uso de álcool e informar o uso de qualquer medicação antes das avaliações.
Todas as medições foram feitas pelo mesmo avaliador, sempre no mesmo local. A temperatura (entre 22 a 24°C) e a umidade (entre 50 a 65%) relativa do ar no local de teste mantiveram-se constantes durante os exames. O protocolo seguido foi o seguinte: 1) aclimatação - participante sentado por 30 minutos no ambiente do teste. Nesse período, o questionário era preenchido e o exame físico realizado; 2) participante preenchia a escala analógica visual (EAV), avaliando inicialmente a percepção global e após, unilateralmente, ocluindo a narina oposta; 3) participante respirava sobre o EG.
A cronologia das medições foi realizada conforme descrito: minuto a minuto - cinco medições a cada 60 segundos (s); meia em meia hora - cinco medições a cada 60s aferidas a cada 30 minutos por quatro horas consecutivas; dia a dia - cinco medições a cada 60s, de segunda-feira à sexta-feira, em hora predeterminada; semana a semana - cinco medições a cada 60s, num dia da semana estabelecido, por cinco semanas consecutivas.
Para a avaliação da percepção subjetiva da permeabilidade nasal, foi utilizada uma escala analógica visual (EAV) de 100mm de comprimento18, tendo o ponto zero marcado com "totalmente desobstruído" e o 100 com "totalmente obstruído". Foi solicitado aos indivíduos que marcassem a posição na linha da EAV que melhor correspondesse a como sentiam a sua permeabilidade nasal. A distância entre o final da linha - representando "totalmente obstruído" - ao ponto marcado foi medida com régua e tomada como o grau de permeabilidade nasal. Os participantes foram orientados para o uso da EAV e o avaliador esteve cego aos resultados dela até o final das cinco medidas minuto-minuto.
Para a avaliação objetiva da permeabilidade nasal foram utilizadas placas metálicas especialmente confeccionadas conforme descrito por Gertner et al.9 (Figura 1). Define-se este espelho como modificado em função da graduação milimétrica sobre a placa, o que não foi descrito no espelho originalmente descrito por Glatzel e também pelo cálculo da área da elipse descrita mais adiante. As medidas com o espelho foram aferidas com os indivíduos em posição sentada, a cabeça em ortostática. A placa metálica foi colocada horizontalmente sob as narinas dos participantes, tendo-se o cuidado para que o ponto zero do espelho ficasse sob a columela. Os participantes foram solicitados a respirar calmamente pelas duas narinas, sem esforço inspiratório ou expiratório, mantendo a boca e os olhos fechados. A primeira condensação foi desprezada e a segunda marcada com caneta para retro projetor no próprio espelho e depois copiada por transparência para papel padrão2. Teve-se cuidado na manipulação da placa para evitar o aquecimento da mesma.
Figura 1. Espelho de Glatzel modificado.
O contorno da condensação foi medido no seu eixo maior e menor, do lado esquerdo e direito. O eixo maior foi obtido partindo-se do ponto central (marco zero) até o ponto de maior comprimento (interno ao contorno). O eixo menor de maior grandeza também foi selecionado, sendo que deveria ser sempre perpendicular ao eixo maior determinado (Figura 2). Para tais medidas, utilizou-se sempre a mesma régua (escalímetro triangular Trident, mod. ME-15/1). Tanto o eixo maior quanto o menor foram reavaliados por um segundo avaliador. Após sua análise, os resultados foram confrontados; quando não coincidiram, nova medida foi realizada. Finalmente, foi calculada a área de condensação por meio da fórmula matemática utilizada para o cálculo da elipse (S=a.b.?), proposta por Gertner et al9. Para a avaliação total fez-se a soma dos valores unilaterais da fossa nasal esquerda e direita.
Figura 2. Determinação dos eixos maior e menor da mancha de condensação nasal.
O coeficiente de correlação de Pearson foi utilizado para avaliar a correlação entre os escores da EAV e os do EG (médias das cinco medidas). No entanto, por se tratar de correlação intra-sujeito, como etapa preliminar, foi necessário estimar-se os resíduos mediante a análise de variância.
Para verificar a variabilidade das medidas de permeabilidade do espelho minuto-minuto, hora-hora, dia-dia e semana-semana, calcularam-se os valores dos coeficientes de variação para cada um dos 25 sujeitos. Foi utilizada a média das cinco medidas para os intervalos de hora, dias e semanas.
Realizou-se a análise de variância (ANOVA), com o auxílio do software SAS versão 8.2, para investigar se a variabilidade encontrada era determinada pelo efeito "tempo" entre as medidas de cada sujeito ou se ocorria em função de diferenças entre os 25 sujeitos. O nível de significância utilizado nos testes foi de 0,05.
O estudo obteve aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital de Clínicas de Porto Alegre - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, cadastrado no Grupo de Pesquisa e Pós-Graduação com o nº 01407. Todos os participantes assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para participar da pesquisa.
RESULTADOSO estudo da correlação entre os escores da escala análoga visual e do EG mostrou que em apenas 32% dos sujeitos investigados foi evidenciada correlação positiva estatisticamente significativa. Dessas, 75% ocorreram nas medidas unilaterais e 37% (um dos sujeitos apresentou correlação tanto nas medidas unilaterais como nas totais) nas totais. Além disso, em 16% dos casos evidenciou-se correlação negativa.
No entanto, quando considerados os resultados conjuntos, as correlações não apresentaram significância estatística, sendo o coeficiente de correlação total (lado esquerdo mais o direito) encontrado de r=0,04 (p=0,3761), o do lado esquerdo de r=0,08 (p=0,0984) e do lado direito de r=0,05 (p=0,2862).
A Tabela 1 apresenta os coeficientes de variação para medidas minuto-minuto. Percebe-se que o coeficiente de variação total (esquerda + direita) é menor do que os unilaterais.
Os resultados obtidos para os coeficientes de variação, em quatro horas, em cinco dias e em cinco semanas consecutivas estão apresentados na Tabela 2. Independentemente da forma como era expresso o tempo, a análise de variância não evidenciou variações importantes intra-sujeitos. Isto é, as variações foram estatisticamente significativas apenas para a área total, no tempo expresso em horas, e área direita, no tempo expresso em semanas (Tabela 3). Entre os diferentes sujeitos, a variação foi significativa tanto para o lado direito como para o esquerdo quanto no total. A interação tempo versus sujeito também mostrou significância estatística.
DISCUSSÃOIdealmente, a sensação subjetiva da permeabilidade nasal deveria correlacionar-se com as medidas objetivas da função nasal, sendo que muitos autores testaram essa hipótese de associação. Alguns estudos utilizaram testes objetivos estáticos19, outros dinâmicos20-24, alguns foram desenhados para um grande número de sujeitos20-21,24, outros para poucos sujeitos em várias ocasiões23, alguns em sujeitos normais23,25, outros em sujeitos com queixas nasais21,26-27. Alguns mostraram boa correlação21,23,27, outros não evidenciaram tal correlação20,24. Quando comparadas, as correlações unilaterais foram melhores que as totais20,22, ou seja, os pacientes pareciam reconhecer melhor obstruções unilaterais. Apesar da existência dos vários estudos citados, não se encontrou nenhum estudo testando essa hipótese com a rino-higrometria ou EG.
Os resultados do presente estudo sugerem ausência de correlação entre as medidas subjetivas e objetivas, que podem ser explicados, em parte, em função de que foram estudados indivíduos sadios e sem queixas nasais. Sipilä et al.22, referindo-se aos estudos de Jones et al.24 e Naito et al.28, apontou essa situação. Estudos22,24,28 sugerem que, caso fossem incluídos indivíduos com sintomas claros de obstrução ou com resistência aérea nasal alta, a correlação entre os dados poderia ter sido melhor. Numminen et al.29 também concluíram nessa direção, referindo que os métodos objetivos são mais sensíveis no reconhecimento de mudanças na mucosa nasal de sujeitos com queixas nasais do que nos saudáveis.
Possivelmente, os fatores determinantes da resistência aérea nasal e da sensação do fluxo aéreo não sejam os mesmos, uma vez que outros fatores além da resistência influenciam essa sensação, tais como os receptores térmicos no vestíbulo e mucosa e a função mucociliar. Eccles et al.30 encontraram em seus estudos que a inalação de mentol tem efeito na sensação nasal, mas não na resistência. Jones et al.31 referiram pequeno aumento na resistência nasal, não acompanhado de correspondente sensação de obstrução, após ingestão de aspirina. A aplicação de anestésico tópico sobre a mucosa nasal produz sensação de obstrução nasal que não é acompanhada de diminuição do fluxo aéreo transnasal32,33. Essas observações corroboram os resultados do presente estudo, em que se evidenciou falta de correlação entre os achados objetivos do Glatzel e as percepções de permeabilidade dos indivíduos testados.
Além disso, cabe comentar que embora a EAV tenha sido amplamente utilizada na pesquisa rinológica20-26,29-30,33 não há estudos de validação de tal instrumento para a avaliação da percepção subjetiva de permeabilidade nasal. Sipilä22 ao dividir a escala em quartis e Jose e Ell34 ao utilizar escalas categoriais encontraram boa correlação entre dados de medidas rinométricas e subjetivas. Possivelmente, a percepção subjetiva seja mais bem avaliada por meio de escalas categorias. Dessa forma, sugere-se novos estudos comparativos entre área de condensação nasal e medidas subjetivas de permeabilidade nasal obtidas com outros métodos de avaliação.
Por outro lado, quando se investigou a correlação em cada sujeito independentemente, encontrou-se correlação positiva em um terço dos casos, indicando que quanto maior a área de condensação, melhor a sensação de permeabilidade aérea nasal. Isso pode ter ocorrido porque cada indivíduo teria sua própria escala individual de sensação relacionada com sua resistência. Farley et al.23 encontraram forte correlação entre sensação e pico de fluxo inspiratório, ao estudar medidas repetidas em pequeno número (cinco) de sujeitos. Esses autores sugerem que cada indivíduo tem sua própria curva de calibração e, portanto, estudos usando pequeno número de medidas em grande número de sujeitos proporcionariam uma estimativa enganosa entre dados subjetivos e objetivos. As variações entre indivíduos são tão grandes que qualquer relação geral seria mascarada.
Além disso, nos casos em que se observou a correlação positiva, dois terços apresentaram correlação unilateral e um terço correlação, da variável total (direito mais esquerdo). Percebe-se, portanto, melhor correlação nos valores unilaterais. Resultados semelhantes foram encontrados nos estudos de Sipilä et al.22, Panagou et al.35 e Roithmann et al.26 É possível que tal fato ocorra porque, quando o sujeito avalia sua sensação total, ele baseia-se no lado de maior ou de menor permeabilidade, distorcendo dessa forma a correlação com a medida objetiva22.
É importante salientar que em alguns casos (16% da presente amostra) a correlação foi negativa, ou seja, a área de condensação diminuiu e a sensação de permeabilidade melhorou ou vice-versa. Essas respostas controversas nas avaliações clínicas reforçam a necessidade de cautela na interpretação de valores isolados de percepção ou valores objetivos - resistência, área de condensação, área de secção transversa, volume, pico de fluxo ou outro. Assim sendo, a área de condensação nasal não deveria ser o único parâmetro objetivo para se concluir sobre a percepção aérea nasal dos pacientes, a menos que seja interpretada em função da história clínica e dos achados do exame físico.
A reprodutibilidade, que quantifica a extensão de quanto às medidas repetidas em momentos diferentes alcançam resultados semelhantes, é dependente, nos testes de fluxo (como é o caso dessa técnica de avaliação da função nasal), de três componentes: características do instrumento, técnica do avaliador ao utilizar o instrumento e mudanças na forma e tamanho da via aérea15. Foram tomadas providências para minimizar a interferência desses fatores, entretanto os dados obtidos representam a combinação de possíveis variações nesses três componentes.
Quanto às características do instrumento, pode-se citar o cuidado com a manipulação do mesmo e a coleta na segunda expiração do voluntário, evitando o aquecimento da placa. Porém, o instrumento não permite a fixação da condensação, que rapidamente desaparece e fica à mercê do avaliador. Além disso, o fluxo aéreo é dinâmico e isso se transmite para a área de condensação nasal. Por último, o instrumento não faz a medida da pressão nasal.
Em relação aos cuidados com os procedimentos técnicos da utilização do EG, pode-se referir a manutenção da postura do voluntário que esteve sempre sentado, com a cabeça ereta e posicionando a placa de forma centralizada e horizontal no espaço. Entretanto, essa manutenção está sujeita a erros de inclinação.
Sabe-se que a resistência da via aérea nasal, terceiro componente a interferir na variabilidade das medidas, muda agudamente em resposta a uma variedade de estímulos. Por exemplo: o exercício e o ar quente decrescem a resistência; por outro lado, o ar frio, o cigarro, a dor, a gravidez e a hipoventilação aumentam-na35. Para controlar tais aspectos foram excluídos deste estudo indivíduos fumantes, que fizessem uso de medicação tópica ou sistêmica e mulheres grávidas. Além disso, os voluntários que participaram foram orientados a evitarem álcool e medicamentos, permaneceram 30 minutos sentados na sala do exame para aclimatação, mantendo-se constante tanto a temperatura como a umidade, minimizando esse tipo de variação. As medidas diárias também foram realizadas sempre em horário aproximado. Solicitou-se ainda, no momento das medidas, que os voluntários respirassem calmamente, de boca e olhos fechados. Entretanto, não se tem controle sobre a respiração voluntária do sujeito. Pode-se perceber uma expiração com maior ou menor esforço, sendo possível, nesses casos uma correção, mas não há controle absoluto sobre a inspiração e a expiração. A combinação dos fatores acima mencionados pode ter sido determinante na variabilidade dos resultados obtidos.
Os coeficientes de variação unilaterais medianos foram menores que 15% e os totais menores que 12% para os diferentes intervalos de tempo. Dois aspectos imediatamente chamam a atenção nos dados: os coeficientes totais menores que os unilaterais e a pouca variabilidade dos resultados quando comparados nos diversos intervalos de tempo.
A explicação para o primeiro aspecto apontado parece ser simples. Em função do ciclo nasal fisiológico, ocorrem alterações periódicas da permeabilidade nasal unilateral: em um lado aumenta e no outro diminui. Esse ciclo resulta em significativa variabilidade nas medidas de fluxo nasal unilateral37. O fluxo aéreo total, contudo, tende a permanecer mais ou menos constante38-40, o que justifica CVs menores.
Quanto ao segundo aspecto apontado, poderia se pensar que houve um bom controle dos fatores que poderiam interferir na variabilidade da técnica no decorrer do tempo. Por outro lado, esses resultados, que diferem dos encontrados em outros estudos14,16-17,40, permitem questionar a sensibilidade do teste: seria ele capaz de detectar tais diferenças? Nesse caso, além da reprodutibilidade, a acurácia do teste deveria ser considerada, ou seja, a habilidade do teste em representar a essência da situação ou quantidade medida36. Embora não exista padrão-ouro aceito universalmente em relação à acurácia das medidas de permeabilidade nasal, seria recomendável a realização de estudos comparativos com outros métodos de avaliação da função nasal.
Daele e De Vos11 introduziram obstáculo artificial em diferentes locais nas fossas nasais de três indivíduos normais (óstio interno, parte mediana e posterior), e investigaram a correlação entre rinomanometria anterior ativa e passiva com o EG. Foi melhor a correlação entre os métodos quando o obstáculo esteve no óstio interno.
Fisher et al.6 utilizaram a rinometria acústica e a rino-higrometria (placa descrita por Gertner) para observar o "ciclo nasal" em 15 crianças, de três a dez anos, sem evidências de doenças nasais. Houve uma pobre concordância entre os dois métodos (47% Kappa = -0,17).
Na ausência de estudos mostrando coeficientes de variação (CVs) de área de condensação nasal, optou-se por discutir os resultados do presente estudo com os dados obtidos mediante outras técnicas de avaliação da função respiratória nasal, em população similar e em condições basais.
Como a variabilidade da resistência nasal obtida com rinomanometria (técnica dinâmica como a do EG) é muito grande, foram evidenciados estudos com CVs semelhantes7,16, maiores17,37,40 e menores41 aos encontrados no presente estudo. A diferença de variabilidade é mais marcante quando a comparação é realizada com os CVs da área de secção transversal mínima da rinometria acústica (técnica estática), que são menores7,14-15. Esses achados estão de acordo com os descritos por Roithmann et al.14, ou seja, métodos estáticos têm reprodutibilidade melhor do que os dinâmicos.
O EG preenche vários dos critérios apresentados por Pallanch et al.12 como desejáveis para os testes de avaliação da via aérea nasal. O uso do espelho é de fácil realização e requer apenas um treinamento básico, não causa nenhum desconforto ao paciente e não interfere na anatomia ou no fluxo aéreo nasal, uma vez que ele é colocado externamente sob as narinas do paciente. Além disso, é um instrumento barato. A reprodutibilidade da técnica neste estudo foi semelhante ou mesmo menor do que outros testes que medem fluxo nasal, como a rinomanometria. Seu uso pode ser padronizado, seguindo os cuidados quanto à postura corporal e da cabeça, inclinação da placa, cuidado com a manipulação da mesma, a forma como se procede a marcação da condensação, a orientação ao paciente e o cálculo da área de condensação nasal. Entretanto, como outras técnicas de avaliação da função nasal, não demonstrou correlação com medidas subjetivas de permeabilidade nasal.
Além disso, há apenas um estudo9 disponibilizando dados referentes a valores normais de permeabilidade nasal representados pela área de condensação nasal e poucos10 apresentando resultados após intervenções terapêuticas. Mais ainda, como já foi comentado, a acurácia da técnica precisa ser investigada, considerando como padrão-ouro o conjunto de dados obtidos pela história clínica e exame físico do paciente, além de outros testes objetivos mais bem estabelecidos, como a rinomanometria e a rinometria acústica.
A partir do que foi apresentado, faz-se necessário repensar a aplicabilidade do EG na prática clínica fonoaudiológica e otorrinolaringológica em vários aspectos.
A assimetria no fluxo pode ser explicada pela congestão e descongestão fisiológica periódica e alternada dos lados no nariz. O ciclo nasal, que tem sido encontrado em 72% a 80% dos indivíduos, tem uma duração média de 2,9 horas6. Portanto, a manutenção de uma assimetria de área de condensação nem sempre pode ser explicada, como às vezes é proposto, como uma provável obstrução mecânica à passagem do ar2, assim como a variabilidade nas medidas e nos lados como casos alérgicos2. Seria recomendável a utilização da área total como parâmetro para o registro da permeabilidade nasal.
Este estudo encontrou CVs medianos em torno de 11% e 14%, com amplitude máxima de 31% e 53% para área total e unilateral, respectivamente, em medidas com intervalos de minuto com condições ambientais e intrínsecas controladas, sem qualquer intervenção terapêutica. Esse valor deve ser considerado ao se interpretar os resultados obtidos com medições sistemáticas, como as propostas por alguns autores2. Mais ainda, a medição no início da sessão não leva em conta as diferenças ambientais de temperatura e umidade, estresse ou atividade física, que podem interferir na variabilidade dos resultados.
Dessa forma, ao utilizar o EG na avaliação da permeabilidade nasal, sugere-se a utilização da média de três a cinco registros, cuidando-se todos os aspectos bem conhecidos no meio fonoaudiológico, como a postura corporal e de cabeça, sem esquecer a recomendação quanto à respiração lenta e manutenção dos olhos fechados na tentativa de evitar um possível comportamento de gratificação, aumentando ou diminuindo à respiração, que pode ocorrer principalmente na população infantil6.
Além disso, a interpretação da área de condensação nasal deve ser sempre realizada conjuntamente com a história clínica, a sintomatologia apresentada pelo paciente e demais dados coletados no exame do sistema sensório-motor oral. É fundamental, ainda, que os casos sugestivos de alterações respiratórias sejam encaminhados para uma avaliação mais específica pelo especialista otorrinolaringologista.
CONCLUSÃOOs resultados deste estudo não evidenciaram correlação entre a percepção subjetiva e a área de condensação nasal obtida por meio do EG. A variabilidade unilateral mediana minuto a minuto do EG foi < que 14%. Quando considerados os valores totais (direito mais esquerdo) a variabilidade mediana foi < que 11%. Não houve diferença na variabilidade das medidas de área de condensação nasal do EG entre os diferentes momentos de tempo entre teste e re-teste. Assim sendo, os profissionais que aplicam este instrumento devem estar atentos a variabilidade da técnica entre teste e re-teste e sua falta de correlação com a percepção de permeabilidade nasal.
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1 Mestrado em Clínica Médica, Professora de Fonoaudiologia da Universidade Luterana do Brasil.
2 Pós-doutorado em Otorrinolaringologia pela Universidade de Adelaide, Professor Adjunto de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Universidade Luterana do Brasil. Professor Adjunto de Anatomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Universidade Luterana do Brasil e Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Endereço para correspondência: Renato Roithmann - Rua Pedro Ivo 950 apto. 202 Porto Alegre RS 90450-210.
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBORL em 19 de janeiro de 2007. cod. 3611.
Artigo aceito em 14 de março de 2007.