INTRODUÇÃOO ameloblastoma é um tumor odontogênico benigno, raro, que representa 1% dos tumores e cistos orais1,2. Pode apresentar-se como uma tumefação assintomática ou uma lesão de grandes proporções, com perfuração das corticais ósseas, deslocamento e reabsorção dental1. Tem crescimento lento, aparência benigna, invasividade local e alta incidência de recorrência. Podem ser classificados como sólido ou multicístico, unicístico e periférico2. O ameloblastoma multicístico acomete principalmente adultos jovens, com idade de 35 anos, sem predileção por sexo. Acomete a mandíbula quatro vezes mais que a maxila, é mais freqüente na região de molares e de ramo1,3, mas é também encontrado no seio maxilar e cavidade nasal. Pela carência de sintomas, o paciente geralmente consulta o profissional quando este apresenta grande extensão. Radiograficamente apresenta-se como uma lesão radiolúcida uni ou multilocular, de bordas definidas e, na maioria dos casos, associada a dente incluso1.
O tratamento pode variar desde curetagem até amplas ressecções ósseas, com ou sem reconstrução. Radioterapia não é indicada, pois a lesão é radiorresistente. Encontra-se na literatura também a indicação de eletrocauterização, criocirurgia e aplicação de agentes esclerosantes como alternativas de tratamento1. O acompanhamento pós-operatório com exames de imagem é essencial, uma vez que mais de 50% das recorrências ocorrem dentro dos primeiros cinco anos pós-operatórios1,3.
APRESENTAÇÃO DO CASO CLÍNICOPaciente A.J.C., 47 anos, compareceu ao Ambulatório de Cirurgia Buco-Maxilo-Facial do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, com aumento de volume na região posterior direita de mandíbula, sem sinais flogísticos. Ao exame intra-oral apresentava tumefação local, sem alterações na mucosa. O paciente relatava tratamento de lesão na mesma região há três anos, cujo resultado histopatológico era de um ameloblastoma plexiforme. O estudo radiográfico revelou uma lesão radiolúcida, unilocular, com dois cm no seu maior diâmetro, na região de corpo mandibular direito. Nas tomografias computadorizadas (CT) foi possível analisar melhor a extensão da lesão e a perfuração de corticais (Figura 1a). Uma biópsia incisional confirmou o diagnóstico de ameloblastoma plexiforme. Diante do diagnóstico definitivo e considerando-se que era uma recidiva, planejou-se uma ressecção segmentar com margem de segurança de 1cm e reconstrução imediata com enxerto ósseo e placas de titânio. Previamente ao procedimento, os dentes envolvidos na lesão ou próximos da margem de segurança foram removidos. Foi instalado um aparelho ortodôntico passivo para o bloqueio maxilo-mandibular trans-operatório e manutenção da oclusão. Sob anestesia geral, através de acesso submandibular a área acometida pela lesão foi exposta (Figura 1b). Uma placa de reconstrução 2.4mm foi moldada no arco mandibular antes da ressecção para preservar o contorno facial. Simultaneamente à ressecção, foi retirado um enxerto da crista ilíaca por outra equipe cirúrgica. O enxerto foi ajustado e posicionado, sendo então imobilizado por ação compressiva da placa de reconstrução com parafusos bi corticais. Para auxiliar a manutenção do enxerto em posição foram instaladas mais duas placas do sistema 1.5mm com parafusos mono corticais próximas à crista mandibular (Figura 1c). Suturas por planos foram realizadas para fechamento do acesso submandibular e da crista ilíaca. O paciente recebeu alta hospitalar no terceiro pós-operatório, sem qualquer intercorrência. No primeiro retorno foi constatada simetria facial, com bom contorno mandibular, mucosas íntegras e oclusão adequada. Na radiografia panorâmica pós-operatória podia-se notar bom posicionamento e dimensão do enxerto. Após oito meses de pós-operatório, o paciente foi submetido a novo procedimento para colocação de implantes osseointegráveis com completa integração do enxerto (Figura 1d) permitindo, assim, uma completa reabilitação orofacial do paciente, tanto estética quanto funcional.
Figura 1a. Tomografia Computadorizada da mandíbula mostrando o ameloblastoma destruindo parte da cortical mandibular.
Figura 1b. Fotografia do intra-operatório com acesso submandibular mostrando a erosão da cortical mandibular causada pelo ameloblastoma, notar o nervo mandibular exposto.
Figura 1c. Fotografia do intra-operatório mostrando a osteossíntese com placas e parafusos de titânio.
Figura 1d. Fotografia do intra-operatório (após 8 meses do enxerto) mostrando completa integração do enxerto.
DISCUSSÃOO caso apresentado trata-se de um ameloblastoma sólido para o qual se indicou a ressecção em bloco e reconstrução imediata com enxerto de crista ilíaca.
Pacientes com ameloblastomas podem ser tratados de várias maneiras. O tratamento varia de enucleação e curetagem às ressecções em bloco1,2. A escolha do tratamento depende de fatores. Ameloblastomas multiloculares apresentam taxas de recidiva maiores que os uniloculares. A idade é outro fator de importância na escolha da terapia.
A melhor forma de tratamento é controversa. O ameloblastoma tende a se infiltrar entre as trabéculas ósseas do osso esponjoso na periferia da lesão, antes de uma reabsorção óssea tornar-se evidente radiograficamente. Portanto, a verdadeira margem do tumor, muitas vezes, estende-se além da aparente margem clínica ou radiográfica. A tentativa de remover o tumor por curetagem pode deixar pequenas ilhas do tumor no osso, que mais tarde se manifestam como recorrências, como relatado no presente caso1,3.
A ressecção marginal é a forma mais comum de tratamento, porém recorrências de 15% têm sido relatadas. Esta técnica minimiza o defeito da mandíbula, entretanto só pode ser aplicada em casos selecionados1.
Muitos preconizam que a margem de segurança deve ser de pelo menos 1cm além dos limites radiográficos do tumor1,3. Outros preconizam a ressecção segmentar ou em bloco, que permite remoção total da lesão e taxa de recorrência mais baixa.
A desvantagem da ressecção segmentar é a deformidade facial resultante e a perda de função se não for adequadamente reconstruída. Nestes casos, é necessário o uso de enxertos ou retalhos com tecido ósseo além de implantes e sofisticadas técnicas cirúrgicas com equipes multidisciplinares. A escolha pelo tipo de reconstrução a ser empregada depende principalmente do tamanho do defeito. Segmentos mandibulares maiores que cinco centímetros tratados com enxertos ósseos tendem a um maior índice de complicações pós-operatórias. Tais defeitos devem ser preferencialmente reconstruídos com retalhos micro-cirúrgicos de fíbula ou crista ilíaca, entre outros4. Outra alternativa para grandes defeitos é a distração osteogênica.
Foster et al.4 relataram que os retalhos ósseos vascularizados podem reconstruir qualquer extensão de defeito, enquanto que os enxertos deveriam ter seu uso restrito a defeitos menores que 5cm de comprimento. O uso do enxerto ósseo com sucesso não se restringe apenas às suas dimensões. A superfície de contacto de seus cotos bem ajustados, bordas ósseas receptoras bem vascularizadas, fechamento hermético da mucosa oral, imobilidade do enxerto com adequado material de fixação rígida interna e manutenção de uma oclusão dentária satisfatória determinam o resultado final.
Alguns autores acreditam que a reconstrução concomitante à ressecção promove restabelecimento anatômico e funcional do defeito, permitindo que a área reconstruída seja reparada em um único procedimento cirúrgico, sem distorções, desvios, atrofias e formação de cicatrizes inerentes a cirurgias secundárias, tornando essa técnica muito mais confiável5,6.
COMENTÁRIOS FINAISAcreditamos que, desde que os princípios aqui expostos sejam seguidos, a reconstrução imediata após uma ressecção em bloco com margem de segurança é a melhor alternativa de tratamento dos ameloblastomas, já que promove remoção completa da lesão e reabilitação estética e funcional do paciente no mesmo procedimento cirúrgico. Além disso, a reabilitação bucal com implantes osseointegrados pode ser realizada após um período relativamente curto, proporcionando ao paciente retorno às funções mastigatórias normais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS1. Bataineh AB. Effect of preservation of the inferior and posterior borders on recurrence of ameloblastomas of the mandible. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod 2000; 90:155-63.
2. Grempel RG, Gaião L, Souza WD, Sobreira T. Tendências de abordagens cirúrgicas no tratamento de ameloblastomas. Rev Bras Patol Oral 2003;2:13-7.
3. Chapelle KAOM, Stoelinga PJW, de Wilde PCM, Brouns JJA, Voorsmit RACA. Rational approach to diagnosis and treatment of ameloblastomas and odontogenic keratocysts. Brit J Oral Maxillofac Surg 2004 (in press).
4. Foster RD, Anthony JP, Sharma A, Pogrel MA. Vascularized bone flap versus nonvascularized bone grafts for mandibular reconstruction: an outcome analysis of primary bony union and endosseous implant success. Head Neck 1999;21:66-71.
5. Baker A, McMahon J, Parmar S. Immediate reconstruction of continuity defects of the mandible after tumor surgery. J Oral Maxillofac Surg 2001;59:1333-9.
6. Disa JJ, Cordeiro PG. Mandible reconstruction with microvascular surgery. Semin Surg Oncol 2000;19:226-34.
1 Médico Residente.
2 Dentista, Mestrando.
3 Médico residente.
4 Dentista, Mestrando.
5 Professor Doutor FMRP-USP.
6 Professor Doutor FORP-USP.
7 Dentista. Professor Doutor FORP-USP.
8 Médico residente.
Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP.
Endereço para correspondência: José Raphael M. C. Montoro - Rua Alves Guimarães 623 ap 71 Jd. América SP.
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBORL em 11 de março de 2005. cod. 122
Artigo aceito em 20 de julho de 2006.