INTRODUÇÃOO ciclo menstrual é dividido em três fases. A fase folicular inicia-se pelo sangramento menstrual e dura em média 15 dias. A fase ovulatória dura cerca de três dias e culmina na ovulação, ou seja, liberação do óvulo. A terceira fase é a fase lútea que dura cerca de treze dias e termina com o início da menstruação, quando o ciclo inicia-se novamente.
Com a ovulação, os níveis de progesterona começam a subir. Os estrogênios diminuem sua concentração, assim como os níveis de LH/FSH (hormônio luteinizante/folículo-estimulante), na fase ovulatória. Na fase lútea, a concentração de progesterona atinge seu máximo, enquanto decaem os níveis de LH/FSH. O progesterona, em grande quantidade, pode acentuar a reabsorção de sódio, cloretos e água. O ciclo termina quando os níveis de progesterona e LH/FSH atingem seu mínimo, e então, inicia-se novamente.1
As alterações hormonais ocorridas em pouco espaço de tempo, promovem modificações em todo o organismo da mulher, com manifestações físicas e emocionais muitas vezes evidentes. Em estudo prévio2 observou-se diminuição na freqüência fundamental da voz, em mulheres durante o período pré-menstrual. Esse período corresponde ao fim da fase lútea, com queda nos níveis de progesterona e LH/FSH. A homeostase e manutenção bioquímica dos fluidos da orelha interna são primordiais para o equilíbrio e funcionamento da audição3. As mudanças no processo de absorção e reabsorção de sódio e água, que ocorre durante o ciclo menstrual podem influenciar o funcionamento dessa porção do sistema auditivo periférico, pois geram um desequilíbrio na homeostase gerando sintomas auditivos e labirínticos.3
Estudos vêm testando a hipótese de que a concentração de estrogênio no organismo feminino altera a assimetria funcional hemisférica4-6. A dominância da orelha direita em tarefas auditivas verbais revela, indiretamente, a dominância hemisférica à esquerda para tais estímulos. Quando testada durante as fases do período menstrual, a vantagem da orelha direita decresce no período pré-menstrual em relação ao período pós-menstrual6.
A orelha interna, mais especificamente a cóclea, possui um mecanismo ativo que poderia ser resumido em três etapas distintas:
ETAPA 1: transdução mecanoelétrica de células ciliadas externas - As oscilações da membrana basilar e do órgão de Corti, provocadas pela vibração da perilinfa pressionada pelo estribo na janela oval, promove deslocamento dos estereocílios das células ciliadas externas. Estes, por sua vez, estão acoplados à membrana tectória. A estimulação é dependente da freqüência, pois a membrana basilar vibra diferentemente para freqüências altas (pico de oscilação próximo à porção basal da cóclea) e para as freqüências baixas (pico de oscilação próximo ao giro apical coclear). O deslocamento dos estereocílios promove abertura de canais de potássio na membrana, gerando potenciais elétricos receptores ou potenciais microfônicos cocleares7.
ETAPA 2: transdução eletromecânica de células ciliadas externas - Os potenciais gerados provocam contrações rápidas nas células ciliadas externas, em fase com a freqüência do som estimulante. O mecanismo das contrações rápidas é a base do processo de amplificação ativa da cóclea, pois com a conexão de vibrações que as células fazem entre membrana basilar e tectória (ambas vibrando em fase), ocorre amplificação da freqüência da fonte sonora inicial7.
ETAPA 3: transdução mecanoelétrica de células ciliadas internas - A vibração amplificada de membrana basilar e tectória, devido ao mecanismo ativo de células ciliadas externas, provoca deslocamento dos cílios mais longos do grupo de células ciliadas internas existente na região da freqüência estimulada, graças ao contato destes cílios com a membrana tectória. O deslocamento provoca entrada de potássio com formação de potencial receptor que promove liberação de neurotransmissores e formação de mensagem sonora codificada em estímulo elétrico7. A informação, então, é transmitida ao nervo acústico, seguindo para sistema nervoso central.
A análise das emissões otoacústicas trata-se de um teste que capta, no conduto auditivo externo, os sons produzidos pelas contrações das células ciliadas externas, após a apresentação de um estímulo sonoro. Estas podem ser de dois principais tipos: espontâneas e evocadas, as espontâneas estão presentes em mais ou menos 40% dos indivíduos com audição normal8, já as evocadas são liberação de energia captada no meato acústico externo em resposta a um estímulo acústico, podendo ser um click (transientes) ou dois tons puros (produto de distorção)9. O teste fornece informações sobre a integridade de células ciliadas externas, durante o mecanismo ativo coclear10. Há a hipótese de mudanças hormonais serem responsáveis por patologias da orelha interna como a Doença de Ménière8. É consenso na literatura que a captação das emissões otoacústicas é altamente estável, justificando sua aplicação clínica11,12. As emissões otoacústicas evocadas por estímulos transientes ou por produto de distorção em indivíduos audiologicamente normais apresentam variação de amplitude quando comparadas entre os indivíduos ou entre as freqüências testadas. Porém, na análise intra-indivíduo, a amplitude é consideravelmente consistente12. Dessa forma, mudanças como ruídos, drogas, patologias ou excitações eferentes, ocorrendo em minutos, podem ser monitoradas11.
As alterações decorrentes das oscilações de absorção e reabsorção de sódio e água, que ocorrem durante o ciclo menstrual, podem influenciar o funcionamento do mecanismo ativo coclear e podem ser avaliadas a cada etapa do ciclo através da amplitude da emissão otoacústica3. A flutuação das freqüências da emissão otoacústica espontânea foi estudada previamente e parece seguir o mesmo padrão de flutuação da concentração do hormônio estradiol durante o ciclo13. No ciclo menstrual normal, a freqüência diminui antes da menstruação e aumenta logo após o início do fluxo. A falta de ovulação, seja ela natural ou induzida por medicação anticoncepcional, reduz a flutuação das características da emissão otoacústica espontânea durante o ciclo.
O objetivo deste trabalho foi avaliar a atividade das células ciliadas em mulheres durante o ciclo menstrual, observando os efeitos das alterações hormonais impostas pelo ciclo em suas três fases.
MATERIAL E MÉTODOSO presente estudo foi submetido à aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília, sob o registro 082/2005.
ParticipantesForam avaliadas 21 mulheres entre 20 e 35 anos (a fim de excluir possível processo de envelhecimento) que não fazem uso de medicação anticoncepcional ou hormonal para evitar contaminação dos dados (informações obtidas em anamnese).
As participantes possuíam algum vínculo com a instituição, como professoras, funcionárias ou alunas, de forma que compareceram em três momentos à Clínica-Escola para realização dos exames.
ProcedimentosAs participantes foram esclarecidas sobre todo o estudo e, concordando em participar, assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido.
As 21 mulheres foram submetidas à entrevista, para coleta de histórico otológico, medicamentoso, informações sobre o ciclo menstrual, e à avaliação audiológica básica - meatoscopia e audiometria tonal.
Não havendo alteração auditiva, foi realizada avaliação das emissões otoacústicas transientes (EOAT) e por produto de distorção (EOAPD). Este procedimento foi executado três vezes, durante as fases folicular, ovulatória e lútea, na tentativa de avaliar a atividade coclear em todas as fases do ciclo.
Material Anamnese audiológica do adulto (Clínica-Escola) - Com adaptações
Audiômetro Maico - modelos MA-41 e MA-42
Analisador Coclear ILO-92 acoplado a um PC
Sala não-tratada acusticamente (próxima a corredor de pequeno trânsito)
Análise de RespostaAs EOAT foram consideradas presentes quando a amplitude das freqüências de 1 e 1,5 kHz foram maiores ou iguais a 3dB e das freqüências de 2, 3 e 4 kHz foram maiores ou iguais a 6dB, tendo como reprodutibilidade da onda a porcentagem maior ou igual a 50%. Foram analisadas as respostas dos sítios que correspondem a 2f1-f2 das emissões otoacústicas por Produto de Distorção, sendo estas mais robustas e melhor captadas10, com valores de intensidade do sinal L1 e L2 de 70 dB. As EOAPD foram consideradas presentes quando a diferença entre a amplitude e o ruído foi acima de 6dB.
Para análise geral dos dados foi utilizado o programa SPSS 13.0, observando o efeito das variáveis independentes (orelha avaliada e fase do ciclo menstrual) sobre as emissões otoacústicas (variável dependente) por meio da Análise Multivariada.
RESULTADOSA amostra avaliada mostrou dados compatíveis com a normalidade em anamnese, assim como na avaliação audiológica básica (meatoscopia e audiometria tonal), não havendo nenhum impedimento para realização do exame de emissões otoacústicas.
O Gráfico 1 apresenta a média dos valores da amplitude das EOA transientes das orelhas direita e esquerda nas três fases do ciclo menstrual. Pode-se perceber uma queda nos valores das freqüências de 1 e 4 kHz de todas as fases.
Gráfico 1. Apresentação das médias das amplitudes da EOA transiente de ambas as orelhas, segundo a fase do ciclo menstrual (lútea, folicular e ovulatória).
Observa-se no Gráfico 2 a média dos valores da reprodutibilidade das orelhas direitas e esquerda das EOA transientes nas três fases do ciclo menstrual onde se observa queda nos valores das freqüências de 1 e 4 kHz.
Gráfico 2. Apresentação das médias da reprodutibilidade da emissão otoacústica transiente em ambas as orelhas segundo a fase do ciclo menstrual (lútea, folicular e ovulatória).
O Gráfico 3 mostra a média dos valores da amplitude de EOA por Produto de distorção das orelhas direita e esquerda nas três fases do ciclo menstrual. Percebe-se uma queda acentuada nos valores das freqüências de 1 e 6 kHz em todas as fases.
Gráfico 3. Apresentação das médias das amplitudes da emissão otoacústica por produto de distorção em ambas as orelhas segundo a fase do ciclo menstrual (lútea, folicular e ovulatória).
Pode-se observar no Gráfico 4 a média dos valores da relação Sinal/Ruído das EOA por Produto de distorção das orelhas direita e esquerda nas três fases do ciclo menstrual onde se observa queda acentuada nos valores das freqüências de 1 e 6 kHz.
Gráfico 4. Apresentação das médias da relação sinal/ruído da emissão otoacústica por produto de distorção em ambas as orelhas segundo a fase do ciclo menstrual (lútea, folicular e ovulatória).
A Tabela 1 apresenta o resultado da análise multivariada do efeito da orelha sobre amplitude das emissões otoacústicas por Produto de Distorção, contendo um único valor de significância na freqüência de 1,5 kHz, tendo a orelha direita os maiores valores.
As Tabelas 2 e 3 apresentam a média e o desvio padrão das amplitudes de EOAT e EOAPD conforme a orelha testada e as três fases do ciclo menstrual.
Programa de Iniciação Científica do Centro Universitário Planalto do Distrito Federal (UNIPLAN).
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBORL em 7 de dezembro de 2006. cod.3550
Artigo aceito em 28 de março de 2007.