INTRODUÇÃOA otite média crônica colesteatomatosa atingia um número estimado de mais de 5 milhões de pessoas no mundo todo até a década de 80 do século XX1. Os colesteatomas têm uma característica de migração e invasão de estruturas adjacentes, com erosão óssea e conseqüente destruição de ossículos da orelha média. Além disto, é uma doença que pode recidivar, muitas vezes obrigando os pacientes a serem submetidos a várias intervenções cirúrgicas. Até o momento não se conhece nenhum método de tratamento eficaz para evitar a proliferação, invasão ou a recidiva dos colesteatomas.
Através da colocação de uma mistura de talco e fibrina na bula de cobaias, conseguiu-se a formação de colesteatoma típico, originado das células basais de epiderme da membrana timpânica, que migraram para o interior da orelha média, o que corrobora a teoria da migração epitelial2. O propilenoglicol (PG) foi reconhecido como causador de migração epitelial e otite média crônica colesteatomatosa em chinchilas nos Estados Unidos, onde se usava uma solução ótica, o Cortisporinâ, que continha 10% de propilenoglicol3. Quanto maior a concentração de PG usado em preparações tópicas, mais facilmente se produz colesteatoma4,5 chegando a 100%, quando usado na concentração de 90%, em injeções trans-timpânicas em ratos. O 5-fluorouracil foi usado para inibir o crescimento de colesteatoma em chinchilas, onde se provocou o colesteatoma com propilenoglicol a 60%, com resultados satisfatórios6. O ácido hialurônico foi usado na orelha externa de chinchilas, para tentar inibir a formação de colesteatoma induzido pelo propilenoglicol, sem resultado7; o mesmo ocorreu com o uso da ciclofosfamida, uso sistêmico, em chinchilas8.
O ácido retinóico parece ter efeito na queratinização da epiderme e na atividade glandular secretora. A isotretinoína (análogo sintético do retinol), foi usada, via sistêmica, sem resultados satisfatórios na inibição do colesteatoma9. O ácido trans-retinóico é usado topicamente para tratar a acne vulgar. Seus efeitos incluem a diminuição da adesividade de células epiteliais e efetividade nas desordens da queratinização da pele, inclusive na reparação da pele após exposição a fotoagentes ou outros agentes externos. Através de estudo em colesteatoma de humanos, retirados cirurgicamente, o ácido trans-retinóico inibiu, "in vitro", a migração destes colesteatomas, quando em meio de cultura para crescimento dos mesmos10.
Levando-se em consideração que o colesteatoma é uma doença multifatorial que possui várias teorias em relação à sua etiopatogenia e que não há, até o momento, nenhum tratamento eficaz na prevenção da migração epitelial e conseqüente formação de colesteatoma na orelha média, mais estudos experimentais devem ser realizados para determinado fim. O objetivo do nosso trabalho é estudar os efeitos do ácido trans-retinóico, uso tópico na orelha externa e região justa à membrana timpânica em cobaias, na inibição da formação do colesteatoma de orelha média induzido pelo propilenoglicol a 100%.
MATERIAIS E MÉTODOSForam utilizadas 25 guinea pigs de ambos os sexos, com peso variando entre 400 a 600 gramas, com idade entre 4 e 6 meses de vida, sem infecção ou doenças prévias. Os animais foram fornecidos pelo Centro de Desenvolvimento de Modelos Experimentais para Medicina e Biologia. Seguiram-se as leis de proteção aos animais, que regem as normas para a prática científica de vivissecção de animais e teve a aprovação integral do Comitê de Ética em pesquisa da instituição (Processo No 1199/02).
Os animais foram anestesiados com uma solução contendo cloridrato de ketamina (70mg/kg) e cloridrato de xilazina (6mg/kg), por via intraperitoneal. O meato acústico externo (MAE) foi inspecionado através de visão microscópica para visibilização da membrana timpânica e remoção de cerume ou possíveis descamações da pele. Os animais foram submetidos ao seguinte procedimento, sob técnicas assépticas, nas duas orelhas:
1. Incisão retro-auricular e identificação da bula mastóidea;
2. abertura da parte superior da bula com broca cortante de 2mm;
3. aplicação de 0,2 ml de propilenoglicol a 100%, com o uso de uma agulha 25x7 e seringa de 1 ml;
4. sutura da pele com fio de Nylon 4-0;
5. inspeção final do MAE com o microscópio cirúrgico, para visibilização da MT com presença de líquido retro-timpânico.
A orelha direita foi usada como grupo experimental e a orelha esquerda como grupo controle. Logo após o procedimento cirúrgico, foi colocada uma solução aquosa de ácido trans-retinóico a 25 mmol/litro (0,225g em 20ml de solução), equivalente a 4200 unidades internacionais (UI)/ ml, na quantidade de 0,3 ml, aplicada topicamente no MAE recobrindo totalmente a membrana timpânica da orelha direita, com uma seringa de 1ml. Na orelha esquerda, do mesmo animal, foi aplicada uma solução fisiológica (NaCl a 0,9%), na quantidade de 0,3 ml topicamente, da mesma maneira.
Após 48 horas do procedimento cirúrgico, foi realizada uma 2a aplicação das soluções tópicas, ou seja, ácido trans-retinóico à direita e solução fisiológica à esquerda e a cada 48 horas, repetiu-se a aplicação tópica, até se completar 5 aplicações das substâncias. Os animais ficaram contidos durante 2 minutos em cada aplicação tópica tanto na orelha controle quanto na orelha estudo para que as soluções mantivessem maior contato com a membrana timpânica e o MAE.
Os animais foram sacrificados após 6 semanas do procedimento inicial, através de anestesia profunda com cloridrato de ketamina (100mg/kg) e cloridrato de xilazina (15mg/kg). Foi inspecionada a membrana timpânica e retirados os osso temporais (Figura 1). Fez-se uma pequena abertura na bula, quando não se identificou o local de abertura inicial, para a melhor fixação do osso.
Figura 1. Osso Temporal direito - Observar a bula e o meato acústico externo.
Cada osso temporal foi colocado em solução de formaldeído a 10% e mantido por 3 semanas para boa fixação. Após a fixação, os ossos foram mantidos em solução de ácido fórmico a 12,5% tamponado, para descalcificação, por um período de 2 semanas. Os ossos foram então seccionados em cortes transversais, em um plano paralelo ao plano da membrana timpânica, de 3mm, obtendo 2 peças de igual tamanho para cada osso temporal, que foram identificados como orelha direita e esquerda e ainda, corte no 1 (mais lateral, que englobava a porção óssea do MAE e a membrana timpânica) e corte no 2 (mais medial, que englobava a cavidade da orelha média e o restante da bula). Os cortes então foram analisados com o auxílio de microscópio cirúrgico, com aumento de 16 vezes (X) e 25 vezes, para identificar alterações na membrana timpânica (MT) e na orelha média (OM). Definimos macroscopicamente o colesteatoma como a presença de um tumor branco bem organizado na orelha média (Figura 2), a suspeita de colesteatoma quando havia áreas dispersas e suspeita do mesmo tumor e ausência de colesteatoma, quando estas alterações não foram encontradas (Figura 3). Cada corte lateral, que continha a MT e parte da OM, foi processado para desidratação e colocado em blocos de parafina. Foram realizados, então, cortes transversais de 3mm, com micrótomo e selecionado 1 corte representativo (interessando parte do MAE, a MT e parte da OM) de cada bloco de parafina, e os mesmos foram colocados em lâminas, num total de 40 lâminas e corados pela Hematoxilina-Eosina (HE). Foi realizada análise histológica em todas as lâminas por patologista experiente, que desconhecia qual era a orelha estudo e a controle.
Figura 2. Osso Temporal após descalcificação e corte transversal - Ch - Presença de colesteatoma (definido macroscopicamente).
Figura 3. Osso Temporal após descalcificação e corte transversal - MT: membrana timpânica. Observar orelha média sem presença de colesteatoma macroscopicamente.
A definição histológica do colesteatoma foi a presença de um tumor consistindo de escamas de queratina, anucleadas, sendo a camada córnea, formada por epitélio escamoso estratificado (Figuras 4 e 5).
Figura 4. Cistos de Colesteatoma em orelha média (aumento 100 X) - Notar a presença das lamelas de queratina dentro da matriz do colesteatoma.
Figura 5. Corte histológico de Colesteatoma em orelha média (aumento 100X) - EE: Epitélio estratificado K: Presença de lamelas de queratina.
Para analisar as alterações otoscópicas, com o auxílio de microscópio cirúrgico, em relação à orelha, utilizamos o teste de Fisher, com nível de significância de 5%.
Para analisar os achados macroscópicos nos ossos temporais dos espécimes, após realização de corte em duas partes, utilizamos o teste de Fisher, com nível de significância de 5%.
Para analisar os achados histológicos dos ossos temporais direito e esquerdo das 20 cobaias, em relação à presença ou ausência de colesteatoma, utilizamos o teste de Fisher, com nível de significância de 5%.
RESULTADOSDentre os espécimes que iniciaram o protocolo, 20 animais chegaram ao final de 6 semanas após a aplicação de propilenoglicol. Das 5 cobaias que não completaram o protocolo, 2 morreram nas primeiras 24hs, por possíveis problemas anestésicos e as outras 3, morreram num período de 3 semanas, por provável complicação de infecção. Os achados observados na otoscopia encontram-se na Tabela 1.
Após a análise estatística (Teste de Fisher) dos achados da Tabela 1, Não obtivemos diferença estatística dos achados em relação à orelha direita e esquerda.
Os achados em relação à presença de colesteatoma, suspeita de colesteatoma, e a não-evidência de colesteatoma estão na Tabela 2 e 3.
Houve diferença estatisticamente significante (P=0,0003) entre os grupos quanto à distribuição de achados de "colesteatoma" e "suspeita de colesteatoma" em relação ao achado "sem evidência de colesteatoma", entre as orelhas direita (estudo) e esquerda (controle). O grupo controle apresentou significativamente mais suspeita e/ou achados de colesteatoma do que o grupo de estudo.
Após a análise histológica dos ossos temporais das 20 cobaias, dividimos os achados em dois principais grupos. Um grupo onde os critérios histológicos da presença de colesteatoma foram identificados e outro grupo onde não foram identificados estes achados histológicos (Figura 6). Na Tabela 4, agrupamos os resultados histológicos, em presença de colesteatoma e ausência de colesteatoma, de acordo com a orelha.
Figura 6. Corte histológico de epitélio normal da orelha média (aumento 400X) - CE: epitélio cilíndrico ciliado.
Após a aplicação do teste de Fisher, observamos que a orelha direita apresentou significantemente menos colesteatoma que a orelha esquerda (controle).
DISCUSSÃOEscolhemos a cobaia como modelo experimental, pois a mesma possui características da orelha média semelhantes às do homem, além de possuir um meato acústico externo de calibre favorável à inspeção e manipulação, como a aplicação de substâncias tópicas, como no caso do nosso experimento. A bula é uma cavidade ampla e sua parede lateral é formada pela membrana timpânica e um processo mastóideo, não-pneumatizado, enquanto a parede medial contém a maioria das estruturas da orelha média, como a cadeia ossicular, a cóclea, a janela coclear e a vestibular, além dos canais semicirculares11. Através do acesso pela bula, aplicamos o propilenoglicol, com o intuito de causar um processo inflamatório na orelha média, sem manipular a membrana timpânica, no sentido de analisar os efeitos do processo inflamatório na MT, em especial na migração epitelial. Como pudemos observar na Tabela 1, 7 orelhas apresentaram perfuração da MT, enquanto outras 17 apresentaram opacidade, 6 com hiperemia, 3 com retração da MT e 4 com tumoração branca retro-timpânica (colesteatoma?). Portanto, em 40 orelhas, apenas 3 mantiveram-se normais após o experimento, evidenciando que o processo inflamatório causado pelo propilenoglicol foi realmente intenso, na maioria.
A opacidade da MT e a presença de cerume foram os achados mais freqüentes, sendo que o cerume foi mais evidente nas orelhas estudo (orelha direita), em relação às orelhas-controle. Isto pode ser explicado pela aplicação do ácido trans-retinóico, que na concentração aplicada, parece favorecer a formação de cerume, observado logo após a última aplicação tópica da substância, quando comparamos com as orelhas que receberam solução fisiológica.
O propilenoglicol começou a ser identificado como fator irritante da orelha média e possível indutor da formação de colesteatoma, a partir das observações do uso do Cortisporin ótico, uma solução que continha PG a 10,5%3 e a formação de colesteatoma parece ser dose-dependente em relação ao PG4,12. No nosso estudo, utilizamos o PG na concentração de 100% no intuito de induzir a formação do colesteatoma de orelha média em maior número possível de animais, para realmente compararmos se o ácido trans-retinóico, na concentração e via utilizadas, é efetivo na inibição da migração epitelial, portanto na formação do colesteatoma.
Será que o tempo desde a aplicação e o sacrifício dos animais é um fator importante para a formação do colesteatoma? Alguns trabalhos mostram que as alterações histológicas em grupos de animais sacrificados em intervalos diferentes variou em relação à formação de colesteatoma e que a partir da 3a semana já ocorre a proliferação da camada basal epidérmica da membrana timpânica, com crescimento papilar5,12 e na 6a semana o índice de colesteatoma induzido pelo PG a 90% chegou a 87,5%4. E uma única aplicação de PG a 50% aplicado na bula de chinchilas foi suficiente para evidenciar a formação de colesteatoma após a 3a semana3. Portanto, o tempo desde a aplicação da substância irritante da mucosa, até o sacrifício do animal, é importante na formação do colesteatoma e, a partir da 3a semana já foi observada a migração epitelial e a formação de colesteatoma típico, na maioria dos trabalhos. O tempo para submeter os espécimes à análise histológica varia de autor e de técnica usada na indução do colesteatoma e escolhemos o período de 6 semanas para tal análise, à semelhança de alguns autores, tempo suficiente para haver a formação do colesteatoma e, quando se aumenta este tempo, aumenta a chance de morbimortalidade entre os espécimes, por complicações do próprio colesteatoma ou de processo infeccioso associado.
A patogênese do colesteatoma adquirido é baseada principalmente na metaplasia ou na migração. Esta, por sua vez, pode ser dividida em três categorias. A imigração, através de uma perfuração de MT; a invaginação, caracterizada pela progressiva invaginação da MT e o crescimento papilar, onde a camada epidérmica da MT cresceria para o interior da orelha média13. Os achados foram semelhantes aos de outros autores3,14.
Na análise das alterações observadas na MT das 40 orelhas (grupo controle e grupo estudo), encontramos colesteatoma retro-timpânico visível em 4 orelhas, sendo que 2 apresentavam retração. A perfuração da MT ocorreu em 7 orelhas. Portanto, pudemos observar a formação do colesteatoma em MT retraídas, intactas e com perfuração, que pode ser secundária à necrose decorrente do processo inflamatório pelo agente irritante da mucosa da orelha média.
Os achados otoscópicos no final do experimento, resumidos na Tabela 1 dos resultados, mostram que houve um maior número de colesteatoma visível (retro-timpânico), no grupo controle, apesar de não ser estatisticamente significante. O achado otoscópico de perfuração da MT no grupo controle, ocorreu em apenas 3 orelhas e a retração da MT, em 2 orelhas (Tabela 1). Comparando com os achados macroscópicos, após os cortes no osso temporal, observamos a presença de colesteatoma em 17 orelhas. Portanto, a maioria dos colesteatomas se formou independentemente de uma perfuração da MT ou de uma retração da MT, mas quando a retração estava presente, nas orelhas controle, o colesteatoma pôde ser visualizado mais facilmente pela otoscopia. O fato de que a maioria das orelhas que apresentou colesteatoma, no grupo controle, não ter apresentado perfuração da MT reforça a teoria da migração epitelial e acreditamos ser a proliferação das células basais da camada epidérmica da MT um fenômeno iniciador na formação do colesteatoma.
Em relação à "terapia profilática" do colesteatoma, ou seja, a tentativa de inibir a sua formação, vários trabalhos não obtiveram sucesso8,9. Há várias explicações possíveis para os achados destes autores, com o uso do análogo da vitamina A. Uma é o fato do tratamento com a isotretinoína ter sido prévio ao uso do fator irritante, pois se fosse concomitante, talvez os achados fossem diferentes. Outra observação é que a droga foi utilizada por via sistêmica, talvez se a mesma fosse administrada topicamente pudesse ter uma ação mais efetiva na inibição da migração epitelial ou ainda, esta droga pode realmente não ter efeito na migração na dose utilizada ou independentemente da dose.
O uso de medicação tópica na tentativa de inibir a formação de colesteatoma induzido pelo PG foi realizado com ácido hiaurônico7 em chinchilas e encontrou-se colesteatoma em 70% das orelhas que receberam o ácido hialurônico e em 71% das orelhas que não receberam a substância. O cálcio extracelular parece ser um fator importante tanto na migração como na adesão de células no colesteatoma. Quando se retira o cálcio de meio de cultura para crescimento e migração de colesteatoma, há uma redução de 10 vezes no grau de migração do colesteatoma15. O cálcio foi fundamental para a ligação entre célula e célula, no caso dos queratinócitos e célula e substrato. Estes autores estudaram os efeitos do ácido trans-retinóico in vitro, na inibição da migração do colesteatoma, obtendo amostras de colesteatomas humanos, submetendo as mesmas ao mesmo meio de cultura para crescimento das células. Uma inibição máxima de 6 vezes na migração ocorreu com uma concentração maior de ácido trans-retinóico (5 mmol/litro). Parece que os principais efeitos do ácido trans-retinóico na migração do colesteatoma são a diminuição da adesão celular e alterações no citoesqueleto, modificando também a concentração do cálcio10. O ácido trans-retinóico é extensamente usado em doenças dermatológicas pelos seus efeitos que incluem a diminuição da adesividade de células epiteliais e efetividade nas desordens da queratinização da pele, inclusive na reparação da pele após exposição a fotoagentes ou outros agentes externos e sua aplicação tópica é usada na acne vulgar, psoríase, entre outras.
Diante destas observações, a tentativa de inibir a migração epitelial com o ácido trans-retinóico nos pareceu bastante pertinente, inclusive por não haver estudos em animais com a metodologia mais adequada para tentar inibir tal migração in vivo. Em outro estudo com a vitamina A, usada topicamente, os autores induziram a formação de colesteatoma, através de ligadura do MAE e não obtiveram uma diferença estatisticamente significante entre os grupos tratados com a vitamina A e com o Cortisporinâ (sem PG). Apenas houve diferença quando se comparou os grupos tratados com o grupo controle, sendo que a formação de colesteatoma no grupo tratado também não foi pequena (60%-65%)16. Na metodologia do trabalho não ficou claro o número de aplicações das substâncias, pois não ficou bem entendido se o tratamento durou os 9 meses do experimento. Além disto, torna-se difícil a aplicação de uma substância tópica em uma cavidade fechada cirurgicamente, pois há a tendência da formação de cerume e debris epiteliais nesta cavidade, além do processo natural de fibrose, o que pode ter influenciado na ação das substâncias utilizadas. Outro fator a ser lembrado é que o próprio procedimento cirúrgico de ligadura do MAE pode alterar o efeito das substâncias testadas nas diversas camadas epidérmicas do MAE, por alterar a sua anatomia e talvez sua fisiologia, influenciando nos resultados descritos. Por isto, achamos mais conveniente uma metodologia experimental que não alterasse a anatomia da orelha externa, mais especificamente do MAE, para não interferirmos no efeito local da substância utilizada como inibidor da formação do colesteatoma. Com a metodologia aplicada, obtivemos algumas orelhas com formação de cerume em moderada quantidade, principalmente na orelha estudo. E as 3 orelhas que apresentaram colesteatoma neste grupo tiveram a formação de cerume, além de apresentarem também secreção e perfuração da MT. Talvez isto tenha influenciado na formação do colesteatoma, por diminuir a ventilação da orelha externa e diminuir o tempo de contato do ácido trans-retinóico com a camada epitelial da MT, possivelmente alterando a absorção da substância.
De acordo com os achados: suspeita de colesteatoma, colesteatoma e sem evidência de colesteatoma, mostrados nas Tabelas 2 e 3 dos resultados, o grupo controle apresentou um número significantemente maior de colesteatoma e suspeita de colesteatoma. Quando confrontamos estes achados com a análise histológica dos ossos temporais das cobaias, pudemos observar que a definição macroscópica do colesteatoma foi bem aplicada, pois todos os ossos temporais (n=18) que se enquadraram nesta definição macroscópica, preencheram os critérios histológicos de colesteatoma, ou seja, a presença de epitélio escamoso estratificado com escamas de queratina sobre o mesmo. Alguns ossos, no entanto, que foram considerados macroscopicamente como "sem evidência de colesteatoma", no estudo histológico preencheram os critérios histológicos de colesteatoma. Na análise macroscópica, o achado "sem evidência de colesteatoma" ocorreu em 18 orelhas e destas, 3 foram identificadas histologicamente com a presença de colesteatoma na orelha média. Portanto, quando o achado macroscópico de colesteatoma, pela definição utilizada, esteve presente, o estudo histológico confirmou sua presença em 100% dos casos, enquanto que nas orelhas que apresentaram o achado macroscópico "sem evidência de colesteatoma", o colesteatoma foi encontrado em 16,7% na análise histológica, daí a importância de confrontar os achados macroscópicos com os achados histológicos. Os restantes 83,3% das orelhas sem evidência macroscópica de colesteatoma realmente não o apresentaram nas lâminas. No grupo de orelhas que apresentou o achado macroscópico "suspeita de colesteatoma" (n=4), não houve a presença do colesteatoma na análise histológica. A suspeita de colesteatoma não foi confirmada e a presença de pequenas áreas esbranquiçadas dispersas no osso temporal, como assim foi definida macroscopicamente, pode corresponder a alterações inflamatórias da orelha média encontradas em algumas lâminas.
Dos achados histológicos apresentados na Tabela 4 dos resultados, pudemos verificar a presença de colesteatoma em 30% das orelhas do grupo tratado com o ácido trans-retinóico (6/20) e 75% das orelhas do grupo controle (15/20). Quando aplicamos a análise estatística (teste de Fisher), obtivemos um P=0,0104, ou seja, a presença de colesteatoma no grupo de orelhas tratadas com o ácido trans-retinóico foi significantemente menor que no grupo de orelhas controle, portanto, o ácido trans-retinóico foi efetivo na inibição da formação do colesteatoma, no modelo estudado.
Os nossos achados são diferentes dos de outros autores16 que utilizaram a vitamina A topicamente para inibir a formação do colesteatoma. Acreditamos que esta diferença entre os achados ocorreu por vários motivos, como a concentração utilizada, a metodologia empregada, como discutido anteriormente, e talvez ainda por diferenças de efeitos farmacológicos entre os retinóides.
A inibição do colesteatoma que obtivemos com o uso do ácido trans-retinóico foi concordante com os achados de inibição in vitro, com a mesma droga, obtida por em estudo prévio10. Esse trabalho nos auxiliou sobremaneira na escolha do ácido trans-retinóico para tentar inibir a formação do colesteatoma e achamos que o método de aplicação e a concentração da droga foram fatores primordiais para os nossos resultados. A presença de cerume e/ou secreção em algumas orelhas tratadas com o ácido trans-retinóico pode ter alterado seu efeito local, fato que explicaria a presença de colesteatoma em algumas orelhas tratadas.
Diante dessas considerações e dos resultados do nosso trabalho, mais estudos devem ser realizados no intuito de aplicar estes conhecimentos e outros que poderão advir, como, por exemplo, os efeitos do ácido trans-retinóico na estrutura celular dos queratinócitos, contribuindo na aplicabilidade desta droga em humanos.
CONCLUSÃODiante dos resultados do nosso trabalho, podemos concluir que o uso tópico do ácido trans-retinóico, aplicado no meato acústico externo e região justa à membrana timpânica, é efetivo na inibição da formação do colesteatoma de orelha média, induzido pelo propilenoglicol, em cobaias.
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1 Doutor pela UNIFESP, Professor da faculdade de medicina do ABC.
2 Professor Livre Docente pela UNIFESP, Professor Adjunto do Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da UNIFESP.
3 Doutora pela UNIFESP, Professora Afiliada do Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da UNIFESP.
4 Prof. Livre Docente pela UNIFESP, Prof. Adjunto do Departamento de Anatomia Patológica da UNIFESP. UNIFESP.
Endereço para correspondência: Marcos Luiz Antunes - Rua Primeiro de Janeiro 20 ap. 41 Vl. Clementino São Paulo SP 04044-060.
CAPES.
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBORL em 22 de novembro de 2006. cod. 3531
Artigo aceito em 7 de maio de 2007.