INTRODUÇÃOA Apnéia Obstrutiva do Sono é uma condição caracterizada pela obstrução repetitiva da via aérea superior, por período igual ou maior que 10 segundos, resultando, freqüentemente, na dessaturação de oxigênio e distúrbios do sono. A manifestação clássica é a sonolência diurna, mas outros sintomas como ronco, sono agitado, baixa concentração e fadiga são comumente relatados1.
A avaliação clínica deve ser feita com o paciente e com os familiares2, obtendo-se uma história focalizada na queixa principal, auxiliada por questionários quantitativos, através de escalas de sonolência já bem estabelecidas, como a de Epworth3-7.
O exame físico também é importante para predizer a síndrome da apnéia/ hipopnéia obstrutiva do sono (SAHOS)8. O Índice de Massa Corpórea (IMC) é um dos dados a serem analisados.
Várias alterações vêm sendo associadas aos distúrbios do sono, entre elas as cardiovasculares, que já se mostram em íntima relação com a SAHOS, principalmente a hipertensão pulmonar e arterial sistêmica e casos de infarto agudo do miocárdio9,10, fatos estes que vêm a mostrar ainda mais a importância de estudos mais detalhados sobre esta doença.
Quanto aos métodos diagnósticos complementares, a Polissonografia (PSG) é considerada o "padrão-ouro" para definir as desordens do sono2. Durante o procedimento são registrados: estágio e continuidade do sono, esforço respiratório, saturação de oxigênio, posição do corpo, eletrocardiograma e movimentos corporais. Outros exames como a cefalometria, a nasofibroscopia com manobra de Müller, videofluoroscopia, tomografia computadorizada e ressonância magnética também podem auxiliar no diagnóstico.
Comparar os dados da história clínica com os resultados das polissonografias, nos casos de suspeita de SAHOS, é o principal objetivo deste trabalho.
MATERIAIS E MÉTODOSFoi realizado um estudo histórico, de coorte, transversal, com 125 pacientes submetidos ao exame de polissonografia no Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Nossa Senhora de Lourdes, no período de novembro de 2003 a fevereiro de 2004, requisitados por suspeita de SAHOS. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética do Hospital.
Após consentimentos, um questionário foi aplicado aos pacientes, avaliando-se a Escala de Epworth (Tabela 1) e as queixas principais: ronco, apnéia, sonolência diurna, insônia, dispepsia, ansiedade, falta de atenção e concentração, sono agitado, parassonia e cefaléia matinal. Avaliaram-se, ainda, a história pregressa e co-morbidades.
Outros dados da identificação e exame físico foram comparados (sexo, idade, relação entre o peso e a altura - IMC). Os dados foram, então, correlacionados com os resultados das polissonografias.
Os pacientes foram submetidos ao exame polissonográfico em um aparelho Sonolab 620®, com 8 canais de eletrocardiograma, com tomada de sinais biológicos (movimentos oculares; movimentos de pernas; faixas torácica/ abdominal e fluxo aéreo nasal para monitoração completa da respiração; microfone para detecção do ronco; eletroencefalograma; eletromiograma; oximetria e body position).
Para a análise estatística, inicialmente, para cada um dos sintomas, testou-se a hipótese nula de que a proporção de casos com resultado de polissonografia evidenciando SAHOS moderada e severa entre aqueles que têm presença do sintoma é igual à proporção de casos com resultado de SAHOS moderada e severa entre os que não têm a presença do sintoma, versus a hipótese alternativa de proporções diferentes. Para tanto, adotou-se o teste exato de Fisher. Em seguida, foi realizada uma análise conjunta de todos os sintomas. Neste caso, testaram-se as mesmas hipóteses acima com a diferença de que nesta abordagem leva-se em conta a presença das demais variáveis. Para tanto, ajustou-se um modelo de Regressão Logística, considerando-se o teste de Wald para avaliação das hipóteses. Em todos os testes, um valor de p<0,05 foi considerado como estatisticamente significante. Para tal análise os pacientes do estudo foram divididos em dois grupos: o primeiro incluindo indivíduos considerados normais e com SAHOS leve e o segundo com pacientes que apresentaram SAHOS moderada e severa à polissonografia.
RESULTADOSForam incluídos 75 (60%) pacientes do sexo masculino e 50 (40%) do sexo feminino. Os mesmos foram distribuídos com relação à faixa etária em 6 grupos: menores de 15 anos (6 pacientes), 15 a 24 anos (2 pacientes), 25 a 34 anos (16 pacientes) 35 a 44 anos (37 pacientes) 45 a 54 anos (34 pacientes) e maiores de 55 anos (30 pacientes).
Quanto aos resultados das polissonografias, 57 pacientes (46%) apresentaram índice de apnéia/ hipopnéia (IAH) dentro da normalidade (< 5 por hora - roncadores não-apnéicos), 38 pacientes (30%) apresentaram SAHOS leve (IAH entre 5 e 15 por hora), 19 pacientes (15%) SAHOS moderada (IAH entre 15 e 30 por hora) e 11 pacientes (9%) SAHOS severa (IAH > 30 por hora) (Tabela 2).
Foram comparados os resultados da Escala de Epworth (Tabela 2) divididos em positivo para os valores maiores que 10, segundo Johns1,5-7, com os achados polissonográficos divididos em pacientes normais e com SAHOS leve, comparado com os pacientes com SAHOS moderada e severa, onde, entre eles, a escala mostrou-se positiva em 70% (Gráfico 1).
Gráfico 1. Distribuição Percentual do Índice de Epworth com os resultados das Polissonografias
S: SAHOS
Sev.: severa
Mod.: moderada
Quanto à relação entre o IMC e o IAH: no estudo aplicado aos 125 pacientes, 17 apresentavam IMC maior que 36, três deles apresentaram IAH menor que 5 (normal), correspondendo a 5,3% dos 57 pacientes avaliados considerados normais. Sete pacientes dos 17 apresentaram SAHOS leve na polissonografia, o que corresponde a 18,4% dos 38 pacientes com SAHOS leve do estudo. Dois pacientes apresentaram SAHOS moderada, referente a 10,5% dos 19 pacientes com SAHOS moderada e 5 pacientes dos 17 com IMC maior que 36 apresentaram SAHOS severa, correspondendo a 45,4% dos 11 pacientes com SAHOS severa do estudo (Gráfico 2).
Gráfico 2: Percentagem de pacientes com IMC > 36 relacionados aos resultados das Polissonografias
As principais queixas clínicas dos pacientes, obtidas pela anamnese, foram divididas em dois grupos no que diz respeito aos resultados das PSGs: pacientes com IAH menor que 15 (normais ou SAHOS leve) e com IAH maior que 15 (SAHOS moderada ou severa). A maioria dos pacientes apresentava como queixas: ronco, apnéia, excessiva sonolência diurna (ESD), insônia, dispepsia, ansiedade, falta de concentração e atenção, sono agitado, parassonia, cefaléia matinal, distribuídos de acordo com a Tabela 3.
Segundo análise estatística os resultados da correlação entre essas queixas e os achados clínicos apresentados com os resultados das polissonografias foram os seguintes: na Análise Univariada (Teste Exato de Fisher): ronco (p=0,78), apnéia (p=1), ESD (p=0,40), insônia (p=0,01), dispepsia (p=0,39), ansiedade (p=0,20), falta de concentração e atenção (p=0,52), sono agitado (p=0,06), parassonia (p=1), cefaléia matinal (p=1), outros (p=0,14), IMC (p=0,26) e Escala de Epworth (p=0,06) elevados. Na Análise Multivariada (hipóteses testadas para cada um dos sinais e sintomas na presença dos demais): ronco (p=0,87), apnéia (p=0,70), ESD (p=0,99), insônia (p=0,07), dispepsia (p=0,25), ansiedade (p=0,27) falta de concentração e atenção (p=0,87), sono agitado (p=0,10), parassonia (p=0,95), cefaléia matinal (p=0,90), outros (p=0,70), IMC (p=0,27) e Escala de Epworth (p=0,27).
DISCUSSÃOA história clínica e o exame físico são fundamentais no diagnóstico da SAHOS1,2,7,8. Ronco, sono agitado, episódios de apnéia, diminuição da concentração, insônia, entre outros achados na história clínica, incluindo a aplicação da Escala de Epworth também são considerados importantes na anamnese do paciente com distúrbios respiratórios do sono. Quanto aos sinais físicos, um IMC elevado (indicando sobrepeso/obesidade), hipertrofia tonsilar, de palato e de língua também são considerados relevantes8.
De acordo com Pastor et al., no entanto, a história clínica não se mostrou suficiente para a definição diagnóstica dos distúrbios do sono11. Segundo o mesmo autor, a existência de doenças concomitantes associadas diminui o valor de vários métodos complementares de screening, sendo fundamental a realização da polissonografia para uma avaliação global do problema, não se pensando apenas na SAHOS.
No presente estudo, tanto as queixas clínicas quanto o IMC e a Escala de Epworth foram correlacionados com os resultados das polissonografias. Observou-se que não houve diferença estatística significante (p>0,05) entre os sintomas de sonolência diurna, apnéia, falta de concentração e atenção, sono agitado, bem como entre os achados de IMC elevados e Escalas de Epworth positivas, todos dados comparativos, com os resultados das polissonografias classificadas como moderadas e severas, versus as normais e leves. Queixas como falta de concentração e sono agitado se mostraram mais prevalentes nos pacientes normais e com SAHOS leve, apesar de não apresentarem significância estatística (p>0,05). Outro achado importante foi o resultado da insônia, descrita como sintoma comum nos pacientes com SAHOS1,2. Em nossas estatísticas ela também se mostrou significante, mas nos pacientes normais e com SAHOS leve (p<0,05) e não nos pacientes com SAHOS severo e moderado, como preconizado na literatura, e somente quando analisada isoladamente, perdendo sua importância quando na presença dos outros sinais e sintomas avaliados (Gráfico 3).
Gráfico 3: Relação percentual das queixas clínicas entre os pacientes com SAHOS Severa e Moderada X SAHOS Leve e pacientes com polissonografias normais
CONCLUSÃOO presente trabalho demonstrou que a história e os achados clínicos avaliados não devem ser considerados isoladamente em se tratando do estudo das doenças respiratórias obstrutivas do sono, não podendo o médico se basear unicamente nos mesmos para tentar definir a presença e/ou grau de severidade dos casos suspeitos de SAHOS.
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1 Médica Otorrinolaringologista, Ex-residente do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Nossa Senhora de Lourdes - SP; Professora e Médica Otorrinolaringologista da Universidade do Vale do Itajaí, UNIVALI. & Hospital Universitário Infantil Pequeno Anjo, HUPA.
2 Médica, ex-residente do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Nossa Senhora de Lourdes.
3 Médico, residente do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Nossa Senhora de Lourdes.
4 Médico Otorrinolaringologista, Chefe do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Nossa Senhora de Lourdes.
5 Médico Otorrinolaringologista, Chefe do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Nossa Senhora de Lourdes.
Hospital Nossa Senhora de Lourdes, São Paulo SP.
Endereço para correspondência: Centro de Estudos/ Otorrinolaringologia Rua das Perobas 344 4o. andar Jabaquara São Paulo SP 04321-120.
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBORL em 15 de março de 2005. cod. 163.
Artigo aceito em 3 de maio de 2007.