INTRODUÇÃOAs "vegetações adenoideanas" foram primeiramente descritas por Meyer, em 1870, que em seu trabalho descreve o método de palpação digital como principal recurso diagnóstico e descreve as limitações da rinoscopia posterior1. Recentes trabalhos evidenciam a eficácia da nasofibroscopia para a detecção da hipertrofia adenoideana que, embora seja um método invasivo, oferece muitas vantagens quando comparada à radiografia simples de perfil2. Os sintomas referidos pelos pais são fonte importante de informação para indicação ou não da adenoidectomia3.
Alegações vêm sendo feitas a respeito do potencial da rinometria acústica (RA) para a detecção e evolução de pacientes com hipertrofia adenoideana4 embora muitos trabalhos evidenciam a baixa acurácia da RA em refletir a realidade anatômica da nasofaringe devido às próprias limitações da técnica5,6.
A ocorrência de obstrução das vias aéreas superiores em pacientes com hipertrofia de tonsila faríngea acompanhada ou não de hipertrofia de tonsilas palatinas é vista com freqüência na prática clínica otorrinolaringológica por vezes associada à hipertrofia de conchas inferiores.
O objetivo deste trabalho foi analisar as mudanças ocorridas na geometria das cavidades nasais e nasofaringe de crianças submetidas a adenoidectomia associada ou não a tonsilectomia palatinas. Realizamos RA antes e após a cirurgia para verificarmos as mudanças de volume e área de secção transversal mínima (ASTM) nas fossas nasais e também o que ocorre com o volume e área de secção transversal na nasofaringe onde está situada a tonsila faríngea.
CASUÍSTICA E MÉTODO Este estudo foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e os responsáveis pelas crianças assinaram termo de consentimento pós-informação para a realização dos exames de RA.
Trinta e três crianças (66 cavidades nasais), 16 meninos e 17 meninas que tinham indicação cirúrgica para adenoidectomia com ou sem tonsilectomia palatina foram submetidas ao exame de RA antes e 15 dias após a cirurgia para avaliar as alterações ocorridas na geometria da cavidade nasal e nasofaringe.
Todos os pacientes tinham sintomas de obstrução das vias aéreas superiores: respiração bucal na maior parte do dia (96%), roncos diariamente (69%), ocorrência de apnéias (15%), otite média de repetição (11%) e hipertrofia adenoideana confirmada pela nasofibroscopia ou exame radiológico.
Foram excluídos os pacientes com cirurgia nasal ou de faringe prévia, pacientes com sintomas e/ou sinais de rinite alérgica ou de doença sinusal no momento da realização da RA, pacientes com desvios septais severos a rinoscopia anterior e pacientes com atresia de coana.
Vinte e três pacientes retornaram 2 semanas após a cirurgia para a realização de nova RA, 9 meninos e 14 meninas com idade variando de 3 a 10 anos com média de 6,1 anos. A RA foi realizada 3 vezes em cada narina antes e 15 min após a aplicação de 3 jatos de cloridrato de oximetazolina, vasoconstritor (VC) tópico nasal, e realizada de acordo com a padronização preconizada por Hilberg et al.7, sendo que traçados com artefatos óbvios foram descartados. O rinômetro acústico utilizado foi o Eccovision Accoustic Rhinometry (Laboratório Hood).
Medimos a ASTM e o volume nasal nos primeiros 5 cm a partir da narina por ser a região de maior fidedignidade do exame8 e também medimos a ASTM e o volume da nasofaringe representada no rinograma nasal ao longo do eixo X na distância de 6,5 a 8,5 cm da narina9.
Somamos a ASTM e o volume de ambas fossas nasais a fim de minimizar falhas de medida devido a alterações estruturais ou devido ao ciclo nasal.
Verificamos, em cada paciente, a ASTM e o volume da cavidade nasal e nasofaringe antes do VC pré-cirurgia e pós-cirurgia e após VC pré-cirurgia e pós-cirurgia. Para a comparação destes valores foi utilizado o teste t de Student para amostras pareadas.
RESULTADOS Todos os pacientes ou responsáveis referiram melhora subjetiva dos sintomas de obstrução das vias aéreas superiores como respiração bucal, roncos e/ou apnéias.
Nas fossas nasais a ASTM, antes do uso de VC, variou de 0,73 ± 0,17 cm2 (0,46 - 1,18) antes da cirurgia para 0,79 ± 0,20 cm2 (0,47 - 1,22) depois da cirurgia; p < 0,01. Após o uso de VC variou de 0,87 ± 0,24 cm2 (0,49 - 1,41) antes da cirurgia para 0,93 ± 0,24 cm2 (0,60 - 1,47) depois da cirurgia; p < 0,01. O volume das fossas nasais antes do uso de VC, variou de 6,18 ± 1,42 cm3 (3,84 - 9,35) antes da cirurgia para 6,47 ± 1,60 cm3 (4,12 - 10,10) depois da cirurgia; p < 0,05. Após o uso de VC variou de 8,31 ± 2,10 cm3 (4,23 - 12,70) antes da cirurgia para 8,65 ± 2,08 cm3 (4,42 - 12,02) depois da cirurgia; p < 0,05.
Na nasofaringe a ASTM, antes do uso de VC, variou de 2,43 ± 1,06 cm2 (1,10 - 4,81) antes da cirurgia para 2,69 ± 1,19 cm2 (1,09 - 5,35) depois da cirurgia; p < 0,05. Após o uso de VC variou de 2,76 ± 1,15 cm2 (1,08 - 4,88) antes da cirurgia para 3,79 ± 1,69 cm2 (1,55 - 7,12) depois da cirurgia; p < 0,001. O volume da nasofaringe antes do uso de VC, variou de 5,57 ± 2,33 cm3 (2,45 - 10,99) antes da cirurgia para 6,14 ± 2,48 cm3 (2,43 - 11,62) depois da cirurgia; p < 0,01. Após o uso de VC variou de 6,51 ± 2,61 cm3 (2,70 - 11,48) antes da cirurgia para 8,78 ± 3,40 cm3 (3,61 - 14,48) depois da cirurgia; p < 0,001.
A Figura 1 exemplifica as mudanças de área e volume das fossas nasais e nasofaringe após o uso de VC nasal.
Figura 1. Rinograma nasal após vasoconstritor antes (inferior) e depois (superior) da cirurgia de adenoidectomia
DISCUSSÃO O objetivo deste estudo foi investigar as mudanças na geometria da fossa nasal e da nasofaringe através da RA antes e após a adenoidectomia. Na nasofaringe encontramos aumento bastante significante da ASTM e do volume após o uso de vasoconstritor.
Kim et al.10 com o intuito de determinar o efeito da adenoidectomia na geometria da cavidade nasal e nasofaringe realizam RA antes da cirurgia e 15 dias após, antes e após o uso de vasoconstritor tópico. O rinograma antes do uso do vasoconstritor antes e após a cirurgia mostra aumento da ASTM na região da cabeça da concha inferior e do volume da fossa nasal; após a descongestão da mucosa houve aumento da ASTM apenas na nasofaringe, resultados semelhantes aos por nós encontrados.
Cho et al.4, avaliando a nasofaringe através da RA em crianças antes e após serem submetidas a adenoidectomia e comparando com os achados em crianças do grupo controle, concluem que a ASTM e o volume da nasofaringe são significantemente menores no grupo de pacientes com adenóide hipertrófica e que existe aumento significativo da ASTM e do volume da nasofaringe após a cirurgia.
Mostafa11 verifica significante aumento de ASTM e volume na nasofaringe após adenoidectomia e conclui que a RA pode ser usada como screening e havendo alta suspeita de hipertrofia de adenóide a endoscopia nasal pode ser planejada.
Riechelmann et al.9 comparam a nasofaringe de crianças com hipertrofia adenoideana pré-cirurgia e após a cirurgia de adenoidectomia e comparam com grupo controle de crianças sem hipertrofia adenoideana e verificam que a ASTM da nasofaringe antes e após cirurgia e mesmo quando comparada a ASTM das crianças do grupo controle não apresenta diferenças estatisticamente significantes.
Fisher et al.12 referem que a RA não tem acurácia para evidenciar pequenas alterações de volume na nasofaringe e conclui que a RA tem pouco valor preditivo se usada isoladamente para avaliar a presença de adenóide hipertrófica; terá maior poder preditivo se avaliarmos conjuntamente com o quadro clínico.
Na nasofaringe verificamos aumento da ASTM e do volume nasal após a retirada do tecido adenoideano. Este aumento foi maior se compararmos estas medidas após o uso de descongestionante tópico nasal provavelmente devido a maior facilidade de propagação das ondas sonoras até a nasofaringe e pela melhor captação das ondas sonoras refletidas por causa da redução de volume do tecido erétil das fossas nasais.
Os exames realizados antes da cirurgia podem ter sub-dimensionado a geometria nasal devido a maior possibilidade de estase de secreção nas fossas nasais nas crianças com respiração oral mesmo após pedirmos para que assoassem o nariz.
Embora a RA tenha menor precisão para medir as dimensões da nasofaringe devido à existência de obstruções severas anteriores causando subestimação de regiões posteriores, aos movimentos voluntários e involuntários do palato mole, ao escape sonoro para a fossa nasal oposta e às próprias limitações físicas da técnica5,12,14,15, ela foi capaz de evidenciar o ganho de ASTM e volume pérveo na nasofaringe após a cirurgia.
CONCLUSÕES O aumento de ASTM e volume da nasofaringe, indicando melhora da permeabilidade nasal, concorda com a melhora dos sintomas obstrutivos referidos pelo paciente e familiares após a cirurgia de adenoidectomia.
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[1] Doutorandos da Disciplina de Otorrinolaringologia do HCFMUSP.
[2] Professor Doutor Assistente da Disciplina de Otorrinolaringologia do HCFMUSP.
[3] Professor Doutor Associado da Disciplina de Otorrinolaringologia do HCFMUSP.
Trabalho realizado na Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da FMUSP.
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