ISSN 1806-9312  
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3568 - Vol. 73 / Edição 5 / Período: Setembro - Outubro de 2007
Seção: Artigo Original Páginas: 675 a 683
Implicações do efeito Lombard sobre a intensidade, freqüência fundamental e estabilidade da voz de indivíduos com doença de Parkinson
Autor(es):
Araken Quedas 1, André de Campos Duprat 2, Gisele Gasparini 3

Palavras-chave: acústica da fala, doença de parkinson, voz

Keywords: speech acoustics, parkinson´s disease, voice

Resumo: A Doença de Parkinson afeta o sistema nervoso central resultando em alterações qualitativas da voz que pouco melhoram com o tratamento farmacológico e com a fonoterapia tradicional. Estudos mostram que o mascaramento auditivo leva ao aumento da intensidade da voz em indivíduos normais (Efeito Lombard). Objetivo: Avaliar implicações do efeito Lombard sobre a intensidade, freqüência fundamental e estabilidade da voz de indivíduos com doença de Parkinson (N=17). Forma de Estudo: Estudo clínico e experimental. Material e Métodos: Através de análise acústica, avaliamos as alterações de intensidade e freqüência fundamental, antes e depois da exposição a mascaramento auditivo "white noise", em 40, 70 e 90 dBNS, bem como as variações durante cada emissão e comparamos com um grupo controle (N=16). Resultados: A intensidade de emissão vocal variou de acordo com a intensidade de mascaramento, tendendo a aumento não-linear, ocorrendo também nos grupos Parkinson e controle, não sendo influenciado pelo sexo. A freqüência fundamental da emissão vocal variou, tendendo a aumento não-linear, em ambos os grupos e sexos. Ocorreu melhora da estabilidade, tanto com relação à freqüência quanto à intensidade de emissão vocal. Conclusão: O Efeito Lombard elevou a intensidade e freqüência fundamental e melhorou a estabilidade da voz desses pacientes.

Abstract: Parkinson´s disease affects the central nervous system resulting in voice quality alterations. It is typically resistant to drug therapy and often persists despite extensive behavioural speech and language therapy. Previous findings show that masking noise will produce a consistent increase in voice intensity in most normal individuals (Lombard's effect). Aim: we evaluated Lombard's effect's implication in intensity, fundamental frequency and stability on the voice of individuals with Parkinson´s disease (N=17). Material and methods: through acoustic analysis, we evaluated intensity alterations and fundamental frequency, before and after white masking noise 40, 70 and 90 dBSL intensities, as well as variations during each vocalization and compared with a control group (N=16). Results: voice intensity varied according to masking intensity, tending to non-linear increases in both groups and gender. Fundamental frequency varied, tending to non-linear increase in both groups and gender. Improvement stability occurred in fundamental frequency and vocal intensity. Conclusion: Lombard's effect increased intensity, fundamental frequency and improves voice stability on these patients. Study: clinical and experimental.

INTRODUÇÃO

A Doença de Parkinson (DP) foi descrita em 1817 por um médico inglês chamado James Parkinson, publicada com o título: "Um ensaio sobre a paralisia agitante". É uma doença que afeta o sistema nervoso central, mais especificamente os neurônios da substância nigra mesencefálica, responsáveis pela liberação de dopamina. A diminuição da dopamina resulta numa menor inibição da atividade nos núcleos da base, mais precisamente no corpo estriado, resultando principalmente em rigidez muscular, bradicinesia, tremor de repouso e distúrbios posturais1.

Com relação à fala, são sintomas comuns a esses pacientes: diminuição do volume (é a principal e mais marcante alteração vocal, sendo progressiva com a evolução da doença), instabilidade vocal, monotonia, alterações qualitativas como tremor, rouquidão e alteração do pitch, dificuldade para iniciar uma sentença, alterações articulatórias, fala acelerada e repetição de palavras, frases e sentenças de maneira inconsciente e incontrolada. A esse conjunto de alterações denomina-se disartria hipocinética ou disartrofonia2-8.

Como alternativa para diminuir as queixas de hipofonia nesses pacientes, alguns autores utilizaram o mascaramento auditivo com o objetivo de melhorar o volume de voz11,12. Esse artifício é denominado Efeito Lombard, uma tendência natural do individuo de aumentar o volume da sua voz, seja por exposição ao ruído, impedindo de escutá-la de maneira adequada ou por deficiência auditiva9. Os mecanismos envolvidos nesse fenômeno ainda não foram estabelecidos10.

O Efeito Lombard (EL) foi estudado, notando marcada melhora no volume da voz desses pacientes, quando submetidos a mascaramento auditivo de 90 decibéis nível de pressão sonora (dBNPS)11. Outros autores12 também estudaram as repercussões do EL sobre a voz de pacientes parkinsonianos submetendo-os a mascaramento auditivo com 10 e 20 dBNS (decibéis nível de sensação), não obtendo porém os mesmos resultados de Adams, Lang (1992)11.

A escassez de informações sobre o tema e a falta de concordância entre os poucos artigos disponíveis, seja quanto ao método ou quanto aos resultados obtidos, despertou o interesse de um estudo avaliando o comportamento do volume e da freqüência fundamental, bem como a estabilidade da emissão vocal desse grupo de pacientes quando expostos ao mascaramento auditivo.

Assim, este trabalho teve como objetivo avaliar, através de análise acústica, a interferência do EL sobre a intensidade e freqüência fundamental da voz de pacientes com DP, bem como a estabilidade de cada emissão.


MATERIAL E MÉTODOS

Trabalho aprovado pelo Comitê de Ética da Instituição em que foi realizado, sob número 070/06.

Participantes

Foram selecionados 33 participantes: Grupo Parkinson (N=17, sendo 8 homens e 9 mulheres) e Grupo Controle (N=16, sendo 8 homens e 8 mulheres). Todos os participantes assinaram voluntariamente o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido após serem devidamente informados sobre todos os procedimentos.

Critérios de inclusão para o Grupo Parkinson

1. Pacientes com diagnóstico de Doença de Parkinson (DP) idiopática, sem outros diagnósticos neurológicos associados.

2. Média dos limiares audiométricos menor ou igual a 20 decibéis nível de audição (dBNA) nas freqüências de 500, 1000 e 2000 Hz, em ambas orelhas.

3. Apresentar qualidade vocal entre zero e um no item grau de disfonia, na escala GRBAS13.

4. Apresentar grau de acometimento da linguagem entre zero e um na escala de Webster14 de avaliação de comprometimento pela DP.

5. Apresentar grau de acometimento geral entre os estágios um e dois da escala de Hoehn e Yahr15.

6. Fazer uso de L-Dopa como medida de tratamento farmacológico.

7. Idade entre 60 e 75 anos.

Critérios de exclusão para o Grupo Parkinson

Foram considerados inaptos os indivíduos que não se enquadraram nos itens 1 a 7.

Grupo Controle

Foram selecionados 16 indivíduos (8 mulheres e 8 homens) sem queixas auditivas ou vocais, com idades entre 60 e 75 anos, posteriormente avaliados segundo os itens 2 e 3 como critério de inclusão para este grupo.

Procedimentos

Avaliação auditiva


Realizada audiometria tonal nas freqüências de 500, 1000 e 2000Hz em ambas as orelhas.

Avaliação vocal perceptiva

Feita avaliação segundo as escalas GRBAS e de Webster por três fonoaudiólogas e dois otorrinolaringologistas, seguida da classificação em cada uma dessas escalas, com concordância de pelo menos quatro avaliadores.

Captação da voz

A voz foi captada diretamente do computador através do gravador de voz do Windows®, com o microfone posicionado lateralmente e a cinco centímetros de distancia da boca do individuo16. Cada participante foi submetido à emissão da vogal /a/, modal, sem controle de tempo, nas seguintes situações: sem mascaramento auditivo, com mascaramento auditivo por ruído de banda larga do tipo "white noise", binaural, simultâneo de 40, 70 e 90 decibéis nível de sensação (dBNS)17.

Análise acústica

Os dados coletados foram submetidos à análise acústica pelo programa voxmetria®, sendo analisada a variação do volume em dB e da freqüência fundamental em Hz da emissão vocal, antes e depois do mascaramento auditivo, bem como a estabilidade, tanto da freqüência quanto da intensidade, avaliada indiretamente pelo desvio padrão ocorrido dentro de cada emissão.

Análise Estatística dos Dados

Para cada parâmetro analisado, foram avaliados os seguintes fatores: a interferência da intensidade do mascaramento auditivo, o comportamento dos grupos controle e Parkinson, o comportamento dos sexos masculino e feminino, a diferença entre os grupos controle e Parkinson, a diferença entre os sexos masculino e feminino, o comportamento dos fatores sexo e grupo quando avaliados simultaneamente.

As comparações realizadas entre os grupos Parkinson e controle foram expressas como média e analisadas estatisticamente por Análise de Variância de Medidas Repetidas.

Em todos os testes foi utilizado um nível de significância de 5% (p £0,05).


RESULTADOS

Intensidade


As Tabelas 1 e 2 mostram que a intensidade de emissão vocal varia de acordo com a intensidade de mascaramento (p<0,001), tendendo a aumento não-linear (p<0,001). Esse aumento não é influenciado pelo grupo (p=0,066) e nem pelo sexo (p=0,683). Não há diferença de comportamento entre os sexos (p=0,240) e nem entre os grupos (p=0,430), Quando comparados ambos os grupos e sexos simultaneamente, o comportamento se mostra semelhante (p=0,826). Tais resultados mostram que, independente do grupo estudado ou do sexo, a tendência é sempre de aumento de intensidade. Os Gráficos representados nas Figuras 1, 2 e 3 apresentam o comportamento da intensidade da emissão vocal nos grupos controle e Parkinson, bem como os sexos masculino e feminino.







Figura 1. Intensidade de emissão vocal (dB), de acordo com a intensidade de mascaramento auditivo, nos grupos Controle e Parkinson.


Figura 2. Intensidade de emissão vocal (dB), de acordo com a intensidade de mascaramento auditivo, grupo Controle, sexo masculino e feminino.


Figura 3. Intensidade de emissão vocal (dB), de acordo com a intensidade de mascaramento auditivo, grupo Parkinson, sexo masculino e feminino.



Estabilidade da intensidade dentro de cada emissão vocal

Esse parâmetro foi avaliado indiretamente através do desvio padrão da intensidade dentro de cada emissão vocal.

As Tabelas 3 e 4 mostram que o desvio padrão da intensidade dentro de cada emissão vocal varia de acordo com a intensidade de mascaramento (p<0,001), tendendo a diminuição de maneira não-linear (p<0,001). Essa diminuição não é influenciada pelo grupo (p=0,557) e nem pelo sexo (p=0,807). Não há diferença de comportamento entre os sexos (p=0,180) e nem entre os grupos (p=0,776). Quando comparados ambos os grupos e sexos de simultaneamente, o comportamento se mostra semelhante (p=0,460). Assim, os resultados mostram uma tendência à estabilidade, com uma emissão vocal mais uniforme no âmbito da intensidade. Os Gráficos representados nas Figuras 4, 5 e 6 apresentam o comportamento do desvio padrão da intensidade em cada emissão vocal, nos grupos controle e Parkinson, bem como nos sexos masculino e feminino.







Figura 4. Desvio padrão da intensidade de emissão vocal (dB), de acordo com a intensidade de mascaramento auditivo, grupos Controle e Parkinson.


Figura 5. Desvio padrão da intensidade de emissão vocal (dB), de acordo com a intensidade de mascaramento auditivo, grupo controle, sexo masculino e feminino.


Figura 6. Desvio padrão da intensidade de emissão vocal (dB), de acordo com a intensidade de mascaramento auditivo, grupo Parkinson, sexo masculino e feminino.



Freqüência de emissão vocal

As Tabelas 5 e 6 mostram que a freqüência de emissão vocal varia de acordo com a intensidade de mascaramento (p<0,001), tendendo a aumento não-linear (p<0,001). Esse aumento não é influenciado pelo grupo (p=0,747) e nem pelo sexo (p=0,640). Há diferença de comportamento entre os sexos (p<0,001), sendo mais elevada no sexo feminino. A análise de variância de medidas repetidas sugere diferença entre os grupos (p=0,056), sendo mais elevada no grupo Parkinson. Quando comparados ambos os grupos e sexos simultaneamente, o comportamento mostra-se semelhante (p=0,201). Esse resultado significa que, em ambos os grupos e sexos, há um aumento da freqüência da emissão vocal durante a exposição ao mascaramento auditivo. O comportamento nos grupos controle e Parkinson, bem como nos sexos masculino e feminino, pode ser visualizado nos Gráficos representados nas Figuras 7, 8 e 9.







Figura 7. Freqüência de emissão vocal (Hz), de acordo com a intensidade de mascaramento auditivo, grupos Controle e Parkinson.


Figura 8. Freqüência de emissão vocal (Hz), de acordo com a intensidade de mascaramento auditivo, grupo controle, sexo masculino e feminino.


Figura 9. Freqüência de emissão vocal (Hz), de acordo com a intensidade de mascaramento auditivo, grupo Parkinson, sexo masculino e feminino.



Estabilidade da freqüência dentro de uma cada emissão vocal

Esse parâmetro foi avaliado indiretamente através do desvio padrão da freqüência dentro de cada emissão vocal.

As Tabelas 7 e 8 mostram que o desvio padrão da freqüência dentro de cada emissão vocal varia de acordo com a intensidade de mascaramento (p<0,001), tendendo à diminuição não-linear (p<0,001). Essa diminuição ocorre de maneira diferente nos diferentes grupos (p=0,012) e sexos (p=0,002). Essa diferença de comportamento não permite testar as diferenças entre os grupos controle e Parkinson e entre os sexos masculino e feminino. É possível sugerir que há uma tendência à estabilidade da freqüência de emissão vocal. Os Gráficos representados nas Figuras 10, 11 e 12 mostram comportamento diferente entre os grupos controle e Parkinson, assim como entre os sexos masculino e feminino em ambos os grupos.







Figura 10. Desvio padrão da freqüência de emissão vocal (Hz), de acordo com a intensidade de mascaramento auditivo, grupos Controle e Parkinson.


Figura 11. Desvio padrão da freqüência de emissão vocal (Hz), de acordo com a intensidade de mascaramento auditivo, grupo Controle, sexo masculino e feminino.


Figura 12. Desvio padrão da freqüência de emissão vocal (Hz), de acordo com a intensidade de mascaramento auditivo, grupo Parkinson, sexo masculino e feminino.



DISCUSSÃO

O controle neural da voz envolve a integração do sistema motor somático e o sistema límbico, envolvendo fibras que caminham desde o córtex, passando pelos núcleos da base e também pela substância negra mesencefálica18. Os núcleos da base desempenham importante papel na modulação dos impulsos corticais19. Essa modulação diminui na DP, decorrente da degeneração da substância negra presente na base do mesencéfalo, envolvendo não somente os neurônios dopaminérgicos, mas outras estruturas produtoras de serotonina, noradrenalina e acetilcolina na gênese da doença. As zonas afetadas têm funções de controle motor extra-piramidal, ou seja, elas controlam os movimento inconscientes como por exemplo os dos músculos da face (da comunicação emocional inconsciente). Além disso, esses neurônios modificam os comandos conscientes básicos vindos dos neurônios corticais motores de forma a executar os movimentos de forma suave e sem perder o equilíbrio. Também é esse sistema extra-piramidal que impede que haja contração e relaxamento contínuo e esses eventos interferem diretamente na produção da voz20,21.

Dessa forma, as alterações da voz e da fala, conhecidas como disartrofonia, constituem importante conjunto de sinais e sintomas na DP. Os métodos tradicionais de tratamento fonoterápico não se mostram eficazes para tratar essas alterações6. Atualmente o LSVT® tem sido a técnica mais utilizada e com melhores resultados6,21. Alguns autores têm proposto alternativas para melhora desses pacientes11,12,22, porém o único método estatisticamente provado como eficaz ainda é o LSVT® 21.

Esse leque limitado de alternativas foi o principal incentivador desse estudo, além do que, o método proposto é de simples aplicação e no futuro pode ser mais bem aprimorado e utilizado como triagem na seleção de pacientes para terapia, indicando, por exemplo, aqueles com melhor prognóstico.

Discussão dos resultados

Para facilitar a discussão dos resultados, cada parâmetro foi analisado separadamente.

Intensidade de emissão vocal

A intensidade de emissão aumentou nos dois grupos avaliados e em ambos os sexos, indo de encontro com a literatura9,11,23,24,25. Esse aumento foi progressivo e proporcional ao aumento do mascaramento oferecido, isto é, quanto mais intenso o mascaramento, maior a intensidade de emissão vocal, concordando com estudos previamente realizados (Figura 1, Figura 2, Figura 3)9,11,12,26-30.

Porém, o volume inicial médio de emissão pré-mascaramento auditivo mostrou-se diminuído no grupo Parkinson em relação ao grupo controle (Figura 1), confirmando a hipofonia como importante característica nesses indivíduos3,5,6,11,12,31.

Todos os indivíduos do grupo Parkinson faziam uso de levodopa ou agonistas dopaminérgicos como medida farmacológica. Não há consenso na literatura quanto à melhora da voz com uso de levodopa e agonistas dopaminérgicos. Alguns artigos sugerem que o tratamento farmacológico não promove melhora significativa nas características vocais31,32. Outros sugerem que as melhoras na fala decorrentes da medicação ocorrem principalmente nos sintomas relacionados com a articulação e postura, considerados dependentes de dopamina, sendo pouco sentidas nos parâmetros como tremor5,33. Há aqueles que defendem que o tratamento farmacológico promove melhoras significativas na fala34,35. Em nosso estudo, embora tenha havido aumento da intensidade da voz, tanto de maneira percepto-auditiva quanto através de análise acústica, a intensidade de emissão no grupo Parkinson foi menor, sugerindo que o fator "tratamento farmacológico", embora possa promover melhoras na voz, não é suficiente para normalizar os padrões.

Os resultados sugerem que, da mesma forma que a terapia vocal, o objetivo de aumento de intensidade da voz é atingido através da utilização do EL6,11,12,21,22,36.

Estabilidade da Intensidade de emissão vocal

Esse parâmetro foi aferido indiretamente através da medida do desvio padrão da intensidade dentro de cada emissão vocal. Em ambos os grupos tendeu à diminuição, variando proporcionalmente em relação à intensidade de mascaramento. Isto é, quanto mais intenso o mascaramento, menor o desvio padrão da emissão vocal. Não houve diferença de comportamento entre os grupos Parkinson e controle. Visualmente é possível perceber esses achados (Figura 4).

Tais achados sugerem que o aumento da intensidade de emissão vocal melhora a estabilidade quanto ao parâmetro intensidade, e essa melhora foi semelhante nos dois grupos. No caso do indivíduo com DP é um achado importante, já que uma das características desse grupo é a dificuldade de manutenção da estabilidade da emissão vocal durante a fala4,5.

Na literatura não há trabalhos descrevendo a utilização desse parâmetro de análise. Assim, os comentários aqui feitos foram baseados nos achados da análise acústica e também percepto-auditiva, além da análise estatística dos dados.

Freqüência de emissão vocal

A freqüência de emissão aumentou nos dois grupos avaliados e em ambos os sexos. Esse aumento foi progressivo e proporcional ao aumento do mascaramento oferecido, isto é, quanto mais intenso o mascaramento, maior a intensidade de emissão vocal refletindo numa freqüência fundamental mais elevada e uma maior energia de emissão vocal37. A freqüência média de emissão foi maior no sexo feminino, não confirmando os achados de Holmes et al.5, nos quais foram observadas diminuição da freqüência fundamental nas mulheres e aumento nos homens. Os achados percepto-auditivos conferem com os resultados da análise acústica, discordando também dos achados de Holmes et al.5. Uma hipótese que poderia explicar essa discordância é o fato de os pacientes deste estudo se encontrarem em estágios iniciais da doença enquanto que os do trabalho citado pertenciam a vários estágios da doença.

Com relação à freqüência fundamental nesses pacientes, a literatura é escassa, mostrando que o principal interesse na voz desses é a intensidade de emissão, seguida das alterações que marcam sua instabilidade. Nesse sentido, foi importante a avaliação da estabilidade da freqüência de emissão vocal nos pacientes com DP.

Estabilidade da Freqüência de Emissão Vocal

Assim como ocorreu com a estabilidade da intensidade de emissão vocal, esse parâmetro foi avaliado indiretamente através do desvio padrão da freqüência fundamental dentro de cada emissão vocal. Em ambos os grupos, esse parâmetro tendeu à diminuição, variando proporcionalmente em relação à intensidade de mascaramento. Isto é, quanto mais intenso o mascaramento, menor o desvio padrão da freqüência de emissão vocal. Porém, a diferença de comportamento não permitiu testar as diferenças entre os grupos controle e Parkinson e entre os sexos. É possível sugerir que há uma tendência à estabilidade da freqüência de emissão vocal.

Os comentários aqui feitos foram baseados através da avaliação dos Gráficos (Figura 10) que representa as análises do parâmetro testado, avaliando o comportamento dos grupos Parkinson e controle.

O Gráfico (Figura 10) mostra que a curva no grupo controle tende a ser mais plana, o que sugere maior estabilidade da freqüência na emissão vocal nesse grupo. No grupo Parkinson, os valores começam elevados e tendem a se estabilizar após o mascaramento com 70dBNS. Essa estabilidade é importante para melhora global da voz desses pacientes4,5.

A literatura não dispõe de trabalhos descrevendo a utilização desse parâmetro de análise. Os comentários aqui feitos foram baseados nos achados da análise acústica e também perceptivo-auditiva, além da análise estatística dos dados.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Se pensarmos que a fala é o espelho de nossa personalidade, única em suas vibrações, tons e musicalidade, fica fácil de entender quanto essas alterações interferem nas atividades de vida diária desses pacientes e no convívio social. Entretanto, os meios especificamente criados para a melhora da linguagem desses pacientes ainda são limitados, restringindo-se atualmente ao LSVT®. O tratamento cirúrgico ainda está longe do nosso dia-dia. A "Deep Brain Stimulation", cujo objetivo é diminuir a atividade do globo pálido, núcleo subtalâmico e o tálamo, surge como grande promessa para esses pacientes38. Os resultados pós-operatórios têm sido bastante animadores, mostrando melhora importante na voz, apontando para um novo horizonte terapêutico39-42. Porém, temos que levar em conta que essa tecnologia não está ao alcance da grande maioria desses pacientes, principalmente num país em desenvolvimento como o Brasil. Daí a importância em desenvolver técnicas inovadoras e acessíveis que auxiliem na avaliação e no tratamento dos sintomas vocais nesse grupo. Estudos como os de Adams, Lang 11, de Angelis et al.22 e Ho et al.12 são importantíssimos pois, além de abrirem os horizontes para novas perspectivas terapêuticas, têm sido incentivadores para novos estudos na busca de uma qualidade de vida melhor para esse grupo.


CONCLUSÃO

O Efeito Lombard promove aumento significativo na intensidade e na freqüência fundamental de emissão vocal dos indivíduos com Doença de Parkinson. Os resultados também sugerem uma melhora da estabilidade da emissão vocal, tanto com relação à intensidade como com relação à freqüência fundamental. Quando comparados os resultados entre grupo Controle e Parkinson, ambos apresentam comportamento semelhante, sugerindo que o EL ocorre nos dois grupos aparentemente da mesma maneira.


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1 Mestre em Otorrinolaringologia, Médico Otorrinolaringologista.
2 Doutor em Otorrinolaringologia, Docente do Departamento de Otorrinolaringologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
3 Especialista em Voz, Fonoaudióloga do Centro de Estudos da Voz.
Departamento de Otorrinolaringologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
Endereço para correspondência: A. Quedas - Rua Maestro João Gomes de Araújo 50 cj 33 Santana São Paulo SP 02332-020.
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Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBORL em 8 de agosto de 2006. cod. 3324.
Artigo aceito em 23 de setembro de 2006.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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