ISSN 1806-9312  
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3566 - Vol. 73 / Edição 5 / Período: Setembro - Outubro de 2007
Seção: Artigo Original Páginas: 660 a 670
Processo de adaptação de próteses auditivas em usuários atendidos em uma instituição pública federal - parte II: resultados dos questionários de auto-avaliação
Autor(es):
Carine Dias de Freitas 1, Maristela Julio Costa 2

Palavras-chave: handicap auditivo, incapacidade auditiva, prótese auditiva, questionários

Keywords: hearing handicap, hearing disability, hearing aid, questionnaire

Resumo: Uma reabilitação eficiente deve reduzir os efeitos da deficiência sobre as habilidades auditivas e comunicativas do indivíduo e aumentar o bem-estar psicossocial. Objetivos: Verificar a viabilidade do uso de questionários de auto-avaliação e comparar os resultados da protetização em usuários de uma instituição pública federal, com e sem queixas relacionadas às características da amplificação. Material e Método: 25 indivíduos, de 13 a 77 anos de idade, usuários de próteses auditivas. Foram aplicados os questionários de auto-avaliação HHIE-S/HHIA (Hearing Handicap Inventory for the Elderly Screening Version ou for Adult) e APHAB (Abbreviated Profile of Hearing Aid Benefit), nos indivíduos sem (Grupo 1) e com queixas relacionados às características da amplificação (Grupo 2). Resultados: Diferenças significantes não foram encontradas entre os grupos nos protocolos HHIE-S/HHIA e APHAB, exceto na subescala facilidade de comunicação do APHAB, onde o Grupo 1 obteve melhor benefício. Também evidenciou-se redução significativa da incapacidade auditiva com o uso das próteses em situações favoráveis de comunicação, ambientes reverberantes e na presença de ruído ambiental para ambos os grupos. Conclusão: Os questionários revelaram ser excelentes preditores das dificuldades enfrentadas pelos usuários, e diferenças significantes foram encontradas em situações favoráveis de comunicação, onde o grupo sem queixas obteve melhor benefício.

Abstract: An efficient rehabilitation must be able to reduce impairment effects over the auditory and communication skills of individuals and promote psychosocial well being. Aims: check the feasibility of using self-assessment questionnaires and compare the results achieved by hearing aid fitting in users from a federal public institution, with and without complaints related to hearing amplification characteristics. Materials and Methods: 25 individuals, from 13 to 77 years of age, users of hearing aids. The HHIE-S/HHIA (Hearing Handicap Inventory for the Elderly Screening Version or for Adult) and APHAB (Abbreviated Profile of Hearing Aid Benefit) self-assessment questionnaires used with individuals without (Group 1) and with complaints related to amplification characteristics (Group 2). Results: we did not find significant differences between the HHIE-S/HHIA and APHAB groups; except in APHAB's ease of communication item, where Group 1 seemed to benefit more. Moreover, we noticed a significant reduction in hearing disability with the use of hearing aids in favorable communication situations, noisy environments for both groups. Conclusion: these questionnaires proved to be valuable for predicting the difficulties faced by the users, and significant differences were found in favorable communication situations, where the group without complaints had the most benefit.

INTRODUÇÃO

O processo de seleção e adaptação de próteses auditivas, assim como o seu uso efetivo, são fundamentais para dar início à reabilitação. Para que esta seja considerada eficiente, deve ser capaz de reduzir os efeitos da deficiência sobre as habilidades auditivas e comunicativas do indivíduo, isto é, as suas incapacidades auditivas, e aumentar o seu bem-estar psicossocial, amenizando desta forma as desvantagens impostas pela deficiência ou pela incapacidade auditiva, denominado handicap auditivo, termo mundialmente utilizado pelos pesquisadores e adotado neste estudo. Além disso, estas melhoras funcionais devem permanecer ao longo do tempo1.

Para avaliar os resultados da intervenção, a literatura tem descrito tanto procedimentos objetivos, envolvendo medidas in situ, ganho funcional e tarefas formais de reconhecimento de fala, como subjetivos, os quais podem evidenciar, ao mesmo tempo, o reconhecimento de fala e outros aspectos da vida, como as dificuldades experimentadas nas situações de comunicação em atividades diárias. Desta forma, é possível verificar se o processo de intervenção possibilitou um decréscimo das incapacidades ou do handicap auditivo, assim como verificar a aceitação e satisfação com o uso da prótese2.

Para investigar o desempenho do indivíduo ou a percepção das mudanças que possam ocorrer ao longo do tempo, seja nas atividades de escuta propriamente ditas, favoráveis ou não, ou no relacionamento social e emocional, a utilização de instrumentos como entrevistas e questionários são imprescindíveis, uma vez que se utilizando questionários de auto-avaliação das incapacidades ou do handicap auditivo obtêm-se medidas subjetivas baseadas no julgamento ou na percepção do próprio usuário3.

Como referido na primeira parte deste estudo, embora várias pesquisas tenham sido realizadas com usuários de próteses auditivas, poucas são as designadas a avaliar usuários adaptados via Sistema Único de Saúde. Com isso, a segunda parte deste estudo teve como objetivo:

1. verificar a viabilidade do uso de questionários de auto-avaliação em pacientes de uma instituição pública federal;

2. comparar os resultados da protetização de usuários com e sem queixas relacionadas às características da amplificação.


MATERIAL E METODOLOGIA

Este estudo foi aprovado pela Comissão de Ética do Gabinete de Projetos do Centro de Ciências da Saúde - CCS da UFSM, parecer nº 112/2004. Todos os indivíduos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para participar desta pesquisa.

Foram entrevistados, conforme descrito no estudo anterior, 31 indivíduos protetizados no Laboratório de Próteses Auditivas da Universidade Federal de Santa Maria, por meio do Convênio celebrado entre a Secretaria da Saúde do Estado do Rio Grande do Sul e a Universidade Federal de Santa Maria, com a finalidade de estabelecer ações conjuntas visando à concessão de próteses auditivas, para atendimento aos usuários do Sistema Único da Saúde, portadores de deficiência auditiva, sob o Número 051/2000 assinado em 29/12/2000 e publicado no diário oficial no dia 08/02/2001, com base na Portaria 432 do Ministério da Saúde.

Após entrevista, iniciaram-se as avaliações dos resultados da intervenção por meio de medidas subjetivas, ou seja, questionários de auto-avaliação, os quais permitiram verificar as dificuldades experimentadas nas situações de comunicação em atividades diárias.

Foram excluídos os casos de devolução das próteses auditivas (2) e/ou que apresentaram patologias associadas (4), os quais poderiam interferir nos resultados das avaliações.

O grupo de estudo ficou composto por 25 usuários, 13 do sexo feminino e 12 do masculino, com idades entre 13 e 77 anos, sendo todos portadores de perda auditiva neurossensorial ou mista bilateral simétrica de graus moderado a moderadamente severo, adaptados bilateralmente com próteses auditivas digitais ou analógicas programáveis via computador.

Para avaliação das dificuldades de comunicação e das conseqüências sociais e emocionais da deficiência auditiva nestes usuários foram aplicados, em período pós adaptação, dependendo da idade, os questionários de Auto-avaliação do Handicap Auditivo para Idosos: Hearing Handicap Inventory for the Elderly Screening Version - HHIE-S (Anexo I), versão reduzida, desenvolvido em 19824 e adaptado para o português em 19975e o Hearing Handicap Inventory for Adults - HHIA (Anexo II) para Adultos6, adaptado para o português em 19982.






O HHIE-S e o HHIA são questionários compostos por duas escalas: uma Social/Situacional e outra Emocional. A primeira tem como finalidade identificar o impacto da perda auditiva sobre as atividades desempenhadas pelo indivíduo, enquanto que a segunda avalia a atitude e a resposta emocional ao déficit de audição.

O HHIE-S é uma versão reduzida do HHIE4, sendo mais rápido e de mais fácil compreensão para ser aplicado em deficientes auditivos idosos, composto por 10 perguntas divididas em cinco itens para cada escala. Já o HHIA foi desenvolvido a partir do HHIE para ser aplicado em deficientes auditivos com idade inferior a 65 anos, composto por 25 itens, sendo 12 deles correspondentes à escala Social/Situacional e outras 13 relacionadas à Emocional. Todos os indivíduos com idade inferior a 65 anos responderam o protocolo adaptado para a língua portuguesa brasileira HHIA não excluindo adolescentes e jovens, pois estes são os únicos protocolos equivalentes para serem aplicados em diferentes populações segundo faixa etária.

Os índices do HHIA são idênticos aos do HHIE-S. Todos os usuários foram solicitados a responder "sim" (4 pontos), "às vezes" (2 pontos) ou "não" (nenhum ponto) para cada questão. As respostas obtidas na condição com próteses auditivas foram analisadas e as pontuações encontradas por escala e total padronizadas, ou seja, transformadas em índices percentuais, indicando seu desempenho para esta condição. O valor da pontuação poderia variar de 0 a 100%, sendo que quanto maior o índice obtido, maior auto percepção do handicap. Resultados inferiores a 16% representam não haver percepção do handicap, de 18 a 42% indicam uma percepção leve a moderada e acima de 42%, uma percepção severa ou significativa.

Em um segundo momento, para avaliação do benefício das próteses auditivas foi utilizado o Protocolo Reduzido de Avaliação do Benefício das Próteses Auditivas, Abreviated Profile of Hearing aid Benefit - APHAB7 (Anexo III) adaptado para o português em 19978.




O APHAB é um questionário de auto-avaliação, útil para quantificar a incapacidade associada à perda auditiva e sua redução com o uso da amplificação. É constituído de 24 itens, distribuídos em quatro subescalas, a saber: Facilidade de Comunicação (FC), Reverberação (RV) e Ruído Ambiental (RA), designadas a avaliar a compreensão da fala em diversas situações de vida diária, e ainda Aversão a Sons (AS), a qual quantifica as reações negativas aos sons ambientais. Para cada item foram oferecidas duas opções de respostas, uma "sem as próteses auditivas" e a outra "com as próteses auditivas", sendo possível avaliar tanto o desempenho isolado do indivíduo com e sem prótese, como o benefício fornecido pela amplificação computando-se a diferença entre esses dois índices.

Os usuários foram instruídos a responder o mesmo item de cada subescala, tanto na opção "sem" como na "com próteses auditivas", selecionando a resposta dentre uma escala contínua de sete pontos (A, B, C, D, E, F, G), devendo esta indicar o quão freqüentemente cada afirmação fosse verdadeira. Cada opção de resposta estava associada a um termo descritivo e a um percentual, que são: A "sempre" (99%), B "quase sempre" (87%), C "geralmente" (75%), D "metade das vezes" (50%), E "às vezes" (25%), F "raramente" (12%) e G "nunca" (1%).

As respostas de cada indivíduo para cada uma das subescalas foram analisadas e calculadas através do auxílio de um programa de computador "Phonak Fitting Guideline 8.5", indicando seu desempenho para cada condição "sem" e "com próteses auditivas" e o seu benefício, calculado a partir da diferenças entre as respostas para cada condição.

Para análise dos resultados obtidos, considerando-se cada subescala individualmente, é necessário que ocorra uma diferença mínima de 22% entre os índices sem e com próteses auditivas em pelo menos uma das subescalas para representar uma diferença real entre as duas condições. Já se objetivo for uma avaliação global da amplificação, um índice com prótese auditiva 10% melhor do que sem prótese auditiva nas três subescalas: FC, RV, e RA, representa com certeza uma melhora do desempenho do indivíduo9.

As primeiras perguntas dos questionários foram aplicadas pela examinadora e as seguintes, quando possível, foram respondidas pelo indivíduo sob sua supervisão. Naqueles usuários em que se percebeu algum tipo de dificuldade, seja ao nível de compreensão ou expressão da linguagem escrita, todas as questões foram aplicadas oralmente pela examinadora.

Os indivíduos avaliados foram separados em dois grupos com base nos resultados qualitativos relacionados com o uso da amplificação anteriormente investigados, a seguir:

Grupo 1 (G1) - Sem queixas relacionadas às características da amplificação (N=8).

Grupo 2 (G2) - Com queixas relacionadas às características da amplificação (N=15).

A seguir, os resultados foram analisados estatisticamente, por meio da aplicação de Teste Não-Paramétrico, sendo utilizado o Teste Krukal-Wallis para analisar a ocorrência de diferenças estatisticamente significantes entre as condições sem e com próteses auditivas do questionário APHAB e entre os dois grupos avaliados através do HHIE-S, HHIA e APHAB. O nível de rejeição para a hipótese de nulidade foi fixado em um valor menor ou igual a 5%. Os resultados estatisticamente significantes foram assinalados com um asterisco (*).


RESULTADOS

1. Resultados do Handicap Inventory for the Elderly Screening Version - HHIE-S ou Hearing Handicap Inventory for Adult - HHIA obtidos para o Grupo 1 e 2.

Na Tabela 1 demonstram-se as médias aritméticas, os desvios-padrão e os valores mínimo e máximo dos valores percentuais por escala (Social/Situacional e Emocional) e total, obtidos através da aplicação dos questionários de handicap auditivo HHIE-S ou HHIA (%) em período pós-adaptação, nos Grupos 1 e 2, assim como o resultado da análise estatística.




A Figura 1 ilustra os três graus de percepção do handicap auditivo, segundo a distribuição para os Grupos 1 (N = 8) e 2 (N = 17).


Figura 1 - Distribuição por graus de percepção do handicap auditivo para os Grupos 1 (N=8) e 2 (N=17).



2. Resultados do Abbreviated Profile of Hearing Aid Benefit - APHAB obtidos para o Grupo 1 e 2.

A Tabela 2 apresenta as médias aritméticas, os desvios-padrão e os valores mínimo e máximo dos valores percentuais das dificuldades auditivas para cada subescala: Facilidade de Comunicação (FC), Reverberação (RV), Ruído Ambiental (RA) e Aversão a Sons (AS), obtidos em período pós-adaptação, a partir da aplicação do questionário APHAB, nos integrantes do Grupo 1 (N = 8), para as condições sem e com próteses auditivas, assim como o resultado da análise estatística.




Na Tabela 3 apresentam-se as médias aritméticas, os desvios-padrão e os valores mínimo e máximo dos valores percentuais das dificuldades auditivas para cada subescala Facilidade de Comunicação (FC), Reverberação (RV), Ruído Ambiental (RA) e Aversão a Sons (AS), obtidos em período pós-adaptação, a partir da aplicação do questionário APHAB nos integrantes do Grupo 2, para as condições sem e com próteses auditivas (N = 17), assim como o resultado da análise estatística.




A Tabela 4 evidencia as médias aritméticas, os desvios padrão e os valores mínimo e máximo dos valores percentuais do benefício, proveniente da diferença dos resultados entre as condições sem e com próteses auditivas, para cada subescala Facilidade de Comunicação (FC), Reverberação (RV), Ruído Ambiental (RA) e Aversão a Sons (AS), obtidos em período pós adaptação por meio da aplicação do questionário APHAB (%) nos Grupos 1 e 2, assim como o resultado da análise estatística.




A Figura 2 ilustra a distribuição do benefício por subescalas para os Grupos 1 (N = 8) e 2 (N = 17).


Figura 2 - Distribuição do benefício por sub-escala para os Grupos 1 (N=8) e 2 (N=17).



A Figura 3 evidencia a distribuição do benefício global significante (S) ou não (N) para os Grupos 1 (N = 8) e 2 (N = 17).


Figura 3 - Distribuição do benefício global para os Grupos 1 (N = 8) e 2 (N = 17).



DISCUSSÃO

1. Comentários sobre os resultados do Handicap Inventory for the Elderly Screening Version - HHIE-S ou Hearing Handicap Inventory for Adult - HHIA obtidos para o Grupo 1 e 2.

Verificou-se índice percentual médio da escala total no Grupo 1 de 34,75%, com uma faixa de variação de 4% a 54%. Na escala social/situacional foi encontrado índice médio de 17,50% e na escala emocional de 17,25%. Já o Grupo 2 apresentou índice médio para a escala total de 45,82%, variando de 20% a 95%, sendo que do total, 24,18% correspondem à escala social/situacional e 21,65%, à emocional (Tabela 1).

Diferenças estatisticamente significantes para as escalas social/situacional, emocional e total entre os grupos não foram encontradas, quando comparados os índices de percepção do handicap auditivo. No entanto, evidenciam-se melhores resultados nas escalas social/situacional, emocional e total para os integrantes do Grupo 1 em relação ao Grupo 2, ou seja, há uma menor percepção do handicap auditivo no grupo que não apresentou queixas relacionadas às características da amplificação (Tabela 1). Com isso, verifica se a importância da utilização destes questionários, os quais tornam possível investigar a percepção do paciente sobre as dificuldades de comunicação, auxiliando no monitoramento ao longo do tempo e identificando as reais necessidades auditivas além daquelas possíveis de serem observadas em avaliações audiológicas de rotina10,11.

Dos 8 usuários que compuseram o Grupo 1 deste estudo, 1 (12,5%) não demonstrou auto-percepção do handicap auditivo apresentando escore inferior a 16%, 4 (50%) revelaram uma auto-percepção de leve a moderada correspondente a um intervalo de 18 a 42%, e 3 (37,50%) demonstraram uma auto-percepção significativa do handicap imposto pela deficiência e/ou incapacidade auditiva, com índices superiores a 42% (Figura 1). Enquanto isso, dos 17 indivíduos do Grupo 2, nenhum apresentou uma não-percepção do handicap auditivo3. No entanto, 9 (52,94%) apresentaram uma auto percepção de leve a moderada e 8 (47,02%) um handicap auditivo significativo (Figura 1).

Várias pesquisas foram realizadas no período pós-adaptação com o objetivo de verificar o benefício ao longo do tempo, cujos resultados da auto-percepção do handicap encontrado no decorrer de três anos do uso da amplificação são semelhantes aos encontrados nesta pesquisa, ou seja, uma percepção do handicap auditivo de leve a moderada12-14.

De acordo com os estudos acima, observa-se que o benefício e a satisfação obtidos com o uso da amplificação após um curto intervalo de tempo pode evidenciar uma grande redução do handicap auditivo, isto em função do entusiasmo e grandes expectativas do usuário, contudo uma real melhora do desempenho, capaz de avaliar as limitações da amplificação, deve ser obtida com um tempo de adaptação de pelo menos três meses, devendo permanecer e estabilizar-se ao longo do tempo.

Assim, o acompanhamento do paciente poderia mostrar de fato a eficácia do tratamento, do mesmo modo verificar se amplificação continuaria ser considerada benéfica ou não1. Dessa forma, estes instrumentos, entre as suas várias utilidades, pode ser considerado útil para verificar os problemas de comunicação e/ou as conseqüências psicossociais da perda de audição que permanecem, mesmo com o uso da amplificação, auxiliando no processo de adaptação, o qual não termina após a verificação dos resultados, mas perdura ao longo do tempo.

2. Comentários sobre os resultados do Abbreviated Profile of Hearing Aid Benefit - APHAB obtidos para o Grupo 1 e 2.

Observa-se nas Tabelas 2 e 3 os índices percentuais médios obtidos a partir da aplicação do questionário APHAB para cada subescala, na condição sem prótese auditiva, os quais foram para o Grupo 1: 77,5% (FC), 63,75% (RA), 71,63% (RV) e 21,25% (AS), e para o Grupo 2: 68,65% (FC), 71,06% (RA), 67,18% (RV) e 10,94% (AS). Por sua vez, para a condição com próteses auditivas, no Grupo 1, os índices percentuais médios observados foram menores nas subescalas, a saber: 8,87% (FC), 26,63% (RA), e 23,25% (RV). O mesmo não ocorreu na subescala AS, em que se obteve pior resultado na condição com próteses auditivas igual a 30,5% (Tabela 2). Em relação ao Grupo 2, os índices médios para a condição com próteses auditivas foram também menores para as subescalas FC, RA e RV, apresentando índices iguais a 9,06%, 32,94% e 27,29%, respectivamente. Já a subescala AS apresentou resultados maiores na condição com próteses auditivas, revelando índice percentual médio igual a 30,18% (Tabela 3).

Portanto, diferenças estatisticamente significantes entre os resultados obtidos sem e com próteses auditivas, para as subescalas FC, RV e RA foram encontradas para ambos os grupos (Tabela 2 e 3), sendo que o desempenho foi melhor na condição com próteses auditivas. No entanto, para a subescala AS, a qual engloba aspectos negativos em relação à percepção dos sons ambientais, não se verificou diferença estatisticamente significante para o Grupo 1 entre as duas condições (Tabela 2), enquanto que o Grupo 2 revelou diferença estatisticamente significante entre as duas condições (Tabela 3), porém o desempenho foi pior na condição com próteses auditivas.

Tais resultados podem ser esperados, visto que a adaptação das próteses auditivas facilita a comunicação verbal em situações favoráveis e até mesmo em condições não muito agradáveis de comunicação, contudo índices elevados ou apenas uma piora discreta da subescala AS com o uso das próteses auditivas podem ser justificados pelo fato de os sinais acústicos tornarem-se mais intensos com o uso da amplificação, promovendo, por vezes, reações negativas aos sons ambientais. Achados semelhantes a estes foram encontrados em vários estudos7,2,15.

O benefício refletido pelo uso da amplificação foi calculado a partir das diferenças entre as respostas do questionário APHAB, para as condições sem e com próteses auditivas. Os valores positivos de benefício significam que foi percebido um melhor do desempenho com o uso das próteses auditivas do que sem as mesmas. Contrariamente, valores negativos evidenciam uma percepção de um desempenho pior com próteses auditivas do que sem o uso das mesmas.

No Grupo 1, encontraram-se valores de benefício de 68,62% (FC), 48,38% (RA), 37,12% (RV) e -9,25% (AS) e no Grupo 2, verificou-se índices de 39,59% (FC), 39,88% (RA), 38,12% (RV) e -28,18% (AS), evidenciando desta maneira uma redução significativa da incapacidade auditiva com o uso das próteses em situações favoráveis de comunicação (FC), em ambientes reverberantes (RV) e na presença de ruído ambiental (RA) para ambos os grupos. Como referido anteriormente, em situações negativas de percepção dos sons ambientais, o desempenho com o uso das próteses auditivas foi pior para ambos os grupos, confirmado pelos índices negativos de benefício na subescala AS (Tabela 4).

A análise dos resultados mostrou diferenças estatisticamente significantes entre os Grupos 1 e 2 apenas na subescala FC, tendo o Grupo 1 apresentado melhores resultados. Entretanto, nas situações de comunicação verbal não-favoráveis, observou-se resultados de benefício melhores na subescala RV para o Grupo 1 do que para o Grupo 2, e resultados semelhantes entre os dois grupos na subescala RA (Tabela 4).

Na subescala AS, não foram encontradas diferenças estatisticamente significantes entre os índices médios dos Grupos 1 e 2, contudo salienta-se que o Grupo 1 foi o que apresentou resultados menores, sugerindo que as queixas relacionadas às características da amplificação apresentadas pelo Grupo 2 influem no desempenho com as próteses auditivas em situações de sons ambientais de forte intensidade, pois muitas das queixas referidas estavam relacionadas à intensidade forte de ajuste, dores de cabeça e desconforto aos sons.

Diferentes pesquisas16-23 foram realizadas buscando investigar e comparar o benefício obtido por meio da aplicação de questionários de auto-avaliação com diferentes tecnologias de próteses auditivas e características eletroacústicas, mas nenhum deles havia relacionado às queixas de usuários de próteses auditivas em período pós-adaptação com os resultados encontrados neste protocolo de auto-avaliação das incapacidades auditivas.

Apesar disso, ao confrontar os resultados do benefício por subescala deste estudo com os de algumas pesquisas, as quais avaliaram usuários experientes, encontrou-se, tanto para os usuários do Grupo 1 como do Grupo 2, resultados semelhantes de benefício igual a 35%7e 41,42%2. Já na subescala RA, os resultados deste estudo são superiores quando comparados aos encontrados no primeiro estudo citado, sendo igual a 30%. Logo quando comparados ao segundo, o qual encontrou índice igual a 36,74%, o Grupo 1 apresentou resultados superiores enquanto o Grupo 2 resultados semelhantes. Em situações favoráveis de comunicação apenas o Grupo 2 apresentou benefício semelhante a 42,89%2, sendo superiores quando comparados a 31%7. Já o Grupo 1 apresentou benefício muito superior aos acima referidos. Acredita se que isso esteja relacionado ao fato de o Grupo 1 encontrar-se bem adaptado e sem queixas relacionadas às características de amplificação.

Verificou-se resultados negativos nos estudos acima referidos em relação à subescala de aversão a sons, sendo piores aos encontrados neste estudo quando comparados com o Grupo 1 e quando comparados com o Grupo 2 são semelhantes a -30%7 e superiores a -18,11%2.

Recomenda-se que os índices da subescala AS sejam os mais baixos possíveis, isto é, próximos a zero, indicando que os sons amplificados pelas próteses auditivas não sejam desconfortavelmente intensos, pois se acredita que esta subescala possa fornecer informações a respeito da adequação da saída máxima das próteses auditivas, embora novas investigações sejam necessárias para utilizá-la de forma adequada e precisa9. Com isso, explica-se o fato de o Grupo 1 ter apresentando índices mais próximos a zero do que o Grupo 2, já que não apresenta queixas relacionadas às características da amplificação, diferentemente do Grupo 2, que provavelmente em função das queixas referidas apresentou valores negativos superiores, distantes do ideal.

Ao realizar uma análise individual dos resultados do benefício9, observou-se uma diferença superior a 22%, evidenciando um benefício significativo por subescala em 100% (8), 87,5% (7) e 62,5% (5) dos usuários do Grupo 1 nas respectivas subescalas FC, RV e RA. Por outro lado, nenhum benefício significativo foi obtido na subescala AS para este grupo. Já 83,33% (15) dos usuários do Grupo 2 apresentaram benefício efetivo para as subescalas FC e RA, 72,23% (13) para a RV, 5,56% (1) para a subescala AS (Figura 2).

Na avaliação Global, uma real melhora do desempenho, ou seja, um índice com prótese auditiva 10% melhor do que o índice sem prótese auditiva nas três subescalas FC, RV, e RA foi verificado em 75% (6) dos integrantes do Grupo 1, pois dois usuários obtiveram benefício inferior a 10% somente em uma das subescalas (RV ou RA), assim como verificou-se um benefício superior a 10% em 82,35% (14) dos indivíduos que compuseram o Grupo 2, tendo os outros dois apresentado índices inferiores apenas na subescala RV, e um terceiro sem benefício significativo nas três subescalas (Figura 3).

Assim, o questionário APHAB demonstrou ser um excelente instrumento não somente para a avaliação do benefício obtido com o uso da amplificação, mas também para prever e confirmar o desempenho do usuário frente às dificuldades de comunicação em diferentes situações, as quais ainda permanecem mesmo com o uso da amplificação, podendo desta forma auxiliar no ajuste da amplificação ao longo do processo, pois como se pode observar neste estudo, o progresso da reabilitação está diretamente ligado às expectativas e a percepção do próprio usuário, sendo este peça fundamental no processo de adaptação de próteses auditivas.

O processo de adaptação de próteses auditivas visa, sumariamente, oferecer a amplificação dos sons ambientais e principalmente os sons da fala de forma satisfatória e adequada. Contudo, mesmo com o uso da amplificação, algumas dificuldades de comunicação podem permanecer na dependência do tipo, grau e configuração da perda auditiva, assim como das incapacidades e handicap auditivo experimentado pelo paciente. Portanto, tais aspectos não devem ser apenas levados em consideração, mas questionados juntamente com o futuro usuário, para que uma expectativa acentuada com a reabilitação não venha a prejudicar o real benefício obtido com o uso da amplificação.

Mais uma vez, salienta-se a utilização destes protocolos em período pré e pós adaptação, pois revelaram ser excelentes preditores das dificuldades enfrentadas pelos usuários de próteses auditivas, assim como puderam auxiliar no ajuste da prótese, com base na própria percepção do usuário, porém de forma quantificada e padronizada, pois muitas vezes, por meio de questionamentos espontâneos, estes usuários sentem-se intimidados ou incapazes de revelar suas próprias dificuldades.

Da mesma forma, mesmo que os valores prescritos de ganho acústico forem atingidos ou os testes de reconhecimento de fala evidenciarem uma melhora no reconhecimento de fala, os questionários de auto-avaliação devem ser aplicados, visto que um aumento da audibilidade e/ou do reconhecimento da fala não garantem uma redução da incapacidade auditiva ou do handicap experimentado. Considera-se ainda, que a etapa de orientação e aconselhamento, assim como o acompanhamento ao longo do tempo, é imprescindível para assegurar o sucesso da reabilitação, amenizando as dificuldades que possam eventualmente lentificar o progresso da intervenção.


CONCLUSÃO

Ao término deste estudo, a apreciação crítica dos resultados permitiu concluir que:

1. os questionários de auto-avaliação revelaram ser excelentes preditores das dificuldades enfrentadas pelos usuários de próteses auditivas, assim como, puderam auxiliar no ajuste da prótese;

2. diferenças significantes entre os grupos estudados nos protocolos de auto avaliação HHIE S e HHIA, bem como no APHAB não foram encontradas, exceto na subescala facilidade de comunicação, onde o Grupo 1, sem queixas relacionadas às características da amplificação, obteve melhor benefício.


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1 Mestre em Ciências dos Distúrbios da Comunicação Humana pela Universidade Federal de Santa Maria - UFSM/RS, Fonoaudióloga Professora Substituta do Curso de Fonoaudiologia da Universidade Federal de Santa Maria - UFSM/RS.
2 Doutora em Ciências dos Distúrbios da Comunicação Humana/Campo Fonoaudiológico pela Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP/SP. Fonoaudióloga Professora Adjunta do Curso de Fonoaudiologia da UFSM/RS.
Dissertação intitulada "Resultados e implicações do processo de adaptação de próteses auditivas em usuários atendidos em uma instituição pública federal" apresentada ao Curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Ciências dos Distúrbios da Comunicação Humana, Área de Concentração em Audiologia, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM, RS), como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Ciências dos Distúrbios da Comunicação Humana, 2006. Apresentado como Atualização no XXI Encontro Internacional de Audiologia, realizado em Bauru - SP, 2006.
Endereço para correspondência: Carine Dias de Freitas - R. Tuiuti, nº 1840 Bloco B/apto 203 Santa Maria RS 97015-662.
Tel. (0xx55) 3026-5482 ou (0xx55) 9159-1017 - E-mail: carine_freitas@yahoo.com.br.
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBORL em 25 de julho de 2006. cod. 3299.
Artigo aceito em 25 de agosto de 2006.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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