INTRODUÇÃOO cisto do ducto tireoglosso (DT) resulta de uma falha na obliteração do ducto embrionário produzido durante a migração da tireóide em direção à sua situação tópica. Um cisto pode desenvolver-se a partir do epitélio residual secretório. Neoplasias de tecido tireoidiano ectópico são raras e mais raras ainda quando em associação com o DT. Foi reportado que mais de 7% dos adultos apresentam remanescentes do DT1 e mais que 62% destes podem conter tecido tireoidiano ectópico2. A maior parte das neoplasias estabelecidas no DT é constituída de carcinomas papilíferos, respondendo por 91% dos casos relatados2. Relatamos o caso de adenoma folicular estabelecido em um DT.
RELATO DE CASOUm paciente do gênero masculino de 18 anos notou a presença de massa indolor na linha média cervical há um mês. Não havia história prévia de trauma cervical. O paciente negava disfagia e odinofagia, bem como sinais flogísticos. Ao exame clínico, notou-se a presença de lesão nodular profunda de 3x2cm, fibroelástica, móvel à deglutição e à protrusão da língua, na linha média, à altura da membrana tíreo-hióidea. Não havia adenopatia clinicamente significativa. A glândula tireóide apresentava-se normopalpável. Ao exame ultra-sonográfico, a massa era cística, com conteúdo espesso e a tireóide apresentava-se dentro da normalidade.
À exploração cirúrgica, foi identificado o trato do ducto tireoglosso e a ressecção foi realizada com a manobra de Sistrunk, incluindo a remoção da porção central do corpo do osso hióide e todo o trato, até a altura do forame cécum na base da língua. O exame histopatológico intra-operatório de congelação revelou uma lesão sólida neoplásica de padrão folicular.
A avaliação histopatológica mostrou a presença de folículos tireoidianos alargados repletos de colóide e delineados por epitélio colunar atrófico, compatível com adenoma folicular. A massa estava contígua com osso típico trabecular correspondendo ao corpo do osso hióide. Não se evidenciou atipia e invasão capsular (Figura 1). O paciente foi de alta hospitalar no primeiro dia de pós-operatório em boas condições e permaneceu assintomático após 30 meses.
Figura 1. A avaliação histopatológica mostrou a presença de folículos alargados (F) repletos de substância colóide delineada por epitélio colunar atrófico, compatível com adenoma folicular, sem evidência de atipia e invasão capsular. A massa é contígua a osso trabecular típico - osso hióide (H). HE, 100x.
DISCUSSÃOA glândula tireóide surge na terceira semana de desenvolvimento embriológico no soalho da faringe primitiva, desce com um divertículo bilobado para permanecer em sua topografia ventral à traquéia ao redor da sétima semana. A glândula permanece conectada ao forame cécum pelo ducto tireoglosso da oitava á décima semana, quando então tipicamente regride. O cisto do DT resulta de uma falha dessa involução. Neoplasias associadas ao DT são raras e constituem menos que 1% dos cânceres de tireóide3.
Como o DT está intimamente relacionado ao desenvolvimento da glândula tireóide, tecido tireoidiano pode ser encontrado na sua parede. Apesar de uma causa plausível para a origem do câncer em tecido tireoidiano ectópico na parede do cisto não ter sido ainda determinada, pode-se postular que remanescentes do DT, possuindo um potencial embriogênico para tireoidogênese, pode produzir uma neoplasia tipicamente de origem tireoidiana4.
O exame físico normalmente revela a presença de uma massa palpável de consistência firme, de crescimento lento e progressivo, localizada na linha média próximo à topografia do osso hióide e tipicamente móvel à protrusão da língua e à deglutição. Carcinoma em cisto de DT não é usualmente suspeito na prática clínica e o diagnóstico é geralmente feito após a remoção do espécime cirúrgico. Um ritmo de crescimento acelerado do cisto pode alertar o médico para a presença de malignidade no DT. O consenso atual considera que o DT é fonte de crescimento de novo de carcinoma ao invés de ser uma extensão de um tumor tireoidiano5.
O exame ultra-sonográfico pode proporcionar informação acurada sem a necessidade de outros procedimentos radiológicos que consumam tempo e sejam caros. O cisto do DT não se apresenta como um simples cisto. Seu aspecto pode variar desde uma imagem tipicamente anecóide até uma lesão de aspecto pseudocístico, como observado em nosso caso. A presença de uma estrutura sólida ou mista é freqüentemente descrita em cisto benigno de DT que esteja sob um processo inflamatório. A cirurgia de Sistrunk para ressecção do trato tireoglosso até o forame cécum, na base da língua, incluindo a porção central do osso hióide é bem aceita devido aos bons resultados, com baixo índice de recidiva. O exame histopatológico intra-operatório de congelação é útil no sentido de sugerir malignidade6.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS1. Ellis P, Van Nostrand AW. The applied anatomy of thyroglossal tract remnants. Laryngoscope 1977;87:765-70.
2. Li Volsi VA, Perzin KH, Savetski L. Carcinoma arising in median ectopic thyroid (including thyroglossal duct tissue). Cancer 1974;34:1303-15.
3. Lyos AT, Schwartz MR, Malpica A, Johnson PE. Hürtle cell adenoma in a thyroglossal duct cyst. Head Neck 1993;15:348-51.
4. Bhagavan BS, Govinda-Rao DR, Weinberg T. Carcinoma of the thyroglossal duct cyst, case report and review of the literature. Surgery 1970;67:281-92.
5. Rosoff PM, McGregor LM. Papillary adenocarcinoma of the thyroid in a thyroglossal duct cyst. Pediatr Hematol Oncol 2000;17:591-5.
6. Dedivitis RA, Camargo DL, Peixoto GL, Weissman L, Guimarães AV. Thyroglossal duct: A review of 55 cases. J Am Coll Surg 2002;194:274-7.
1 Doutor em Medicina pelo Curso de Pós-Graduação em Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da UNIFESP - Escola Paulista de Medicina, Médico.
2 Especialista em Anatomia Patológico pela Universidade de São Paulo, Médico Assistente do Serviço de Anatomia Patológica do Hospital Ana Costa.
3 Médico Residente de Otorrinolaringologia do Centro Médico Aquino - CEMA, São Paulo.
Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital Ana Costa.
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Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBORL em 4 de agosto de 2005. cod. 604.
Artigo aceito em 21 de outubro de 2006.