ISSN 1806-9312  
Sábado, 23 de Novembro de 2024
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35 - Vol. 20 / Edição 5 / Período: Setembro - Outubro de 1952
Seção: Nota Prévia Páginas: 179 a 182
TRATAMENTO DAS OTITES MÉDIAS SUPURADAS DOS TUBERCULOSOS POR MEIO DE TB. 1 EM PÓ (*)
Autor(es):
Dr. FABIO BELFORT (**)

O tratamento das otites médias cronicas supuradas dos tuberculosos sempre criou situações embaraçosas para o otologista. Perante um tuberculoso portador de uma otite média desse tipo clínico, acóde ao espírito uma interrogação: Trata-se de uma otite média não-específica (isto é, produzida por germens não-tuberculosos) ou de uma otite média tuberculosa genuína?

É claro que a resposta tem importancia para a orientação do tratamento. Ora, quando, em um tuberculoso, deparamos com uma otite média em início - não apresentando sinais de hipertensão da caixa, nem otorréa, nem dôr, nem enfunamento do tímpano, só depois surgindo as perfurações múltiplas da membrana - então o diagnostico se torna fácil, mesmo que não estejam bem desenhados os quadros que diversos autores descreveram como típicos. Na prática, porem, o doente já se apresenta em um estádio mais ou menos avançado da infecção; as informações que nos presta sobre os primeiros sintômas são, geralmente, muito vagas; o corrimento já é franco, as múltiplas perfurações já se fundiram em uma única; às vezes já existe cárie óssea.

Sabe-se que a pesquisa do b. Koch nas otites médias tuberculosas não é muito informativa. Ormerod (Tuberculosas of the upper respiratory tracts, Londres, s/d) estima a frequencia do encontro de b. Koch, nas tuberculoses auriculares clinicamente diagnosticadas, em apenas 1/3 à metade dos casos. Myerson (Tuberculosas of the ear, nose and throat, Thomas, Springfield, U.S.A., 1944, pg. 163) afirma: "Pode ser extremamente difícil estabelecer a natureza tuberculosa de uma infecção auricular, mesmo que a observação clínica conduza à suspeita de que tal é o caso. Pode ser impossível estabelecer a presença do bacilo tuberculoso por meio de repetidos esfregaços, culturas e biópsias". O mesmo acatado autor, em colaboração com Gilbert (Tuberculosas of the middle ear and mastoid, Arch. Otolaryng., Fev. 1941, pg. 237) escreve: "Fomos incapazes de provar a presença de um bacilo tuberculoso por meio de repetidos esfregaços, culturas e biópsias em 54 de nossos casos". Notemos que o numero de casos examinados pelos autores era de cerca de 80.

Essa dificuldade de encontrar o germen de Koch em casos de otite média tuberculosa nos tira um meio de resolver o problema do diagnostico etiologico. Alem disso, as lesões produzidas pelos germens de infecção secundária se superpõem às lesões propriamente tuberculosas. A propria localisação central da perfuração, à qual os autores, de maneira geral, deram muita importancia para o diagnostico diferencial, está longe de ser um sinal privativo da otite média tuberculosa. Tambem a multiplicidade de perfurações foi contestada como sinal frequente (Myerson e Gilbert - Loc. cit., pg. 234).

Assim, ficamos sem elementos seguros para estabelecer se trata de uma otite média, evoluindo em terreno tuberculoso, ou de uma otite média tuberculosa, com lesões específicas locais. Ambas apresentam uma flora mixta (estafilocócos, estreptocócos diversos, pneumocócos, difteroides, etc); as otites tuberculosas, frequentemente, não apresentam b. Koch aos exames de laboratório habituais; ambas as fôrmas exibem dados otóscópicos em grande parte identicos, nas fases mais avançadas.

Não nos alongaremos sobre esse problema de diagnostico diferencial. A esse respeito, alem dos classicos, os trabalhos acima citados de Ormerod, de Myerson, bem como os de Blegvad (Acta otolaryng. vol. XXIV, pg. 187), de Lüscher e Rotman (Zeitsch. f. Hals., vol. 39, Dez. 35 e jan. 36), de Proctor e Lindsay (Arch. Otolaryng., Fev. 42, pg. 221) poderão ser consultados com o maior proveito.

Não sendo facil resolver, em todos os casos, a questão da etiologia tuberculosa ou não, temos que contornar o obstaculo, na prática, tratando, preliminarmente, a supuração auricular como se fosse de etiologia não-tuberculosa, eliminando, com esse tratamento, os germens não-tuberculosos, na medida do possível. Caso à supuração persista, então concluiremos pela natureza tuberculosa provavel da otite e como tal dela trataremos.

Antes do advento da estreptomicina não existia um tratamento que se pudesse denominar (tanto quanto se póde usar o termo) de específico da otite média tuberculosa. O otologista ficava, para assim dizer, à espera do resultado do tratamento geral ou, melhor, da resposta das lesões pulmonares ao respectivo tratamento. Com exceção da terapia pela tuberculosa, que se poderia considerar especifica, o otologista praticava, na otite média tuberculosa, tratamento, em linhas gerais, identico ao empregado nas otites médias crônicas supuradas não-tuberculosas, limitando-se a uma toilete local minuciosa, a aplicações de soluções medicamentosas, à destruição de eventuais granulações da caixa, à prevenção de novas infecções vindas do conduto.

Com o aparecimento da estreptomicina, a situação mudou completamente. Ficou desde logo evidenciado que a droga, por via parenteral, mesmo nos casos nos quais não se obtinham melhoras pulmonares, trazia notaveis benefícios para o lado da caixa. Alem disso, obtinham-se resultados imediatos pela simples instilação de solução de estreptomicina.

Pessoalmente, empregamos sistematicamente esta ultima tecnica durante cerca de três anos, em todos os casos de otites médias cronicas supuradas, em tuberculosos, sem averiguar quais os germens responsaveis. Os resultados foram, incontestavelmente, superiores a tudo quanto se obtivera antes. Lembremos que a estreptomicina age sobre o b. Koch e sobre os germens mais frequentemente causadores de otites médias supuradas em geral. (Ajuntemos, de passagem, que o perigo de uma ação mais direta da estreptomicina sobre o vestíbulo, que podia ser aventado, a priori, não é confirmado pela prática).

Outro capítulo parece se ter aberto com a introdução das tio-semi-carbazonas na terapeutica otologica. Tais compostos já vinham sendo empregados no tratamento das otites médias supuradas em geral, desde alguns anos, com bons resultados, existindo, mesmo, preparados comerciais correspondentes. Ora, após os estudos de Domagk e seus colaboradores, introduzindo as tio-semi-carbazonas no tratamento da tuberculose em geral, estudos sintetizados em volume (Domagk et al. - Químioterapia de la tuberculosis por las tio-semicarbazonas - Trad. de LLoret Barber. Barcelona, 1951), pareceu-nos lógico tentar esse tipo de droga não só nas otites médias não-tuberculosas como nas de causa tuberculosa. Aproveitaríamos, assim, simultaneamente, a ação sobre os germens de Koch e sobre os agentes não-específicos, passando o diagnostico diferencial a ter importancia secundária.

Nessa ordem de idéias principiamos a utilizar o Tb. 1. Embora já existissem preparados soluveis, acreditamos que a aplicação do pó fosse mais eficiente, pelo fato de determinar uma concentração local maior da droga em questão.
Os resultados corresponderam plenamente à expectativa. Nos casos até agora tratados (cerca de 10), a supuração cessou bruscamente. Em pacientes tuberculosos, portadores de antigas otorréias, obtivemos rápidas melhoras, com dessecação completa da caixa, situação que se vem mantendo sem outro tratamento que não seja a prevenção de possíveis novas infecções por via do conduto, através de tímpanos largamente perfurados ou inteiramente destruidos.

Quando a exiguidade da perfuração impede a projeção do pó para o interior da caixa, recorremos à solução do pó em sôro fisiologico. A via tubaria, que já tivemos ocasião de preconisar para os anti-bióticos, em determinados casos (Medicina, Cirurgia, Farmacia, Fev.-Mar., 1950), poderá ser empregada para a introdução da solução ou do pó, nos casos, aliás excepcionais, de perfuração diminuta.

Naturalmente, devemos contar, de antemão, com os fracassos devidos a germens não sensíveis ou resistentes às tio-semi-carbazonas, incluindo, possivelmente, fungos, virus, etc.

Quase não se precisaria dizer que o tratamento não é aplicavel nos casos complicados com colesteatoma, cáries do rochedo, mastoidites de diversos tipos, paralisia facial, perturbações endocraneanas, etc., todos justificaveis de intervenção cirurgica. Tambem devemos ter em mente a possibilidade de novas infecções da caixa, por via tubaria ou hematogênica.

RESUMO

O Tb. 1 foi empregado, sob a forma de pó, no tratamento das; otites médias crônicas supuradas, sem se apurar se eram produzidas por germens tuberculosos ou não, em cerca de 10 pacientes tuberculosos. Esses primeiros resultados foram satisfatórios. É claro que um maior numero de observações é necessário, para confirmação.

SUMMARY

Tb. 1 was used, as a dust-powder, in the treatment of chronic suppurative otitis media, in about ten tuberculous patients, without veryfying whether or not they were tuberculous in nature. The first results were satisfying. A greater number of observations, of course, is necessary for the confirmation of the results obtained.

ADENDA

Muito recentemente, iniciamos o emprego da hidrazida do acido iso-nicotíaico, em pó em casos semelhantes aos estudados, esperando, em breve, publicar os resultados.

Somos grato aos laboratórios Bayer e Wander, que nos forneceram o pó de Tb. 1, bem como aos laboratórios Squibb e Wander, que, gentilmente, puzeram à nossa disposição certa quantidade de hidrazida do acido iso-nicotinico em pó.

(*) Entrado para impressão em Outubro de 1952.
(**) Oto-rino-laringologista da Divisão de Tuberculose do Estado de São Paulo (Diretor - Dr. Nestor Reis).
Trabalho do Hospital-Sanatorio do Mandaqui (Diretor - Dr. Clovis Corrêa).
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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