INTRODUÇÃOA poluição sonora ambiental, um problema que começou com a revolução industrial, torna-se hoje onipresente e beira o intolerável. Quase não há locais livres de excesso de ruído. Pode se estar exposto a ele durante a recreação, em casa, nas ruas e no trabalho. Também nos hospitais, os avanços tecnológicos trazem, como conseqüência, níveis de ruído potencialmente danosos.1
Entende-se por Perda Auditiva Induzida por Ruído (PAIR) as alterações dos limiares auditivos do tipo neurossensorial, decorrentes da exposição ocupacional sistemática a níveis de pressão sonora elevados. Esta tem como características principais a irreversibilidade e a progressão gradual com o tempo de exposição ao risco. Entre todas as deficiências auditivas, a PAIR é a patologia mais comum.2
Um local que pareceria estar livre da ocorrência deste tipo de poluição seria os hospitais, porém, muitos estão localizados em áreas expostas a fontes de ruído externo, como o trânsito de grandes avenidas, de aeroportos, etc. Parece, todavia, que muito do ruído no hospital provém mais de dentro, do que de fora desse ambiente, sendo as principais causas de ruído em Unidades de Terapia Intensiva (UTI), por exemplo, os equipamentos e a conversação entre a equipe hospitalar. Nelas são empregados muitos equipamentos dotados de alarmes acústicos, essenciais para alertar médicos e enfermeiros de mudanças nas condições clínicas de seus pacientes ou de mau funcionamento dos próprios aparelhos. Assim, esse ambiente, que deveria ser silencioso e tranqüilo, torna-se ruidoso e estressante, aumentando a ansiedade e a percepção dolorosa, diminuindo o sono e prolongando a convalescença.1
A exposição ocupacional ao ruído intenso está associada a várias manifestações sistêmicas, tais como elevação no nível geral de vigilância, aceleração da freqüência cardíaca e respiratória, alteração da pressão arterial e da função intestinal, dilatação das pupilas, aumento do tônus muscular, aumento da produção de hormônios tireoidianos e estresse.3
Pacientes submetidos a internações em UTI podem apresentar distúrbios comportamentais, entre eles a "Psicose de UTI", que são exacerbados pela privação do sono e gerados por condições ambientais, entre eles a exposição a ruídos contínuos.4
Um ambiente calmo e agradável pode beneficiar tanto o paciente como a equipe hospitalar. Os profissionais de saúde experimentarão menos cansaço e menos estresse psicológico; os pacientes sofrerão menos danos psicológicos e fisiológicos e, portanto, terão uma recuperação mais rápida.1
O objetivo deste trabalho foi avaliar o nível de ruído nos diversos ambientes hospitalares, em um Hospital com 222 Leitos na 18ª Regional de Saúde do Paraná.
MATERIAL E MÉTODOSConduziu-se, no ambiente interno de um Hospital com 222 leitos na 18ª Regional de Saúde do Paraná, um estudo para aferição do nível de ruído ambiental utilizando Decibelímetro fabricado pela MINIPA® modelo - 1350 (Sound Level Meter) na faixa de medida em ponderação A = nível baixo: 35~100 dB e configurado da seguinte forma: tempo de resposta rápido numa faixa que cobre os níveis de ruídos de LO = 35~100dB. As medições do ruído ambiental hospitalar foram realizadas em março de 2005 no período de 24 horas, durante a semana em dez setores, sendo realizado em cada setor, doze medidas de 1h em 1h, com tempo médio de 1 minuto, totalizando 2.400 minutos de aferições.
O equipamento foi posicionado a 1,25 metros de altura do solo, montado sobre um tripé, em ponto marcado com fita crepe no chão, aproximando-se da altura da cabeça de um paciente no leito.
As medidas foram feitas conforme seqüência dos setores, e respectivos equipamentos:
1. Recepção do Pronto-Socorro: Campainha para abrir porta, telefone, televisor, ventilador, enceradeira e equipe de profissionais.
2. Sala de gesso: motor de serrar gesso e equipe de profissionais. No período noturno não houve atendimento.
3. UTI Neonatal: Seis incubadoras monitoradas com dispositivos de aviso, oxímetros, cateter de oxigênio, uma incubadora de fototerapia, um microondas, uma balança para pesagem diária, seis fluxômetros para inalação, aspirador e equipe de profissionais.
4. UTI: dez leitos, dez monitores de sinais vitais com dispositivos de aviso, dez oxímetros, fluxômetros, aspirador de secreção, campainha de porta, telefone e computador e equipe de profissionais.
5. Centro cirúrgico salas 01, 02, 03, 04 e 05: mesa cirúrgica, foco cirúrgico, mesa de instrumentação, oxímetro, respirador, aspirador de secreção, furadeira elétrica, ar condicionado, raios-x, bisturi elétrico, videoscópio, caixas de instrumentação cirúrgica. E equipe de profissionais. OBS: Não houve cirurgia no período noturno.
6. Central de material esterilizado: uma autoclave, um compressor de ar, um ventilador, um rádio e campainha e equipe de profissionais. Neste setor há expediente só no período diurno.
7. Farmácia: um rádio, um ventilador. Equipe de profissionais.
8. Pediatria (Posto de Enfermagem): A pediatria é dividida em 13 salas: copa, posto de enfermagem, expurgo, ambulatório, rouparia, quarto 01, quarto 02, quarto 03, quarto 04, quarto 05, quarto 06, quarto 07, e sala de recreação. Fluxômetros, rádio, televisão, ventilador e enceradeira. Equipe de profissionais, acompanhantes e crianças.
9. Cozinha: dois exaustores de fogão, dois exaustores de parede, materiais metálicos talheres e louças. E equipe de funcionários.
10. Lavanderia área limpa: duas máquinas de lavar, duas centrífugas e maquina de passar. Equipe de funcionários. Área contaminada - três máquinas de lavar e um ventilador. E equipe de funcionários.
Antes de iniciar cada medição, o aparelho foi calibrado nos moldes sugeridos pelo fabricante para padronização das medições. As medições foram realizadas pelo pesquisador com autorização da Direção do Hospital, porém sem o conhecimento dos funcionários do local onde estavam sendo realizadas, evitando mudança nos hábitos para a realização do trabalho.
Os resultados são as médias aritméticas das medidas encontradas no decorrer das coletas sendo apresentados através de gráficos elaborados com o programa Excel para sua tabulação.
RESULTADOSFiguras 1- 10.
Figura 1. Intensidade do Ruído Sonoro na Recepção do Pronto Socorro do Hospital - Março/2005.
Figura 2. Intensidade do Ruído Sonoro na Sala de Gesso do Hospital - Março/2005.
Figura 3. Intensidade do Ruído Sonoro na UTI Neonatal do Hospital - Março/2005.
Figura 4. Intensidade do Ruído Sonoro na UTI do Hospital - Março/2005.
Figura 5. Intensidade do Ruído Sonoro no Centro Cirúrgico do Hospital - Março/2005.
Figura 6. Intensidade do Ruído Sonoro no Centro de Material Esterilizado do Hospital - Março/2005.
Figura 7. Intensidade do Ruído Sonoro na Farmácia do Hospital - Março/2005.
Figura 8. Intensidade do Ruído Sonoro na Pediatria (Posto de Enfermagem) do Hospital - Março/2005.
Figura 9. Intensidade do Ruído Sonoro na Cozinha do Hospital - Março/2005.
Figura 10. Intensidade do Ruído Sonoro na Lavanderia - área limpa / área contaminada do Hospital - Março/2005.
DISCUSSÃOA Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) NBR 10152/1987 recomenda 35 a 45 dB(A) como níveis aceitáveis para diferentes ambientes hospitalares.1
O nível de ruído encontrado em nosso estudo apresentou média total de 63,7 dB(A), que excede os valores máximos permitidos de 45 dB recomendados pela ABNT (1987)5, assim como os da World Health Organization (1993)6 que recomenda nível equivalente de até 40 dB(A) para o período diurno e de 35 dB(A) para o período noturno nos hospitais.
A Organização Internacional do Trabalho calcula que 140 milhões de pessoas no globo estão expostas a níveis danosos de ruído ocupacional. Há que lamentar-se, visto ser esta uma causa evitável de perda auditiva.7
Geralmente os níveis de ruído em um hospital tranqüilo devem encontrar-se entre 40 e 50 dB(A); em um ambiente intermediário entre 50 a 60 dB(A), e em um ambiente ruidoso, estaria na margem de 60 a 70 dB(A).1
Conforme mostra a Figura 1 (Recepção do Pronto-Socorro), o nível de ruído manteve-se em uma média de 64,2 dB(A) por ser um local onde há um fluxo contínuo de pessoas. Entre as 14:00 e 15:00 horas, houve um pico maior de decibéis devido à campainha da porta de entrada ter sido acionada.
A Figura 2 (sala de gesso), mostra que o nível de ruído apresentou média de 60,6 dB(A). Entre as 09:00 e 10:00 horas obteve um aumento de decibéis porque a serra de gesso foi ligada e das 21:00 às 07:00 horas não houve expediente.
A Figura 3 (UTI Neonatal), mostra que o nível de ruído apresentou média de 61,4 dB(A) devido a conversas de funcionários; já entre 22:00 e 01:00 hora houve um pico maior de decibéis em conseqüência dos choros de recém-nascidos e alarmes de monitores. Os níveis recomendados pela ABNT em berçários são de 35 a 45 dB(A).
Em situações nas atividades de enfermagem em Unidade de Cuidados Intensivos (UCI) Neonatal, foi observado o processo evolutivo das funções fisiológicas do recém-nascido prematuro. Neste contexto, estavam os neonatos frágeis, em estado grave na incubadora, num ambiente de muita agitação e ruídos sonoros, tais como vozes de funcionários, alarmes de aparelhos e alta freqüência de procedimentos médicos, visivelmente desconfortáveis para o bebê.8
A prevenção do ruído deveria ter início antes da instalação e aquisição de equipamentos ou manuseio destes, pois modificações posteriores podem ser mais onerosas. Algumas fontes de ruído, como o inevitável uso de oxigênio, equipamentos de sucção ou respiradores não podem ser mudados, entretanto, os alarmes poderiam ser mais silenciosos, especialmente durante a noite.4
O estresse produzido pelo ambiente hospitalar e procedimentos técnicos levam à alteração fisiológica do recém-nato, tais com apnéia, bradicardia, diminuição da Pressão Parcial do Oxigênio (PO2), aumento da demanda calórica, tornando, assim, difícil para os prematuros ganharem peso, além de comprometer o desenvolvimento neurológico.8
A Figura 4 (UTI) apresenta uma média do nível de ruído de 62,7 dB(A) variando de 58 a 65 dB(A) das 07:00 às 19:00 horas devido a conversas de profissionais e equipamentos ligados com alarmes sonoros.
Inúmeros estudos têm demonstrado que a privação do sono é um problema comum nas UTIs e dessa forma a qualidade do sono é frequentemente prejudicada pelo excesso de ruído e o sono REM é reduzido nesses pacientes. Diante disso, seria desejável que houvesse uma redução significativa do nível de ruído, especialmente durante a noite.1
O controle do ruído em hospitais é considerado como uma prioridade, devendo assim insistir em estudos que demonstrem a excessiva exposição a que estão sujeitas os indivíduos, equipe e pacientes, dentro de uma UTI, a fim de prevenir a poluição sonora, para que avalie junto com a equipe e promova medidas que tornem mais satisfatória a permanência dentro deste ambiente. Medidas simples como fechar as portas, falar suavemente e desligar alarmes assim que possível, podem reduzir dramaticamente os níveis de ruído.9
Na Figura 5 (centro cirúrgico), são apresentadas cinco salas cirúrgicas no qual o nível de ruído apresentou média de 59,1 dB(A). Somente as salas cirúrgicas 1, 2 e 3 apresentaram um pico maior de decibéis porque havia cirurgia de fratura de fêmur com equipe de profissionais e equipamentos ligados como furadeira elétrica. Das 2:00 às 7:00 horas, o centro cirúrgico presta assistência só em caso de emergência.
A Figura 6 (centro de material esterilizado), apresentou média de 66,0 dB(A), sendo que entre 11:00 e 13:00 horas obteve um pico relevante de 100 dB(A), porque nesses horários havia equipamentos ligados como autoclave e compressor de ar.
Como mostra a Figura 7 (farmácia), o nível de ruído foi variável das 7:00 às 7:00 apresentando 58 a 66 dB(A) com média de 63,3 dB(A) porque a farmácia tem expediente contínuo. Entre 7:00 e 17:00 horas, houve alguns picos de decibéis devido ao fluxo de funcionários e ao exaustor da cozinha que fica instalado ao lado da farmácia que, quando ligado, aumenta o nível de ruído neste setor.
Conforme mostra a Figura 8 (pediatria), o nível de ruído das 7:00 às 07:00 horas do dia seguinte manteve-se em torno de 60 dB(A) porque na pediatria há um fluxo de crianças e funcionários. Entre 10:00 e 11:00 horas houve um pico de 70 dB(A) devido a conversas e choros de crianças.
Na Figura 9 (cozinha), o nível de ruído apresentou média de 62,9 dB(A) pois havia no local dois exaustores ligados. Das 2:00 às 4:00 horas não tinha expediente, voltando a funcionar às 5:00 horas da manhã.
A Figura 10 mostra uma média de intensidade do ruído sonoro na lavanderia de 71,5 dB(A) sendo entre área limpa e área contaminada.
Resultados de Mendoza-Sánchez et al., 1996, verificaram nível de ruído entre 50 e 59 dB(A) no local considerado moderadamente ruidoso; exceção à UTI, onde os níveis ultrapassaram os 59 dB(A), devido ao uso de diversos aparelhos como monitores, bomba de infusão contínua, equipamentos de ventilação mecânica, e assim como alarmes e outras fontes de ruídos.10 Estes valores colaboram para que se considere os valores por este trabalho como altos para este setor, as médias diárias foram de 66,30 (dB), e os equipamentos por ele citados podem também estar relacionados com a geração de ruído neste estudo. Além destes equipamentos, pode-se citar a equipe de profissionais, que em conversas informais ou em relação a condutas no setor da UTI podem estar incrementando o nível de ruído deste local.
Estudo realizado sobre as relações entre nível de ruído, tempo de exposição e perda auditiva revela a importância dos monitoramentos acústicos no contexto de um Programa de Conservação Auditiva. A exposição a elevados níveis de ruído pode ser muito nociva, completamente inofensiva ou qualquer coisa entre estes limites. A chave para a questão é a duração da exposição que determina a extensão dos efeitos auditivos do ruído. O nível de exposição a ruído é determinado a partir de medições acústicas, envolvendo pressão sonora e tempo. É um parâmetro, portanto, diferente do nível de ruído existente nas áreas operacionais das indústrias, que é independente do tempo de permanência do indivíduo.11
CONCLUSÃOEm todos os setores analisados, o nível de ruído encontrado neste hospital está consideravelmente acima do recomendado.
Não houve diferença significativa entre o nível de exposição do ruído diurno e noturno, apresentando tendência a ser menor no período noturno.
A análise dos dados do presente trabalho pretende alertar para o risco da exposição ao ruído nos pacientes em recuperação, bem como nos indivíduos que trabalham na área da saúde, onde, teoricamente, a conscientização deveria ser maior.7
A equipe hospitalar deve estar consciente do ruído e dos efeitos deste, para que possa atuar de maneira mais efetiva na redução da poluição sonora. Assim, acreditamos que os setores do hospital se tornarão um ambiente mais silencioso e tranqüilo, beneficiando tanto a função laborativa dos profissionais como a recuperação dos pacientes.
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2. Fernandes M, Morata TC. Estudo dos efeitos auditivos e extra-auditivos da exposição ocupacional a ruído e vibração. Rev Bras Otorrinolaringol 2002;68(5 Pt 1):705-713.
3. Dias A, Cordeiro R, Conente JE, Gonçalves CGO. Associação entre perda auditiva induzida pelo ruído e zumbidos. Cad de Saúde Pública 2006;22(1):63-8.
4. Tsiou C, Eftymiatos D, Theodossopoulou E, Notis P, Kiriakov K. Noise Sources and levels in the Evgenidion Hospital intensive care unit. Intens Care Med 1998;24:845-7.
5. ABNT 10152. Avaliação do ruído para o conforto acústico 1987.
6. World Health Organization. Noise. Environmental. Health Criteria 12. Geneva 1980.
7. Leme OLS. Estudo audiométrico comparativo entre trabalhadores de área hospitalar expostos e não-expostos a ruído. Rev Bras Otorrinolaringol 2001;67(6):837-43.
8. Correa LC, Zago SBAM, Posso SBM, Criollo TC. Mapeamento de estudos sobre o risco potencial do ruído em neonatos internados em unidade de cuidados intensivos. Rev Univap 2004;11(20).
9. Grumet GW. MD. Sounding board: Pandemonium in the modern hospital. N Engl 3 Med 1993;328(6):433-7.
10. Mendoza-Sánchez RS, Roque-Sánchez RH, Moncada-González B. Nível de ruído en una institución hospitalaria de assistencia y docencia. Gac Méd Méx 1996;132:127-33.
11. Nepomuceno JA. Avaliação da exposição ao ruído. In: Nepomuceno JA, Nudelmann AA, Costa EA, Seligman J, Ibñez RN. Perda auditiva induzida pelo ruído (PAIR): ed. Bagaggem Comunicação Ltda. 1995; 77.
1 Doutorado, Professor Titular de Saúde Ambiental.
2 Enfermeiro, Professor de Semiotécnica.
3 Estudande de Ciências Biológicas, Estagiária de Saúde Ambiental.
Faculdades Luiz Meneghel - FFALM Departamento de Saúde e Educação - DSE.
Endereço para correspondência: Marcelo Henrique Otenio - Embrapa Gado de Leite Juiz de Fora MG - Rua Eugênio do Nascimento 610 Bairro Dom Bosco 36038-330
Tel. (0xx32) 3249-4700 - E-mail: otenio@cnpgl.embrapa.br
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBORL em 17 de maio de 2006. cod. 1938.
Artigo aceito em 21 de junho de 2006.