INTRODUÇÃO
A paralisia facial periférica decorre da interrupção do influxo nervoso de qualquer um dos segmentos do nervo facial1,2. Seu acometimento resulta em paralisia completa ou parcial da mímica facial e pode estar associada a: distúrbios da gustação, salivação e lacrimejamento, hiperacusia e hipoestesia no canal auditivo externo2-4. Em torno de 50% da população acometida por paralisia facial periférica a etiologia é desconhecida. A primeira maior incidência é a idiopática, ou de Bell, e a segunda, é traumática, entre outras2,5. Hipertensão arterial, diabetes mellitus, viroses, gravidez e puerpério são apontadas como condições associadas2,3,6,7.
O grau de recuperação da função do nervo facial depende da idade do paciente, do tipo de lesão, da etiologia, nutrição do nervo, comprometimento neuromuscular e terapêutica instituída2,7,8. A recuperação da lesão do nervo facial pode acorrer em algumas semanas, até quatro anos1,3,4,7,8. O tratamento da paralisia facial periférica requer abordagem médica, fisioterapêutica e fonoaudiológica. A fisioterapia é indispensável com o objetivo principal de restabelecer o trofismo, a força e a função muscular7-9. Os recursos sugeridos pela literatura são: cinesioterapia, massagem e eletrotermoterapia, confirmados por ensaio clínico aleatório e revisão sistemática7,8,10,11.
O objetivo deste estudo foi descrever e analisar retrospectivamente os resultados da fisioterapia para indivíduos com paralisia facial periférica.
MÉTODO
Foi realizado um estudo retrospectivo de prontuários no período de janeiro de 1999 a junho de 2003. O levantamento dos prontuários foi realizado com autorização do Serviço de Atendimento Médico e Estatístico, após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa, nº 231/05. Foram encontrados 35 prontuários de indivíduos atendidos no ambulatório de fisioterapia por paralisia facial periférica. Destes, nove foram excluídos por não apresentarem diagnóstico médico, e três, por não apresentarem registro de fisioterapia a avaliação.
Foram analisados 23 prontuários quanto a idade, gênero, lado comprometido, comprometimento motor inicial e final, etiologia, tempo entre o diagnóstico e início da fisioterapia, tempo do tratamento, número de sessões e recursos utilizados.
Os dados coletados são apresentados em forma descritiva, com utilização de média (desvio padrão) e mediana (quartis) para variáveis numéricas e freqüência (absoluta e relativa) para variáveis categóricas.
RESULTADOS
Foi identificado o predomínio do sexo feminino com 14 casos (60,9%). A média de idade foi de 32,3 anos (DP 16,5). Houve predomínio de 22 casos (95,7%) de casos de paralisia facial unilateral, sendo a hemiface direita envolvida em 12 destes (52,2%).
Quanto à etiologia da paralisia facial foram encontrados 14 casos (60,9%) de causa idiopática, cinco casos (21,7%), traumática, três casos (13%) por tumor e um caso (4,3%), inflamatória. Dos indivíduos com etiologia idiopática, sete (50,0%) apresentaram comprometimento motor total e sete (50%) apresentaram comprometimento motor parcial; dos casos com etiologia traumática, dois (40%) apresentavam comprometimento motor parcial e três (60%) total; dos casos por tumor, dois (66,7%) apresentaram comprometimento motor parcial e um (33,3%) total e o único caso de etiologia inflamatória apresentou comprometimento motor total.
Na avaliação inicial o comprometimento motor foi de 12 casos com comprometimento total (52,2%) e 11 com comprometimento parcial (47,8%). Dos 23 prontuários analisados, apenas 12 continham avaliação final na alta do indivíduo. Este fato limitou a análise quanto à recuperação do paciente após sessões de fisioterapia. Nestes 12 casos analisados foi observado que sete (58,3%) evoluíram para recuperação parcial (paresia) e cinco (41,7%) para recuperação total. Na análise do comprometimento inicial e final, todos os pacientes com comprometimento motor total evoluíram, ou para um quadro normal ou de parcial. Porém, apenas alguns casos com quadro de paresia evoluíram para um quadro normal.
O período entre o diagnóstico médico e o início da fisioterapia foi de dois a 136 dias, com mediana de 15 dias (sete e 22 dias - 1o e 3o quartil). Quanto ao período de realização da fisioterapia, os indivíduos permaneceram a mediana de 12 semanas (oito e 21,1 - 1o e 3o quartil) em tratamento com sessões individuais de 45 minutos.
Os recursos terapêuticos mais utilizados foram: estimulação sensorial, exercícios de facilitação neuromuscular proprioceptivos e orientações (100%); massagem (95,7%); alongamentos (69,6%); pompage (26,1%) e eletroterápico (26,1%). O recurso eletroterápico utilizado foi a estimulação nervosa elétrica transcutânea, com objetivo de analgesia.
DISCUSSÃO
As causas e as freqüências da paralisia facial periférica encontrada neste estudo são similares a da literatura brasileira3,8. A freqüência de paralisia facial idiopática, segundo Nakamura et al.12, varia de 62% a 93% dos casos. No entanto, um estudo colombiano demonstrou maior freqüência de paralisia facial traumática em relação à paralisia de Bell13. Para Vasconcelos2, a segunda maior incidência de paralisia facial periférica é de origem traumática, podendo ocorrer como conseqüência de fraturas de ossos da face, como as crânio-encefálicas.
Aproximadamente um terço dos pacientes evoluem com seqüelas estéticas ou funcionais significantes como: disfunção oral, contraturas, obstrução nasal, disgeusia, disestesias, sincinesias e espasmo hemifacial3. A completa recuperação da lesão é, freqüentemente, impedida pela sincinesia.4,7,8 As sincinesias podem estar relacionadas com os recursos da fisioterapia sem supervisão e eletroestimulação14. Esta é uma seqüela atribuída à hiperexcitabilidade nuclear facial ou à regeneração aberrante das fibras nervosas1. O presente estudo demonstrou que, entre os 12 casos com avaliação final, sete casos apresentaram seqüelas motoras, e apenas um apresentou sincinesias.
Quando comparada a etiologia com a recuperação motora (n=12), observou-se recuperação total nos casos de etiologia idiopática (60%) e traumática (40%). Em um estudo com 140 casos de paralisia facial idiopática, Wolf15 relatou uma recuperação satisfatória em 82,1% dos casos.
Embora seja comum uma piora do quadro nas primeiras 48 horas, a maioria dos pacientes evolui para a recuperação dentro de algumas semanas. No entanto, quando há evidências de denervação após dez dias, pode-se esperar uma demora no início da recuperação (três meses em média)4,7. Ribeiro8 afirmou que o tempo médio de recuperação do nervo facial pode durar de 15 dias até quatro anos. Cohen16 observou, em 95 casos revisados com gestantes, a recuperação completa da paralisia de Bell em 56 mulheres (58,9%) dentro de quatro meses ou menos. Em um estudo de 36 pacientes com paralisia facial periférica usando a cinesioterapia, observou-se a recuperação parcial em 83,3% dos participantes após 15 dias, e a recuperação total em 63,8%, após 30 dias de fisioterapia17. Os participantes deste estudo permaneceram a mediana de 12 semanas em tratamento, o que pode significar uma precocidade de alta ou abandono do mesmo; três permaneceram por mais de um ano e apenas um manteve acompanhamento durante quatro anos.
Estudos apontam que devem ser utilizadas a estimulação com massagens rápidas e exercícios de mímica facial para melhorar a simetria. Em um evento internacional realizado há duas décadas, já era apontada a importância do acompanhamento dos pacientes com paralisia facial periférica com exercícios, massagens, eletroterapia e biofeedback7,8,12,17,18. Cronin & Steenerson14 propõem o biofeedback por eletromiografia de superfície. Os resultados demonstraram uma melhora da simetria facial e das sincinesias em 24 pacientes.
Os exercícios de treinamento neuromuscular da mímica facial são usados para melhorar a simetria da face9,4. Os principais recursos de fisioterapia aplicados nos casos deste estudo foram: cinesioterapia, massoterapia, crioterapia e eletroterapia. Os recursos de cinesioterapia como facilitação neuromuscular e estimulação sensorial foram utilizados em todas as intervenções. O resultado do treinamento facial pode ser explicado pela teoria da plasticidade do sistema nervoso19.
Dos 23 prontuários analisados inicialmente, apenas três pacientes receberam eletroterapia associada à cinesioterapia, para analgesia e não eletroestimulação neuromuscular. O programa de eletroestimulação neuromuscular pode reverter parcialmente os déficits motores e as seqüelas da paralisia facial periférica, se combinados com um programa de exercícios específicos. Uma revisão narrativa da literatura e uma revisão sistemática demonstraram benefícios na utilização da eletroestimulação clássica e biofeedback, e concluíram serem necessários estudos que apresentem os parâmetros específicos de utilização e avaliação destes benefícios, para demonstrarem a efetividade do mesmo11,18. Um estudo comparativo de 149 pacientes com paralisia facial de Bell demonstrou recuperação funcional completa mais rápida em 77 pacientes tratados com eletroestimulação neuromuscular, comparado aos 72 pacientes tratados apenas com prednisona20. Entretanto, a eletroterapia pode ser responsável por um aumento de tetanias e hipertonias que, por sua vez, desencadeiam sincinesias. Esta modalidade tem sido abandonada em substituição ao trabalho muscular analítico e técnicas de alongamento muscular9-14.
Todos os casos deste estudo receberam orientações quanto aos cuidados e às atividades domiciliares. Basicamente, a orientação tem como intuito dar informações, prevenir as recorrências dos sintomas e promover modificações no comportamento do indivíduo7. Nesse sentido ela favorece significativamente a mudança dos cuidados em saúde, pois facilita a aceitação da responsabilidade por parte do indivíduo21.
LIMITAÇÕES E SUGESTÕES
Os registros dos casos apresentaram-se incompletos e não padronizados. É fundamental inserir no serviço de fisioterapia protocolos que facilitem os registros de dados dos indivíduos com paralisia facial encaminhados para tratamento, como por exemplo: tratamento médico associado, avaliação motora inicial e final, recursos selecionados, relatório de tratamento, permitindo assim estudos analíticos.
Os diversos recursos que são utilizados na fisioterapia ao indivíduo com paralisia facial proporcionam recuperações neuromotoras. Entretanto, há necessidade de estudos que demonstrem a efetividade destes recursos com ensaios clínicos aleatórios, visando facilitar as decisões clínicas dos fisioterapeutas.
CONCLUSÃO
Este estudo demonstrou que as características dos indivíduos com paralisia facial atendidos na fisioterapia são similares a outras populações. Os mesmos apresentaram melhora do quadro inicial após tratamento com recursos de cinesioterapia sugeridos pela prática clínica e literatura científica.
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1 Mestre, Fisioterapeuta Docente da Universidade Estadual de Londrina. 2 Doutor, Fisioterapeuta Docente da Universidade Estadual de Londrina. 3 Especialista em Fisioterapia Neurofuncional do Hospital Universitário da Universidade Estadual de Londrina. 4 Especialista em Fisioterapia Neurofuncional do Hospital Universitário da Universidade Estadual de Londrina. Departamento de Fisioterapia do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Estadual de Londrina. Endereço para correspondência: Márcia Regina Garanhani - Rua Raposo Tavares 445/31 Centro Londrina PR 86010-580. Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBORL em 25 de abril de 2006. cod.1863. Artigo aceito em 9 de agosto de 2006.
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