ISSN 1806-9312  
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3471 - Vol. 73 / Edição 1 / Período: Janeiro - Fevereiro de 2007
Seção: Artigo Original Páginas: 101 a 105
A importância da leitura orofacial no processo de adaptação de AASI
Autor(es):
Ana Helena Bannwart Dell´Aringa 1, Elisabeth Satico Adachi 2, Alfredo Rafael Dell´Aringa 3

Palavras-chave: auxiliares auditivos, deficiência auditiva, leitura labial.

Keywords: hearing aid, hearing loss, lip reading.

Resumo: A leitura orofacial (LOF) é feita de forma inconsciente ao se comunicar e atualmente tem sido utilizado com freqüência na avaliação de deficientes auditivos. O deficiente auditivo é capaz de "ler" a posição dos lábios e captar os sons da fala de um locutor, porém é provável que até o melhor leitor labial só consiga entender 50% das palavras articuladas. Metodologia: Foram avaliados 30 indivíduos de ambos os sexos, na faixa etária de 27 a 89 anos, portadores de deficiência auditiva bilateral sensorioneural moderada. A avaliação constou do teste de percepção de fala de palavras monossílabas em quatro situações: sem AASI e sem LOF, sem AASI e com LOF, com AASI e sem LOF, com AASI e com LOF. Resultados: Observou-se uma melhora na porcentagem de acertos em 93,5% dos pacientes na situação com AASI e com LOF em relação às demais situações. Conclusão: A leitura dos lábios é uma importante estratégia de comunicação aos portadores de deficiência auditiva e sua recomendação auxilia o processo de adaptação de AASI.

Abstract: Lip reading (LR) is unconsciously practiced as we communicate and has currently been widely used in the assessment of hearing impaired people. The hearing challenged individual is able "to read" lip position and thus interpret the speech sounds of the speaker; however, it is very likely that the best lip reader can only catch 50% of the words uttered. Methodology: 30 individuals of both gender, with age ranging from 27 to 89 years, carriers of moderate bilateral sensorineural hearing loss. The assessment encompassed speech recognition test of monosyllable words in four situations: without hearing aid (HA) and LR; without HA and with LR; with HA and without LR; and with HA and LR. Results: we noticed an improvement in the percentage of correct answers in 93.5% of the patients with HA and LR when compared to those patients in the other situations. Conclusion: Lip reading is an important communication strategy for those with hearing impairment, and it can support the hearing aid fitting process.

INTRODUÇÃO

A dificuldade de comunicação é considerada a conseqüência mais importante da deficiência auditiva. Os indivíduos deficientes auditivos, na tentativa de amenizarem esta dificuldade, acabam recorrendo a alguns mecanismos para melhor compreensão sobre o que está sendo falado, e retornam a mensagem ao interlocutor com maior facilidade. Estes mecanismos são denominados por Speri (2000) de "estratégias de comunicação"1.

Segundo Boéchat (1992), as estratégias de comunicação se constituem em um conjunto de determinadas atitudes que funcionam como agentes facilitadores para que a mensagem seja facilmente recebida, seja de modo visual ou auditivo2.

A mesma autora organizou as estratégias de comunicação em grupos conforme sua natureza e as classificou em cognitivas, interventivas, mecânicas, paliativas, remediativas, desistivas e simulativas.

Dentre as estratégias cognitivas, as quais visam resgatar o conteúdo da mensagem, tem-se a leitura orofacial (LOF).

Além da utilização de estratégias de comunicação como agentes facilitadores para a efetividade da comunicação, a utilização da Leitura Orofacial torna-se imprescindível para este fim. Segundo Kozlowski (1997), o processamento visual da fala é utilizado até mesmo entre os ouvintes, fazendo parte da percepção da fala3. Este processo ocorre principalmente quando a relação sinal/ruído é desfavorável, pois os fonemas se encontram mascarados pelo ruído, sendo apenas perceptível ao ouvinte.

Para Demorest, Bernstein (1992) a leitura orofacial constitui-se na manifestação de maior prevalência dentro da estratégia de natureza cognitiva, na qual os indivíduos utilizam várias pistas para compreender a fala, como por exemplo, atenção para expressões faciais, reconhecimento de pistas gestuais, atenção para pistas ambientais entre outras4.

O uso da leitura orofacial é feito de forma inconsciente ao se comunicar observando a expressão facial, gestos, mudança de postura e pistas que nos mostram caminhos para decodificar as informações e atualmente tem sido utilizado com freqüência na avaliação de deficientes auditivos5.

O Portador de deficiência auditiva é capaz de "ler" a posição dos lábios e ao mesmo tempo captar os sons da fala de um locutor, porém é provável que até o melhor leitor labial só consiga entender 50% das palavras articuladas, pois muitos fonemas possuem uma articulação invisível e outros a mesma articulação6.

Para Russo (1999), faz-se necessário a seleção, indicação e adaptação de AASI conjuntamente a programas de reabilitação audiológica global para minimizar as reações psicossociais do idoso frente aos aspectos apresentados, auxiliando este portador de deficiência auditiva e seus familiares7.

Diante do exposto, este estudo teve por objetivo investigar os benefícios da leitura orofacial durante o processo de adaptação do Aparelho de Amplificação Sonora Individual em adultos.

MATERIAL E MÉTODO

Este estudo foi realizado no setor de Fonoaudiologia da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Marília (FAMEMA), sendo aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa sob protocolo nº 322/04. Foram selecionados 31 pacientes, na faixa etária entre 27 e 89 anos (média = 65,6 mediana = 71), cuja audiometria tonal limiar indicou deficiência auditiva bilateral simétrica, do tipo sensorioneural e de grau moderado, sendo estes os fatores de inclusão. Todos os pacientes estavam sendo submetidos ao processo de seleção e indicação do AASI pela primeira vez e nunca haviam realizado teste de AASI anteriormente, fatores de exclusão.

A coleta de dados foi realizada por meio da análise de prontuários. Selecionou-se prontuários de pacientes que se enquadravam nos fatores de inclusão e exclusão descritos anteriormente.

Coletaram-se os dados referentes ao teste de percepção da fala de palavras monossílabas (Lacerda et al., 1976) em 4 situações. As quais foram apresentadas na seguinte ordem8:

- Sem AASI sem LOF (1ª situação);

- Sem AASI com LOF (2ª situação);

- Com AASI sem LOF (3ª situação);

- Com AASI com LOF (4ª situação);

Este procedimento específico é utilizado na rotina dos atendimentos de seleção de AASI desta instituição.

As diferentes provas foram aplicadas à viva voz, pela mesma avaliadora, em intensidade ao redor de 70/75 dB, em uma sala amplamente iluminada e com nível mínimo de ruído. A distância entre o indivíduo e a avaliadora era de 1 metro.

Utilizou-se a classificação de Davis, Silvermann (1970) para determinação do grau da deficiência auditiva9.

RESULTADOS

Os resultados foram analisados de forma descritiva, conforme orientação estatística.

É possível observar na Tabela 1 a porcentagem de acerto obtida por cada paciente nas 4 situações do teste de percepção da fala.



A situação 1 foi a que apresentou maior grau de dificuldade para o portador de deficiência auditiva, pois este encontra-se sem o uso do AASI e sem o auxílio da LOF.

Ao compararmos as situações 1 e 2, sem AASI, sem e com LOF, observa-se que 100 dos pacientes (31 pacientes) obtiveram um escore maior com o uso da leitura orofacial. O mesmo ocorre quando comparamos as duas seguintes situações, 3 e 4, com AASI, sem e com LOF, pois 100% obtiveram melhor escore com o uso do AASI.

Resultados como estes também assemelham-se entre as situações 1 e 3, sem LOF, sem e com AASI, verificou-se que 100% dos pacientes obtiveram melhora no escore com o uso do AASI.

Já nas situações 2 e 4, em que o paciente realizava a leitura orofacial tanto com quanto sem o uso do AASI, 2 pacientes obtiveram o mesmo escore em ambas as situações.

E comparando a última situação com as demais, 93,5% obtiveram melhora com o uso do AASI e LOF.

DISCUSSÃO

Faremos a seguir relações de comparação entre as diversas situações apresentadas.

Comparando as duas primeiras situações, nas quais todos os indivíduos encontravam-se sem AASI, verificou-se que 97% dos indivíduos obtiveram melhora no índice de reconhecimento de fala quando realizaram a LOF.

Observa-se, portanto, que apenas com o uso da LOF a grande maioria dos deficientes auditivos pôde beneficiar-se desta estratégia na comunicação.

Com relação às duas seguintes situações, 3 e 4, nas quais todos utilizavam o AASI, sendo na 3 sem o uso da LOF e na 4 com o uso da LOF, 100% dos indivíduos avaliados obtiveram melhora na porcentagem de acerto das palavras quando realizaram a LOF.

Dados como estes se assemelham aos relatos de Schartz et al. (2004), os quais afirmaram que ver os lábios de um falante auxilia o ouvinte a ouvir melhor e, conseqüentemente, a compreender melhor10.

Entre as situações 1 e 3, onde não havia o auxílio da LOF, observa-se uma melhora no escore em 100% dos indivíduos avaliados, quando estes utilizam o AASI.

Silva e al. (2002) descrevem que o uso do aparelho de amplificação sonora individual é importante para melhora das funções cognitivas em idosos com deficiência auditiva11.

O mesmo não ocorreu entre as situações 2 e 4, nas quais todos os indivíduos realizaram a LOF, sendo a situação 2 sem AASI e na situação 4 com AASI, pois 6,5% obtiveram o mesmo resultado, tanto com como sem AASI.

Duas situações que chamaram nossa atenção foram as segunda e terceira, pois entre elas 16% dos indivíduos obtiveram escore maior na segunda, situação esta na qual encontravam-se sem AASI, mas realizavam a LOF.

Provavelmente este fato ocorreu porque o teste com o AASI foi realizado com deficientes auditivos que nunca haviam usado ou testado AASI anteriormente, e já sabiam como utilizar a LOF como uma estratégia de comunicação, estando o estímulo auditivo em segundo plano.

O que pode ser justificado também pela conclusão do estudo realizado por Boéchat (1992), a qual relata que os indivíduos que convivem melhor com a deficiência auditiva utilizam com maior freqüência as estratégias de comunicação2.

Blamey et al. (1989) descreveram que quando a audição não proporciona adequada informação sensorial sobre a fala, os aspectos visual e tátil podem ser utilizados como canais sensoriais suplementares ou alternativos, devendo, portanto, serem utilizados com o intuito de aumentar o potencial de comunicação de pessoas com perda auditiva12.

Hull (1992) referiu a importância de introduzir o idoso com dificuldades auditivas em um programa de reabilitação auditiva, no qual o treinamento da LOF deva ser enfatizado, suprindo assim as dificuldades comunicativas encontradas quando esse faz uso somente do AASI13.

Em um estudo semelhante os autores concluíram que a amplificação e a LOF juntas providenciam uma melhora significante no reconhecimento de consoantes. Enquanto a LOF fornece informações referentes ao ponto de articulação, a amplificação auxilia no ponto e no modo desta, assim como nas informações vocais14.

Demais estudos como este não foram encontrados na literatura compulsada, porém em um trabalho realizado por Mello et al. (2004), as autoras relataram que 100% dos indivíduos avaliados realizaram as estratégias cognitivas, dentre elas a LOF, tanto com AASI como sem AASI15. E concluíram que esta foi a manifestação de maior ocorrência devido à espontaneidade e à facilidade de aplicação da mesma, já que é comumente utilizada até mesmo entre os ouvintes.

Marques et al. (2004) mostraram em seu estudo que após um programa de reabilitação auditiva, com o objetivo de avaliar a capacidade de integrar as pistas visuais e auditivas, por meio de treinamento de fonemas, apenas um sujeito não obteve melhora na percepção de fala de palavras monossílabas.

Com este estudo pôde-se confirmar a importância do uso da LOF como mecanismo para facilitar a compreensão da fala e manter a conversação, obtendo sucesso na comunicação. Sob o ponto de vista geral, a utilização da LOF traz benefícios para o bem-estar do indivíduo com a elevação da auto-estima e, conseqüentemente, melhora do convívio social.

Um fator importante que devemos ressaltar é o fato deste estudo ter sido realizado em um ambiente silencioso e iluminado o que facilita o uso das estratégias. No caso do indivíduo encontrar-se em um ambiente ruidoso onde o ruído sobrepõe a fala, o sistema de amplificação pode não estar sendo efetivo e as estratégias assumem um papel determinante para a comunicação.

CONCLUSÃO

A partir dos resultados obtidos neste estudo pode-se concluir que:

A maioria dos indivíduos obteve melhor escore no teste de percepção de fala quando fizeram uso da leitura orofacial, tanto quando estavam com o AASI como quando estavam sem o AASI.

A situação que mais beneficiou os indivíduos portadores de deficiência auditiva foi a situação 4, onde estes encontravam-se com o AASI e com o auxílio da LOF.

A leitura dos lábios é uma importante estratégia de comunicação aos portadores de deficiência auditiva e sua recomendação auxilia o processo de adaptação de AASI.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Speri MRB. Estratégias de comunicação usadas nas interações de crianças deficientes auditivas e seus interlocutores. [Dissertação - Mestrado] Distúrbios da Comunicação Humana: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; 2000.

2. Boéchat EM. Ouvir sob o prisma da estratégia. [Dissertação -Mestrado]. Distúrbios da Comunicação Humana: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; 1992.

3. Kozlowski L. A percepção Auditiva e Visual da Fala. São Paulo: Ed. Revinter; 1997.

4. Demorest ME, Bernstein LE. Sources of variability in speech reading sentences: a generalizability analysis. J Speech Lang Hear Res 1992;35(4):876-91.

5. Bevilacqua MC, Piccino MTRF, Pinto MDB. Rastreamento de fala em indivíduos com audição normal. Pró-fono: Revista da Atualização Científica 1999;11(1):73-7.

6. 3.1.5. Leitura Orofacial. Disponível em http://www.ines.org.br/ines_livros/18/18_006.HTM. Acessado em 10 de junho de 2006.

7. Russo ICP. Distúrbios da Audição: A Presbiacusia. In: Russo ICP. Intervenção Fonoaudiológica na Terceira Idade. Rio de Janeiro: Ed. Revinter; 1999. p. 51-92.

8. Lacerda AP. Audiologia Clínica. Rio de Janeiro: Ed. Guanabara Koogan; 1976.

9. Davis H, Silverman RS. Hearing and Deafness. 4 ed. New York, Holt: 1978.

10. Schartz JL, Berthommier F, Savariaux C. Seeing to hear better: evidence for early audio visual interactions in speech identification. Cognition 2004;93(2):69-78.

11. Silva AS, Venites JP, Bilton TL. A relação entre o uso de aparelho de amplificação sonora individual - AASI - e a melhora da funçäo cognitiva no envelhecimento. Dist Comun 2002;14(1):63-89.

12. Blamey PJ, Cowan RSC, Alcantara JI, Whitford LA, Clark GM. Speech perception using combinations of auditory visual and tactile information. J Rehabil Res Dev 1989;26:15-24.

13. Hull RH. Techniques of Aural Rehabilitation Treatment For Older Adults. In:___. Aural Rehabilitation. San Diego: 2a. Ed. Singular Publishing Group Inc.; 1992. p. 278-92.

14. Walden BE, Grant KW, Cord MT. Effects of amplification and speech reading on consonant recognition by persons with impaired hearing. Ear Hear 2001; 22(4):333-41.

15. Mello JM, Dell'Aringa AHB, Zacare CC, Oliveira JRM, Oliveira VV. Estratégias de comunicação utilizadas por portadores de deficiência auditiva neurossensorial moderada. Pro-Fono2004;16(1):111-8.

16. Marques ACO, Kozlowski L, Marques JM. Reabilitação auditiva no idoso. Rev Bras Otorr 2004; 70(6):806-12.




1 Especialização, Fonoaudióloga do Setor de Fonoaudiologia da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Marília.
2 Fonoaudióloga do Setor de fonoaudiologia da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Marília.
3 Professor Doutor, Chefe da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Marília.
Setor de Fonoaudiologia da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Marília (FAMEMA).
Endereço para correspondência: Ana Helena Bannwart Dell´Aringa - Rua Sperendio Cabrini 310 17.516-300 Marília SP.
Tel (0xx14) 3433-6631 - Fax: (0xx14) 3402-1704 - E-mail: anahelenadell@yahoo.com.br
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBORL em 03 de fevereiro de 2006. cod. 1705
Artigo aceito em 06 de julho de 2006.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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