ISSN 1806-9312  
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3469 - Vol. 73 / Edição 1 / Período: Janeiro - Fevereiro de 2007
Seção: Artigo Original Páginas: 86 a 92
Recorrência na área do traqueostoma após laringectomia total
Autor(es):
Andre Luis Sartini 1, Antonio Sérgio Fava 2, Pablo Henrique de Faria 3

Palavras-chave: recorrência na área do traqueostoma após laringectomia total.

Keywords: stoma recurrence.

Resumo: O desenvolvimento da recorrência na área do traqueostoma em pacientes laringectomizados é uma das evoluções mais sérias do carcinoma epidermóide de laringe. Os fatores mais comumente associados a esta patologia são a extensão infraglótica do tumor laríngeo e a traqueostomia prévia à laringectomia. Objetivo: Identificar achados de exame clínico de pacientes laringectomizados relacionados com a possível gênese desta recorrência. Forma de Estudo: Estudo descritivo retrospectivo. Casuística e Métodos: Foram analisados 47 pacientes laringectomizados em nosso hospital devido ao carcinoma epidermóide de laringe entre 1995 e 2004 e avaliado o número de recorrências, bem como os fatores de risco relacionados. Resultados: A recorrência na área do traqueostoma desenvolveu-se em cinco (10,6%) destes pacientes. Não houve correlação estatística entre a invasão infraglótica do tumor ou traqueostomia prévia com a recorrência na área do traqueostoma. Conclusão: A recorrência na área do traqueostoma continua sendo uma das evoluções fatais do câncer laríngeo, não sendo possível neste estudo identificar fatores relacionados com esta recorrência. Novos estudos com casuísticas maiores e longos períodos de seguimento são necessários no futuro para melhor compreensão desta patologia.

Abstract: Stoma recurrence after total laryngectomy is one of the most severe developments of squamous cell carcinoma of the larynx. Risk factors most strongly implicated in stoma recurrence have been subglottic invasion by the laryngeal tumor and tracheotomy prior to laryngectomy. Aim: Study the clinical findings of patients who underwent total laryngectomy and evaluate the probable risk factors to the development of stoma recurrence. Study design: Descriptive and retrospective study Materials and methods: We studied data from 47 patients who underwent total laryngectomy for the treatment of laryngeal cancer between 1995 and 2004 and evaluated recurrences and risk factors. Results: Stoma recurrence developed in 10.6 per cent of them(5 cases). There was no significant correlation between stoma recurrence and subglottic invasion or prior tracheotomy. Conclusion: Stoma recurrence still is one of the most lethal developments associated to laryngeal cancer. In the present study it was not possible to identify factors related to this recurrence. Further studies with a larger sample and a longer follow-up period are necessary to better understand this condition.

INTRODUÇÃO

A recorrência do tumor na área do traqueostoma definitivo após a laringectomia total é uma das mais graves evoluções do carcinoma epidermóide de laringe tratado cirurgicamente.

Recorrências na área do traqueostoma passam a ser mais bem estudadas após o trabalho de Keim et al.1 em 1965. Estes autores definiram-nas como uma infiltração neoplásica difusa na área de junção do coto traqueal com a pele.

A incidência da recorrência na área do traqueostoma após laringectomia total varia de 1,7% a 25% dos pacientes laringectomizados de acordo com várias séries, mas na verdade há muita dificuldade em saber o valor real destas taxas de recorrência, pois muitos artigos são incluídos no grupo de recorrências locais2,3.

Outro fator significante que pode gerar dificuldade na análise da incidência da recorrência na área do traqueostoma é a quantidade de sinônimos usados para descrever este tipo de patologia, tais como: metástase traqueal, recorrência peritraqueal, recorrência traqueal, tumor paratraqueostômico, metástase em traqueostoma, segundo tumor primário em traquéia3.

A maioria das recorrências na área do traqueostoma são diagnosticadas no primeiro ano após a laringectomia total e sua patogênese ainda não está claramente definida1,4-7.

O sítio do tumor e estadiamento da doença, invasão infraglótica, traqueostomia prévia, insuficientes margens cirúrgicas na traquéia após laringectomia total, invasão tireoidiana pelo tumor laríngeo, implantes tumorais durante a cirurgia e metástases linfonodais paratraqueais são os fatores correlacionados mais citados na literatura1-26. Não existe uma opinião unânime quanto à importância de cada um destes fatores na gênese da recorrência na área do traqueostoma.

As diversas formas de tratamento destas recorrências que incluem cirurgia, radioterapia e quimioterapia, tem sido insatisfatórias no controle da doença e por esta razão têm sido dada uma atenção especial na prevenção deste tipo de patologia2,8-10. Vários métodos têm sido propostos para prevenção da recorrência na área do traqueostoma, tais como: secção baixa da traquéia possibilitando margem cirúrgica ampla, dissecção dos linfonodos localizados nas cadeias paratraqueais, laringectomias de emergência nos pacientes que necessitavam de traqueostomia prévia à laringectomia, radioterapia pós-operatória incluindo o traqueostoma e mediastino superior1,3,7,11.

Historicamente, as recorrências na área do traqueostoma são consideradas muito difíceis de serem tratadas e estão associadas com pouca probabilidade de sobrevida10,12-15.

O objetivo deste trabalho é estudar a casuística de pacientes laringectomizados em nosso hospital entre os anos de 1995 e 2004 e analisar os casos em que houve a recorrência tumoral na área do traqueostoma através dos achados clínicos destes pacientes, tentando identificar alguns fatores de risco na gênese desta patologia e sua prevenção.

CASUÍSTICA E MÉTODOS

Este estudo é baseado em 47 pacientes com diagnóstico de carcinoma epidermóide de laringe, submetidos à laringectomia total, durante o período de fevereiro de 1995 a janeiro de 2004. Todos os pacientes incluídos neste estudo não foram submetidos à radioterapia ou quimioterapia previamente à cirurgia.

No que diz respeito ao sexo, houve predomínio do sexo masculino (44 casos) em relação ao sexo feminino (3 casos), mostrando uma proporção de 14,6:1.

A idade mínima foi de 42 anos e a máxima de 86 anos, sendo a idade média de 63,3 anos, e a mediana de 61 anos.

A técnica cirúrgica empregada foi a laringectomia total, incluindo a ressecção da área da traqueostomia nos pacientes que estavam traqueostomizados previamente à cirurgia, associada ou não ao esvaziamento cervical radical ou seletivo do pescoço, uni ou bilateral. A indicação da radiação pós-operatória foi determinada para cada indivíduo após o resultado do exame anatomopatológico e foi indicada nos casos de margens cirúrgicas comprometidas ou pela presença de linfonodos histologicamente metastáticos no pescoço.

As lesões foram classificadas de acordo com a classificação TNM-UICC. Para enquadrar os casos nos grupos específicos, levamos em conta o conjunto dos dados dos exames de nasofibrolaringoscopia, laringoscopia indireta e direta, palpação do pescoço, tomografia computadorizada cervical e raios X de tórax.

O diagnóstico histopatológico foi feito através de biópsias realizadas, na maioria dos casos, sob laringoscopia direta e anestesia geral. Nos casos de pacientes dispnéicos no ato do diagnóstico clínico, os mesmos foram submetidos à traqueostomia de emergência com anestesia local e sedação no centro cirúrgico e, posteriormente, laringoscopia direta e biópsia sob anestesia geral.

Para a realização da análise estatística entre as diferentes variáveis qualitativas examinadas nos 47 pacientes submetidos à laringectomia total foram utilizados testes QUI-Quadrado ou exato de Fisher, quando necessário, com o objetivo de verificar possíveis associações entre as classes das variáveis e os grupos de pacientes que apresentaram ou não recorrências na área do traqueostoma. O teste não-paramétrico de Mann-Whitney foi utilizado para comparação das idades entre o grupo de pacientes com e sem recorrência na área do traqueostoma.

Os testes foram realizados considerando um nível de significância de 5%.

As variáveis analisadas foram estas: idade, sexo, estadiamento clínico (TNM), localização do tumor, traqueostomia prévia/pré-operatória, radioterapia pós-operatória.

RESULTADOS

Recorrências na área do traqueostoma ocorreram em 5 casos (10,6%) de um total de 47 pacientes submetidos à laringectomia total.

Não houve diferença estatisticamente significativa entre a faixa etária (p=0.449) e sexo (p<0,999) dos pacientes que apresentaram a recorrência na área do traqueostoma em relação aos pacientes que evoluíram sem a recorrência.

Entre os 47 pacientes laringectomizados, de acordo com a classificação TNM-UICC, 14 (29,78%) pacientes foram estadiados como T2; 23 pacientes (48,9%) como T3 e 10 (21,27%) pacientes como T4 (Tabela 1).



Dos pacientes que apresentaram a recorrência na área do traqueostoma, 2(40%) tinham sido estadiados como T2, 2 (20%) pacientes como T3 e 1(20%) paciente como T4. Não houve significância estatística entre o tamanho do tumor (T) com a recorrência na área do traqueostoma (p=0,864) (Tabela 1).

Analisando os 47 pacientes com carcinoma epidermóide de laringe submetidos à laringectomia total, 26 (55,31%) pacientes não apresentaram linfonodo cervical palpável no momento do diagnóstico da doença enquanto que 21 (44,68%) pacientes apresentaram linfonodo clinicamente palpável e com características metastáticas no momento do diagnóstico clínico da doença (Tabela 1). Não houve relação estatisticamente significativa entre a metástase linfonodal no pescoço e a recorrência do tumor na área do traqueostoma (p=0,240).

A divisão por estrutura comprometida mostrou que dos 5 pacientes que apresentaram a recorrência na área do traqueostoma, 2(40%) apresentaram lesão inicial somente em glote, 2 (40%) apresentavam lesão em glote/infraglote e 1 (20%) apresentou lesão em supraglote /glote (Tabela 2).



Em nossa série não houve associação estatística entre a recorrência na área do traqueostoma com o tumor primário acometendo a região infraglótica (p=0,054).

Observamos que dos 47 pacientes submetidos à laringectomia total, 17 (36,17%) pacientes tinham sido submetidos a uma traqueostomia previamente à cirurgia definitiva, em virtude provavelmente da dispnéia ou do tamanho do tumor apresentados pelos pacientes no momento do diagnóstico. Dentre os 5 casos de recorrência na área do traqueostoma, 3 (60%) pacientes apresentavam traqueostomia prévia (Tabela 2). Mesmo assim, não houve significância estatística entre esta variável e as recorrências (Tabela 1).

A radioterapia pós-operatória foi empregada em 4 (80%) pacientes que posteriormente evoluíram com recorrência na área do traqueostoma. Nestes pacientes, a radioterapia foi empregada devido à presença de linfonodos histologicamente metastáticos no pescoço.

Não verificamos diferenças estatisticamente significantes quando analisamos a recorrência na área do traqueostoma em relação ao emprego da radioterapia pós-operatória (p<0,999).

DISCUSSÃO

A recorrência na área do traqueostoma é considerada a mais séria e fatal complicação do câncer laríngeo. Nas diversas séries a incidência da recorrência na área do traqueostoma varia de 1,7% a 25%2,3, sendo achado em nosso estudo a incidência de 10,6%.

Em 1965, Keim et al.1 revisaram 116 casos de pacientes submetidos à laringectomia total devido ao carcinoma epidermóide de laringe. As recorrências na área do traqueostoma se desenvolveram em 70 pacientes, todos os quais morreram posteriormente. Definiu-se que o conceito da recorrência na área do traqueostoma seria uma infiltração neoplásica difusa, na junção do coto traqueal com a pele. Por este critério, a lesão poderia comprometer o epitélio do estoma, os tecidos adjacentes ou ambos.

As taxas realmente verdadeiras são desconhecidas devido a muitas séries reportadas na literatura classificarem a recorrência na área do traqueostoma como fazendo parte de uma recorrência local3.

Um outro problema encontrado é o grande número de sinônimos usados para definir este tipo de patologia tais como: metástase traqueal, recorrência peritraqueal, recorrência traqueal, persistência de tumor paratraqueostômico, metástase traqueostomal e 2° tumor primário em traquéia3.

A maioria destas recorrências é diagnosticada no primeiro ano após a laringectomia total12. Kowalski16 relata uma média de 5,5 meses para o aparecimento da recorrência. Em seu estudo, 19 de um total de 24 pacientes (79,2%) tiveram a recorrência antes de 1 ano de seguimento. Em contraste, Modlin e Ogura11 reportaram um período mais longo para o diagnóstico da recorrência variando de 1 a 2 anos pós-laringectomia.

O sítio primário do tumor é um fator de risco significante para o desenvolvimento da recorrência na área do traqueostoma. No câncer de laringe, o comprometimento da região infraglótica permanece como principal fator de risco para o desenvolvimento da recorrência na área do traqueostoma1,6,14,18. Muitos autores acreditam que estes tumores têm propensão para o rápido envolvimento de tecidos paratraqueais devido a sua extensão submucosa. Também há uma tendência natural de tumores localizados na região infraglótica infiltrarem o esqueleto laríngeo e conseqüentemente prosseguirem para infiltração da glândula tireóide e tecidos moles perilaríngeos19-22. Em pacientes com envolvimento da região infraglótica, a taxa de recorrência na área do traqueostoma pode chegar entre 38%6,15 e 44%7. Em nosso estudo, o comprometimento da região infraglótica apresentou tendência à significância estatística, tendo um valor de p descritivo de 0,054.

Em relação ao pescoço, embora não se tenha verificado significância estatística entre pacientes clinicamente NO e N1-3 na gênese da recorrência na área do traqueostoma em nosso estudo (p=0,240), temos que destacar a importância dos linfonodos paratraqueais na disseminação do câncer de laringe relatada por outros autores, principalmente quando o tumor acomete a região infraglótica4,6,13,23.

A presença da metástase linfonodal em tumores de cabeça e pescoço é o mais importante fator prognóstico para a sobrevida do paciente, principalmente quando o tumor primário se localiza na laringe, hipofaringe ou esôfago cervical. Embora a falta de estudos prospectivos não nos forneça informações suficientes para a conduta cirúrgica ideal no pescoço NO, a dissecção cervical eletiva é sempre preconizada quando o risco de doença linfonodal microscópica no pescoço exceder 20%16.

Nos tumores de laringe, principalmente aqueles que acometem a região infraglótica, o grupo linfonodal de risco seria a cadeia linfonodal paratraqueal e pré-traqueal, e possivelmente, se não avaliadas e tratadas corretamente, estariam envolvidas na possível gênese da recorrência na área do traqueostoma10,24,25. Estes linfonodos são raramente palpáveis e rotineiramente não são incluídos na dissecção cervical. Entretanto, considerando as possíveis chances de disseminação da doença para esta área, seria aconselhável a realização da dissecção cervical destas cadeias linfonodais16.

Alguns autores referem uma diminuição da recorrência na área do traqueostoma de 11,5% para 2,7% nos pacientes laringectomizados em que foi realizada a dissecção paratraqueal e retroesternal associado a radioterapia pós-operatória englobando o mediastino superior, traqueostoma e região paratraqueal.18 A dissecção cervical paratraqueal pode mostrar até 65% de comprometimento linfonodal microscópico nos casos em que a subglote esta comprometida pela neoplasia25.

Pacientes com tumores avançados de laringe que apresentam dispnéia no momento do diagnóstico podem requerer traqueostomia de emergência. Muitos desses tumores que causam obstrução da via aérea possuem também extensão infraglótica. Traqueostomias prévias nestes pacientes, necessárias para estabelecer uma nova via aérea, têm sido identificadas como um importante fator de risco para recorrência na área do traqueostoma1,7,19. Isto se deve ao fato de que a traqueostomia prévia pode possibilitar a implantação de células neoplásicas viáveis da descamação tumoral e por se apresentar com intenso processo inflamatório e tecido de granulação reparacional, o leito pode ser propício para a adesão celular.2 Este risco é referido na literatura variando de 8 a 41%1,6.

Muitos autores também admitem que a relação entre o tempo transcorrido entre a realização da traqueostomia e a laringectomia poderia ser um fator que aumentasse o risco de implantação tumoral, propiciando as recorrências2,5,10.

Na tentativa de estabelecer um prognóstico mais adequado para os pacientes com recorrência na área do traqueostoma, Sisson et al.12 descreveram um sistema de classificação para as recorrências. O tipo I seria a recorrência localizada com presença de um discreto nódulo na parte superior do traqueostoma e o esôfago livre de doença. O prognóstico é relativamente bom se a recorrência é detectada neste estágio.

O tipo II envolveria a metade superior do traqueostoma e o esôfago já estaria acometido. O prognóstico é variável, ficando na dependência do comprometimento esofágico. O tipo III se originaria na metade inferior do traqueostoma e geralmente teria invasão direta para dentro do mediastino. O tipo IV indica que a doença tem extensão lateral comprometendo a região abaixo das clavículas.

Um outro fator de risco proposto para a recorrência na área do traqueostoma seria a intubação endotraqueal como fonte de transporte e implantação de células tumorais20.

Outros autores também descrevem recorrências na área do traqueostoma em pacientes submetidos à laringectomias totais que se submeteram anteriormente à laringectomias parciais prévias5,10.

Sugeriram que possíveis implantes de células tumorais poderiam ocorrer na área da traqueostomia através do contato deste local com as mãos do cirurgião que possivelmente momentos antes estavam manipulando a área do tumor primário. Acreditamos e concordamos com estes autores, que a implantação tumoral não pode ser totalmente desconsiderada como um mecanismo de disseminação do tumor à distância.

Através do estudo de Reddy et al.21, a relação entre a elevação da p53 e o desenvolvimento da recorrência na área do traqueostoma foi avaliada, analisando-se um grupo de pacientes classificados inicialmente como T1 glóticos. Estes pacientes foram inicialmente tratados por radioterapia exclusiva e subseqüentemente submetidos à laringectomia de resgate devido à recorrência local do tumor. A recorrência da área do traqueostoma desenvolveu-se em 25% dos pacientes que foram submetidos a laringectomia de resgate após a primeira recorrência. Não houve nenhuma correlação entre a elevação da p53 obtida através de análise imunohistoquímica de biópsia laríngea pré-radioterapia com a recorrência na área do traqueostoma.

A identificação de marcadores tumorais relacionados ao risco de disseminação local e a distância, bem como a químio ou radiossensibilidade, seria de grande auxílio no planejamento terapêutico. Além disso, poderiam nos possibilitar uma melhor compreensão da doença e desenvolvimento de novas modalidades de detecção precoce e tratamento.

Vários métodos de prevenção têm sido propostos na tentativa de prevenir a recorrência na área do traqueostoma, tais como: ressecção baixa da traquéia e dissecção de linfonodos paratraqueais; evitar a realização de traqueostomias prévias ao procedimento cirúrgico definitivo; laringectomia de emergência ao invés de traqueostomia em pacientes com obstrução respiratória grave; radioterapia pós-operatória no campo do traqueostoma e mediastino superior26-29.

Como já dissemos anteriormente, a traqueostomia prévia é considerada um importante fator de risco para o desenvolvimento da recorrência na área do traqueostoma. Com o objetivo de se evitar este tipo de procedimento, alguns autores propuseram a realização de laringectomias de emergência em pacientes com obstrução respiratória grave devido a tumores avançados de laringe11,24.

Narula et al.22 descrevem o termo laringectomia de emergência como sendo a laringectomia total realizada dentro de 24 horas após o diagnóstico de uma neoplasia maligna de laringe sem tratamento prévio, devido aos sintomas clínicos de obstrução respiratória apresentados pelo paciente com câncer de laringe em estádio avançado. Concluem neste estudo em que comparam 2 grupos aleatórios (um grupo submetido à traqueostomia prévia antes da laringectomia e outro grupo submetido à laringectomia de emergência), que a laringectomia de emergência não ofereceria nenhuma vantagem para a sobrevida dos pacientes.

Concordamos com esses autores, pois achamos que a dificuldade na realização de um pré-operatório adequado para uma cirurgia de grande porte e a necessidade de se confiar plenamente no exame de congelação para executar a cirurgia seriam fatores desestimulantes para este tipo de procedimento.

Alguns trabalhos descrevem que existe uma alta incidência de comprometimento da glândula tireóide em pacientes com carcinoma epidermóide de laringe em estádios avançados ou com acometimento da região infraglótica. Baseados nestes resultados, os autores preconizam a tireoidectomia parcial ou total nestes casos13,23.

Invasão direta da glândula tireóide pode ocorrer em tumores transglóticos ou carcinomas supraglóticos devido à infiltração do tumor através da cartilagem tireóide ou da membrana cricotireóide24,25. O envolvimento indireto ou secundário da glândula tireóide também pode ocorrer em tumores infraglóticos ou transglóticos devido à disseminação linfática para o linfonodo pré-laríngeo ou délfico. Todos estes exemplos citados e talvez não levados em consideração no ato operatório podem, no decorrer do tempo, gerar uma inesperada recorrência na área do traqueostoma em pacientes laringectomizados23.

As laringectomias totais normalmente são realizadas em campo alargado, com a inclusão da musculatura pré-laríngea e das partes moles adjacentes aos órgãos. Consideramos importante a ressecção do espaço situado entre o istmo da glândula tireóide e a laringe, local que pode ser sede de metástases (linfonodos pré-cricotireóides).

Normalmente, não incluímos a glândula tireóide na peça cirúrgica. Quando detectada alguma suspeita de infiltração tireoidiana, realizamos lobectomia ipsilateral a lesão ou tireoidectomia total.

Melhores resultados de controle tumoral da recorrência na área do traqueostoma foram obtidos com a associação da radioterapia pós-operatória27,30-32.

Indicamos a radioterapia pós-operatória nos casos onde as margens cirúrgicas estavam comprometidas ou exíguas e na presença de metástases linfonodais histologicamente confirmadas. No presente estudo, entre os 5 pacientes que apresentaram recorrência na área do traqueostoma, 4 (80%) tinham realizado radioterapia pós-operatória, incluindo o campo traqueostomal. Isto pode gerar dúvidas quanto a possível validade da radioterapia pós-operatória na prevenção da recorrência na área do traqueostoma.

O tratamento das recorrências na área do traqueostoma é poucas vezes curativo e os resultados do tratamento paliativo são com muita freqüência insatisfatórios1,30,33.

Desde a década de 60, a ressecção da recorrência e da traquéia associado ao esvaziamento do mediastino superior tem-se revelado como a única terapêutica eficaz para as recorrências na área do traqueostoma. Muitos autores descrevem que a terapêutica de eleição para as recorrências da área do traqueostoma é a cirurgia2,12,28. Contudo, o tratamento cirúrgico deve ser individualizado para cada paciente, avaliando-se as condições clínicas do mesmo para submeter-se a uma cirurgia de grande porte e também a possível ressecabilidade desta recorrência com ampla radicalidade.

Os resultados da radioterapia exclusiva não são satisfatórios para o tratamento das recorrências da área do traqueostoma, porém é indicada como tratamento paliativo nos casos inoperáveis, tanto pela irressecabilidade da recorrência da área do traqueostoma como pelas más condições clínicas dos pacientes4,29,32.

A quimioterapia, isolada ou associada à radioterapia, não proporciona respostas significativas, objetivas ou subjetivas, e nem mesmo melhora a qualidade de vida dos pacientes com recorrências extensas e irressecáveis2,16.

A nosso ver, o tratamento de escolha deve ser o cirúrgico, dependendo da extensão da recorrência e das condições clínicas do paciente. Em nossos 5 casos, o tratamento empregado foi a radioterapia devido ao estadiamento da recorrência e as más condições clínicas que os pacientes se encontravam no momento da apresentação.

CONCLUSÃO

A recorrência na área do traqueostoma após a laringectomia total continua sendo uma das evoluções mais graves e quase sempre letais do câncer laríngeo. No presente estudo, não foram identificados fatores relacionados com a gênese desta recorrência baseados no exame clínico de pacientes laringectomizados. Novos estudos com casuísticas maiores, longos períodos de seguimento e dados complementares de anatomia patológica são necessários para podermos compreender melhor este tipo de patologia, identificando os possíveis candidatos a estas recorrências tumorais e, através disto, fornecer o melhor tipo de tratamento possível.

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1 Mestrando, Médico assistente do Serviço de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo.
2 Doutor em Cirurgia pela Faculdade de Medicina da USP, FMUSP, Encarregado do Setor de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo.
3 Ex-Médico Residente do Serviço de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo, Médico Otorrinolaringologista.
Hospital do Servidor Público Estadual "FMO"/ São Paulo SP.
Endereço para correspondência: André Luis Sartini - Rua José Alves da Fonseca 76 Jardim Comendador Cardoso Bragança Paulista SP 12900-000.
E-mail: andresartini@uol.com.br
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBORL em 25 de abril de 2006. cod. 1861
Artigo aceito em 20 de junho de 2006.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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