ISSN 1806-9312  
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3457 - Vol. 73 / Edição 1 / Período: Janeiro - Fevereiro de 2007
Seção: Artigo Original Páginas: 7 a 11
Mudanças nos parâmetros do clique durante a captação do BERA
Autor(es):
Mariana Lopes Fávero 1, Fernando L. Carvalho Silva 2, Alfredo Tabith Junior 3, Fernanda S Nicastro 4, Monica C. Gudmond 5, Mauro Spinelli 6

Palavras-chave: diagnóstico topográfico, neuropatia auditiva, perda auditiva.

Keywords: topographic diagnosis, auditory neuropathy, hearing loss.

Resumo: Mudanças no estímulo auditivo afetam os potenciais evocados do BERA e ajudam no diagnóstico, principalmente em indivíduos com neuropatia auditiva. Alguns pacientes com neuropatia auditiva perdem as emissões otoacústicas evocadas e, nestes casos, a comparação das respostas obtidas com cliques rarefeitos e condensados e a redução da freqüência de apresentação deste clique podem mostrar um microfonismo coclear alargado ou uma melhor captação do potencial elétrico. Objetivo: Analisar o efeito destas mudanças sobre os potenciais captados em pacientes com deficiência auditiva, como forma de melhorar o diagnóstico. Forma do Estudo: Clínico prospectivo. Material e Método: 59 pacientes com deficiência auditiva foram submetidos à captação do BERA usando cliques rarefeitos e condensados apresentados a uma freqüência de 27,7/seg. e cliques rarefeitos apresentados a uma freqüência de 3,3/seg. Os resultados foram comparados com as emissões otoacústicas evocadas. Resultados: Oito (13,53%) pacientes apresentaram alterações nos resultados do BERA com as mudanças nas características do clique, como microfonismo coclear alargado, ou uma melhora no traçado. Cinco não apresentavam emissões otoacústicas evocadas. Conclusão: Mudanças nas características do clique podem melhorar o diagnóstico topográfico de perda auditiva, principalmente no grupo de indivíduos com neuropatia auditiva e ausência de emissões otoacústicas, onde muitas vezes somente desta forma é possível o diagnóstico.

Abstract: Manipulation of auditory stimuli affect the ABR evoked potentials and aid the diagnosis, particularly in auditory neuropathy patients. Some patients with auditory neuropathy lose evoked otoacoustic emissions over time; in these cases, comparing responses to rarefaction and condensation clicks, and decreasing the stimulus rate can show an extended cochlear microphonism or yield an improved electric potential record. Aim: To analyze the effect of these click manipulations on the records of potentials of patients with hearing loss as a form of improving the diagnosis. Study design: A clinical prospective study. Patients and Method: 59 patients with hearing loss underwent ABR recording using rarefaction and condensation clicks at a stimulus rate of 27.7/sec, and rarefaction clicks at a stimulus rate of 3.3/sec. The records were compared to the otoacoustic evoked emission. Results: Eight (13.53%) patients showed changes in the recorded ABR potentials as a result of manipulating the characteristics of clicks, such as extended cochlear microphonism or an improved record of electric potentials. Five patients had no otoacoustic evoked emissions. Conclusion: Manipulation of click stimuli can improve the topographic diagnosis of hearing loss, particularly in the group of auditory neuropathy patients with no otoacoustic evoked emissions, where usually, the diagnosis is only possible through the method described above.

INTRODUÇÃO

O BERA ou audiometria do nervo auditivo e do tronco cerebral é definido como um conjunto de respostas elétricas geradas em vários sítios anatômicos mediante um estímulo auditivo externo de qualquer natureza e, desde que foi descoberta em 1970 por Jewett et al., a obtenção destes potenciais tem nos auxiliado, juntamente com as emissões otoacústicas, no diagnóstico topográfico de uma série de alterações auditivas1.

No entanto, em alguns pacientes, entre eles crianças muito pequenas, que não respondem ou respondem de forma inconsistente a testes comportamentais, com ausência de resposta nas emissões otoacústicas evocadas e no BERA, o diagnóstico de surdez coclear nem sempre condiz com a evolução e a resposta clínica diante das terapias propostas, sugerindo que outros sítios anatômicos podem estar comprometidos, além da cóclea.

O clique é o estímulo auditivo mais usado para desencadear as respostas elétricas no BERA, mas nos últimos anos, outros estímulos têm sido introduzidos como forma de melhorar o diagnóstico. Entre eles, o tone burst, usado para análise do limiar auditivo nas freqüências mais graves, não avaliadas pelo clique, facilitando o diagnóstico de perdas em rampa e a adaptação de aparelhos de amplificação sonora em crianças pequenas, e o clique por via óssea, particularmente importante para o diagnóstico de surdez na presença de malformações do pavilhão auricular e da orelha média2,3.

Mudanças nas características do clique também podem sensibilizar o diagnóstico trazendo dados novos sobre o funcionamento do sistema auditivo. Entre estas mudanças, duas são muito citadas na literatura: 1. a inversão da polaridade do estímulo, que facilita a visualização do microfonismo coclear (potencial elétrico gerado, principalmente, pelas CCE), 2. a alteração na freqüência de apresentação do clique, importante para a análise da sincronia neural4,5.

Cliques rarefeitos desencadeiam potenciais cocleares com polaridade diferente e potenciais neurais e de tronco cerebral com latências menores e amplitudes discretamente maiores quando comparados com aqueles desencadeados por cliques condensados, enquanto freqüências mais rápidas de apresentação de estímulos diminuem a reprodução e a clareza das ondas, principalmente as geradas nos sítios mais distais. Nenhuma destas mudanças influencia muito a interpretação dos resultados em indivíduos sem perda auditiva1, no entanto para indivíduos com perda e principalmente indivíduos com neuropatia auditiva, onde a alteração encontra-se entre as CCI e o nervo auditivo, estas mudanças podem ajudar muito o diagnóstico6.

O nosso objetivo, neste estudo, foi avaliar o efeito destas duas mudanças nos parâmetros do clique, nos pacientes com deficiência auditiva, como forma de melhorar o diagnóstico topográfico.

CASUÍSTICA E MÉTODO

O projeto foi aprovado pela Comissão de Ética da Derdic e da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Foi realizado um estudo clínico prospectivo com 59 pacientes (idade média de 11,3 anos, desvio padrão de ± 8,5 anos) com deficiência auditiva que procuraram o Setor Médico da DERDIC/PUCSP no período de agosto de 2002 a fevereiro de 2004.

O critério de inclusão foi a presença de deficiência auditiva severa ou profunda comprovada por testes auditivos realizados previamente à primeira consulta na instituição.

Os participantes incluídos na pesquisa foram submetidos a uma consulta médica, a um exame audiométrico (com técnica apropriada para a idade de cada paciente) e imitanciométrico, à captação das emissões otoacústicas transientes (EOAT) e por produto de distorção (EOAPD) e ao BERA.

Para a captação das respostas do BERA foram usados cliques apresentados por fones de inserção, com as seguintes características:

1.Cliques rarefeitos, freqüência de apresentação de 27,7 estímulos/seg. (Considerado padrão)

2.Cliques condensados, freqüência de apresentação de 27,7 estímulos/seg

3.Cliques rarefeitos, freqüência de apresentação de 3,3 estímulos/seg.

Os eletrodos de referência foram dispostos nas mastóides direita (A2) e esquerda (A1), e o ativo (Fz) e o terra (Fpz) na fronte. Foram considerados os potenciais captados na mastóide ipsilateral à orelha estimulada durante 12 mseg após o início de cada clique até a média de 1024 aceitos. A reprodutibilidade da resposta foi observada para cada parâmetro e para cada intensidade até a obtenção do limiar eletrofisiológico do paciente. Diante de uma imagem sugestiva de microfonismo coclear, foi realizada a oclusão do tubo condutor do estímulo auditivo como forma de diferenciar artefatos elétricos de respostas auditivas.

Os dados obtidos foram comparados entre si e com as respostas das EOAT e das EOAPD.

RESULTADOS

Dos 59 pacientes com deficiência auditiva severa ou profunda incluídos, 8 (13,56%) apresentaram, com a inversão da polaridade do estímulo e/ou com a mudança da freqüência de apresentação, mudanças nos traçados do BERA quando comparados com os traçados obtidos com o clique padrão. Três desses pacientes apresentaram EOAT e EOAPD presentes. Os demais 51 pacientes (84,44%) apresentaram potenciais elétricos compatíveis com os limiares audiométricos, independente do tipo de clique usado e EOAT e EOAPD ausentes.

Na Tabela 1 podemos observar as alterações nos traçados obtidos com o clique padrão nos 8 pacientes e compará-los com os resultados das EOAT e EOAPD. As Figuras de 1 a 5 ilustram alguns dos achados obtidos com as mudanças nos parâmetros do clique.



DISCUSSÃO

Desde a descrição dos primeiros casos de neuropatia auditiva, muito se discute sobre as formas de diagnóstico precoce e a terapia para estes pacientes. Classicamente uma emissão otoacústica evocada presente e um BERA ausente ou muito alterado sugerem este diagnóstico. No entanto, em 30% dos indivíduos com NA4, e principalmente nas crianças, pode ocorrer comprometimento das CCE e conseqüente perda das EOA. Não há um consenso sobre as razões que levariam a isto, nem se este evento é causa ou conseqüência da desordem neural4,7, por outro lado, diante de uma criança com ausência de resposta clínica a estímulos auditivos, EOA e BERA ausentes, e da necessidade de uma intervenção terapêutica rápida e precisa, é importante que se diferencie uma perda puramente coclear de uma neural com comprometimento coclear.


Caso 4, orelha direita - Com a inversão da polaridade do estímulo há o aparecimento de microfonismo coclear (MC) e com a redução da freqüência do estímulo há o aparecimento da onda V.


Caso 4, orelha esquerda - Com a inversão da polaridade do estímulo há o aparecimento de microfonismo coclear (MC) e com a redução da freqüência do estímulo há o aparecimento da onda V.


Caso 6, orelha direita - Com a inversão da polaridade do estímulo não há o aparecimento de microfonismo coclear (MC), mas com a redução da freqüência do estímulo há o aparecimento da onda I e II.


Caso 6, orelha esquerda - Com a inversão da polaridade do estímulo não há o aparecimento de microfonismo coclear (MC) mas com a redução da freqüência do estímulo há o aparecimento da onda I.


Caso 7, orelhas esquerda e direita - Com a inversão da polaridade do estímulo há o aparecimento de microfonismo coclear (MC).


Mudanças nas características do estímulo auditivo modificam os potenciais auditivos e podem ajudar nestas situações. Quando há alterações da condução e sincronia neural, como na neuropatia auditiva, freqüências mais rápidas de apresentação do estímulo causam uma menor reprodução e clareza das ondas, já freqüências de apresentação mais lentas aumentam a amplitude das ondas e melhoram significativamente o padrão de ondas1.

Já a mudança de polaridade do estímulo permite a visualização do microfonismo coclear que se encontra normalmente aumentado na neuropatia auditiva, talvez também como reflexo da disfunção das CCE4. A presença de MC tem nos auxiliado no diagnóstico de NA nos casos onde não há EOA presentes.

Dos 59 pacientes analisados neste estudo, 8 apresentaram mudança no traçado do BERA com as mudanças da polaridade e da freqüência do estímulo em relação à resposta com o clique que consideramos padrão (rarefeito, 27,7 estímulos/seg), 3 deles foram claramente diagnosticados como neuropatia auditiva (pacientes 3, 7 e 8) por apresentarem EOAPD e EOAT presentes, BERA ausente, além de um microfonismo coclear alargado. Estes pacientes não apresentaram melhora do traçado com a redução da freqüência do estímulo, mas isto não modificou o diagnóstico.

Por outro lado, os pacientes 1, 2, 4, 5 não tiveram EOAPD e EOAT e não apresentaram resposta eletrofisiológica com o clique padrão, sugerindo uma perda coclear profunda. No entanto a inversão da polaridade evidenciou imagem em espelho característica do microfonismo coclear. O aparecimento de onda V com a redução da freqüência de estímulos, nos pacientes 2 e 4, reforçou o diagnóstico de alteração de condução elétrica em regiões mais distais da via auditiva. A nossa hipótese é que se tratavam de casos de neuropatia auditiva que perderam as EOA com a evolução da doença. Sem este protocolo, provavelmente, este diagnóstico não seria possível. Em nossa opinião, este é o grupo de pacientes que mais se beneficia pelo uso sistemático do protocolo proposto aqui.

O caso 6, por outro lado, não apresentou EOAPD, EOAT, resposta elétrica com o clique padrão, nem tampouco microfonismo coclear, sugerindo uma perda coclear profunda. No entanto, o aparecimento de onda I e II com a freqüência de estímulo de 3,3 estímulos/seg. indicou uma alteração de condução elétrica localizada em porções mais proximais do tronco cerebral, além talvez de um comprometimento coclear concomitante.

A importância do diagnóstico topográfico da perda auditiva o mais específico possível está ligada ao planejamento de estratégias terapêuticas. O desenvolvimento de habilidades auditivas a partir de dispositivos eletroacústicos, o real aproveitamento do uso de aparelhos de amplificação sonora e de implantes cocleares, que tipo de terapia de linguagem realizar, são questões conduzidas de formas diferentes para um caso de surdez coclear e para um caso de surdez neural ou central.

Apesar de acreditarmos que o diagnóstico topográfico seja decorrente de uma somatória de sinais clínicos, psicoacústicos, acústicos, eletrofisiológicos e de imagem, em 8 (13,56%) pacientes da nossa amostra o protocolo de BERA proposto ajudou ou foi de fundamental importância.

CONCLUSÃO

Mudanças na polaridade e na freqüência de apresentação do clique durante a realização do BERA contribuem para o diagnóstico topográfico de surdez e devem ser realizadas em todo o paciente com esta queixa.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Hood L. Clinical applications of the auditory brainstem response. San Diego: Singular Publishing Group; 1998, pp. 12-28.

2. Fichino SN. Estudo do potencial evocado auditivo de tronco encefálico por via aérea e via óssea em crianças de até dois meses de idade. São Paulo; 2005, pp. 12-20. [Dissertação de mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.]

3. Araújo FCM. Interpretação do potencial evocado do tronco encefálico na freqüência específica de 1000Hz em recém-nascidos. São Paulo; 2004, pp 21-32. [Dissertação de mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.]

4. Starr A. The neurology of auditory neuropathy. In: Sininger I, Starr A. Auditory neuropathy, a new perspective on hearing disorders. San Diego: Singular Publishing Group; 2001, pp. 37-49.

5. Spinelli M, Fávero ML, Silva CM. Neuropatia auditiva: aspectos clínicos, diagnósticos e terapêuticos. Rev Bras Otorrinolaringol 2001;67:863-7.

6. Starr A, Picton TW, Sininger Y, Hood L, Berlin C. Auditory neuropathy. Brain 1996;119:741-53.

7. Berlin C. Auditory neuropathy using OAEs and ABRs screening to management. Seminars in Hearing 1999;20:307-15.



1 Doutora em Otorrinolaringologia pela FMUSP, médica otorrinolaringologista da DERDIC/PUCSP e do HSPM.
2 Médico Otorrinolaringologista, Professor da Faculdade de Fonoaudiologia da PUCSP, Médico da DERDIC/PUCSP.
3 Médico Otorrinolaringologista, Mestre em Audiologia pela PUCSP, Professor da Faculdade de Fonoaudiologia da PUCSP, Diretor Geral da DERDIC/PUCSP.
4 Mestre em Distúrbios da Comunicação pela PUCSP, Fonoaudióloga da DERDIC/PUCSP.
5 Especialista em Fonoaudiologia pela Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, Fonoaudióloga da DERDIC/PUCSP.
6 Professor Titular de Foniatria da Faculdade de Fonoaudiologia da PUCSP, Médico da DERDIC/PUCSP.
Divisão de Educação e Reabilitação dos Distúrbios da Comunicação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (DERDIC/PUCSP).
Endereço para correspondência: Mariana Lopes Fávero - Rua 13 de maio 1504 2º andar Bela Vista 01327-002 São Paulo SP.
E-mail: lopessquare@ig.com.br
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBORL em 16 de outubro de 2005. cod 1521.
Artigo aceito em 25 de agosto de 2006.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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