ISSN 1806-9312  
Quarta, 30 de Outubro de 2024
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3441 - Vol. 72 / Edição 6 / Período: Novembro - Dezembro de 2006
Seção: Artigo Original Páginas: 767 a 771
Queilite actínica adjacente ao carcinoma espinocelular do lábio como indicador de prognóstico.
Autor(es):
Marilda Aparecida Milanez Morgado de Abreu 1, Olga Maria Panhoca da Silva 2, Dalva Regina Neto Pimentel 3, Cleonice Hitomi Watashi Hirata 4, Luc Louis Maurice Weckx 5, Mauricio Mota de Avelar Alchorne 6, Nilceo Shwery Michalany 7

Palavras-chave: carcinoma espinocelular, exame histopatológico, lábio, prognóstico.

Keywords: squamous cell carcinoma, histopathological exam, lips, prognostic.

Resumo: Muitos estudos demonstram associação entre queilite actínica e carcinoma espinocelular do lábio. Objetivo: Verificar a relação da queilite actínica com o prognóstico dessa neoplasia. Materiais e Métodos: Elaborou-se um estudo de coorte retrospectivo com corte transversal em carcinoma espinocelular do lábio. Cortes histológicos desse tumor, levantados entre 1993-2000, nos arquivos do Departamento de Patologia/Universidade Federal de São Paulo, foram revisados para evidenciar presença ou ausência de queilite actínica no vermelhão adjacente ao tumor. Os prontuários dos pacientes foram revisados à procura de informações sobre exposição solar, metástase e recidiva. A ocorrência ou ausência de recidiva e metástase foi correlacionada com a presença ou ausência de queilite actínica no vermelhão. Os dados obtidos foram analisados pelo teste exato de Fisher. Resultados: Dos 31 pacientes selecionados predominou o sexo masculino, cor da pele branca e localização no lábio inferior. Constatou-se: independência entre a ocorrência de metástase e recidiva com sexo, cor dos pacientes e localizações no lábio superior ou inferior; dependência entre a presença de queilite actínica e elastose solar, dependência entre a ausência de queilite actínica e presença de metástase; independência entre a ausência de queilite actínica e presença de recidiva. Conclusão: Os tumores originários de queilite actínica têm melhor prognóstico.

Abstract: Many studies have shown an association between actinic cheilitis and squamous carcinoma of the lips. Aim: The aim of the study was to observe the relation between actinic cheilitis and the prognosis of squamous carcinoma of the lips. Materials and Methods: This is a retrospective cross-sectional cohort study of squamous carcinoma of the lips. Histological sections of squamous carcinoma tumors done at the the Departament of Pathology of the Sao Paulo Federal University between 1993 and 2000 were reviewed for evidence of actinic cheilitis in the lip vermillion adjacent to the tumor. Patient reports were reviewed to find information about exposure to sun, metastases and relapses. The occurrence or absence of relapses and metastases was correlated with the presence or absence of actinic cheilitis in the lip vermillion. Data was analyzed by Fisher's Exact test. Results: Of the 31 selected patients, most were caucasian, males and with lower lip involvement. Statistical analysis demonstrated independence between the occurrence of metastases and relapse and gender, skin color and site (lower or upper lips). There was dependence between actinic cheilitis and solar elastosis, and between the absence of actinic cheilitis and the occurrence of metastases. There was no dependence between the absence of actinic cheilitis and the occurrence of relapses. Conclusion: It may be concluded that tumors originating from actinic cheilitis have a better prognosis.

INTRODUÇÃO

O câncer continua sendo o grande desafio da medicina, pois em sua maioria, a etiologia ainda permanece desconhecida. Segundo estudo com base populacional na cidade de São Paulo1, o carcinoma espinocelular representa 89,9% dos cânceres da cavidade oral, atingindo de crianças a idosos. Foi calculado um coeficiente de incidência para esse tumor de 20,88 por 100.000 habitantes, sendo 33,25 para o sexo masculino e 9,59 para o feminino. No lábio apresenta uma incidência de 3,2 por 100.000 habitantes1. O lábio inferior é o local mais freqüentemente acometido desta região anatômica2,3 e a maior ocorrência é verificada em indivíduos de pele clara4,5. Os jovens, quando afetados, geralmente têm uma doença de base ou imunodepressão6,7. Evidências clínicas e epidemiológicas apontam a radiação actínica como causa do carcinoma espinocelular do lábio, pois ocorre presença de elastose solar e de alterações histológicas sugestivas de queilite actínica crônica no vermelhão adjacente ao tumor em quase todos os casos, havendo uma relação significativa entre essas condições8,10.

O comportamento do carcinoma espinocelular do lábio não segue os mesmos padrões descritos para a pele e para a boca. Em relação à pele, a neoplasia no lábio tem maior probabilidade de desenvolver metástase, com taxas variando de 3% a 20%, todavia é de melhor prognóstico quando comparado ao câncer intraoral4,10,11.

A queilite actínica crônica e a queratose actínica podem ser consideradas clínica e etiologicamente análogas10-14. Os carcinomas espinocelulares da pele provenientes de queratoses actínicas têm melhor prognóstico, com probabilidade de 0,5% a 3% de metastatizar15. Esse fato leva a supor que, talvez, da mesma forma que na pele, o tumor que se origina de queilite actínica pode ter melhor prognóstico.

Para testar essa hipótese, foi proposto realizar um estudo do carcinoma espinocelular do lábio, com o objetivo de verificar o relacionamento da presença de queilite actínica crônica com o prognóstico dessa neoplasia.

MATERIAIS E MÉTODOS

Elaborou-se um estudo de coorte retrospectivo com corte transversal em casos de carcinoma espinocelular do lábio, levantados através dos arquivos do Departamento de Patologia da Universidade Federal de São Paulo, no período compreendido entre 1993 e 2000. O projeto foi analisado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UNIFESP, protocolo nº 1090/01.

Os laudos originais e os prontuários dos pacientes foram revisados e as lâminas provenientes da excisão cirúrgica do tumor foram examinadas ao microscópio óptico comum por um único patologista.

Os dados referentes ao sexo, idade e cor da pele dos pacientes e a localização da lesão foram obtidos dos laudos originais dos exames histopatológicos de cada lesão. Nos prontuários foram consideradas as informações quanto à exposição do paciente à luz solar, à recidiva e à metástase do tumor.

Somente os tumores que apresentavam, ao exame histopatológico da lâmina, tecido adjacente ao vermelhão livre de comprometimento neoplásico, e suficiente o bastante para a análise histológica foram incluídos no estudo. As biópsias ou aqueles tumores que apresentavam as margens comprometidas pela neoplasia foram desprezados.

No exame histopatológico do tecido adjacente foi analisado o vermelhão, verificando-se cuidadosamente a presença ou a ausência de queilite actínica, cujo critério estabelecido para o diagnóstico se baseou em estudos relatados na literatura, segundo a presença ou a ausência de determinadas alterações9,12,16-20. Essas alterações são exemplificadas pelas Figuras 1, 2 e 3 e descritas a seguir:


Figura1. Hiperplasia epitelial com ortoqueratose e paraqueratose; (HE 100x)


Figura 2. Atrofia epitelial, elastose solar; (HE 10x)


Figura 3. Exulceração do epitélio, núcleos celulares aumentados, irregulares e hipercromáticos com algumas mitoses atípicas; (HE 200x)


Alterações do epitélio

 Alterações da queratinização: espessamento da camada córnea (hiperqueratose) com queratinócitos normais (ortoqueratose) alternado com a presença de núcleos nas células dessa camada (paraqueratose), assim como queratinização prematura e individual de queratinócitos (disqueratose).

 Aumento global de queratinócitos com espessamento do epitélio (hiperplasia) ou diminuição dessas células com afinamento do epitélio (atrofia), com possível ocorrência de exulceração.

 Displasia leve, moderada ou severa representada pela presença de núcleos celulares aumentados de tamanho, irregulares e hipercromáticos, com eventual presença de mitoses atípicas.

Alterações do cório

 Elastose solar na porção superficial da lâmina própria caracterizada por degeneração basofílica do tecido colágeno e elástico, causada pela luz solar.

 Infiltrado inflamatório, composto especialmente por linfócitos e plasmócitos.

 Vasodilatação, sem proliferação de células endoteliais.

Os dados obtidos foram confrontados e analisados estatisticamente, utilizando o teste Exato de Fisher, em relação às variáveis sexo e cor da pele do paciente; localização da lesão; presença ou ausência de queilite actínica, elastose solar, metástase e recidiva.

RESULTADOS

Foram encontrados 86 casos de carcinomas espinocelulares do lábio no período determinado. Desses foram selecionados 31 casos de cujos prontuários puderam ser obtidas informações exigidas, e que apresentaram, na lâmina do tumor, tecido adjacente livre de comprometimento neoplásico. Desses 31 pacientes, encontrou-se 7 mulheres e 24 homens. Quanto à cor da pele eram 26 brancos, 4 pardos e 1 preto. Observou-se, para as mulheres, idades de 40 a 82 anos e, para os homens, 25 a 82 anos, segundo detalhamento que pode ser verificado na Tabela 1.



Em relação à localização das lesões, 28 eram no lábio inferior, 2 no lábio superior e para 1 não se obteve a informação. Dentre os pacientes, 22 (71%) relataram exposição ao sol; dos outros não se encontrou a informação.

Foram detectados 6 casos com recidiva e 8 casos com metástase. A análise estatística, através do teste Exato de Fisher, mostrou que as metástases e as recidivas não dependem do sexo, da cor da pele dos pacientes e nem das localizações no lábio superior ou inferior.

Na análise histopatológica do epitélio adjacente ao tumor pode-se observar queilite actínica no vermelhão em 19 casos (61,3%), sendo que desses, apenas 2 casos não apresentavam elastose solar. Elastose solar isolada foi observada em 4 casos (12,9%). Em 8 casos (25,8%), o epitélio adjacente não apresentava queilite actínica nem elastose solar.

Na análise estatística foi verificada a dependência entre a queilite actínica e a elastose solar (Tabela 2), isto é, quando a queilite actínica se manifesta pode-se encontrar também a elastose solar para a maioria dos casos.



Pode-se observar que existe uma dependência entre a presença de queilite actínica e a não ocorrência de metástase, onde aquela prevalece nas lesões em que não ocorreu metástase. A recidiva independe da presença de queilite actínica (Tabela 3).



A ocorrência de metástase nos casos sem queilite actínica, mas com elastose solar presente no vermelhão, foi de 25%, enquanto nos casos sem queilite actínica e sem elastose solar esse índice foi de 62,5%. A recidiva ocorreu em 50% dos casos com elastose solar isolada e em 12,5% dos casos sem queilite actínica e sem elastose solar no vermelhão (Tabela 4). Não foi encontrada diferença estatística para recidiva e metástase entre os casos com elastose solar isolada no vermelhão e os casos sem elastose solar e sem queilite actínica.



DISCUSSÃO

O carcinoma espinocelular do lábio, de acordo com a literatura2,4, foi mais freqüente no sexo masculino, na pele branca e, na grande maioria, localizado no lábio inferior. Observou-se também que os homens começam a apresentá-lo em idade mais precoce. A independência entre metástase e recidiva e as localizações no lábio superior ou inferior contraria a literatura21, porém o número de lesões localizadas no lábio superior é muito pequeno neste estudo.

Pode-se afirmar, de acordo com a literatura8-10, que a irradiação solar deve ser um fator importante para a etiologia do carcinoma espinocelular do lábio, pois além de 22 pacientes terem relatado exposição solar, no exame histopatológico do tecido adjacente ao tumor dos pacientes para os quais não se encontrou tal informação, 7 apresentaram elastose solar e/ou queilite actínica, alterações essas comprovadamente relacionadas à exposição prolongada ao sol.

Os tumores com queilite actínica adjacente mostraram menor ocorrência de metástase (10,5%), com índices estatisticamente significantes, que os tumores sem queilite actínica adjacente (50%). Isso leva a supor que, da mesma forma que os tumores da pele originários de queratose actínica, os tumores do lábio que se originam de queilite actínica têm melhor prognóstico. A queilite actínica poderia, portanto, ser considerada como um indicador de melhor prognóstico para o carcinoma espinocelular do lábio, fato não relatado na literatura. A recidiva mostrou ser independente da presença de queilite actínica. Essa provavelmente está ligada a um tratamento mal sucedido nos casos de tumores maiores ou em decorrência de técnica cirúrgica inadequada.

Observa-se que o índice de metástase dos tumores com queilite actínica adjacente (10,5%) é maior que o índice de metástase relatado por Won-Sang et al. em 199615 para os carcinomas espinocelulares da pele provenientes de queratoses actínicas, os quais apresentam probabilidade de 0,5% a 3% de metastatizar. De qualquer forma, os carcinomas espinocelulares do lábio têm evolução pior que os da pele.

É necessário ter em mente que nos casos nos quais não se observou queilite actínica adjacente, existe a possibilidade da existência prévia de queilite actínica focal como ponto de origem para a neoplasia. Nesse caso, a expansão do tumor a teria ocultado. Porém, a presença concomitante de elastose solar adjacente ao tumor seria um indício da existência prévia de queilite actínica, pois como observado na análise estatística, há dependência entre a queilite actínica e a elastose solar (Tabela 2). Assim mesmo, houve um índice menor de metástase nos casos sem queilite actínica, mas com elastose solar presente no vermelhão do que nos casos sem queilite actínica e sem elastose solar, na proporção de 25% para 62,5% (Tabela 4).

Sugere-se, como rotina, que nos exames histopatológicos das peças originárias da excisão de tumores labiais, que seja feita uma análise minuciosa de todo tecido adjacente ao mesmo. Esse procedimento poderia fornecer informações quanto ao prognóstico do tumor, orientando o cirurgião quanto à necessidade de novas intervenções ou de um acompanhamento mais rigoroso do paciente.

CONCLUSÃO

A queilite actínica crônica no tecido adjacente ao carcinoma espinocelular do lábio pode ser considerada um indicador de melhor prognóstico para o paciente.

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1 Mestre, Pós-Graduanda, Setor de Estomatologia, Departamentos de Dermatologia e Otorrinolaringologia e Distúrbios da Comunicação Humana, Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina; Professora da Disciplina de Dermatologia, Faculdade de Medicina de Presidente Prudente, Universidade do Oeste Paulista.
2 Pós-Doutora em Epidemiologia, Doutora e Mestre em Saúde Pública, Pesquisadora da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
3 Mestre, Pós-Graduanda, Setor de Estomatologia, Departamentos de Dermatologia e Otorrinolaringologia e Distúrbios da Comunicação Humana, Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina.
4 Mestre, Doutora, Chefe do Setor de Estomatologia, Departamentos de Dermatologia e Otorrinolaringologia e Distúrbios da Comunicação Humana, Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina.
5 Livre-Docente, Professor Titular do Departamento de Otorrinolaringologia Pediátrica e Distúrbios da Comunicação Humana; Chefe do Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia da Cabeça e Pescoço, Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina.
6 Livre-Docente, Professor Titular do Departamento de Dermatologia, Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina.
7 Mestre, Professor Adjunto do Departamento de Patologia, Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina.
Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/EPM).
Endereço para correspondência: Marilda Aparecida Milanez Morgado de Abreu - Rua Brasil 1599 Dracena SP 17900-000.
Tel: (0xx18) 3821-4630 - Fax: (0xx18) 3821-2276 - E-mail: lfmabreu@uol.com.br
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBORL em 08 de novembro de 2005. cod 1571.
Artigo aceito em 21 de outubro de 2006.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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