INTRODUÇÃOA perda auditiva auto-imune foi inicialmente descrita por McCabe em 19791.
Em 1982 foi descrito por Summers e Harker o primeiro caso de disacusia associada à colite ulcerativa. A partir de então novos casos semelhantes têm sido descritos2,3.
APRESENTAÇÃO DO CASOPaciente masculino, 23 anos, com zumbido a direita, hipoacusia ipsilateral e tontura, após três meses de diarréia e emagrecimento. Fazia uso de deflazacort e budesonida, com melhora do quadro intestinal, auditivo e postural, embora não do zumbido.
A audiometria inicial revelava disacusia neurossensorial leve à direita.
Os exames laboratoriais mostravam FAN positivo, e elevação de PCR, mucoproteínas e VHS. O otoneurológico revelava síndrome vestibular periférica deficitária à direita. Ressonância magnética era normal.
A colonoscopia revelou hiperemia, erosões e ulcerações de cólon e reto, e estenose de cólon transverso distal e reto distal e o anatomopatológico evidenciou retocolite crônica inespecífica.
Paciente fez uso da medicação por um mês e permaneceu estável por mais três meses, quando apresentou recidiva. A audiometria revelou piora da audição em todas as freqüências à direita, principalmente em agudos (Figura 1).
Foi introduzido prednisona na dose de 60 mg ao dia, com melhora sintomática, sendo a dose então diminuída para 20 mg ao dia. As audiometrias de controle revelavam melhora audiométrica, principalmente em 1 e 2KHz. Também foi observada uma disacusia leve à esquerda em freqüências graves, embora assintomática.
Paciente permaneceu com hipoacusia em orelha direita eventual, zumbido constante, sem interferência nas suas atividades rotineiras, e controle dos sintomas intestinais. Segue em uso de mesalazina e prednisona.
Figura 1. Audiometria tonal e vocal durante reagudização do quadro.
DISCUSSÃOAs perdas auditivas neurossensoriais já foram muitas vezes descritas associadas a diversas doenças auto-imunes3-6.
Embora sua fisiopatologia ainda permaneça obscura, a característica auto-imune da doença reforça algumas teorias já propostas para explicar seu aparecimento e evolução1-6.
As disacusias desta natureza geralmente se apresentam como perdas auditivas bilaterais, que podem ser subclínicas ou severas, como a surdez súbita5.
Não existem ainda testes específicos que selem o diagnóstico das disacusias auto-imunes. Algumas proteínas estão sendo isoladas e talvez possuam uma forte associação com o caráter auto-imune, como a HSP 70, porém de pouca aplicabilidade diária5,6.
A terapêutica consiste na utilização de imunossupressores de maneira agressiva, em especial corticoesteróides. A utilização de outros imunossupressores também é sugerida por alguns autores3-5.
Diante de um caso de disacusia neurossensorial é necessário que uma série de diagnósticos diferenciais sejam feitos. Porém, nem sempre exames subsidiários irão confirmar uma etiologia específica, e nestes casos um teste terapêutico se torna necessário para que se confirme o diagnóstico.
COMENTÁRIOS FINAISA disacusia auto-imune é uma das poucas etiologias neurossensoriais em que uma melhora clínica pode ser alcançada, desde que o diagnóstico seja suspeitado rapidamente, e a terapia empregada corretamente.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. McCabe B. Autoimmune hearing loss. Ann Otol Rhinol Laryngol 1979;88:585.
2. Summers RW, Harker L. Ulcerative colitis and sensorineural hearing loss: is there a relationship? J Clin Gastroenterol 1982;4:251.
3. Weber RS, Jenkins HÁ, Coker NJ. Sensorineural hearing loss associated with ulcerative colitis. Arch Otolaryngol 1984;110:810-2.
4. Hollanders D. Sensorineural deafness - a new complication of ulcerative colitis? Postgrad Med J 1986;62:753-5.
5. Herdman RC, Hirari M, Ramsden RT. Autoimmune inner ear disease and ulcerative colitis. J Laryngol Otol 1991;105(4):330-1.
6. Kumar BN, Walsh RM, Wilson OS, Carlin WV. Sensorineural hearing loss and ulcerative colitis. J Laryngol Otol 1997;111(3):277-8.
1 Médico residente da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina do ABC.
2 Médico residente da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina do ABC.
3 Médica otorrinolaringologista pela SBORL. Doutora em Otorrinolaringologia pela FMUSP. Professora Titular da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina do ABC.
4 Médico otorrinolaringologista pela SBORL. Professor adjunto da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina do ABC.
5 Médica otorrinolaringologista pela SBORL. Residente da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina do ABC.
6 Médica otorrinolaringologista pela SBORL. Residente da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina do ABC.
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBORL em 11 de março de 2005.
Artigo aceito em 31 de maio de 2006.