INTRODUÇÃOHistoricamente, as doenças inflamatórias do seio frontal têm sido manejadas cirurgicamente através de acessos externos. Dentre esses procedimentos, a trefinação do seio frontal foi primeiramente descrita por Runge em 17501. Nas últimas décadas, a cirurgia endoscópica funcional dos seios paranasais (CENS) tem sido aceita como o procedimento de escolha para o tratamento da sinusite crônica2,3. Apesar do advento da cirurgia endoscópica, o seio frontal continua sendo um desafio. A complexa anatomia do recesso frontoetmoidal, bem como sua relação anatômica com estruturas vitais, explica a razão do considerável cuidado que se tem durante a cirurgia para preservar essas estruturas e minimizar complicações relacionadas ao processo de cicatrização4.
A trefinação do seio frontal foi inicialmente um procedimento desenvolvido para a drenagem de processos agudos complicados desse seio. Com o advento de instrumentos cirúrgicos mais adequados e seguros, este procedimento tornou-se útil também no tratamento de casos crônicos5,6. O seu uso foi reforçado com a descoberta de que a maioria das afecções do seio frontal são uma conseqüência de alterações no etmóide anterior7. Além disso, o fluxo de solução fisiológica através do recesso frontoetmoidal viabilizada pela trefinação pode ser extremamente útil para limpeza do seio, localização acurada do óstio do seio e coleta de material para culturais8.
Pela técnica descrita e aceita, a trefinação é realizada na altura das sobrancelhas, a 10mm de uma linha média imaginária entre as órbitas1 (Figura 1).
O objetivo deste artigo é discutir o melhor local para a realização da trefinação do seio frontal, através da medida da profundidade do seio em 3 pontos eqüidistantes da linha média (crista galli) em cortes tomográficos axiais.
MÉTODOSEm um estudo de coorte histórica com corte transversal, foram avaliadas 69 tomografias de seios paranasais de pacientes atendidos no Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, correspondendo a 138 seios frontais. As Tomografias Computadorizadas eram analisadas no plano axial, escolhendo-se o primeiro corte após o término do conteúdo orbitário no sentido caudal-crânio.
A linha média era definida por uma linha reta passando através da crista galli. A partir deste ponto, medidas com régua foram feitas a 5, 10 e 15mm de cada lado, aferindo a distância entre a porção anterior da lâmina externa e a porção anterior da face posterior do seio (profundidade do seio frontal, em mm) (Figura 2).
Pacientes abaixo de 12 anos foram excluídos do estudo.
Os dados foram analisados no programa SPSS, através dos testes T de Student e Post Hoc test, a fim de determinar a diferença entre a profundidade do seio frontal nas medidas 5, 10 e 15mm de distância da linha média.
RESULTADOSDo total de 69 pacientes, 51,7% eram do sexo masculino.
Homens apresentaram um seio frontal significativamente maior nas medidas de 5 e 10mm que as mulheres (p<0,001), mas não houve diferença estatisticamente significativa na profundidade do seio na medida de 15mm da linha média.
A profundidade do seio frontal medida em 5mm da linha média foi significativamente maior do que em 10 e 15mm, assim como a medida em 10mm foi significativamente maior do que em 15mm (12,22mm±4,35mm vs 11,78mm±4,65mm p<0,05; 12,22mm±4,35mm vs 10,78mm±5,98mm p<0,001; 11,78mm±4,65mm vs 10,78mm±5,98mm (p<0,05). A Gráfico 1 mostra esses resultados.
Figura 1. Local da trefinação do seio frontal: na altura das sobrancelhas, a 10mm da linha média.
Figura 2. Corte axial tomográfico com a forma de mensuração a 5, 10 e 15mm em relação à linha média (crista galli).
Gráfico 1. Gráfico mostrando a profundidade do seio frontal em cada um dos pontos de trefinação (média e desvio padrão).
DISCUSSÃOO aumento das possibilidades de visualização da cavidade nasal e dos seios paranasais, inicialmente com o desenvolvimento da microscopia e posteriormente com os endoscópios de diferentes angulações, tem marcado uma nova fase de expansão das técnicas cirúrgicas para tratamento das doenças nasossinusais. No caso do seio frontal, sua complexa e variada relação anatômica com a cavidade nasal e as complicações resultantes de manipulação excessiva têm gerado muitas discussões sobre a melhor técnica cirúrgica a ser usada. A esse respeito, acessos combinados ao seio frontal, usando diferentes técnicas de trefinação, têm se tornado mais populares nos últimos anos. Além de auxiliar na identificação da verdadeira rota frontoetmoidal, essa técnica permite ainda a drenagem de secreções, sem necessidade de manipulação e eventual traumatismo do óstio do seio frontal.
Mesmo usando instrumentos específicos que permitam acessos mínimos com controle da profundidade a ser penetrada no seio (Xomed®, Microfrance®), é sempre necessário medir a distância entre as paredes anterior e posterior do seio frontal em cortes tomográficos axiais ou sagitais, a fim de evitar complicações durante o procedimento. Na literatura, que inclui publicações do início do século passado, o local para a trefinação é definido como o ponto que dista em 10mm da linha média imaginária que passa pela crista galli, na altura da margem craniana da órbita1. No nosso estudo, a profundidade do seio, quando medida a 5, 10 e 15mm da linha média (crista galli), mostrou diferença estatisticamente significativa entre elas, mostrando que quanto mais perto da linha média maior era a profundidade.
Apesar disso, a trefinação a 5mm da linha média deve ser cuidadosamente realizada, uma vez que nem sempre o septo intersinusal se localiza exatamente na linha média. Isso significa que, escolhendo o ponto da trefinação a 5mm da linha média, corre-se o risco de realizar trefinações cruzadas, isto é, podemos estar tentando penetrar no seio de um lado e acabando por entrar no seio contralateral. Além disso, a cicatriz pode não ser adequada do ponto de vista estético, enquanto em outros pontos ela pode ser camuflada pela sobrancelha. No outro extremo, o ponto da trefinação a 15mm pode não ser viável em pacientes com seios hipodesenvolvidos, mas, se medida corretamente a distância tomográfica, não se corre esse risco.
A análise estatística mostrou que aproximadamente 80% das medidas da profundidade do seio frontal são seguras para se proceder à trefinação em pelo menos um ponto, usando um sistema que necessita de uma profundidade de no mínimo 7mm para ser realizada com segurança. As células etmoidais supra-orbitárias são outra possível justificativa para se proceder à trefinação do seio frontal em diferentes pontos, contanto que o estudo de imagem nos mostre que há profundidade suficiente para tal.
CONCLUSÃOA trefinação do seio frontal é um procedimento extremamente útil para a realização de cirurgias endoscópicas nasossinusais. A análise detalhada pré-operatória de cortes tomográficos axiais ou a utilização de navegação computadorizada para esse fim é mandatória e permite a mensuração da profundidade do seio frontal no ponto onde se vai realizar a trefinação.
Apesar de diferentes pontos de trefinação poderem ser viáveis, a distância usual de 10mm da linha média comprovou agregar mais vantagens.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS1. Donald PJ. Surgical management of frontal sinus infections. In: Donald PJ, Gluckman JL, Rice DH (eds). The Sinuses. New York: Raven Press; 1995.
2. Klossek JM, Fontanel JP; Frontal sinus irrigation: indications, results and complications. Otolaryngol Clin North Am 2001;31(1):91-100.
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4. Kuhn FA. Chronic frontal sinusitis: the endoscopic frontal recess approach. Operative Tech Otolaryngol Head Neck Surg 1996;7:222-32.
5. Navarro JAC. The Nasal Cavity and Paranasal Sinuses: Surgical Anatomy. Springer
6. Laughlin RB, Rehl RM, Lanza DC. Clinically relevant frontal sinus anatomy and physiology. Otolaryngol Clin North Am 2001;31(1):1-21.
7. Becker DG, Moore D, Lindsey WH, et al. Modified transnasal endoscopic Lothrop procedure: further considerations. Laryngoscope 1995;105:1161- 5.
8. Sillers M & Lindman JP. Operative Trephination For Non-Acute Frontal Sinus Disease. Operative Techniques in Otolaryngology - Head and Neck Surg 2004;18(1):67-70.
1 Mestre e Doutor, Médico Contratado.
2 Otorrinolaringologista, Ex-residente do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
3 Otorrinolaringologista, Ex-residente do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
4 Médica, Residente do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
5 Mestre e Doutor, Professor de Otorrinolaringologia da Universidade de Pittsburgh.
Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
Endereço para correspondência: Otávio B. Piltcher - Rua Ramiro Barcelos 2350 Porto Alegre RS 90035-003.
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBORL em 10 de setembro de 2005.
Artigo aceito em 25 de abril de 2006.