INTRODUÇÃODistonias são desordens orgânicas do processamento motor central caracterizadas por contrações musculares involuntárias ou espasmos incontroláveis induzidos durante uma atividade1,2. Estes movimentos anormais podem ser mantidos por tempo variável, desde um segundo a minutos e podem ocorrer em qualquer parte do corpo; claramente não são afecções psicogênicas, mas agravam-se com estados de fadiga, estresse e emoções3. A causa das distonias é desconhecida, embora a maioria dos autores considere haver envolvimento dos gânglios da base4. A classificação das distonias é geralmente relacionada ao grupo de músculos envolvido, sendo focal quando afeta um grupo específico de músculos, e generalizada quando compromete grande número de grupos musculares. Entre os dois tipos encontra-se o segmentar, comprometendo grupos musculares próximos. Nas crianças, os sintomas geralmente são de início focal seguidos de generalização para outras partes do corpo, enquanto que em adultos os sintomas geralmente permanecem focais, sendo freqüentes na região da cabeça e pescoço1 formas focais mais raras que envolvem os músculos intrínsecos da laringe. Em relação a estas são descritos os tipos: de adução, de abdução e respiratória5-7. A forma respiratória é a menos freqüente e a mais preocupante, pois acarreta restrição respiratória de graus variados, sem disfonia à fonação3,8. A distonia focal laríngea de abdução é pouco comum e os espasmos ocorrem durante a fonação nos músculos cricoaritenóideos posteriores. Com isso, há escape de ar durante as emissões sonoras, que se traduz por soprosidade intermitente, na fala encadeada.
A distonia focal de adução é a mais freqüente. Nesta forma ocorre forte contração dos músculos adutores durante a fonação, isto é, inapropriada hiperadução3. Nesta forma, a voz é tensa/estrangulada, com quebras de sonoridade freqüentes e com evidente esforço vocal. O comprometimento varia e pode dificultar extremamente a comunicação. São geralmente pouco alterados o riso, o canto, o sussurro e as emissões em falsete6. As quebras ocorrem quando a aproximação das pregas vocais é tão intensa que não permite a passagem do ar. A contração mais forte ocorre quando as pregas vocais encontram-se aduzidas, isto é, nas emissões sonoras, sendo as quebras mais evidentes nas palavras que se iniciam por vogais. Pode ser acompanhada de tremor constante restrito à laringe ou envolvendo a musculatura faríngea, ou do denominado tremor distônico observado apenas durante a fonação4,5. Como não existe exame específico, o diagnóstico é baseado em sinais clínicos: avaliação perceptivo-auditiva da voz e laringoscopia, em especial por meio do nasofibroscópio com fibra óptica flexível3,10. A distonia laríngea de adução deve ser diferenciada principalmente das síndromes de tensão músculo-esqueléticas e de alguns casos de disfonia psicogênica que apresentam semelhança na fala encadeada. A análise acústica da voz traduz objetivamente os padrões vocais audíveis e permite a identificação da tensão e das quebras. A eletromiografia pode ser útil na confirmação diagnóstica, sendo os achados mais freqüentes a presença de aumento abrupto e periódico da amplitude dos potencias eletrofisiológicos do músculo tireoaritenóideo, e prolongamento da atividade elétrica pré e pós-fonatória11. O exame por nasofibrolaringoscopia, mais fisiológico que o exame com telescopia, permite a execução e avaliação de tarefas que evidenciem as características clínicas da distonia laríngea de adução.
Assim, nosso objetivo é propor e avaliar um protocolo de exame de nasofibrolaringoscopia que contemple tarefas que evidenciem os espasmos e tarefas que diminuam ou façam desaparecer os espasmos, visando facilitar a análise e o diagnóstico.
MATERIAL E MÉTODOProtocolo de exame de nasofibrolaringoscopia para avaliação de palato, faringe e laringe (Anexo 1), realizado em 15 pacientes portadores de distonia laríngea de adução, com diagnóstico por meio de análise perceptivo-auditiva, nasofibrolaringoscopia anterior ao protocolo, eletromiografia e melhora do quadro após injeção de toxina botulínica na prega vocal. O exame de nasofibrolaringoscopia foi realizado após a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido, por meio de nasofibroscópio Machida modelo ENT-30 PIII, e gravado em fita de videocassete para posterior análise, realizada por três otorrinolaringologistas. O estudo foi realizado no ambulatório de Laringe e Voz da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina. O exame de nasofibrolaringoscopia foi realizado ao menos 6 meses após a injeção de toxina botulínica, e após o paciente e os autores, por meio de avaliação perceptivo-auditiva, observarem o retorno da qualidade de voz tensa/estrangulada característica do paciente. O nasofibroscópio foi introduzido pela narina, direita ou esquerda, e a extremidade posicionada próxima à coana, para a avaliação do palato. Esta constou de tarefas em emissão mais e menos grave, com e sem participação da adução glótica e no repouso e deglutição. Ainda foram solicitadas as emissões de frases. A seguir, o aparelho foi posicionado na rinofaringe para a observação da movimentação da faringe no repouso e durante emissão de sons graves e agudos. A maior parte da avaliação foi realizada com a extremidade próxima à laringe, em posição que permitiu a visão da glote. Foram solicitadas as tarefas de emissões graves e agudas, sonorização com e sem participação da adução glótica, frase com predomínio de sons sonoros, frase com predomínio de sons surdos, voz sussurrada, sonorização em intensidade forte e tarefas não-usuais e ainda outras não-fonatórias, como fonação inspiratória, assobio e sniff (Anexo 1). Os exames foram gravados para posterior análise em velocidade normal e velocidade lenta, por três otorrinolaringologistas com experiência em laringologia e em distonias, com concordância entre os observadores.
RESULTADOS E COMENTÁRIOSNa avaliação do palato, todos os pacientes apresentaram fechamento completo do esfíncter velo faríngeo. A avaliação durante a emissão das frases foi difícil pelos espasmos e não acrescentou dados em relação às demais tarefas. A maior parte dos pacientes apresentou ausência de tremor no palato durante o repouso e apenas dois pacientes tinham tremor no repouso. A emissão das vogais "é", "i" e "u" permite observarmos diferenças na intensidade dos espasmos conforme variações do pitch. A emissão de "s" e "z" possibilitou a avaliação do desaparecimento ou diminuição dos espasmos nas emissões surdas nas distonias de adução.
Em relação à faringe nenhum paciente apresentou espasmos no repouso e à fonação da vogal "é" em seis pacientes foram observadas contrações das paredes da faringe.
A avaliação durante a inspiração não mostrou movimentos de epiglote ou laringe, pesquisa esta que será útil nos casos de distonia respiratória. O tremor laríngeo durante o repouso foi observado em um caso.
Na avaliação da laringe houve presença de espasmos à fonação da vogal "é" em tom habitual, com desaparecimento ou diminuição com glissando para os agudos na maioria dos pacientes estudados. Apenas em três pacientes não houve modificação, embora outros três não tivessem conseguido o glissando. Observamos que nossos pacientes nem sempre conseguem realizar a execução do glissando ascendente ou mesmo descendente. O aumento da freqüência fundamental com a emissão do "i" hiperagudo foi possível com todos eles e em apenas dois deles não observamos diminuição ou desaparecimento dos espasmos. Desta forma houve diferença em relação à presença ou diminuição dos espasmos em todos os pacientes no hiperagudo, exceto em dois, sendo esta tarefa útil pela facilidade e modificação dos espasmos. Os sons mais agudos, principalmente em falsete, são emitidos com pequeno afastamento das pregas vocais, o que diminui o estímulo ao espasmo.
A emissão de frase com predomínio de sons sonoros seguida da frase com emissão surda permitiu observar a diminuição dos espasmos nas surdas. A comparação evidencia a diferença, nem sempre observada na fala encadeada. Com o sussurro, houve desaparecimento dos espasmos em 6 pacientes, diminuição em dois, sendo que os demais não conseguiram a emissão sussurrada e apenas repetiram a frase com intensidade mais baixa, mantendo os espasmos. No sussurro, como as pregas vocais não se tocam, observamos diminuição ou desaparecimento dos espasmos. A emissão da palavra "Gol" em intensidade forte não trouxe contribuição à avaliação, pois permite variações do "pitch", da intensidade, em uma palavra muito curta. Observamos espasmos em 7 pacientes, tal como na emissão de "é", diminuição em 3 pacientes, e desaparecimento nos demais, em que notamos emissões agudas.
Nas tarefas - fonação inspiratória, assobio, e sniff - todos os pacientes apresentaram ausência de espasmos. Tais movimentos não são os usualmente utilizados para a fonação e por isso mesmo não devem eliciar o aparecimento de espasmos, dependentes da fonação habitual. É provável que o circuito cerebral utilizado para estas tarefas seja diverso do utilizado para a fonação e não esteja comprometido.
Assim o protocolo mostrou-se útil na avaliação de pacientes com distonia laríngea, contemplando tarefas que permitem mostrar a presença de espasmos, tarefas que mostram seu desaparecimento e diminuição. Algumas tarefas não se mostraram úteis e propomos sua exclusão, tornando mais rápida e objetiva a avaliação. São elas: pesquisa de fechamento do esfíncter velofaríngeo, inclusive com a utilização de frases e na deglutição e emissão da palavra "Gol".
CONCLUSÃOO protocolo foi útil na avaliação dos pacientes, mostrando mudança de comportamento da musculatura nas estruturas estudadas conforme as tarefas executadas.
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1 Doutor, Professor Associado da Faculdade de Fonoaudiologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Médico colaborador do Setor de Laringe e Voz do Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina.
2 Médica Otorrinolaringologista e pós-graduanda (mestrado) da Disciplina de Otorrinolaringologia da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina (UNIFESP-EPM).
3 Médica Otorrinolaringologista. Mestre em otorrinolaringologia pela Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina (UNIFESP-EPM).
4 Fonoaudióloga especialista em voz. Mestre em Ciências da Comunicação Humana da Escola Paulista de Medicina (UNIFESP-EPM).
5 Fonoaudióloga. Doutora em Distúrbios da Comunicação Humana pela Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina (UNIFESP-EPM). Responsável pelo serviço de Reabilitação de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Ambulatório de Voz da UNIFESP-EPM.
6 Fonoaudióloga especialista em voz. Mestre em Ciências da Comunicação Humana pela Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina (UNIFESP-EPM). Doutoranda em Ciências da Comunicação Humana pela Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina (UNIFESP-EPM).
7 Fonoaudióloga especialista em voz pelo CEV - Centro de Estudos da Voz. Fonoaudióloga colaboradora do Setor de Laringe e Voz.
Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina. Departamento de Otorrinolaringologia - Setor de Laringe e Voz.
Endereço para correspondência: Rua Madre Rita Amada de Jesus, 106 Granja Julieta 04721-050 São Paulo SP.
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBORL em 28 de junho de 2005.
Artigo aceito em 29 de março de 2006.