ISSN 1806-9312  
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3387 - Vol. 72 / Edição 4 / Período: Julho - Agosto de 2006
Seção: Artigo Original Páginas: 439 a 442
Manobras cirúrgicas realizadas nas rinoplastias de um serviço de residência médica em otorrinolaringologia
Autor(es):
Lucas Gomes Patrocínio1, Paulo Márcio Coelho Carvalho1, Hélio Muniz de Souza1, Hugo Gonçalves Couto1, José Antônio Patrocínio2

Palavras-chave: enxerto, incisões, nariz étnico, osteotomia, rinoplastia.

Keywords: graft, incisions, ethnic nose, osteotomy, rhinoplasty.

Resumo: A rinoplastia é uma das mais desafiadoras cirurgias, seja pela diversidade de técnicas que podem ser utilizadas, seja por seus resultados pouco previsíveis em longo prazo. Cada paciente apresenta uma anatomia nasal diferente, influenciada pela hereditariedade e, portanto, pela raça, requerendo uma cirurgia específica para cada caso. Na literatura internacional predominam dados relativos às técnicas usadas em nariz caucasiano, os quais são raramente encontrados em nossa região. Objetivo: Avaliar quais foram as manobras cirúrgicas mais comumente realizadas nas rinoplastias dos pacientes da região, no nosso serviço. Material e Método: Foram avaliadas retrospectivamente as fichas operatórias de todos os pacientes submetidos à rinoplastia no Serviço de Residência de Otorrinolaringologia da Universidade Federal de Uberlândia, no período de dezembro de 2003 a junho de 2004. Resultados: Foram operados 166 pacientes, sendo que 118 (71,1%) foram submetidos à incisão marginal com "delivery" das cartilagens laterais inferiores e algum tipo de procedimento sobre elas (poste, escudo cartilaginoso de Sheen, suturas, etc.). Apenas 45 pacientes (27,1%) foram submetidos à "rinoplastia básica" e 3 (1,8%), à rinoplastia aberta. Conclusão: A maioria dos pacientes necessitou de algum tipo de procedimento adicional, sendo a "rinoplastia básica", realizada freqüentemente no nariz caucasiano, uma exceção aos nossos pacientes.

Abstract: Rhinoplasty is one of the most challenging surgical procedures, due both to the diversity of the techniques and to the difficulty in foreseeing long-term outcomes. Each patient has a different nasal anatomy, dictated by genetic inheritance - race, thus requiring a different technique for each case. The international literature emphasizes the techniques used for the Caucasian nose, which is rarely seen in our region. Aim: Evaluate and discuss surgical maneuvers used on rhinoplasty procedures performed on local patients at our ENT residency services. Materials and Methods: We evaluated the operative notes from all patients submitted to rhinoplasty at the Residency Program on Otorhinolaryngology at the Federal University of Uberlândia, from December 2003 to June 2004. Results: One hundred and sixty-six patients were submitted to rhinoplasty, in which marginal incisions were performed in 118 (71.1%), with the delivery technique performed on the inferior lateral cartilages and some procedures carried out on them (strut, sheen, sutures, etc). Only 45 patients (27.1%) were submitted to basic rhinoplasty and 3 (1.8%) to open rhinoplasty. Conclusion: Most of our patients demanded additional procedures, and the "basic rhinoplasty", commonly performed on the Caucasian nose was an exception on our patients.

INTRODUÇÃO

A rinoplastia é uma cirurgia cuja técnica utilizada depende dos achados anatômicos de cada nariz. Como não há um nariz idêntico a outro, não há rinoplastias idênticas. A técnica é tão variável quanto o número de variações anatômicas possíveis, tornando-a a mais desafiadora das cirurgias estéticas1-3.

Por ser uma cirurgia altamente dependente das alterações anatômicas encontradas, a técnica utilizada vai depender do tipo de nariz a ser operado. Isso, por sua vez, é influenciado pela hereditariedade e, conseqüentemente, pela raça4,5.

A literatura internacional dá ênfase ao nariz caucasiano1-3. No presente estudo, objetivamos avaliar e discutir as manobras realizadas mais freqüentemente nos pacientes de nossa região, localizada no Triângulo Mineiro, local onde há uma grande miscigenação de raças, principalmente entre negros, brancos e índios (comum também a outras regiões do país).

PACIENTES E MÉTODO

Foram avaliadas, retrospectivamente, as fichas operatórias de todos os 166 pacientes submetidos a rinoplastia no período de dezembro de 2003 a junho de 2004, no Serviço de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia (FAMED-UFU).

Para a ficha operatória de cada paciente foi preenchido um formulário, contendo detalhadamente: incisões de acesso ao esqueleto nasal ósteo-cartilaginoso, manobras realizadas sobre as cartilagens laterais inferiores e superiores, implantes e/ou enxertos utilizados, procedimentos realizados na base nasal, tipos de osteotomias e o número de septoplastias concomitantes. Em todos os pacientes a cirurgia foi realizada sob anestesia local com sedação endovenosa6.

Os resultados foram colocados em tabelas e gráficos. Foram então analisados separadamente, em termos percentuais, cada manobra cirúrgica, enxerto ou incisão em relação ao total de pacientes operados, tendo-se então uma análise numérica dos procedimentos utilizados nas rinoplastias em nosso serviço.

RESULTADOS

Os resultados estão dispostos nas Tabelas 1 a 9, em relação ao total de pacientes operados (166).

As rinoplastias foram realizadas através de três abordagens: "delivery" (71,1%), fechada (27,1%) ou aberta (1,8%) (Tabela 1).

Com relação à(s) incisão(ões) utilizada(s) para abordagem da ponta nasal, a incisão intercartilaginosa foi realizada em 147 (88,5%) pacientes, a marginal em 118 (71,1%) e a intracartilaginosa em 4 (2,4%) (Tabela 2).

As manobras mais comumente realizadas nas cartilagens laterais inferiores foram aquelas utilizadas para reduzir o volume e melhorar a definição da ponta nasal, como ressecção da porção cefálica (58,4%) e sutura interdomal (45,1%), seguidas daquelas cujo objetivo é aumentar o suporte e melhorar a projeção da ponta, como colocação de poste (24,1%) e enxerto em escudo de Sheen7 (21,6%) (Tabela 3).

Houve uma alta incidência de pacientes submetidos à septoplastia concomitante (30,7%), com o intuito de preservar ou melhorar a função respiratória após a rinoplastia. Outras manobras comumente realizadas sobre o septo nasal foram o seu encurtamento (38,5%) ou aumento com enxerto cartilaginoso (4,2%) (Tabela 4).

No dorso nasal, houve ressecção da giba ósteo-cartilaginosa em 126 (75,9%) pacientes e colocação de enxerto somente em 11 (6,6%) (Tabela 5). Foram realizadas osteotomias laterais em 125 (75,3%) pacientes, medial em 14 (8,4%) e frontal em 1 (0,6%) (Tabela 6).

Dentre os enxertos e implantes utilizados, o mais freqüente foi o de cartilagem septal (31,9%), seguido de Dacronâ (13,8%) e cartilagem da concha auricular (4,8%) (Tabela 7). A maioria dos pacientes submetidos a procedimentos sobre a espinha nasal anterior precisou de aumento dessa região (13,8%) e um menor número de retirada (6,6%) (Tabela 8).

O procedimento mais freqüentemente realizado sobre a base alar larga foi seu estreitamento através de ressecção com sutura (26,5%), seguido de ponto em " interalar (3,6%) (Tabela 9).











DISCUSSÃO

Toda rinoplastia exige incisões para acesso. A exposição adequada é tão importante na rinoplastia quanto em outras operações, de modo que as incisões devem ser selecionadas de acordo com indicações específicas. Na "rinoplastia básica" realizam-se as incisões transfixante, intercartilaginosa e a paramediana na cartilagem lateral superior (usada para separar a cartilagem lateral superior do septo).

Segundo Toriumi e Becker1, incisões são métodos para ganhar acesso às estruturas ósteo-cartilaginosas do nariz e incluem as incisões transcartilaginosa, intercartilaginosa, marginal e transcolumelar. Além destas, acrescentamos a paramediana na cartilagem lateral superior8.

Patrocínio et al.8 relatam que toda rinoplastia requer uma cuidadosa e exata análise do que precisa ser corrigido. Segundo Tebbetts2, deve-se usar tantas incisões quantas forem necessárias para assegurar exposição e controle ideais. A exatidão ao fazer uma incisão pode influenciar substancialmente a qualidade de seu fechamento e a cicatriz subseqüente. Uma incisão exata demanda estabilização de tecido, exposição, planejamento e técnica precisa.

As incisões para abordagem cirúrgica mudam de acordo com o defeito a ser corrigido. Alguns autores preconizam em 100% dos casos o acesso externo transcolumelar1. Realizamos este acesso em apenas 1,8% dos casos. Na grande maioria (71,1%) foram utilizadas as incisões marginais, com "delivery" das cartilagens laterais inferiores. O baixo índice de rinoplastia fechada (27,1%) demonstra a alta incidência de deformidades das cartilagens laterais inferiores que necessitam de correção cirúrgica4,5.

O acesso trans/intracartilaginoso nas rinoplastias primárias, em que necessitamos apenas de uma redução do volume da ponta, é realizado através de uma incisão 4 a 6mm caudal à borda cefálica da crus lateral. O importante nesse procedimento é o que se deixa e não o que se retira de cartilagem. Este acesso permite uma redução do volume e algum refinamento da ponta, sem o risco de alteração da válvula nasal3.

A incisão marginal é aquela em que se obtém um retalho bipediculado (Figura 2). Para o "delivery", realizamos as incisões marginais e intercartilaginosas8. Quase todos os procedimentos realizados por rinoplastia aberta são passíveis de serem feitos por esse acesso, sem o inconveniente de cicatriz columelar. O acesso via rinoplastia aberta foi por nós utilizado em apenas 3 casos. Tem como vantagem a visualização direta das cartilagens alares, com maior facilidade para colocação de suturas e enxertos, além de facilitar o ensino. Tem boa indicação em nariz de fissurados e rinoplastias terciárias ou quaternárias, com grandes pinçamentos e assimetrias4,5. A maioria das rinoplastias secundárias são cirurgias menores que a primeira cirurgia, pois são para corrigir pequenas deformidades e, logo, não necessitam de rinoplastia aberta.

Quanto às ações nas cartilagens laterais inferiores, foi realizada ressecção de porção cefálica para definir a ponta em 58,4% dos pacientes. A sutura interdomal, colocação de poste, colocação de enxerto cartilaginoso em escudo de Sheen, lateralização da cúpula ("domus") e enxerto em asa de gaivota foram realizadas, respectivamente, em 45,1%, 24,1%, 21,6%, 6,6% e 4,8% dos pacientes. Segundo Sheen7, os quatro pontos que definem a ponta nasal são: supratip breakpoint, "domus" direito, "domus" esquerdo e junção lóbulo columelar; foi com o intuito de agir nesses pontos que as manobras acima foram realizadas.

Talvez, por sermos otorrinolaringologistas, a porcentagem de septoplastias (30,7%) foi considerável, proporcionando além de uma melhora funcional, o fornecimento de cartilagem para enxerto9. Em apenas 4,2% dos casos, devido ao pequeno ângulo nasolabial, foi feito enxerto na região do septo caudal. Em 38,5% dos casos encurtamos o septo para diminuir o nariz ou melhorar o ângulo nasolabial.

A osteotomia lateral foi utilizada em 75,3% dos casos, fato explicado pela grande incidência de nariz com base óssea larga em nossa região4,5. Utilizamos para o homem o osteótomo de 3mm e para a mulher o de 2mm, com acesso lateral e superior à cabeça da concha nasal inferior, com fratura por picoteamento em sentido ascendente no ângulo nasomaxilar.

O enxerto de cartilagem de septo nasal foi utilizado em 31,9% dos pacientes, de concha auricular em 4,8% e de Dacronâ em 13,8%. A cartilagem septal foi utilizada principalmente para a confecção de poste e escudo de Sheen, a da concha para enxertos no dorso10 e asa de gaivota e o Dacronâ para a espinha nasal anterior. Este último, por ser um material macio, não serve como suporte, mas sim como preenchimento. É de fácil obtenção em nosso hospital, pois como necessitamos de pequena quantidade, usamos as sobras reesterelizadas do serviço de Cirurgia Vascular. A literatura descreve ainda outros implantes, como Gore-texâ, Supramidâ, Proplastâ e hidroxiapatita11-13.

O acesso à espinha nasal anterior, para sua ressecção em 6,6% dos casos ou enxerto em 13,8%, foi feito pela incisão transfixante columelar e confecção de um bolsão. Nesses casos foi utilizado mais freqüentemente o Dacronâ (embebido em clindamicina), colocado no final da cirurgia e com a incisão muito bem fechada. A preferência é por cartilagem, porém devido à grande necessidade de aumentos, utilizamos Dacronâ para evitar uma nova incisão pra retirada de enxerto, neste caso, da outra orelha11,12.

Quanto à base nasal, foi realizada sua abordagem em 30,1% dos pacientes, sendo por ressecção da base com sutura4,5,13 em 26,5% e por ponto em " interalar em 3,6%, que tem indicação quando há pequeno aumento da distância interalar. Segundo Daniel3, normalmente não se necessita incisão alar lateral, a qual sempre deixa cicatriz. Esse tipo de incisão não foi utilizado em nossos pacientes.

CONCLUSÃO

No presente estudo, foram realizadas manobras complementares àquelas utilizadas na rinoplastia básica. A maioria dos pacientes foi submetida a algum tido de procedimento sobre as cartilagens laterais inferiores e uma grande parte foi submetida à osteotomia lateral, fechamento da asa, colocação de enxertos e/ou implantes e outras manobras. A rinoplastia básica, comumente realizada em caucasianos, foi uma exceção em nosso meio.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1.Toriumi DM, Becker DG. Rhinoplasty Dissection Manual. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 1999. p. 37-57.

2.Tebbetts JB. Primary Rhinoplasty. Saint Louis: Mosby; 1998. p. 61-86.

3.Daniel RK. Aesthetic Plastic Surgery - Rhinoplasty. Boston: Little, Brown and Company; 1993. p. 283-318.

4.Patrocínio JA, Mocellin M, Patrocínio LG, Mocellin M. Rinoplastia a céu aberto para correção do nariz tipo negróide brasileiro. In: Maniglia AJ, Maniglia JJ, Maniglia JV (editores). Rinoplastia: estética, funcional e reconstrutora. Rio de Janeiro: Revinter; 2002. p. 204-12.

5.Patrocínio JA, Mocellin M, Patrocínio LG. Rinoplastia no Nariz Negróide. In: Campos CAH, Costa HOO (editores). Tratado de Otorrinolaringologia. Volume 5 - Técnicas Cirúrgicas. São Paulo: Roca; 2002. p. 717-26.

6.Patrocínio JA, Patrocínio LG, Ramin SL, Souza DD, Maniglia JV, Maniglia AJ. Anestesia. In: Maniglia AJ, Maniglia JJ, Maniglia JV (editores). Rinoplastia: estética funcional e reconstrutora. Rio de Janeiro: Revinter; 2002. p. 62-8.

7.Sheen JH. Aesthetic Rhinoplasty. Saint Louis: Mosby; 1978.

8.Patrocínio JA, Sousa AD, Coelho SR. Incisões para inserção de implantes no nariz. Acta AWHO 1986;5(2):45-52.

9.Mocellin M, Maniglia JJ, Patrocínio JA, Pasinato R. Septoplastia Técnica de Metzembaum. Rev Bras Otorrinolaringol 1990;56:105-10.

10.Patrocínio JA, Patrocínio LG. Nariz em sela. In: Campo CAH, Costa HOO (editores). Tratado de Otorrinolaringologia. Volume 5 - Técnicas Cirúrgicas. São Paulo: Roca; 2002. p. 727-38.

11.Patrocínio LG, Patrocínio JA. Uso de enxertos na rinoplastia. Arq Otorrinolaringol 2001;5(1):21-5.

12.Patrocínio LG, Patrocínio JA. Atualização em enxertos na Rinoplastia. Rev Bras Otorrinolaringol 2001;67(3):394-402.

13.Patrocínio JA, Madalena CA, Nonato S, Coelho SR. Complicações e dificuldades em Rinosseptoplastia. F.Med - Caderno de Otorrinolaringologia 1995;110(2):131-6

1 Médico, Residente do Serviço de Otorrinolaringologia da Universidade Federal de Uberlândia.
2 Professor Titular, Chefe do Serviço de Otorrinolaringologia da Universidade Federal de Uberlândia.
Serviço de Otorrinolaringologia, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, MG.
Endereço para correspondência: Lucas Gomes Patrocínio - Rua XV de Novembro 327 apto. 1600 Uberlândia MG 38400-072.
Tel/Fax: (0xx34) 3215-1143 - E-mail: lucaspatrocinio@triang.com.br
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBORL em 13 de abril de 2005.
Artigo aceito em 2 de junho de 2006.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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