INTRODUÇÃOA rinoplastia é uma cirurgia cuja técnica utilizada depende dos achados anatômicos de cada nariz. Como não há um nariz idêntico a outro, não há rinoplastias idênticas. A técnica é tão variável quanto o número de variações anatômicas possíveis, tornando-a a mais desafiadora das cirurgias estéticas1-3.
Por ser uma cirurgia altamente dependente das alterações anatômicas encontradas, a técnica utilizada vai depender do tipo de nariz a ser operado. Isso, por sua vez, é influenciado pela hereditariedade e, conseqüentemente, pela raça4,5.
A literatura internacional dá ênfase ao nariz caucasiano1-3. No presente estudo, objetivamos avaliar e discutir as manobras realizadas mais freqüentemente nos pacientes de nossa região, localizada no Triângulo Mineiro, local onde há uma grande miscigenação de raças, principalmente entre negros, brancos e índios (comum também a outras regiões do país).
PACIENTES E MÉTODOForam avaliadas, retrospectivamente, as fichas operatórias de todos os 166 pacientes submetidos a rinoplastia no período de dezembro de 2003 a junho de 2004, no Serviço de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia (FAMED-UFU).
Para a ficha operatória de cada paciente foi preenchido um formulário, contendo detalhadamente: incisões de acesso ao esqueleto nasal ósteo-cartilaginoso, manobras realizadas sobre as cartilagens laterais inferiores e superiores, implantes e/ou enxertos utilizados, procedimentos realizados na base nasal, tipos de osteotomias e o número de septoplastias concomitantes. Em todos os pacientes a cirurgia foi realizada sob anestesia local com sedação endovenosa6.
Os resultados foram colocados em tabelas e gráficos. Foram então analisados separadamente, em termos percentuais, cada manobra cirúrgica, enxerto ou incisão em relação ao total de pacientes operados, tendo-se então uma análise numérica dos procedimentos utilizados nas rinoplastias em nosso serviço.
RESULTADOSOs resultados estão dispostos nas Tabelas 1 a 9, em relação ao total de pacientes operados (166).
As rinoplastias foram realizadas através de três abordagens: "delivery" (71,1%), fechada (27,1%) ou aberta (1,8%) (Tabela 1).
Com relação à(s) incisão(ões) utilizada(s) para abordagem da ponta nasal, a incisão intercartilaginosa foi realizada em 147 (88,5%) pacientes, a marginal em 118 (71,1%) e a intracartilaginosa em 4 (2,4%) (Tabela 2).
As manobras mais comumente realizadas nas cartilagens laterais inferiores foram aquelas utilizadas para reduzir o volume e melhorar a definição da ponta nasal, como ressecção da porção cefálica (58,4%) e sutura interdomal (45,1%), seguidas daquelas cujo objetivo é aumentar o suporte e melhorar a projeção da ponta, como colocação de poste (24,1%) e enxerto em escudo de Sheen7 (21,6%) (Tabela 3).
Houve uma alta incidência de pacientes submetidos à septoplastia concomitante (30,7%), com o intuito de preservar ou melhorar a função respiratória após a rinoplastia. Outras manobras comumente realizadas sobre o septo nasal foram o seu encurtamento (38,5%) ou aumento com enxerto cartilaginoso (4,2%) (Tabela 4).
No dorso nasal, houve ressecção da giba ósteo-cartilaginosa em 126 (75,9%) pacientes e colocação de enxerto somente em 11 (6,6%) (Tabela 5). Foram realizadas osteotomias laterais em 125 (75,3%) pacientes, medial em 14 (8,4%) e frontal em 1 (0,6%) (Tabela 6).
Dentre os enxertos e implantes utilizados, o mais freqüente foi o de cartilagem septal (31,9%), seguido de Dacronâ (13,8%) e cartilagem da concha auricular (4,8%) (Tabela 7). A maioria dos pacientes submetidos a procedimentos sobre a espinha nasal anterior precisou de aumento dessa região (13,8%) e um menor número de retirada (6,6%) (Tabela 8).
O procedimento mais freqüentemente realizado sobre a base alar larga foi seu estreitamento através de ressecção com sutura (26,5%), seguido de ponto em " interalar (3,6%) (Tabela 9).
DISCUSSÃOToda rinoplastia exige incisões para acesso. A exposição adequada é tão importante na rinoplastia quanto em outras operações, de modo que as incisões devem ser selecionadas de acordo com indicações específicas. Na "rinoplastia básica" realizam-se as incisões transfixante, intercartilaginosa e a paramediana na cartilagem lateral superior (usada para separar a cartilagem lateral superior do septo).
Segundo Toriumi e Becker1, incisões são métodos para ganhar acesso às estruturas ósteo-cartilaginosas do nariz e incluem as incisões transcartilaginosa, intercartilaginosa, marginal e transcolumelar. Além destas, acrescentamos a paramediana na cartilagem lateral superior8.
Patrocínio et al.8 relatam que toda rinoplastia requer uma cuidadosa e exata análise do que precisa ser corrigido. Segundo Tebbetts2, deve-se usar tantas incisões quantas forem necessárias para assegurar exposição e controle ideais. A exatidão ao fazer uma incisão pode influenciar substancialmente a qualidade de seu fechamento e a cicatriz subseqüente. Uma incisão exata demanda estabilização de tecido, exposição, planejamento e técnica precisa.
As incisões para abordagem cirúrgica mudam de acordo com o defeito a ser corrigido. Alguns autores preconizam em 100% dos casos o acesso externo transcolumelar1. Realizamos este acesso em apenas 1,8% dos casos. Na grande maioria (71,1%) foram utilizadas as incisões marginais, com "delivery" das cartilagens laterais inferiores. O baixo índice de rinoplastia fechada (27,1%) demonstra a alta incidência de deformidades das cartilagens laterais inferiores que necessitam de correção cirúrgica4,5.
O acesso trans/intracartilaginoso nas rinoplastias primárias, em que necessitamos apenas de uma redução do volume da ponta, é realizado através de uma incisão 4 a 6mm caudal à borda cefálica da crus lateral. O importante nesse procedimento é o que se deixa e não o que se retira de cartilagem. Este acesso permite uma redução do volume e algum refinamento da ponta, sem o risco de alteração da válvula nasal3.
A incisão marginal é aquela em que se obtém um retalho bipediculado (Figura 2). Para o "delivery", realizamos as incisões marginais e intercartilaginosas8. Quase todos os procedimentos realizados por rinoplastia aberta são passíveis de serem feitos por esse acesso, sem o inconveniente de cicatriz columelar. O acesso via rinoplastia aberta foi por nós utilizado em apenas 3 casos. Tem como vantagem a visualização direta das cartilagens alares, com maior facilidade para colocação de suturas e enxertos, além de facilitar o ensino. Tem boa indicação em nariz de fissurados e rinoplastias terciárias ou quaternárias, com grandes pinçamentos e assimetrias4,5. A maioria das rinoplastias secundárias são cirurgias menores que a primeira cirurgia, pois são para corrigir pequenas deformidades e, logo, não necessitam de rinoplastia aberta.
Quanto às ações nas cartilagens laterais inferiores, foi realizada ressecção de porção cefálica para definir a ponta em 58,4% dos pacientes. A sutura interdomal, colocação de poste, colocação de enxerto cartilaginoso em escudo de Sheen, lateralização da cúpula ("domus") e enxerto em asa de gaivota foram realizadas, respectivamente, em 45,1%, 24,1%, 21,6%, 6,6% e 4,8% dos pacientes. Segundo Sheen7, os quatro pontos que definem a ponta nasal são: supratip breakpoint, "domus" direito, "domus" esquerdo e junção lóbulo columelar; foi com o intuito de agir nesses pontos que as manobras acima foram realizadas.
Talvez, por sermos otorrinolaringologistas, a porcentagem de septoplastias (30,7%) foi considerável, proporcionando além de uma melhora funcional, o fornecimento de cartilagem para enxerto9. Em apenas 4,2% dos casos, devido ao pequeno ângulo nasolabial, foi feito enxerto na região do septo caudal. Em 38,5% dos casos encurtamos o septo para diminuir o nariz ou melhorar o ângulo nasolabial.
A osteotomia lateral foi utilizada em 75,3% dos casos, fato explicado pela grande incidência de nariz com base óssea larga em nossa região4,5. Utilizamos para o homem o osteótomo de 3mm e para a mulher o de 2mm, com acesso lateral e superior à cabeça da concha nasal inferior, com fratura por picoteamento em sentido ascendente no ângulo nasomaxilar.
O enxerto de cartilagem de septo nasal foi utilizado em 31,9% dos pacientes, de concha auricular em 4,8% e de Dacronâ em 13,8%. A cartilagem septal foi utilizada principalmente para a confecção de poste e escudo de Sheen, a da concha para enxertos no dorso10 e asa de gaivota e o Dacronâ para a espinha nasal anterior. Este último, por ser um material macio, não serve como suporte, mas sim como preenchimento. É de fácil obtenção em nosso hospital, pois como necessitamos de pequena quantidade, usamos as sobras reesterelizadas do serviço de Cirurgia Vascular. A literatura descreve ainda outros implantes, como Gore-texâ, Supramidâ, Proplastâ e hidroxiapatita11-13.
O acesso à espinha nasal anterior, para sua ressecção em 6,6% dos casos ou enxerto em 13,8%, foi feito pela incisão transfixante columelar e confecção de um bolsão. Nesses casos foi utilizado mais freqüentemente o Dacronâ (embebido em clindamicina), colocado no final da cirurgia e com a incisão muito bem fechada. A preferência é por cartilagem, porém devido à grande necessidade de aumentos, utilizamos Dacronâ para evitar uma nova incisão pra retirada de enxerto, neste caso, da outra orelha11,12.
Quanto à base nasal, foi realizada sua abordagem em 30,1% dos pacientes, sendo por ressecção da base com sutura4,5,13 em 26,5% e por ponto em " interalar em 3,6%, que tem indicação quando há pequeno aumento da distância interalar. Segundo Daniel3, normalmente não se necessita incisão alar lateral, a qual sempre deixa cicatriz. Esse tipo de incisão não foi utilizado em nossos pacientes.
CONCLUSÃONo presente estudo, foram realizadas manobras complementares àquelas utilizadas na rinoplastia básica. A maioria dos pacientes foi submetida a algum tido de procedimento sobre as cartilagens laterais inferiores e uma grande parte foi submetida à osteotomia lateral, fechamento da asa, colocação de enxertos e/ou implantes e outras manobras. A rinoplastia básica, comumente realizada em caucasianos, foi uma exceção em nosso meio.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS1.Toriumi DM, Becker DG. Rhinoplasty Dissection Manual. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 1999. p. 37-57.
2.Tebbetts JB. Primary Rhinoplasty. Saint Louis: Mosby; 1998. p. 61-86.
3.Daniel RK. Aesthetic Plastic Surgery - Rhinoplasty. Boston: Little, Brown and Company; 1993. p. 283-318.
4.Patrocínio JA, Mocellin M, Patrocínio LG, Mocellin M. Rinoplastia a céu aberto para correção do nariz tipo negróide brasileiro. In: Maniglia AJ, Maniglia JJ, Maniglia JV (editores). Rinoplastia: estética, funcional e reconstrutora. Rio de Janeiro: Revinter; 2002. p. 204-12.
5.Patrocínio JA, Mocellin M, Patrocínio LG. Rinoplastia no Nariz Negróide. In: Campos CAH, Costa HOO (editores). Tratado de Otorrinolaringologia. Volume 5 - Técnicas Cirúrgicas. São Paulo: Roca; 2002. p. 717-26.
6.Patrocínio JA, Patrocínio LG, Ramin SL, Souza DD, Maniglia JV, Maniglia AJ. Anestesia. In: Maniglia AJ, Maniglia JJ, Maniglia JV (editores). Rinoplastia: estética funcional e reconstrutora. Rio de Janeiro: Revinter; 2002. p. 62-8.
7.Sheen JH. Aesthetic Rhinoplasty. Saint Louis: Mosby; 1978.
8.Patrocínio JA, Sousa AD, Coelho SR. Incisões para inserção de implantes no nariz. Acta AWHO 1986;5(2):45-52.
9.Mocellin M, Maniglia JJ, Patrocínio JA, Pasinato R. Septoplastia Técnica de Metzembaum. Rev Bras Otorrinolaringol 1990;56:105-10.
10.Patrocínio JA, Patrocínio LG. Nariz em sela. In: Campo CAH, Costa HOO (editores). Tratado de Otorrinolaringologia. Volume 5 - Técnicas Cirúrgicas. São Paulo: Roca; 2002. p. 727-38.
11.Patrocínio LG, Patrocínio JA. Uso de enxertos na rinoplastia. Arq Otorrinolaringol 2001;5(1):21-5.
12.Patrocínio LG, Patrocínio JA. Atualização em enxertos na Rinoplastia. Rev Bras Otorrinolaringol 2001;67(3):394-402.
13.Patrocínio JA, Madalena CA, Nonato S, Coelho SR. Complicações e dificuldades em Rinosseptoplastia. F.Med - Caderno de Otorrinolaringologia 1995;110(2):131-6
1 Médico, Residente do Serviço de Otorrinolaringologia da Universidade Federal de Uberlândia.
2 Professor Titular, Chefe do Serviço de Otorrinolaringologia da Universidade Federal de Uberlândia.
Serviço de Otorrinolaringologia, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, MG.
Endereço para correspondência: Lucas Gomes Patrocínio - Rua XV de Novembro 327 apto. 1600 Uberlândia MG 38400-072.
Tel/Fax: (0xx34) 3215-1143 - E-mail: lucaspatrocinio@triang.com.br
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBORL em 13 de abril de 2005.
Artigo aceito em 2 de junho de 2006.