INTRODUÇÃO
Distonia laríngea é um distúrbio da fonação caracterizado por contrações involuntárias da musculatura laríngea envolvida no processo da vocalização. Embora no passado fossem tratadas como distúrbios psicossomáticos hoje se sabe que as distonias laríngeas ou disfonias espasmódicas são desordens neurológicas do processamento motor central. As distonias laríngeas são classificadas, segundo Koufman1 em quatro tipos (adutora, abdutora, mista e respiratória), sendo que as adutoras podem ser subdivididas em quatro subtipos, dependendo da localização do distúrbio (glótica, supra-glótica) e da presença de tremor (com tremor, sem tremor); as distonias mistas são subdivididas em três, baseadas nos distúrbios dominantes (adutora com compensação abdutora, abdutora com compensação adutora) e presença de tremor. A distonia do tipo adutora é mais freqüente e se caracteriza por voz tensa e estrangulada, com quebras fonatórias freqüentes e geralmente acompanhada de tremor devido a irregulares e inapropriadas contrações dos músculos responsáveis pela adução das cordas vocais. No subtipo glótico somente os músculos responsáveis pela adução da prega vocal sofrem essa contração irregular, sendo que, na supraglótica, pregas vocais, falsas pregas vocais e outras estruturas supraglóticas estão envolvidas no processo, sendo que a fluência vocal é mais prejudicada nesse subtipo. A distonia abdutora é menos freqüente e tem piores resultados com o tratamento com toxina botulínica, resulta de incoordenação da musculatura abdutora e, clinicamente, se caracteriza por interrupção na fluência da voz, ocorrendo voz soprosa. A distonia respiratória2 é uma desordem rara em que os espasmos irregulares não ocorrem durante a fonação, e sim durante a inspiração, provocando estridor inspiratório e pausas respiratórias inapropriadas devido a movimentos paradoxais das pregas vocais.
O diagnóstico das diferentes distonias é feito basicamente pelos exames: geral, otorrinolaringológico e neurológico, sendo confirmado através de videolaringoestroboscopia. O tratamento das distonias laríngeas é feito com base na aplicação de toxina botulínica diretamente no músculo anormal, identificado através da laringoscopia direta de suspensão ou por punção percutânea, sendo monitorizada por nasofibrolaringoscopia flexível com anestesia local e/ou eletromiografia laríngea3. Pode haver a necessidade de outra aplicação, que segundo alguns estudos, é de aproximadamente 6 meses4,14. A toxina botulínica é produzida a partir do Clostridiun tetani e causa uma dessensibilização das placas neurais à acetilcolina, inibindo assim os espasmos. Ainda está indefinido se a toxina botulínica pode sofrer resistência por parte dos músculos laríngeos6 e se a aplicação repetida pode levar a uma dessensibilização definitiva destes, podendo a toxina botulínica tipo B ser usada em caso de refratariedade ao tipo A7,10. O objetivo desse estudo é relatar o caso de uma paciente portadora de distonia laríngea e discutir os tipos de tratamentos relatados na literatura.
RELATO DE CASO
N. B., 61 anos, do sexo feminino, branca, com queixa de quebras fonatórias irregulares, não acompanhadas de rouquidão ou afonia. Os sintomas apareceram há aproximadamente 2 anos, com perda da voz após episódio de choro intenso durante várias horas, tendo a voz, após alguns dias, retornado gradualmente, mas com as alterações já citadas. Procurou serviço de Neurologia, obtendo diagnóstico de disartria. Fez tratamento fonoaudiólogo durante seis meses, sem mudança no padrão vocal.
Avaliado pelos autores com videoestroboscopia, exame clínico neurológico e laboratório de voz, a paciente apresentou sinais de tensão ao falar, cansaço vocal, ar na emissão vocal, ardor laríngeo, perda na extensão da voz e descontrole na freqüência (oscilação). Ao exame apresentava voz rouca de grau leve, com crepitação de grau severo, apresentando voz inadequada ao físico, com tempo máximo de fonação curto para sexo e idade. Resposta negativa ao mascaramento auditivo, afastando a possibilidade de distonia psicogênica, tendo como diagnóstico disfonia orgânica devido a uma distonia laríngea.
A videolaringoestroboscopia evidenciou tremor vocal bilateral discreto, mais intenso em prega vocal esquerda, ausência de lesões estruturais mínimas, assim como de edema retrocricóideo e interaritenóideo. Apresentava boa expansão de lâmina própria bilateralmente com ausência de fenda glótica.
O tratamento foi feito com a injeção de 5U de toxina botulínica tipo A (botox) em músculo tireoaritenóideo esquerdo por laringoscopia de suspensão. A voz teve um aspecto soproso durante a primeira semana, apresentando, após esse período, suavização e estabilidade fundamental, aumento da capacidade respiratória, aumento de tempo máximo de fonação, coordenação pneumofônica respiratória e mobilidade de órgãos fonoarticulares. Optamos por observar a paciente, analisando a necessidade de reaplicação de toxina botulínica.
DISCUSSÃO
Distonias laríngeas são contrações involuntárias e incoordenadas da musculatura laríngea responsável pela fonação. Podem ser classificas em adutoras, abdutoras ou respiratórias, dependendo da musculatura principalmente acometida, sendo a distonia adutora a mais comum1.
O caso relatado é sobre uma paciente portadora de distonia laríngea do tipo adutora e, nossa discussão será enfatizada nesse distúrbio.
Na disfonia adutora, a voz é tensa e estrangulada, com quebras fonatórias freqüentes e esforço vocal, podendo ser subdividida em disfonia adutora glótica ou supraglótica, sendo que no primeiro subtipo apenas os músculos responsáveis pela adução das cordas vocais sofrem contrações, enquanto no subtipo supraglótico, falsas pregas vocais e estruturas supraglóticas também participam. Podem, ainda, ser classificadas de acordo com a presença ou não de tremores, sendo estes diferentes dos tremores essenciais por não estarem presentes durante o silêncio e respiração calma1.
O diagnóstico é principalmente clínico e pode ser auxiliado por laringoestroboscopia e eletromiografia, revelando espasmos irregulares da musculatura adutora durante a fonação e atividade aumentada e incoordenada dos músculos tireoaritenóideos na distonia adutora.
O tratamento é feito com aplicação intramuscular de toxina botulínica nos grupos musculares acometidos, podendo ser feita uni ou bilateralmente, guiada por endoscopia. A aplicação unilateral proporciona aproximadamente o mesmo efeito, com diminuição dos efeitos colaterais8, sendo a dose utilizada de 0,1u a até 10u4. Não está definido se a aplicação repetida pode levar a resistência e se essa resistência é promovida devido a criação de anticorpos específicos9. Nos pacientes que desenvolvem resistência a toxina botulínica do tipo A, pode ser usada a toxina do tipo B7,10. O efeito terapêutico é de aproximadamente seis meses, podendo-se repetir a aplicação após esse período, dependendo dos sintomas e do conforto do paciente em relação à voz. Alguns estudos utilizaram questionários para avaliar a mudança na qualidade de vida do paciente, pós-aplicação de toxina botulínica, tendo esta se mostrada muito efetiva, independentemente do tempo de terapia4-5, sendo o tratamento de escolha em pacientes com distonia laríngea.
CONCLUSÃO
O tratamento de escolha das distonias espasmódicas é a aplicação direta intramuscular de toxina botulínica, que, após um período de aproximadamente uma semana, faz voltar ao normal a voz do paciente, gerando conforto e fluência durante a fonação. A aplicação unilateral tem a vantagem de usar uma dose menor, gerando menos efeitos colaterais, como voz soprosa nos dias subseqüentes à aplicação, devendo ser preferida nos casos onde a laringoestroboscopia e/ou eletromiografia evidenciar contração maior apenas de uma prega vocal. A paciente deve ser observada e analisada através de laringoestroboscopia e laboratório de voz, podendo instituir a reaplicação de toxina botulínica, dependendo dos resultados desses exames e do conforto e satisfação do paciente.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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1 Acadêmico de medicina. 2 Graduação pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora, Residência Médica em Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço pelo Hospital Servidor Público Estadual de São Paulo, otorrinolaringologista e cirurgião de cabeça e pescoço, da clínica Sinus, especializada em doenças do ouvido, nariz e laringe. 3 Acadêmico de Medicina da Fundação Educacional da Serra dos órgãos (FESO) - Teresópolis - RJ. 4 Especialista em voz, Fonoaudióloga do Hospital nove de Julho de Juiz de Fora, MG. 5 Neurologista, membro titular da Academia Brasileira de Neurologia, professor da disciplina de neurologia da faculdade de medicina da U.F.J.F., membro titular da academia brasileira de neurologia. Endereço para correspondência: Fernando Marcos Mattioli - Clínica Sinus - Rua Santo Antônio 630 2º andar Centro Juiz de Fora MG. E-mail: fmattioli@uol.com.br Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBORL em 10 de março de 2005. Artigo aceito em 18 de março de 2005.
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