INTRODUÇÃOA primeira referência a desordens respiratórias associadas ao sono, em crianças, data de 1836, quando Charles Dickens em seu livro, o Diário Póstumo do Clube Pickwick1, descreveu um garoto de 10 anos de idade, que passava a maior parte do tempo comendo e dormindo, em situações semelhantes aos relatos atuais dos pacientes com Síndrome da Apnéia e Hipopnéia Obstrutiva do Sono (SAHOS). Sir William Osler2,em seu livro texto médico de 1892, descreveu SAHOS na infância, abordando os sintomas diurnos e comentando sobre o sono extremamente perturbado das crianças.
Em 1976, Guilleminault et al.3 descreveram uma série de oito crianças com apnéia do sono, diagnosticadas por polissonografia. Cinco anos depois, Guilleminault et al.4 publicaram uma revisão de 50 crianças e adolescentes com apnéia obstrutiva do sono, concluindo que a síndrome não era incomum e que o impacto cardiovascular e intelectual da mesma deveria ser considerado.
SAHOS, na infância, é caracterizada por episódios recorrentes de obstrução completa e/ou parcial das vias aéreas superiores que ocorrem durante o sono, resultando em intermitentes hipoxemia e hipercapnia, despertares recorrentes e ruptura do sono5,6. É uma condição grave na criança e difere da que é vista no adulto na sua fisiopatologia, apresentação clínica, características polissonográficas e seqüelas. A prevalência estimada é de 1 a 3% em crianças,entretanto, esta é difícil de ser mensurada, em função do subdiagnóstico6-10. A falta de conscientização da comunidade sobre os efeitos negativos que os problemas relacionados ao sono podem causar ao funcionamento diurno da criança aliada ao sub-relato pelos pais aos médicos, durante as consultas, são fatores que contribuem para o subdiagnóstico7.
A faixa etária de maior prevalência é a de pré-escolares, entre 3 a 5 anos de idade, fase de maior crescimento do tecido linfóide e, também, na adolescência7,8. Possui etiologia multifatorial e está associada principalmente com hipertrofia adenotonsilar8,9. Não há dados brasileiros sobre a prevalência de SAHOS na infância.
As queixas mais comuns são o ronco e a dificuldade de respirar durante o sono; algumas crianças poderão apresentar uma respiração ruidosa e difícil11. A obesidade é um fator de risco para SAHOS, mas a maioria das crianças com esta afecção não é obesa18. Grande parte das crianças apnéicas, acordadas, têm o exame físico inteiramente normal o que também contribui para o retardo do diagnóstico17.
O padrão ouro para o diagnóstico de SAHOS é a polissonografia durante toda a noite,pois a história clínica do paciente não é suficiente para estabelecer o diagnóstico definitivo9.
O tratamento preconizado na maioria das crianças com SAHOS, que apresentam hipertrofia adenotonsilar, sem outras co-morbidades, é a adenotonsilectomia. Porém, muitas das crianças tratadas cirurgicamente podem ter recorrência dos seus sintomas durante a adolescência11. Quando a cirurgia não é eficaz, a terapia com Pressão Positiva Contínua na Via Aérea (CPAP) é geralmente indicada12. O prognóstico em longo prazo na infância é desconhecido5.
A proposta deste estudo foi a de avaliar os achados clínicos e os índices respiratórios polissonográficos da SAHOS, documentados pela polissonografia, em crianças provenientes de um laboratório de sono. O objetivo é contribuir para facilitar o reconhecimento de SAHOS pelo pediatra, além de revisar os critérios para indicação de estudos polissonográficos com base nos dados clínicos.
MATERIAL E MÉTODOSO presente trabalho é um estudo descritivo, tipo série de casos, de demanda a serviço, com coleta retrospectiva dos dados polissonográficos. A nossa amostra foi não-probabilística e constituída por 93 crianças com SAHOS, entre dois e dez anos de idade, que realizaram exame polissonográfico no laboratório de sono do Hospital Português, atendidas entre janeiro de 2002 a julho de 2003. Critérios de exclusão incluíram: crianças abaixo de dois anos e acima de dez anos de idade; presença de doença genética, paralisia cerebral, doenças neuromusculares ou qualquer doença sistêmica. Seguindo-se a identificação das crianças que preenchiam os critérios de inclusão, os pais eram contatados e, ao consentirem em participar do estudo, respondiam a um questionário detalhado, construído pelos autores, baseado em questionários referidos na literatura13,14. Neste questionário, dados demográficos e médicos foram avaliados, como também detalhes sobre problemas relacionados ao sono da criança no último ano. O questionário inquiriu, entre muitas outras questões, se a criança roncava à noite, se o sono era inquieto, se havia pausas respiratórias, problemas comportamentais ou com o aprendizado escolar. Problemas comportamentais foram considerados presentes se obtida uma resposta positiva a qualquer uma das seguintes questões: "Alguém já referiu que seu filho é agitado durante o dia?" "Alguém já referiu que o seu filho é agressivo?" Problemas de aprendizado foram categorizados baseados em uma resposta positiva à seguinte questão: "A professora do seu filho relata que ele tem dificuldades em aprender na escola?" Presença de asma, rinite, hipertrofia de adenóides, hipertrofia de amígdalas foram definidas como respostas positivas a questões: o seu filho, no último ano, recebeu o diagnóstico de um médico como tendo: rinite? Asma? Hipertrofia de adenóides? Hipertrofia de amígdalas?
Classificaram-se as crianças em duas faixas etárias: crianças com cinco anos ou menos e crianças com mais de cinco anos, porque aos cinco anos se observa o pico do crescimento do tecido linfóide6,10.
Na avaliação nutricional, os parâmetros de crescimento foram obtidos utilizando-se gráficos padronizados de crescimento do National Center for Health Statistics. Estes foram expressos seguindo a experiência do laboratório de sono onde se desenvolveu a pesquisa, utilizando-se o critério de Waterlow modificado. Este se baseia nos índices de estatura/idade (E/I) e o peso/estatura (P/E). Crianças cujo percentual da adequação estivesse ³ 110% e < 120% foram referidas como sobrepeso e aquelas cuja adequação se encontrasse ³ 120%, como obesidade clássica. Eutróficas entre ³ 91% e < 110% e desnutridas < 91%15,16.
Avaliação polissonográfica padronizada, durante toda a noite, foi realizada no laboratório de sono, utilizando-se um equipamento computadorizado da Respironics (Sistema Healthdyne Alice 4), com disponibilidade para 16 canais. As crianças foram estudadas por um período mínimo de 5 horas e máximo de até 10 horas, em um ambiente com isolamento de sons externos, controle de luz e temperatura, acompanhadas por um dos pais, sem nenhuma sedação prévia ou privação do sono. Os laudos foram emitidos e revisados por um único médico especialista em medicina do sono. Foram registrados eletroencefalograma, eletrooculograma e eletromiograma (eletrodo no queixo e em uma das pernas) e mensurados os seguintes parâmetros: movimentos da parede torácica e abdominal, freqüência cardíaca através de um eletrocardiograma e monitorização do fluxo aéreo oronasal através de um termistor nasal (Thermistor Airflow Sensor, 6210). A saturação arterial de oxigênio (SpO2) foi avaliada por um oxímetro de pulso (Healthdyne Technologies Oximeter). A arquitetura do sono foi avaliada por técnica padrão e a proporção de tempo gasto em cada estágio do sono foi expressa como percentual do tempo total de sono. Apnéia central, obstrutiva e mista foram registradas. Os eventos respiratórios foram assim definidos: apnéia central foi definida como ausência de fluxo aéreo oronasal, mensurado pelo termistor nasal, na ausência de esforços respiratórios; foram quantificadas as apnéias centrais com duração maior ou igual a 10 segundos; apnéia obstrutiva foi definida como a presença de movimento da parede abdominal e torácica, na ausência de fluxo aéreo oronasal mensurado pelo termistor, durando 5 segundos ou mais. Hipopnéias foram definidas como redução de 50% ou mais no fluxo oronasal, associada com o movimento paradoxal da parede torácica e a um decréscimo de 4% ou maior na saturação da oxihemoglobina. As apnéias que continham ambos os componentes - central e obstrutivo - foram classificadas como apnéias mistas e incluídas no índice de apnéia e hipopnéia (IAH). O IAH foi calculado através da soma do número de apnéias e hipopnéias obstrutivas, mais as apnéias mistas, dividida pelo tempo total de sono17,18. Foram considerados anormais os índices de apnéia e hipopnéia iguais ou maiores que 1. Foram consideradas como tendo SAHOS leve aquelas crianças com IAH entre 1 e 5 eventos/hora de sono; moderada, com IAH entre 5,1 e 10 e grave, aquelas com IAH ³ 10,1 eventos/hora de sono18.
Foram considerados anormais os valores da saturação arterial de oxigênio inferiores a 92% e 10 ou mais microdespertares/hora de sono11,19.
Para a construção do banco de dados e cálculos estatísticos, foi utilizado o programa estatístico Statistical Package for the Social Sciences. As variáveis contínuas foram expressas como média ± desvio-padrão, acrescidas da mediana caso a distribuição da variável não fosse normal. As variáveis categóricas foram expressas como proporções. Para comparação das variáveis entre dois grupos, foi utilizado o teste t de Student para amostras independentes, ou o Mann-Whitney, conforme a distribuição da variável em questão. Para comparação de proporções utilizamos o Qui-quadrado de Pearson ou o Teste Exato de Fischer.
O presente estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos do Hospital Português. Os responsáveis pelos participantes assinaram o termo de consentimento informado livre e esclarecido.
RESULTADOSAs características demográficas das crianças com diagnóstico polissonográfico de SAHOS estão descritas na Tabela 1.
A variável Peso/Estatura adaptado variou de 73% a 166% com média de 107,0 ± 16,4%. Encontravam-se desnutridas 7,5% das crianças, enquanto que 62,4% eram eutróficas, 12,9% tinham sobrepeso e 17,2% eram obesas. A média da variável Peso/Estatura adaptado nas crianças do gênero masculino e feminino, foram, respectivamente, 108,5 ± 15,7% e 106,3 ± 17,5%, sem diferença estatística quando comparados os dois grupos (p=0,473). Avaliando-se as crianças segundo o peso (crianças com peso normal e crianças com excesso de peso) e o grau de apnéia, não houve diferenças estatísticas entre os dois grupos (p=0,462).
As características gerais das crianças com SAHOS, encaminhadas ao laboratório de sono, conforme o gênero, são vistas na Tabela 2 e a freqüência das queixas que motivaram a polissonografia é demonstrada no Gráfico 1.
A indicação da polissonografia foi feita por pneumologistas em 81,7% dos casos estudados, por pediatras em 11,8%, por otorrinolaringologistas em 3,2% e por neurologistas em 3,2% das crianças.
Segundo as respostas dos pais ao questionário, 93,5% das crianças roncavam à noite, 88,2% tinham o sono agitado e 54,8% apresentavam dificuldade para respirar dormindo; obstrução nasal durante o sono foi referida em 93,5% das crianças e relato de agitação diurna esteve presente em 64,5% dos casos. A freqüência das condições médicas associadas a estas crianças é mostrada no Gráfico 2.
Das 93 crianças com SAHOS, nove haviam se submetido à remoção cirúrgica do tecido linfóide, sendo que duas crianças se submeteram à retirada do tecido adenotonsilar e sete à remoção do tecido adenoideano.
O IAH variou de 1 a 34,6 eventos/hora de sono, com média de 4,9 ± 5,1 (mediana: 3,6) eventos/hora de sono. Quanto à gravidade da apnéia, 69,9% das crianças apresentavam-se com apnéia leve, 22,6% moderada e 7,5% grave.
A saturação mínima de oxigênio variou de 79% a 97%, com média de 89,1 ± 3,6%. Em relação ao número de microdespertar/hora, houve variação de 0,1 a 47 microdespertares/hora, com média de 8,4 ± 5,9 (mediana: 8,0) microdespertares/hora de sono.
Os pacientes também foram analisados em dois grupos etários, utilizando-se como ponto de corte cinco anos. Nas crianças até 5 anos de idade, 53,6% eram do gênero masculino e nas maiores de 5 anos 73% eram do gênero masculino. Nos grupos com menos e com mais de 5 anos, as proporções de indivíduos dos dois gêneros não diferiram significativamente (p=0,06). Quanto à avaliação nutricional, observamos que no grupo de crianças com idades menores ou iguais a 5 anos, 7,1% das crianças eram desnutridas, 60,7% eutróficas, 16,1% sobrepeso e 16,1% eram obesas; nas crianças maiores que 5 anos de idade, 8,1% eram desnutridas, 64,9% eutróficas, 8,1% tinham sobrepeso e 18,9% eram realmente obesas. A média da variável Peso/Estatura adaptado encontrada em crianças menores ou iguais a 5 anos de idade foi de 106,7 ± 14,3%; no grupo de crianças maiores que 5 anos de idade, a média encontrada dessa variável foi de 109,1 ± 19,2%, (p=0,482), ambas compatíveis com crianças eutróficas.
As características gerais das crianças com SAHOS, conforme os grupos etários são vistas na Tabela 3. SAHOS leve esteve presente em 66,1% das crianças com idade menor ou igual a 5 anos e em 74,7% naquelas maiores que 5 anos de idade (p=0,509).
Conforme o gênero, os meninos com idade menor ou igual a 5 anos apresentaram índices de apnéia e hipopnéia mais altos que as meninas [6,7 ± 7,2 (mediana: 4,5) eventos/hora de sono vs 3,6 ± 2,7 (mediana:2,6) eventos/hora de sono; p=0,018]. Nas crianças maiores que 5 anos de idade, a média do IAH no gênero feminino foi de 4,0 ± 2,4 (mediana: 2,7) eventos/hora de sono e no gênero masculino de 4,4 ± 4,2 (mediana: 3,2) eventos/hora de sono (p=0,837). A média da saturação mínima de oxigênio nas crianças com idade até 5 anos foi de 88,8 ± 3,5% e nas crianças maiores que 5 anos de idade a média foi de 89,4 ± 3,6% (p=0,419).
DISCUSSÃOO presente estudo descreve as características clínicas e os índices respiratórios polissonográficos de 93 crianças com SAHOS, clinicamente estáveis, que realizaram polissonografia em um laboratório de sono em Salvador.
Observamos que 61,3% dos episódios com apnéia encontravam-se entre os meninos quando comparados às meninas da população estudada. Em adultos, tem-se demonstrado que um dos mais fortes fatores de risco para SAHOS é pertencer ao gênero masculino10. Redline et al.20 demonstraram que, em crianças, o gênero não influenciava significativamente o risco para distúrbios respiratórios associados ao sono, sugerindo que as diferenças observadas no adulto poderiam ser mediadas por hormônios masculinos, com suas influências no controle da respiração e na distribuição da gordura corporal, e que exerceriam, provavelmente, um pequeno papel nas crianças pré-púberes21.
A análise da distribuição racial revelou que 85% da população era mulata e negra. Este dado é decorrente do predomínio da raça negra e mulata na população do Estado da Bahia. Cerca de 70% da população do Estado é constituída de mulatos e negros, sendo essa proporção maior na cidade do Salvador (77,5%)22. Várias publicações revelam uma maior prevalência da SAHOS em crianças negras, atribuindo esse fato a características crânio-faciais próprias da raça negra20.
A faixa etária predominante foi a de pré-escolares, semelhante aos dados encontrados na literatura5,6,21.
Crianças com SAHOS parecem sofrer conseqüências no seu crescimento21. A maioria das crianças do presente estudo era eutrófica e somente 7,5% das crianças eram desnutridas. Fatores têm sido propostos para explicar o pobre ganho ponderal nos pacientes com SAHOS, como a depressão nos níveis de IGF-I durante o sono e também o baixo aporte calórico nos pacientes com hipertrofia adenotonsilar23. Das crianças avaliadas, 17,2% eram obesas. A obesidade tem sido associada a aumento do risco de 4 a 5 vezes para SAHOS, em crianças, quando comparadas com crianças não obesas20.
As indicações para realização da polissonografia foram feitas, na sua grande maioria, por pneumologistas e somente 11,8% das solicitações foram feitas por pediatras. As crianças com SAHOS podem ser atendidas por vários especialistas. Geralmente os pediatras são mais procurados pelas queixas indiretas de baixo desenvolvimento pôndero-estatural e os pneumologistas pelas queixas de ronco e dificuldade para respirar24. Muitas vezes, os pais minimizam os problemas do sono da criança aos pediatras nas suas consultas médicas. Stein et al.25 avaliaram 472 crianças entre 4 a 12 anos de idade sendo que os pais de 10,8% crianças relataram persistentes problemas relacionados ao sono dentro dos últimos seis meses; contudo, menos de 50% dos pais destas crianças abordaram sobre o sono dos seus filhos nas consultas. Smedje et al.26 demonstraram que, embora os problemas do sono fossem comuns em uma população de 1844 crianças entre 5 e 7 anos de idade, esta foi uma questão levantada nas consultas pelos pais em somente 6,7% dos casos. As razões para a subnotificação dos problemas do sono pelos pais parece ser multifatorial. É possível que esta possa ter sido influenciada por viés de memória, como também pelo limitado conhecimento dos pais a respeito da importância das potenciais seqüelas da SAHOS na criança, tais como dificuldade no aprendizado, alteração na função neurocognitiva e comportamental diurna. É importante lembrar que o pediatra, ao registrar a história do paciente, pode também inibir e diminuir as queixas dos pais a respeito do sono dos seus filhos. Existem evidências de que os pediatras possam sub-reportar os problemas do sono na criança27. Possivelmente os problemas relacionados ao sono são discutidos durante a consulta, mas não documentados e nem devidamente valorizados. Estes achados, em conjunto, indicam significantes lacunas no entendimento dos problemas do sono na prática clínica.
As manifestações clínicas encontradas neste estudo estão em concordância com os dados da literatura. As queixas que motivaram a realização do exame polissonográfico foram principalmente sono inquieto, roncos, parada da respiração durante o sono e respiração difícil4,21,23. Foi observado que dificuldade para respirar durante o sono foi um importante sintoma indicativo de SAHOS, sendo mais significativo nas crianças menores de 5 anos de idade.
A presença de ronco foi relatada na grande maioria das crianças. O sintoma primário de SAHOS é o ronco e a sua presença indica um aumento da resistência da via aérea superior. Observamos que as crianças abaixo dos cinco anos de idade roncavam mais que as maiores de cinco anos. Nesta idade o tecido adenoideano ainda está relativamente aumentado em relação ao tamanho da sua via aérea. Na criança escolar e no adolescente, a nasofaringe aumenta em tamanho, enquanto o tecido linfóide permanece estável ou diminui resultando em uma via aérea maior28.
Embora o relato de agitação tenha sido subjetivamente avaliado no questionário, a maioria das crianças foi citada como sendo agitada, durante o dia, por seus pais. Hiperatividade, agressividade e comportamento desatento, como também alteração de memória e no aprendizado são encontrados em crianças com SAHOS; após submeterem-se a adenotonsilectomia elas melhoram sugerindo que os déficits neurocognitivos são, no mínimo, parcialmente reversíveis7,29.
SAHOS esteve fortemente associada à presença de obstrução nasal e rinite alérgica referida pelos pais na população estudada. A rinite alérgica, comumente encontrada na criança é uma importante causa de obstrução nasal. É conhecida a influência nasal no ronco e na apnéia obstrutiva do sono30. Fisiopatologicamente, a rinite causa edema na mucosa nasal e secreção de muco que, por sua vez, leva ao aumento da resistência nasal predispondo a criança ao desenvolvimento de obstrução completa ou parcial das vias aéreas superiores durante o sono. É possível que o aumento da resistência da via aérea nasal gere um aumento na pressão inspiratória negativa, causando uma turbulência nos tecidos moles relaxados e a um colapso na via aérea superior e assim resultando em obstrução e SAHOS31. McColley et al.30 demonstraram que crianças com rinite alérgica tinham mais diagnósticos de SAHOS quando comparadas aos controles, embora não tivessem observado diferenças em relação à gravidade de SAHOS.
Mesmo sendo a polissonografia um procedimento comum em crianças, os valores de referência ainda não são padronizados nos diversos laboratórios de sono pediátricos do mundo. Devido à grande quantidade de dados obtidos no estudo polissonográfico, optou-se, neste estudo, pela utilização de três parâmetros de extrema importância: IAH, a saturação da oxihemoglobina durante o sono e número de microdespertar/hora de sono. Observamos que a média do IAH correspondeu a apnéia leve e os índices são bem inferiores aos observados em adultos com SAHOS, cujos valores referenciais para caracterização do indivíduo como tendo apnéia são definidos a partir de 5 eventos/hora de sono9.
A interpretação da gravidade da SAHOS requer consideração de outros parâmetros respiratórios, como a saturação arterial da oxihemoglobina; a média observada da saturação média da oxihemoglobina das crianças no sono foi de 92,3 ± 2,4%, dentro da faixa referida como valores normais por Marcus et al.18. A média das dessaturações observadas nas nossas crianças foi compatível com dessaturação de leve intensidade. Em relação ao número de microdespertar/hora de sono, a sua média foi semelhante à observada em crianças sem distúrbios respiratórios associados ao sono em outros laboratórios de sono pediátricos11,21.
A importância deste estudo é que seus achados são facilmente generalizados para outros laboratórios de sono na sua prática diária. Os pacientes aqui envolvidos provavelmente representam as crianças ao longo do espectro de apresentação da SAHOS. Uma limitação é que ele apenas avaliou crianças com documentada anormalidade polissonográfica, o que não permitiu fazer comparações com a população sem alteração polissonográfica compatível com SAHOS. A falta de um grupo controle impediu a definição da importância de cada um dos achados em relação à SAHOS. As freqüências de indicações de polissonografias por médicos de diferentes especialidades certamente sofreram a influência da maior divulgação do laboratório de sono entre os pneumologistas.
CONCLUSÃOA maioria das crianças analisada neste estudo tem quadros de leve intensidade, com queixas de ronco, sono inquieto e sensação de sufocação ao sono, particularmente os menores de cinco anos de idade. A queixa de agitação diurna foi freqüentemente informada pelos pais. A maioria das crianças tinha obstrução nasal, sendo a rinite alérgica a doença mais freqüentemente citada, seguida da hipertrofia adenotonsilar. A grande maioria dos exames polissonográficos desta série de casos foi solicitada por pneumologistas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Dickens C. The Posthumous Papers of the Pickwick Club. 6 ed. London: Oxford University Press; 1961. p.753-68.
2. Osler W. Chronic tonsillitis. In: The principles and practice of medicine.1 ed. New York: D. Appleton and Company; 1892. p.335-9.
3. Guilleminault C, Eldridge FL, Simons B, Dement W. Sleep apnea in eight children. Pediatrics 1976 July;58:23-31.
4. Guilleminault C, Korobkin R, Winkle R. A review of 50 children with obstructive sleep apnea syndrome. Lung 1981;159:275-87.
5. Goldstein NA, Pugazhendhi V, Rao SM, Weedon J, Campbell TF, Goldman AC, et al. Clinical assessment of pediatric obstructive sleep apnea. Pediatrics 2004;114:33-43.
6. Kotagal S. Sleep disorders in childhood. Neurol Clin Am 2003;21:961-8.
7. Marcus CL. Sleep-disordered breathing in children. Am J Respir Crit Care Med 2000;164:16-30.
8. Reuveni H, Simon T, Tal A, Elhayany A, Tarasiuk A. Health care services utilization in children with obstructive sleep apnea syndrome. Pediatrics 2002;July;110:68-72.
9. American Thoracic Society: tatement of health outcomes research in sleep apnea. Am J Respirat Crit Care Med 1998;157:335-41.
10. Young T, Palta M, Dempsey J, Skatrud J, Weber S, Badr S. The occurrence of sleep-disordered breathing among middle-aged adults. N Engl J Med 1993;328:1230-5.
11. Carroll JL. Obstructive sleep-disordered breathing in children: new controversies, new directions. Clin Chest Med 2003;24:261-82.
12. Marcus CL, Ward SL, Mallory GB. Use of nasal continuous positive airway pressure as treatment of childhood obstructive sleep apnea. J Pediatr 1995;127:88-94.
13. Brouillette R, Hanson D, David R, Klemka L, Szatkowski A, Fernbach S, et al. A diagnostic approach to suspected obstructive sleep apnea in children. J Pediatr 1984;July;105:10-4.
14. Netzer NC, Stoohs RA, Netzer CM, Clark K, Strohl KP. Using the Berlin questionnaire to identify patients at risk for the sleep apnea syndrome. Ann Intern Med 1999;131:485-91.
15. Marcondes E, Vaz FAC, Ramos JLA, Okay I. Pediatria básica. 9ª ed. São Paulo: Sarvier; 2002. p.35.
16. Sigulem DM, Devincenzi MU, Lessa AC. Diagnóstico do estado nutricional da criança e do adolescente. J Pediatr 2000;76 (3):275-84.
17. Sociedade Brasileira de Sono. Consenso Brasileiro em Ronco e Apnéia do Sono. Hypnos 2001;2:8-16.
18. Tauman R, Ivanenko A, O'Brien LM, Gozal D. Plasma C-Reactive Protein Levels Among Children With Sleep-Disordered Breathing. Pediatrics 2004;113:564-9.
19. Marcus CL, Omlin KJ, Basinki DJ, Bailey SL, Rachal AB, Von Pechmann WS, et al. Normal Polysomnographic Values for Children and Adolescents. Am Rev Respir Dis 1992;146:1235-9.
20. Redline S, Tishler PV, Schluchter M, Aylor J, Clark K, Graham G. Risk factors for sleep-disordered breathing in children: associations with obesity, race, and respiratory problems. Am J Respir Crit Care Med 1999;159:1527-32.
21. American Academy of Pediatrics. Clinical Practice Guideline: diagnosis and management of childhood obstructive sleep apnea syndrome. Pediatrics 2002 April;109:704-12.
22. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional por Mostra de Domicílios- 1999. [microdados] 2004 jun. Disponível em: http:// www. ibge.gov.br/htm
23. Nieminen P, Löppönen, Tolonen U, Lanning P, Knip M, Löppönen Heikki. Growth and biochemical markers of growth in children with snoring and obstructive sleep apnea. Pediatrics 2002;109:1-6.
24. Schechter MS. Snoring: Investigations guidelines. Pediatr Pulmonol 2004;S26:172-4.
25. Stein MA, Mendelsohn J, Obermeyer WH, Amromin J, Benca R. Sleep and behavior problems in school-aged children. Pediatrics 2001;107:E60.
26. Smedje H, Broman JE, Helta J. Parents' reports of disturbed sleep in 5-7-year-old Swedish children. Acta Paediatr 1999;88:858-65.
27. Chervin RD, Archbold KH, Panahi P, Pituch KJ. Sleep problems seldom addressed at two general pediatric clinics. Pediatrics 2001;107(6):1375-80.
28. Marcus CL, Hamer A, Loughlin GM. Natural history of primary snoring in children. Pediatr Pulmonol 1998;26:6-11.
28. O'Brien LM, Gozal D. Behavioural and neurocognitive implications of snoring and obstructive sleep apnoea in children: facts and theory. Paediatr Resp Rev 2002;3:3-9.
29. McColley SA, Carroll JL, Curtis S, Loughin GM, Sampson HA. High prevalence of allergic sensitization children with habitual snoring obstructive sleep apnea. Chest 1997 Jan;111:170-73.
30. Rappai M, Collop N, Kemp S, deShazo R. The nose and sleep-disordered breathing: what we know and what we do not know. Chest 2003;124:2309-23.
1 Mestrado, Médica.
2 Mestre em Medicina Interna pela Universidade Federal da Bahia.
3 Especialista em Medicina do Sono.
4 Doutora em Medicina Interna pela Universidade Federal da Bahia.
5 Doutor em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
6 Doutor em Medicina pela Universidade Federal Fluminense.
7 Mestre em Medicina Interna.
Curso de Pós-Graduação em Medicina e Saúde da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública da Fundação Bahiana para Desenvolvimento das Ciências/ Fundação Oswaldo Cruz; Hospital Português.
Endereço para correspondência: Regina Terse Trindade Ramos - Avenida Sete de Setembro 1822/401 Edifício Solar Ministro João Mendes Corredor da Vitória Salvador BA 40080-001.
Tel. (0xx71) 3336-0513 (res) - Tel/fax: (0xx71) 3332-6182 e 3245-1484 (cons) (0xx71) 8813-9484 (cel).
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBORL em 1 de outubro de 2005.
Artigo aceito em 3 de abril de 2006.