INTRODUÇÃOOs tumores da região nasossinusal, especialmente aqueles que apresentam componente invasivo importante, necessitam de uma abordagem cirúrgica agressiva, ampla e que proporcione ao cirurgião uma boa visão das margens tumorais para que o procedimento seja o mais curativo possível. A cirurgia de maxilectomia convencional, tanto a abordagem por rinotomia lateral quanto via Weber-Fergusson ou Diffenbach, é ainda utilizada mundialmente, mas em muitos casos, esta abordagem tem sido substituída pela degloving médio-facial, a qual evita cicatrizes faciais. Esta abordagem tem sido utilizada há aproximadamente 25 anos, e sua utilização está aumentando no tratamento de extensas lesões benignas na região rinossinusal, para determinadas neoplasias malignas nesta área e para providenciar acesso para a nasofaringe e fossa infratemporal2.
A técnica cirúrgica consiste em:
Após intubação endotraqueal, vasoconstritor tópico nasal e infiltração local, o procedimento é iniciado com uma incisão transfixante e uma incisão intercartilaginosa bilateral. Os tecidos do dorso nasal, parede anterior do seio maxilar, glabela e o osso frontal são elevados através da incisão intercartilaginosa, os quais são, então, estendidos lateralmente para o assoalho da cavidade nasal até encostar a parte caudal da incisão transfixante de ambos os lados, fechando circularmente a incisão. Em seguida, uma incisão sublabial é realizada no primeiro molar até o dente correspondente contralateral. Esta incisão atinge o muco-periósteo e se continua com a incisão intranasal na região da abertura piriforme. Um elevador de periósteo é usado para elevar os tecidos bilateralmente até alcançar a rima orbital inferior enquanto são tomados os cuidados necessários para proteger os vasos e nervos infraorbitais. O retalho, que inclui a cartilagem lateral inferior e a columela, é elevado até a glabela, região cantal medial e testa, de modo que todo o esqueleto médio-facial seja exposto³.
Pelo demonstrado na técnica exposta, a via de acesso degloving apresenta a grande vantagem de exposição de todas as estruturas intranasais e nasossinusais para a intervenção do cirurgião, sendo este um fator decisivo quando se trata de doenças malignas, em que as margens devem estar livres, além de apresentar resultados estéticos muito bons, pois não há incisão em pele.
OBJETIVOCom o objetivo de descrever os resultados estéticos e de melhor acesso transoperatório de cirurgias nasossinusais via degloving, assim como de avaliar a morbidade pós-operatória dos pacientes submetidos às mesmas, realizamos um estudo com pacientes internados no Hospital Geral de Fortaleza SESA/SUS, portadores de nasoangiofibroma, papiloma invertido nasossinusal, estesioneuroblastoma, carcinoma adenóide cístico, cordoma do clivus, granuloma de colesterol e granuloma de células gigantes.
MATERIAS E MÉTODOSPara avaliar a morbidade pós-operatória e os resultados estéticos em relação ao acesso cirúrgico de pacientes operados por via degloving, realizamos um estudo retrospectivo de 16 pacientes operados no Hospital Geral de Fortaleza SESA/SUS, no período de dezembro de 1999 a novembro de 2003, pelo serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço, sob anestesia geral. Os pacientes eram portadores de nasoangiofibromas (9 pacientes, figura 1), papiloma invertido nasossinusal (2 pacientes), estesioneuroblastoma (1 paciente, figura 2), carcinoma adenóide cístico (1 paciente), cordoma do clivus (1 paciente), granuloma de colesterol (1 paciente) e granuloma de células gigantes (1 paciente), confirmados através de estudo histopatológico. A pesquisa foi realizada com a avaliação de prontuários médicos no arquivo do hospital e preenchimento de um protocolo padronizado que incluía os seguintes dados: nome, número do prontuário, data da cirurgia, idade, nome da cirurgia, topografia da lesão, hemoglobina pré-operatória, hemoglobina pós-operatória, dias de permanência pós-operatória, uso de antibiótico, tempo de tamponamento nasal, fio cirúrgico utilizado, necessidade de transfusão sangüínea, presença de complicações e tempo de acompanhamento sem recidiva (através de nasofibroscopia flexível).
RESULTADOSOs pacientes da presente casuística apresentavam média de idade de 25,5 anos (variando entre 12-76 anos) (Tabela 1). Todos os pacientes necessitaram de tampão nasal, e a média de permanência foi de 4,5 dias (entre 2-9 dias). Em 15 pacientes houve uma diminuição dos níveis de hemoglobina numa média de 2,07mg/dL (entre 0,7 - 4,3 mg/dL). Todos os pacientes portadores de angiofibroma apresentaram queda dos níveis hematimétricos, numa média de 2,01mg/dL (0,7 - 3,8mg/dL). Nove pacientes necessitaram de transfusão no ato cirúrgico, dos quais 6 eram portadores de angiofibroma, e a média de volume de sangue transfundido foi de 700mL (entre 300-1200mL). Todos os pacientes fizeram uso de antibiótico, profilático ou terapêutico, e a média de uso foi de 6,5 dias (entre 3-12 dias). Dos antibióticos utilizados, o de uso mais comum foi a Cefalotina (10 dos 16 pacientes) (Tabela 2). Na sutura do vestíbulo nasal e mucosa oral foi utilizado o fio Vicryl® 4.0 em 15 pacientes. Apenas em 1 paciente foi utilizado o fio Monocryl 4.0, e em dois pacientes houve associação de Vicryl 4.0 e Seda 4.0. Houve complicações em 7 pacientes, todas de pouca importância. Até o presente, apenas 2 dos 16 pacientes tiveram recidiva de suas doenças que os levaram a serem operados. A média do tempo de permanência no pós-operatório foi de 7,3 dias (entre 4-16 dias) (Tabela 3). O acompanhamento pós-operatório foi feito com o uso de videonasofibroscópio flexível, e todos os diagnósticos foram confirmados com exame histopatológico.
DISCUSSÃOA rinotomia lateral é uma abordagem tradicional para cirurgias de tumores envolvendo a cavidade nasal e os seios paranasais. Esta abordagem fornece uma excelente exposição cirúrgica; entretanto, mesmo com esta vantagem, seu uso é limitado, pois ela deixa uma proeminente cicatriz na face. A via de acesso degloving foi primeiro descrita em 1974 por Casson et al.¹ e tem se tornado popular devido às suas maiores vantagens em evitar incisões faciais e em providenciar exposição bilateral da cavidade nasal. Desta forma, a via de acesso degloving médio-facial tem sido usada como primeira opção para maxilectomia medial, maxilectomia radical e cirurgias crânio-faciais não complicadas4-6.
Têm sido descritas algumas modificações da cirurgia de degloving para se evitar estenose vestibular, a qual representa a complicação mais freqüente e significante7.
O procedimento padrão consiste em uma extensa incisão gengivobucal, uma incisão septal transfixante, uma incisão intercartilaginosa e uma incisão na abertura piriforme. A estenose vestibular ocorre como uma conseqüência da incisão circunferencial no vestíbulo durante o procedimento.
Dos dezesseis pacientes operados no nosso serviço, houve complicações pós-operatórias em sete pacientes, mas nenhuma relacionada à estenose do vestíbulo nasal, demonstrando, assim, que o procedimento cirúrgico em si, associado à experiência dos cirurgiões e ao fio cirúrgico utilizado (Vicryl® na sua grande maioria), fornece bons resultados estéticos. Apenas 1 paciente apresentou deiscência de sutura. O fio utilizado na sutura da região vestibular é um ponto de análise importante a ser vistoriado, para garantir o sucesso do procedimento em relação à fisiologia e à estética nasais8.
Apesar de já ser estabelecido que uma hora a mais no tempo operatório duplica a incidência de infecção e certamente é um fator a mais no aumento do trauma e suas repercussões, o tempo operatório é ainda discutido. Atribui-se ausência de relação entre o tempo de cirurgia e complicações pós-operatórias, morte ou longo tempo de sobrevida.
Desta forma, é sabido que um dos inconvenientes do tipo de cirurgia em estudo é que ela tende a ter uma maior duração que a via endoscópica, a qual se apresenta como uma alternativa viável e bastante eficaz no tratamento de tumores nos estágios iniciais envolvendo a cavidade nasal, visto que se realiza de forma menos agressiva e compromete menos a recuperação pós-operatória do paciente. No entanto, em se tratando de lesões maiores, mesmo de caráter benigno, a via endoscópica não é apropriada.
Outro inconveniente é que por se tratar de uma cirurgia extensa, o sangramento é maior, requerendo maior necessidade de reposição volêmica, de modo que 9 dos 16 pacientes receberam transfusão de concentrado de hemácias, com uma média de 700mL/paciente, havendo queda dos níveis de hemoglobina em 15 pacientes, com uma média de 2,07mg/dL. Entretanto, vale a ressalva de que destes nove, seis pacientes eram portadores de angiofibroma (a média transfusional foi de 650mL de concentrado de hemácias), lesão vascular que por si só remete a sangramento ativo, e dos nove pacientes portadores de angiofibroma, todos tiveram diminuição dos níveis hematimétricos. Todos os pacientes portadores desta lesão foram submetidos à embolização tumoral previamente à cirurgia. Na avaliação do sangramento dos demais tumores, 4 pacientes não necessitaram de transfusão sangüínea, e 3 necessitaram numa média de 800mL. Portanto, a avaliação do sangramento intra-operatório está muito mais relacionada ao tipo histológico do tumor que mesmo à técnica cirúrgica utilizada. Embora esteja demonstrado na literatura que a transfusão perioperatória seja um indicador de mau prognóstico, com decréscimo da sobrevivência pós-operatória, no seguinte estudo isto não foi demonstrado.
Além disso, foi também necessário o uso de tampão nasal em todos os pacientes, com média de permanência de 4,5 dias. Mesmo assim, o tempo de hospitalização pós-operatória foi de apenas 7,3 dias em média, e apenas 2 pacientes apresentaram recidiva. Estes dois fatores isolados, aliados à vantagem de não deixar cicatrizes, demonstra que embora a cirurgia via degloving apresente alguns incovenientes já demonstrados, é eficaz no tratamento de lesões extensas envolvendo a cavidade nasal e seios paranasais.
CONCLUSÃOCom os dados apresentados no presente estudo, podemos concluir que a via de acesso degloving para ressecção de tumores nasossinusais é efetiva e apresenta as vantagens de uma ampla exposição cirúrgica, ótimos resultados estéticos, poucas taxas de complicações pós-operatórias e baixos índices de recidiva.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS1. Jeon SY, Jeong JH, Kim HS, Seong K, Kim JP. Hemifacial deglonvig for medial maxillectomy: a modification of midfacial degloving aproach. Laryngoscope 2003; 113(4):754-6.
2. Casson PR, Bonnano PC, Converse JM. The midfacial degloving procedure. Plast Reconst Surg 1974;53:102-3.
3. Cultrara A, Turk J, Har-El G. Midfacial Degloving Aproach For repair of Naso-orbital-ethmoid And Midfacial Fractures. Plast Reconst Surg 2004;6(2):133-5.
4. Maniglia AJ. Indications and techniques of midfacial degloving. Arch Otolaryngol Head and Neck Surg 1986;112:750-2.
5. Price JC, Holliday MJ, Johns MR, Kennedy DW, Richtsmeier WJ, Mattox DE. The versatile midface degloving approach. Laryngoscope 1988;98:291-5.
6. Maniglia AJ, Phillips DA. Midfacial degloving for management of nasal, sinus and skull-base neoplasm. Otolaryngol Clin North Am 1995;28:1127-43.
7. Buchwald C, Bounding P, Kirby B, Falleutin E. Modificated midfacial degloving: a practical approach to extensive bilateral benign tumors of the nasal cavity and paranasal sinuses. Rhinology 1995;33:39-42.
8. Karl RC, Schreiber R, Boulware D, Baker S, Coppola D. Factors affecting morbility, mortality, and survival in patients undergoing Ivor Lewis esophagogastrectomy. Ann Surg 2000; 231(5):635-43.
1 Residente de Otorrinolaringologia do Hospital Geral de Fortaleza-SESA/SUS.
2 Residente de Otorrinolaringologia do Hospital Geral de Fortaleza-SESA/SUS.
3 Médica otorrinolaringologista, Preceptora da Residência de Otorrinolaringologia do Hospital Geral de Fortaleza-SESA/SUS.
4 Cirurgião oncologista, Chefe do Setor de Cabeça e Pescoço do Hospital Geral de Fortaleza-SESA/SUS.
5 Residente de Otorrinolaringologia do Hospital Geral de Fortaleza-SESA/SUS.
6 Enfermeira graduada pela UNIFOR/CE.
Hospital Geral de Fortaleza-SESA/SUS.
Endereço para correspondência: Lidiane Maria de Brito Macedo Ferreira - Rua Eduardo Novaes 140 apto. 203 Sapiranga Fortaleza CE 60834030.
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Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBORL em 8 de março de 2005.
Artigo aceito em 20 de fevereiro de 2006.