INTRODUÇÃOOs distúrbios obstrutivos do sono são relativamente freqüentes na população pediátrica e incluem o ronco primário (RP) e a síndrome da apnéia obstrutiva do sono (SAOS). O quadro clínico do RP caracteriza-se pela presença de ruído respiratório, mas com preservação da arquitetura do sono, da ventilação alveolar e da saturação de oxigênio da hemoglobina. É de ocorrência freqüente na infância e afeta cerca de 7 a 9% das crianças entre um a 10 anos de idade1; alguns autores estimam que mais de 12% das crianças apresentam RP. A SAOS na infância, por sua vez, é caracterizada por ronco ou ruído respiratório durante o sono associado à hipoxemia e hipercapnia, distúrbios do sono ou sintomas diurnos tais como respiração bucal, comportamento anormal e sonolência diurna excessiva2. Embora os números sobre a incidência sejam imprecisos na literatura, evidências presentes sugerem que SAOS na infância afeta 1 a 2% das crianças3. Em crianças, SAOS resultaria em conseqüências clínicas significantes, incluindo atraso do crescimento4, disfunção ventricular direita e esquerda5,6 e problemas de aprendizagem e comportamento7-10. A hipertrofia adenoamigdaliana é a causa mais comum de SAOS na infância e o diagnóstico de SAOS é feito pela polissonografia. Existe evidência crescente que sustenta a associação entre SAOS e distúrbio de hiperatividade/déficit de atenção (ADHD)8. Estudos anteriores têm mostrado um aumento de aproximadamente 3 vezes em anormalidades de comportamento e atenção em crianças com distúrbios obstrutivos do sono8,11-13 e estudos recentes de avaliação comportamental padronizados têm sustentado essas observações14,15.
O presente estudo tem como objetivo avaliar o comportamento em crianças com distúrbio obstrutivo do sono.
MATERIAL E MÉTODOSPais de crianças de 4 a 18 anos de idade foram recrutados do Centro do Respirador Bucal da UNIFESP-EPM de janeiro a julho de 2005. As crianças foram submetidas à história clínica, exame físico otorrinolaringológico (oroscopia, rinoscopia anterior e otoscopia), nasofibroscopia (hipertrofia de adenóide) e polissonografia. Crianças com síndromes craniofaciais, doenças neuromusculares, distúrbios de aprendizagem, comportamento e doenças psiquiátricas foram excluídas. Pais de 20 crianças responderam ao CBCL/4-18. Foram incluídas crianças com diagnóstico polissonográfico de Ronco primário e Síndrome da apnéia e hipopnéia obstrutiva do sono.
Preenchimento dos questionáriosO CBCL/4-18 (Child Behavioral Checklist) ou inventário de comportamento de crianças e adolescentes na versão brasileira é um inventário de comportamentos elaborado por Achenbach (1991a) que avalia a competência social e problemas de comportamento em crianças e adolescentes de 4 a 18 anos de idade a partir de informações dos pais, fornecendo o perfil social e o perfil comportamental. O questionário leva aproximadamente de 30 a 60 minutos para ser respondido, dependendo do nível de entendimento do informante. É um teste com 113 itens específicos do comportamento infantil. Cada item é pontuado como se segue: falso ou comportamento ausente, zero; parcialmente verdadeiro ou comportamento às vezes presente, 1; bastante verdadeiro ou comportamento freqüentemente presente, 2, levando em conta o comportamento nos últimos 6 meses. O CBCL/4-18 tem também 35 questões sobre a competência das crianças na escola, atividades e contextos sociais, que são pontuados tendo como base a quantidade e qualidade da participação das crianças de 6 anos ou mais (competência total). O perfil social conta com 3 escalas individuais: atividades, sociabilidade e escolaridade e o soma dessas escalas fornece a competência social. O perfil comportamental é constituído por 9 escalas individuais: 8 sempre presentes e 1 opcional. As primeiras 8 escalas comportamentais correspondem às seguintes síndromes: I. Retraimento, II. Queixas Somáticas, III. Ansiedade/Depressão, IV. Problemas com o Contato Social, V. Problemas com o Pensamento, VI. Problemas com a Atenção, VII. Comportamento Delinqüente e VIII. Comportamento Agressivo, enquanto a escala opcional corresponde à nona síndrome: Problemas Sexuais. As escalas I, II e III são chamadas de Escalas de Introversão, quando consideradas juntas enquanto as escalas VII e VIII são nomeadas Escalas de Extroversão, quando agrupadas. A soma dos escores crus obtidos nas escalas comportamentais individuais corresponde ao Total de Problemas de Comportamento (escore cru). A pontuação é feita de acordo com o manual de Achenbach 1991a.
O CBCL/4-18 é pontuado para obter um escore total do problema, pontuações de agrupamentos introversão (retraimento, queixas somáticas, ansiedade e depressão) e extroversão (comportamento delinqüente ou comportamento agressivo) e pontuações de escalas de síndrome individual (retraimento, queixas somáticas, ansiedade ou depressão, problemas sociais, problemas de pensamento, problemas de atenção, comportamento delinqüente e comportamento agressivo).
RESULTADOSPais de 20 crianças completaram o CBCL, sendo 12 meninos e 8 meninas. Escores para o total do problema, introversão, extroversão estão apresentadas na Tabela 1.
O escore total do problema foi anormal em 5 crianças (25%), o agrupamento introversão foi anormal em 2 pacientes (10%), o agrupamento extroversão foi anormal em 5 pacientes (25%) e as escalas de síndromes individuais variaram de 0 e 20% de anormalidade. As escalas de problemas individuais que foram mais afetadas são as seguintes: competência total (20%), queixas somáticas (10%), problemas sociais (10%) e comportamento agressivo (10%), apresentadas na Tabela 2.
DISCUSSÃOEste estudo demonstra alta prevalência (25%) de comportamento anormal. Embora largamente citado como uma complicação comum de SAOS na infância, distúrbios comportamentais e neurocognitivos têm sido inferido em séries de casos em que o relato dos pais foi o critério de avaliação. Existem poucos estudos usando medidas padronizadas para avaliar os distúrbios comportamentais e de desenvolvimento. Alguns trabalhos relatam que a adenoamigdalectomia resulta em uma melhora significante nos problemas de comportamento e nos distúrbios respiratórios do sono13,16.
Ali et al.14 realizou oximetria de pulso noturna e videogravação noturna em 66 crianças com suspeita de apnéia do sono e 66 controles. Foram administradas 3 subescalas de Conners' Behavior Rating Scale (CRTS) aos pais e professores. Somente 7 crianças (todas do grupo de alto risco) tinham distúrbio respiratório detectável, mas crianças de alto risco tinham significantemente altos escores de hiperatividade e falta de atenção nas subescalas de Conners' completadas pelos pais e professores e significantemente escores mais altos na subescala agressiva completada pelos pais. Em um seguimento do estudo, Ali et al.17 repetiram a avaliação dos testes de desempenho contínuo, uma medida de atenção sustentada em crianças, em 33 crianças com suspeita de apnéia do sono. Dessas, 12 apresentavam distúrbio respiratório do sono (grupo DRS) pela videogravação e oximetria de pulso e 21 crianças tinham sono normal. Onze dessas crianças foram pareadas por idade e sexo com aquelas do grupo DRS. 10 outras crianças sem uma história de ronco foram grupo controle. Após adenoamigdalectomia, o grupo DRS mostrou pequena mas estatisticamente significante melhora em todas as 3 subescalas do CTRS, enquanto o grupo roncador melhorou somente na subescala de hiperatividade. Não houve mudanças significantes em qualquer dos grupos da CTRS. Após adenoamigdalectomia, houve melhora no padrão comportamental e no teste de desempenho contínuo no grupo DRS e roncador. Goldstein et al., em um estudo com 36 crianças, demonstrou uma prevalência de 28% de problemas comportamentais e emocionais18, o que está de acordo com o resultado neste trabalho.
As limitações desses estudos incluem amostras pequenas, falta de grupo controle de crianças saudáveis. Nosso estudo é um resultado preliminar do perfil comportamental de crianças com distúrbio obstrutivo do sono. O CBCL é um objeto válido, compreensivo de problemas emocionais e comportamentais da criança, usado extensamente por psiquiatras pediátricos, psicólogos, pediatras, educação especial e avaliação de problemas relacionados ao abuso infantil. Dificuldades comportamentais, emocionais e neurocognitivos estão presentes em crianças com SAOS. Amostras maiores e grupos controles são necessários para definir precisamente o comportamento da criança com distúrbio obstrutivo do sono.
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1Pós-Gaduando. Mestrado da Disciplina de Otorrinolaringologia Pediátrica - UNIFESP (Médico).
2Especializanda da disciplina de Otorrinolaringologia pediátrica da UNIFESP-EPM, Médico Otorrinolaringologista.
3Professor Adjunto da disciplina de otorrinolaringologia pediátrica da UNIFESP-EPM, Médico Otorrinolaringologista.
4Médico do Instituto do sono da UNIFESP-EPM.
5Professora livre-docente e chefe da disciplina de otorrinolaringologia pediátrica da UNIFESP-EPM, MédicoOtorrinolaringologista.
Universidade Federal de São Paulo.
Endereço para correspondência: Sandra Fumi Hamasaki Uema Rua Coronel José Bras 155 ap. 402 Bairro Barbosa Marília SP 17501-570.
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBORL em 9 de setembro de 2005.
Artigo aceito em 19 de setembro de 2005.