INTRODUÇÃOA avaliação de pacientes com queixa de boca seca envolve uma série de perguntas, tanto para se confirmar a queixa, quanto para tentar definir uma etiologia1,2. O exame da cavidade oral também pode trazer informações importantes sobre as condições da mucosa oral e as possíveis complicações da diminuição da salivação3,4. Além da avaliação clínica, uma série de exames para determinar a alteração do fluxo salivar devem ser realizados1,5.
A Síndrome de Sjögren está entre as diversas causas de boca seca1,2, e pelo fato de não haver um exame de certeza para o seu diagnóstico, são utilizados critérios de classificação para incluir pacientes em estudos científicos6,7.
Os critérios utilizados para a classificação dos pacientes com Síndrome de Sjögren, tanto primária quanto secundária, têm sido alvo de grandes discussões na literatura internacional. Esta discussão envolve não somente o conjunto de critérios a ser utilizado, isto é, aqueles publicados por diversos grupos, como o de Copenhagen, o de San Diego, o Grego, os japoneses e os do Grupo de Estudos da Comunidade Européia/Consenso Americano-Europeu, mas também os exames que devem ser realizados6-9.
De qualquer maneira, a maioria dos conjuntos de critérios dá opções quanto aos exames a serem realizados, para preencher um determinado item, de um conjunto de critérios.
O Grupo de Estudos da Comunidade Européia procurou validar vários exames que tiveram, assim, suas sensibilidade e especificidade testadas10,11. Desta maneira, os que tiveram melhor desempenho foram incluídos como parte deste conjunto de critérios. Assim, para se avaliar o comprometimento das glândulas salivares maiores, foram escolhidas a cintilografia de glândulas salivares, a sialografia de parótidas e a sialometria com fluxo salivar não-estimulado9-14. Dentre elas, tanto a sialometria15-17 quanto a cintilografia18,19 dão idéia de função glandular, não apenas de imagem. Qualquer um destes exames, quando alterado, preenche o critério13,14.
A sialometria é um exame simples, de fácil execução, desde que sua técnica seja padronizada, e de baixo custo16. A cintilografia apresenta vantagens que incluem a análise quantitativa da saliva, através da avaliação do acúmulo do radiofármaco e escape salivar e que, assim, pode refletir corretamente as alterações funcionais e trazer informações sobre alterações obstrutivas da glândula salivar. Pode detectar estágios precoces do envolvimento das glândulas salivares18-20.
Pelo fato de a sialometria e a cintilografia serem exames de fácil execução e darem informação quanto à função glandular, muitas vezes são preferidos em relação à sialografia de parótidas, que também é um exame mais invasivo.
Por estes fatores, e também pela grande preocupação atual em relação a custo, devido às grandes inovações tecnológicas, procuramos avaliar se haveria concordância entre os resultados da sialometria e da cintilografia de glândulas salivares para, caso presente, optar por apenas um dos dois exames.
CASUÍSTICA E MÉTODOTodos os pacientes com queixa de boca seca que procuraram o Departamento de Otorrinolaringologia da Santa Casa de São Paulo, foram encaminhados ao Ambulatório de Estomatologia da instituição. No período de janeiro de 1997 até setembro de 2003, foram avaliados clinicamente 72 pacientes com esta queixa, que foram submetidos à investigação diagnóstica e classificação, com base nos critérios estabelecidos no Consenso Americano-Europeu14 (Quadro 1).
Com base nestes critérios, estes pacientes foram divididos em 2 grupos: grupo que não apresentava Síndrome de Sjögren (NSS) e grupo com Síndrome de Sjögren (SS). O grupo com Síndrome de Sjögren foi dividido em 2 subgrupos: com Síndrome de Sjögren primária (SSp) e Síndrome de Sjögren secundária (SSsec).
Para classificar os pacientes com Síndrome de Sjögren primária foi considerada necessária a presença de 4 dos 6 itens, com obrigatoriedade da presença do item IV (histopatologia) ou item VI (auto-anticorpos). Em relação à classificação dos pacientes com Síndrome de Sjögren secundária, esta foi feita com a presença do item I ou item II mais quaisquer 2 dos itens III, IV e V (Quadro 1).
Foram considerados critérios de exclusão para classificação de Síndrome de Sjögren: radioterapia anterior de cabeça e pescoço; hepatite C; SIDA; linfoma pré-existente; sarcoidose; doença enxerto versus hospedeiro; uso de drogas anti-colinérgicas. Foi excluída também uma paciente com Granulomatose de Wegener.
O critério número V, avaliação de comprometimento da glândulas salivares maiores compreende, como já mencionado, resultados alterados da sialometria, ou cintilografia de glândulas salivares ou sialografia de parótidas.
A sialometria não-estimulada foi realizada com a técnica de coleta da saliva, através de um par de chumaços de algodão que haviam sido, previamente, pesados em conjunto com pote coletor universal, com capacidade para 80 ml, numa balança digital. Os pacientes eram orientados a deglutir toda a saliva que tivessem na cavidade oral e os chumaços de algodão eram colocados no assoalho da boca próximo ao rebordo gengival, onde permaneciam durante 2 minutos. Após este tempo, o conjunto foi novamente pesado. A diferença de peso foi transformada de g/min diretamente em ml/minuto e foram consideradas alteradas as sialometrias com valor menor que 0,1 ml/minuto.
A cintilografia das glândulas salivares foi realizada avaliando-se a captação do tecnécio pertecnetato de sódio na dose de 15 mCi e a subseqüente eliminação, após estimulação da salivação com 8 ml de suco de limão sobre o dorso lingual, 20 minutos após a administração do radiofármaco. Foram consideradas alteradas as cintilografias com atraso na captação, redução na concentração e/ou atraso na secreção do traçador.
A metodologia estatística adotada foi a medida de Kappa, que é uma medida de concordância onde o valor 0 indica nenhuma concordância e o valor 1 representa total concordância. O Kappa foi calculado para os grupos NSS, SSp, SSsec e para todos os pacientes. Para verificar se a concordância foi razoável, foi feito um teste estatístico para avaliar a significância do Kappa. O índice de significância adotado foi 5%.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Instituição.
Quadro 1. Critérios para classificação da Síndrome de Sjögren
I. Sintomas oculares, resposta positiva para pelo menos uma das seguintes questões:
1. Você tem apresentado diariamente olhos secos por
mais de 3 meses?
2. Você tem uma sensação recorrente de areia nos olhos?
3. Você usa substitutos de lágrima mais de 3 vezes ao
dia?
II. Sintomas orais, resposta positiva para pelo menos uma das seguintes questões:
1. Você tem apresentado diariamente sensação de boca seca por mais de 3 meses?
2. Você tem apresentado aumento das glândulas salivares
recorrente ou persistente quando adulto?
3. Você freqüentemente bebe líquidos para ajudar a engolir alimentos secos?
III. Sinais de comprometimento ocular, resultado positivo para um dos dois testes seguintes:
Teste de Schirmer I (< ou = 5 mm em 5 min);
Teste de Rosa Bengala ou outro corante ( > ou = a 4).
IV. Histopatologia: presença de 1 ou mais focos (aglomerado de 50 ou mais células inflamatórias) por 4mm2 de tecido glandular em biópsia de glândula salivar menor.
V. Envolvimento de glândula salivar, resultado positivo para um dos seguintes testes diagnósticos:
Sialometria com fluxo salivar total não-estimulado <
ou = a 1,5 ml em 15 minutos;
Sialografia de parótida mostrando sialectasias difusas, sem evidência de obstrução dos ductos maiores;
Cintilografia salivar com atraso na captação, redução na concentração e/ou atraso na secreção do traçador.
VI. Auto-anticorpos, presença de um ou ambos:
Anticorpos anti-Ro (SS-A) ou anti-La (SS-B).
Fonte: VITALI et al (2002).
RESULTADOSOs valores de Kappa encontrados foram diferentes de zero para todos os casos e para o grupo NSS, já para os grupos SSp e SSsec, tais valores foram iguais a zero (Tabela 1).
Nos grupos onde o índice de concordância foi diferente de zero, apesar disto, os valores foram bastante baixos.
DISCUSSÃODe acordo com a busca atual de redução de custos, caso fosse possível escolher entre um dos exames, a escolha recairia sobre a sialomeria, por se tratar de um exame barato e que não expõe o indivíduo à radiação.
O fato de o índice Kappa, que avalia concordância entre os resultados dos exames ter se mostrado igual a zero ou bastante baixo, indica que não podemos optar por apenas um dos exames. Talvez esta concordância ausente ou baixa se deva ao fato de que a sialometria avalia apenas a função glandular, enquanto que a cintiolografia avalia também a captação do radioisótopo pela glândula, que pode ser influenciada por alterações circulatórias. De qualquer maneira, ambos os exames poder estar sujeitos a variações decorrentes de flutuações na quantidade de saliva produzida.
Este fato confirma a necessidade de utilizar critérios de diagnóstico que envolvam mais de um exame para avaliar o comprometimento das glândulas salivares maiores.
CONCLUSÃOTanto a sialometria quanto a cintilografia devem ser realizadas para se avaliar o comprometimento de glândulas salivares em pacientes com queixa de boca seca, principalmente para pacientes com Síndrome de Sjögren, já que uma não pode ser substituída pela outra, por falta de concordância entre seus resultados.
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1 Doutora em Otorrinolaringologia pela F.C.M. Santa Casa de São Paulo - Prof. Instrutora do Depto. de Morfologia da F.C.M. Santa
Casa de São Paulo
2 Doutora em Otorrinolaringologia pela F.C.M. Santa Casa de São Paulo - Professora Instrutora do Hospital Nossa Sra. de Lourdes
3 Doutor em Otorrinolaringologia pela UNIFESP - Professor Adjunto do Depto. de Otorrinolaringologia da Faculdade de Ciências
Médicas da Santa Casa de São Paulo.
Depto. de Otorrinolaringologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo
Endereço para correspondência: Bianca Maria Liquidato Rua Turiaçú 390 cj 15 Perdizes São Paulo SP 05005-001
Tel. e Fax: (11)3675-1527
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBORL em 11 de dezembro de 2004.
Artigo aceito em 23 de maio de 2005.