ISSN 1806-9312  
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3319 - Vol. 72 / Edição 1 / Período: Janeiro - Fevereiro de 2006
Seção: Artigo Original Páginas: 33 a 36
Fatores Etiológicos da Deficiência Auditiva em Crianças e Adolescentes de um Centro de Referência APADA em Salvador-BA
Autor(es):
Luzia Poliana Anjos da Silva1, Fernanda Queiros2, Isabela Lima3

Palavras-chave: crianças, prognóstico, deficiência auditiva, etiologia.

Keywords: children, prognosis, hearing loss, communication, etiology.

Resumo: A audição representa a principal fonte para aquisição das habilidades de linguagem e fala da criança. A criança portadora de deficiência auditiva nos primeiros meses de vida é privada de estimulação sonora no período mais importante de seu desenvolvimento, e conseqüentemente, poderá apresentar alterações emocionais, sociais, e lingüísticas. Neste contexto é de suma relevância conhecer os principais fatores etiológicos que ocasionam a lesão auditiva para se traçar um perfil nosológico fidedigno, e serem tomadas as medidas cabíveis de prevenção e orientação as famílias sobre as repercussões da deficiência auditiva na infância. Objetivos: Caracterizar o perfil etiológico da deficiência auditiva em um centro de referência para atendimento a crianças e adolescentes deficientes auditivos. Metodologia: Foram realizadas entrevistas, triagem fonoaudiológica e avaliação de prontuários de 87 crianças deficientes auditivas cadastradas na Associação de Pais e Amigos dos Deficientes Auditivos do Estado da Bahia(APADA-BA), buscando-se determinar a etiologia, distribuição por sexo, idade do diagnóstico, grau de deficiência, idade de protetização e da reabilitação fonoaudiológica. Resultados: Dentre as 87 crianças e adolescentes que passaram pela triagem fonoaudiológica, selecionamos uma amostra de 53 sujeitos, cujos pais compareceram as três sessões de anamnese e avaliação. O principal fator etiológico responsável pela deficiência auditiva na população avaliada foi a rubéola materna responsável por 32% dos casos de surdez, seguida pela meningite piogênica com 20%, causa idiopática com 15%, prematuridade com 9%, hereditariedade (pai ou mãe surdo) e icterícia neonatal também apresentaram incidência de 6%; otite média crônica representou 4%, uso de misoprostol na gestação, sarampo, ototoxicidade e caxumba apareceram na amostra, cada fator, com 2%. Conclusão: O presente estudo demonstrou a heterogeneidade de fatores que ocasionam o comprometimento auditivo, e como as duas principais causas (rubéola e meningite piogênica) ainda apresentam uma incidência alta na população em estudo. Acreditamos que medidas de prevenção devem ser tomadas, principalmente na profilaxia da rubéola materna e na vacinação ampliada de neonatos e lactentes contra a meningite bacteriana.

Abstract: Hearing represents the main source for acquisition of language and speaking skills in childhood. In the first months of life, the hearing impaired child is deprived of sound stimulation in the most important period of development, and consequently, might present emotional, social and linguistic disorders. Therefore, it is of utmost relevance to learn about the main etiological factors that cause the auditory damage to trace a reliable nosological profile, and to take the appropriate measures to prevent and guide the family on the repercussions of hearing impairment in childhood. Aim: To characterize the etiology profile of hearing impairment in a reference center for hearing impaired children and adolescents. Methodology: We performed interviews, speech and hearing screening and analyses of medical charts of 87 hearing impaired children that were part of Associação de Pais e Amigos dos Deficientes Auditivos do Estado da Bahia (APADA-BA), trying to define etiology, gender distribution, age at diagnosis, level of hearing loss, age at hearing aid fitting, and rehabilitation. Results: Among the 87 children and adolescents who had undergone speech and hearing screening, we select a sample of 53 subjects, whose parents had come for three sessions of anamnesis and assessment. The main responsible etiological factor for hearing loss in the evaluated population was maternal rubella, amounting to 32% of the cases of deafness, followed by pyogenic meningitis with 20%, idiopathic cause with 15%, prematurity with 9%, heredity (deaf father or mother) and neonatal jaundice, which also presented 6% incidence; chronic otitis media represented 4%, use of misoprostol in the gestation, measles, ototoxicity and mumps, each factor with 2%. Conclusion: The present study demonstrated the heterogeneity of factors that cause hearing impairment, and the two main causes (rubella and pyogenic meningitis) still present high incidence in the studied population. We believe that preventive measures must be taken, especially in the prophylaxis of maternal rubella and extended vaccination of neonates and infants against bacterial meningitis.

INTRODUÇÃO

O ouvido é o órgão que possibilita uma das funções superiores mais nobres do ser humano que é a comunicação. É por intermédio da linguagem que o homem consegue organizar o seu universo, entender o mundo que o rodeia, compreender o outro, transmitir e abstrair pensamentos e sentimentos do outro, interagir no meio e adquirir conhecimento1.

A linguagem envolve um processo altamente complexo, uma vez que está relacionada à elaboração e simbolização do pensamento humano, permitindo a comunicação do homem com os seus semelhantes. A habilidade de compreender a linguagem oral deve ser considerada como um dos mais importantes aspectos mensuráveis da função auditiva humana2.

Na criança deficiente auditiva o processo de aquisição e desenvolvimento da linguagem pode ser prejudicado, caso não ocorra diagnóstico e intervenção em tempo adequado para evitar o atraso do desenvolvimento lingüístico.

Além disso, pesquisas mostram a existência de um período crítico nos primeiros anos de vida para a aquisição da fala. A ausência de estimulação auditiva adequada na infância pode impedir o total desenvolvimento e amadurecimento das vias auditivas centrais3.

Segundo estimativas da OMS, 42 milhões de pessoas acima de 3 anos de idade são portadoras de algum tipo de deficiência auditiva, de moderada a profunda. Mais de 4% das crianças consideradas de alto risco são diagnosticadas como portadoras de deficiência auditiva de graus moderado a profundo4.

Desta forma estaremos caracterizando o perfil etiológico da deficiência auditiva em um centro de referência para atendimento a crianças e adolescentes deficientes auditivos, para possibilitar que medidas futuras de prevenção e orientação sejam tomadas.

Identificar os principais fatores etiológicos que causam a surdez infantil se constitui em importante ferramenta diagnóstica a ser analisada para que medidas de saúde pública sejam tomadas, e desta maneira a prevenção e orientação às famílias a respeito da deficiência auditiva seja feita de forma eficaz.

MATERIAL E MÉTODO

A Apada - BA (Associação de Pais e Amigos dos Deficientes Auditivos do Estado da Bahia) é uma entidade filantrópica que presta apoio especializado a crianças e adolescentes surdos através de atendimento com psicopedagogia, fonoaudiologia e psicologia e encaminhamento ao mercado de trabalho, através de ações sociais de apoio e incentivo à inserção do indivíduo surdo na sociedade. Conta também com o auxílio de uma escola municipal de ensino fundamental que funciona em suas instalações onde os professores, além do currículo tradicional, ensinam LIBRAS às crianças e adolescentes.

Foi realizado um estudo de série de casos tipo corte transversal. Todas as crianças e adolescentes selecionados compareceram a três sessões de entrevista (uma sessão de anamnese de duas de avaliação) onde foi aplicado um protocolo de triagem, anamnese e avaliação fonoaudiológica, foram analisados os principais fatores etiológicos através da história gestacional materna, do desenvolvimento neuropsicomotor da criança, e de exames trazidos pela família ou que já estavam disponibilizados no prontuário do paciente.

Foram examinadas a distribuição por sexo, a idade do diagnóstico, o grau da deficiência auditiva, a idade de início da protetização, e se já havia entrado ou não em reabilitação fonoaudiológica.

O trabalho foi submetido ao comitê de ética em pesquisa da Universidade Federal da Bahia, do Curso de Pós Graduação em Medicina e Saúde sendo aprovado Parecer/ Resolução nº 89/ 2004 com área de conhecimento código 4.07, nível D, Grupo III.

RESULTADOS

Dentre as 87 crianças e adolescentes que passaram pela triagem fonoaudiológica selecionamos uma amostra de 53 sujeitos, cujos pais compareceram às três sessões de anamnese e avaliação. O principal fator etiológico responsável pela deficiência auditiva na população avaliada foi a rubéola materna, responsável por 32% dos casos de surdez, seguida pela meningite piogênica com 20%, causa idiopática com 15%, prematuridade com 9%, hereditariedade (pai ou mãe surdo) e icterícia neonatal também apresentaram incidência de 6%; otite média crônica representou 4%, uso de misoprostol na gestação, sarampo, ototoxicidade e caxumba apareceram na amostra, cada fator, com 2%. (Gráfico 1)

Da amostra pesquisada (53 sujeitos), 31 (58%) eram do sexo masculino e 22 (42%) eram do sexo feminino; a faixa etária variou de 4 a 18 anos. Durante anamnese fonoaudiológica foram abordados aspectos sobre as principais causas da deficiência auditiva ocorrida durante o período pré, peri e pós-natais, a idade do diagnóstico, o tipo de dispositivo utilizado para reabilitação auditiva, e se a criança era oralizada ou não, ou se utilizava LIBRAS. Os resultados encontrados estão descritos abaixo. (Gráfico 2)

Dos 53 sujeitos avaliados a associação de fatores pré-natais esteve presente em 43 casos - 81%, a Idade do diagnóstico < 2 anos - 34%, entre 2 e 3 anos - 40% acima de 3 anos - 26%. O dispositivo utilizado predominantemente era o AASI - 58%, em 42% as crianças não usavam prótese auditiva, ou então fizeram uso, mas por motivos diversos (aparelhos quebrados ou falta de recurso financeiro para compra de pilhas) não estavam utilizando há mais de 6 meses o aparelho.

A grande maioria dos indivíduos utilizava LIBRAS como principal forma de comunicação (62%), enquanto que somente 38% utilizavam a linguagem oral como principal meio de expressão da linguagem.

Quanto ao tipo da deficiência auditiva na amostra pesquisada, verificou-se que 100% da amostra apresentava perda auditiva neurossensorial, e 33 indivíduos (62%) apresentavam configuração audiométrica compatível com perda bilateral, enquanto que somente 10 crianças (18%) possuíam perdas unilaterais. Em relação ao grau da deficiência auditiva a grande maioria da amostra 30 sujeitos (56%) apresentavam perda de grau profunda, 25% de grau severo, e 19% de grau moderado severo. (Gráfico 3)


Gráfico 1. Diagnóstico e Forma de Comunicação.


Gráfico 2. Fatores Etiológicos da Deficiência Auditiva.


Gráfico 3. Tipo e Grau da Deficiência Auditiva.


DISCUSSÃO

Segundo Walch et al.5, a história extraída dos pais sobre causas hereditárias, pré, peri ou pós-natais para a deficiência é o método mais eficiente para se tentar estabelecer a etiologia da deficiência auditiva em crianças.

A evolução infantil depende basicamente de dois fatores: características individuais da criança - condições orgânicas e afetivas e características do ambiente - aspectos sócio-familiares e oportunidades de aprendizagem. O desenvolvimento global - cognitivo, lingüístico e emocional - será determinado pelo processo de interação desses fatores6.

No que se refere aos transtornos herdados da audição, são considerados como de origem pré-natal e uma importante causa desta fase são as infecções fetais. A mais conhecida infecção fetal causadora de deficiência auditiva é a rubéola, porém, com a introdução dos programas de vacinação, a incidência dessa causa sofreu redução nos países em desenvolvimento, nas últimas décadas. Contudo, a rubéola e outras infecções fetais ainda demonstram que possuem grande abrangência em estados do nordeste do Brasil, e devem ser sempre lembradas na avaliação da etiologia da deficiência auditiva congênita na infância.7

Na segunda infância, a grande causadora da deficiência auditiva é a meningite, podendo provocar perdas profundas. Cerca de um em cada mil recém nascidos apresentam surdez e duas em cada mil crianças têm surdez durante os três primeiros anos de vida, o que justifica uma investigação audiológica não apenas quando a criança nasce, mas também nos primeiros anos de vida8.

A tendência atual em relação à deficiência auditiva se baseia no diagnóstico, etiologia e tratamento dentro do espectro de doenças otológicas e neurotológicas encontradas em pacientes pediátricos, além de testes de triagem neonatal e na infância, visando a reabilitação auditiva precoce9.

Um dos maiores desafios da audiologia pediátrica está nos casos de deficiência auditiva na infância, sem etiologia reconhecida. É imprescindível um minucioso interrogatório dos pais. Da informação, associada ao exame audiológico pode-se estabelecer um diagnóstico etiológico da deficiência auditiva da criança. Recomenda-se, também, a inclusão de procedimentos não-audiológicos, tais como testes sorológicos, radiológicos, exames oftalmológicos e avaliação genética que são de significativa importância. Essa ampla ação interdisciplinar oferece valiosa informação suplementar, podendo reduzir as etiologias desconhecidas10.

No transcorrer dos anos foram demonstradas mudanças na prevalência das deficiências auditivas na criança e pode-se considerar que vários aspectos epidemiológicos sejam diferentes entre os países e, até, nas várias regiões sanitárias de um só país. Na maioria dos países desenvolvidos o sistema de proteção à saúde infantil possibilita a monitorização do desenvolvimento da criança e oferece programas de acompanhamento e reabilitação11.

É de fundamental importância a adoção de programas amplos de educação para alertar os profissionais de saúde sobre os prejuízos causados pela privação auditiva. A elaboração de material informativo também pode se constituir em uma ferramenta valiosa no processo de detecção auditiva precoce12.

CONCLUSÕES

A identificação etiológica de uma amostra populacional de um centro APADA permite conhecer os principais agentes etiológicos da deficiência auditiva, e prever que novos estudos de prevalência em outros centros sejam realizados, a fim de que se possa traçar o perfil nosológico da surdez, e colaborar desta forma para que políticas de saúde pública sejam adotadas, a fim de minimizar a ocorrência de doenças gestacionais como a rubéola, ou de doenças infecto-contagiosas, como a meningite, minimizando assim o impacto ocasionado pela deficiência auditiva na infância.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à diretoria, pais, professores e principalmente seus alunos por contribuírem de forma significativa para este estudo, e por se dedicarem tanto na reabilitação auditiva de crianças e adolescentes.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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10. Oliveira TMT, Casarin MT, Souza MA, Marquett SCE, Barros TN. Atitudes de médicos pediatras em relação à audição infantil. Pediatria Atual 1998; 11(9): 48-56.

11. Zakzouk SM. Epidemiology and etiology of hearing impairment among infants and children in a developing country. J Otolaryngol 1997; 26: 335-44.

12. Anjos LPA, Queiros F, Pereira MC, Brandão M, Melo A, Lucena R. Prognóstico audiológico tardio relacionado à meningite em lactentes. Arq Neuropsiquiatr 2004; 62(3-A): 635-40.

1Fonoaudióloga colaboradora da APADA/ BA - Associação de Pais e Amigos dos Deficientes Auditivos do Estado da Bahia Mestranda em Medicina e Saúde. Área de concentração: Neurociências - Faculdade de Medicina da UFBA Especializanda em Neonatologia -Ministério da Saúde / UNEB
2Mestranda em em Medicina e Saúde. Área de concentração: Neurociências -Faculdade de Medicina da UFBA.
3Fonoaudióloga colaboradora da APADA/ BA - Associação de Pais e Amigos dos Deficientes Auditivos do Estado da Bahia.
APADA- Associação de Pais e Amigos dos Deficientes Auditivos - Bahia
Endereço para correspondência: Rua Gercino coelho 2ª travessa 09. Matatu-Brotas 40255171 Salvador Bahia
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBORL em 31 de juho de 2005.
Artigo aceito em 12 de setembro de 2005
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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