ISSN 1806-9312  
Domingo, 1 de Dezembro de 2024
Listagem dos arquivos selecionados para impressão:
Imprimir:
3313 - Vol. 71 / Edição 6 / Período: Novembro - Dezembro de 2005
Seção: Artigo de Revisão Páginas: 820 a 827
Métodos para abandono do tabagismo e tratamento da dependência da nicotina
Autor(es):
Aracy Pereira Silveira Balbani1, Jair Cortez Montovani2

Palavras-chave: tabagismo, nicotina, transtorno por uso do tabaco, abandono do uso do tabaco, bupropiona.

Keywords: smoking, nicotine, tobacco use disorder, tobacco use cessation, bupropion.

Resumo: O tabagismo está relacionado a 30% das mortes por câncer. É fator de risco para desenvolver carcinomas do aparelho respiratório, esôfago, estômago, pâncreas, cérvix uterina, rim e bexiga. A nicotina induz tolerância e dependência pela ação nas vias dopaminérgicas centrais, levando às sensações de prazer e recompensa mediadas pelo sistema límbico. É estimulante do sistema nervoso central (SNC), aumenta o estado de alerta e reduz o apetite. A diminuição de 50% no consumo da nicotina pode desencadear sintomas de abstinência nos indivíduos dependentes: ansiedade, irritabilidade, distúrbios do sono, aumento do apetite, alterações cognitivas e fissura pelo cigarro. O aconselhamento médico é fundamental para o sucesso no abandono do fumo. A farmacoterapia da dependência de nicotina divide-se em: primeira linha (bupropiona e terapia de reposição da nicotina), e segunda linha (clonidina e nortriptilina). A bupropiona é um antidepressivo não-tricíclico que age inibindo a recaptação de dopamina, cujas contra-indicações são: epilepsia, distúrbios alimentares, hipertensão arterial não-controlada, abstinência recente do álcool e uso de inibidores da monoaminoxidase (MAO). A terapia de reposição de nicotina pode ser feita com adesivos e gomas de mascar. Os efeitos da acupuntura no abandono do fumo ainda não estão completamente esclarecidos. As estratégias de interrupção abrupta ou redução gradual do fumo têm a mesma probabilidade de sucesso.

Abstract: Smoking is related to 30% of cancer deaths. It is a risk factor for respiratory tract, esophagus, stomach, pancreas, uterine cervix, kidney and bladder carcinomas. Nicotine induces tolerance and addiction by acting on the central dopaminergic pathways, thus leading to pleasure and reward sensations within the limbic system. It stimulates the central nervous system (CNS), enhances alertness and reduces the appetite. A 50% reduction of nicotine consumption may trigger withdrawal symptoms in addicted individuals: anxiety, anger, sleep disorders, hunger, cognitive dysfunction and cigarette craving. Medical advice is the cornerstone of smoking cessation. Pharmacotherapy of nicotine addiction comprises first-line (bupropion and nicotine replacement therapy) and second-line (clonidine and nortriptyline) drugs. Bupropion is a non-tricyclic antidepressant that inhibits dopamine uptake, whose contraindications are: epilepsy, eating disorders, uncontrolled hypertension, recent alcohol abstinence and current therapy with MAO inhibitors. Nicotine replacement therapy can be done with patches or gums. Counseling groups and behavioral interventions are efficacious. The effects of acupuncture on smoking cessation are not fully elucidated. Prompt smoking cessation or gradual reduction strategies have similar success rates.

INTRODUÇÃO

O tabaco é obtido a partir de duas espécies vegetais, a Nicotiana tabacum e a Nicotiana rustica, nativas dos Andes peruanos e equatorianos. Essas plantas foram descobertas há aproximadamente 18.000 anos, época em que populações asiáticas migraram para a América1.

Quando Cristóvão Colombo chegou ao Novo Mundo, o cultivo e o uso do tabaco já estavam disseminados entre os índios de todo o continente. Empregavam-no das mais variadas maneiras, inclusive nos rituais religiosos e como inseticida nas lavouras. O tabaco era fumado em cachimbos, aspirado, mascado, comido ou tomado sob a forma de chá. Importante planta medicinal, era usado em lavagens intestinais, esfregado sobre a pele para combater piolhos, instilado como colírio e aproveitado na formulação de ungüentos, analgésicos e anti-sépticos1.

Conhecendo o hábito de fumar e as propriedades medicinais do tabaco, os colonizadores decidiram levar sementes da planta para a Europa. Em Portugal e na Espanha o tabaco era cultivado nos jardins dos palácios reais, e a nobreza usava-o para combater o câncer. Rapidamente o tabaco tornou-se muito valioso na Europa, e piratas ingleses saqueavam-no de navios espanhóis que regressavam da América, até que o governo britânico decidiu cultivar a planta em várias de suas colônias1.

Em 1850 começaram a ser vendidos na Inglaterra os primeiros cigarros manufaturados, cujo consumo se popularizou durante a Primeira Guerra Mundial. O auge do tabagismo ocorreu nas décadas de 1950 e 60, declinando em alguns países a partir de 19701. Atualmente há mais de um bilhão de tabagistas no mundo, dos quais 90% começaram a fumar ainda na adolescência2.

A partir de 1920 foi observado o aumento da incidência de câncer de pulmão nos indivíduos fumantes, o que se confirmou em estudos realizados trinta anos depois. Em 1971 foi publicado nos Estados Unidos um relatório oficial afirmando que "o fumo afeta negativamente a saúde humana e contribui para o desenvolvimento de graves doenças"1.

Atualmente a Organização Mundial da Saúde contabiliza mais de quatro milhões de vítimas fatais do cigarro a cada ano2. Sabe-se que o tabagismo está relacionado a, no mínimo, 30% de todas as mortes por câncer. É fator de risco para o aparecimento dos carcinomas de pulmão, boca, faringe, laringe, esôfago, estômago, pâncreas, cérvix uterina, rim e bexiga3. Também a morbidade por doenças cardiovasculares, cerebrovasculares, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), doença péptica e outras afecções é mais elevada entre os tabagistas1.

Em 1988 um novo relatório norte-americano concluiu que a nicotina presente no cigarro e em outros produtos do tabaco é uma droga que provoca dependência. Calcula-se que 24% da população adulta de diversos países, inclusive do Brasil, sejam dependentes da nicotina4.

Freqüentemente os otorrinolaringologistas atendem tabagistas com doenças inflamatórias ou tumorais das vias aéreas superiores. Diagnosticar e tratar a dependência química da nicotina nesses pacientes é fundamental para incentivar o abandono do fumo, de forma a prevenir ou curar essas afecções.

Os autores apresentam um panorama da farmacologia, das ações e da dependência química da nicotina, bem como das modalidades de tratamento disponíveis para abandono do fumo que podem ser prescritas pelo otorrinolaringologista.

REVISÃO DA LITERATURA

Foram consultados os trabalhos indexados nas bases de dados Lilacs e Medline sob os unitermos "tabagismo", "nicotina", "transtorno por uso do tabaco", "abandono do uso do tabaco", "bupropiona" ou seus correspondentes em língua inglesa: "smoking", "nicotine", "tobacco use disorder", "tobacco use cessation", "bupropion".

Farmacologia da nicotina

A fumaça do cigarro consiste de substâncias químicas voláteis (92%) e material particulado (8%) resultantes da combustão do tabaco5. A nicotina, uma amina terciária volátil, é o componente ativo mais importante do tabaco4,6.

Quando a temperatura da brasa do tabaco atinge cerca de 800°C, surgem formas racêmicas da nicotina, as quais formam quatro nitrosaminas com potencial cancerígeno7. Todavia, cerca de 35% da nicotina são destruídos no momento da combustão do cigarro, mais 35% são perdidos com a fumaça não-inalada e 8% com a porção não-fumada6. Assim, cada cigarro contém 7-9 mg de nicotina, dos quais pouco mais de 1 mg é absorvido pelo fumante4.

A nicotina do tabaco curado para cachimbos e charutos é alcalina, sendo absorvida com maior facilidade pela boca. Já a nicotina dos cigarros é ácida, e por isso praticamente não absorvida pela mucosa bucal, necessitando ser tragada para que ocorra absorção nos pulmões1,7.

A nicotina é rapidamente absorvida pelos alvéolos pulmonares e atinge o cérebro em cerca de 10 segundos. Sua meia-vida é de, aproximadamente, 2 horas, e a maior parte da metabolização é hepática, através do citocromo P450. A principal enzima envolvida nesse metabolismo é a CYP2A6. Estudos de biologia molecular mostram que há variação individual da capacidade de metabolização da nicotina7. Portadores dos alelos CYP2A6*2 e CYP2A6*3 têm menor probabilidade de serem fumantes e, se o forem, tenderão a consumir menos tabaco do que os portadoras do alelo CYP2A6*18.

Vasconcelos et al. (2005)9 analisaram o perfil genético da CYP2A6 numa amostra da população brasileira adulta, composta de 147 indivíduos brancos, 142 pardos e 123 negros, dos quais 205 eram fumantes ou ex-fumantes, e 207 eram não-fumantes. Os alelos encontrados com maior freqüência nessa amostra foram: CYP2A6*1B (29,9%), CYP2A6*2 (1,7%), CYP2A6*4 (0,5%) e CYP2A6*9 (5,7%). Contrariando as expectativas, houve maior freqüência de portadores do alelo CYP2A6*1B entre os não-fumantes. A distribuição do alelo CYP2A6*1B também apresentou diferenças raciais, com freqüência decrescente entre brancos, pardos e negros. Sua presença associou-se à maior probabilidade de dependência da nicotina nos brancos (risco 14 vezes maior) e pardos (risco 3 vezes maior), mas não nos negros.

O metabólito mais importante da nicotina é a cotinina, que pode ser detectada na urina, saliva e sangue7. Apenas 5% da nicotina são excretados sob forma inalterada pelos rins4.

Ações da nicotina

As ações sistêmicas da nicotina são mediadas por receptores nicotínicos, encontrados no sistema nervoso central (SNC), nos gânglios autonômicos periféricos, na glândula supra-renal, em nervos sensitivos e na musculatura estriada esquelética4.

Os principais efeitos agudos da nicotina sobre o sistema cardiovascular são10: vasoconstrição periférica, aumento da pressão arterial e da freqüência cardíaca. A nicotina também interfere no sistema endócrino, favorecendo a liberação de hormônio antidiurético e retenção de água. No sistema gastrointestinal ela tem ação parassimpática, estimulando o aumento do tônus e da atividade motora do intestino10.

Nas terminações nervosas a nicotina estimula a liberação dos neurotransmissores acetilcolina, dopamina (DA), glutamato, serotonina e ácido gama-aminobutírico (GABA)11.

A nicotina é estimulante do SNC, levando ao aumento do estado de alerta e à redução do apetite. A sensação após tragar um cigarro é similar à descrita pelos usuários de anfetamina, heroína, cocaína e crack4. A ação central também pode provocar tontura, náuseas e vômitos10.

Rose et al. (2003)11 estudaram os efeitos agudos da nicotina sobre o fluxo sangüíneo cerebral em adultos através da tomografia por emissão de pósitrons (PET). A nicotina interfere no fluxo sangüíneo da formação reticular, que inclui áreas da ponte, mesencéfalo e tálamo e participa dos mecanismos de atenção e despertar. Doses baixas de nicotina têm efeito estimulante central, enquanto doses mais elevadas têm efeito depressor. A nicotina também provoca aumento dose-dependente do fluxo sangüíneo na amídala do hemisfério esquerdo, o que explicaria o efeito ansiolítico do ato de fumar.

Estudos experimentais mostram que a nicotina age como indutora enzimática no fígado. Por isso ela reduz a meia-vida de diversos medicamentos: anestésicos locais, morfina, codeína, teofilina, heparina, warfarina, amitriptilina, imipramina, propranolol, clorpromazina, diazepam, clordiazepóxido e indometacina. Dessa forma, fumantes podem requerer doses maiores desses medicamentos para obter o efeito terapêutico10.

A ingestão de inseticidas à base de nicotina pode provocar intoxicação aguda, cujos sintomas são: salivação, vômitos, fraqueza muscular, prostração, sudorese fria, confusão mental e hipotensão. Nos casos graves (ingestão de mais de 60mg de nicotina) podem ocorrer convulsões crônicas e parada respiratória10.

Dependência química da nicotina

A nicotina induz tolerância (necessidade de doses progressivamente maiores para obter o mesmo efeito) e dependência (desejo de consumi-la) por agir nas vias dopaminérgicas do sistema mesolímbico, diminuindo a atividade do tálamo4. Assim como outras drogas psicoativas, ela libera dopamina no nucleus accumbens, localizado no mesencéfalo, estimulando a sensação de prazer e "recompensa"8,12. Vencido o desconforto provocado pelas primeiras tragadas do tabaco (mal-estar, tontura, náuseas), o fumante passa a experimentar uma sensação prazerosa pelo uso da nicotina7.

Segundo Marques et al. (2001)4, uma diminuição de 50% no consumo da nicotina já é capaz de desencadear os sintomas de abstinência nos indivíduos dependentes. A síndrome de abstinência da nicotina é mediada pela noradrenalina e começa cerca de 8 horas após fumar o último cigarro, atingindo o auge no terceiro dia. Os principais sintomas são: ansiedade, irritabilidade, distúrbios do sono (insônia e sonolência diurna), aumento do apetite, alterações cognitivas (diminuição da concentração e atenção) e fissura pelo cigarro ("craving"). Por isso os dependentes da nicotina apresentam alívio da abstinência ao fumarem o primeiro cigarro da manhã.

A irritabilidade durante a abstinência da nicotina é uma queixa comum dos tabagistas4. Destacamos nossa experiência com uma paciente de 34 anos que consumia cerca de 12 cigarros/dia e se absteve de fumar por dois meses. A paciente diz que se sentiu fisicamente melhor durante a abstinência, mas voltou a fumar por insistência do marido: "Ele não agüentava mais o meu péssimo humor".

O ganho de peso indesejado é um dos sintomas que mais incomodam os pacientes em abstinência da nicotina. Na maioria dos casos o aumento de peso é de 4 a 6 kg13, podendo chegar a 10% do peso corporal em algumas pessoas4. Mulheres e tabagistas que consomem acima de 25 cigarros/dia são mais propensos a engordar após o abandono do fumo, possivelmente por aumento da ingestão alimentar e readaptações metabólicas4.

Estudos epidemiológicos mostram que mais de 70% dos tabagistas desejam parar de fumar8. Entretanto menos de 10% alcançam esse objetivo por conta própria, pois o desconforto da abstinência de nicotina e a fissura pelo cigarro fazem com que a maior parte dos ex-tabagistas apresente recaída8,13. As recaídas costumam ocorrer entre dois dias e três meses de abstinência13.

Cox et al. (2003)3 alertam que até 58% dos pacientes com câncer continuam fumando após serem informados do diagnóstico, muitas vezes por hábito comportamental, ansiedade ou estresse.

Tratamento da dependência de nicotina

Com apoio médico adequado é possível aumentar a taxa de sucesso no abandono do fumo13.

Aconselhamento do paciente e familiares

O diálogo com o paciente é o primeiro passo para o abandono do fumo. Deve-se avaliar se o doente é dependente ou não da nicotina, quanto fuma, se está disposto a parar de fumar, se tem doenças associadas e quais são as formas de tratamentos mais acessíveis a ele4,6.

Há várias maneiras de avaliar a dependência da nicotina: através da Classificação Internacional de Doenças (CID-10), do Manual de Diagnóstico e Estatística da Associação Americana de Psiquiatria (DSM-IV) e outras4. A escala de Fagerström para avaliação da tolerância e da dependência de nicotina (Tabela 1) tem originais em inglês e sueco e já foi adaptada a várias línguas. É composta de seis questões. A pontuação total oscila de zero a 11, e considera-se que há dependência baixa (leve) da nicotina quando a somatória é inferior a três. Pontuação maior ou igual a sete indica dependência alta (grave) da nicotina6.

É importante que em todas as consultas o médico reforce a motivação do paciente para parar de fumar. Os demais tabagistas do núcleo familiar também devem ser orientados a não fumar3.

Segundo Jain (2003)13, a interrupção abrupta do fumo ou sua redução gradual têm a mesma probabilidade de sucesso.



Farmacoterapia

A farmacoterapia é indicada para os dependentes da nicotina. Divide-se em: fármacos de primeira linha (bupropiona e terapia de reposição da nicotina) e de segunda linha (clonidina e nortriptilina).

Farmacoterapia de primeira linha

Bupropiona

A bupropiona é um antidepressivo não-tricíclico que inibe a recaptação pré-sináptica de dopamina e noradrenalina8,14,15. Acredita-se que sua ação nas vias dopaminérgicas centrais seja o mecanismo responsável pela diminuição da fissura pelo cigarro nos pacientes em abstinência da nicotina14.

Nos EUA a bupropiona é indicada aos tabagistas que consomem 15 ou mais cigarros/dia ou apresentam sintomas depressivos4.

A terapia com bupropiona deve ser iniciada 7 a 10 dias antes de o paciente parar de fumar, pois esse é o intervalo necessário para que os níveis terapêuticos do medicamento atinjam o estado de equilíbrio2,8. A posologia recomendada é 150mg/dia até o terceiro dia de tratamento, elevando a dose para 300 mg/dia no quarto dia, mantendo-a por 7 a 12 semanas4.

Os estudos clínicos com bupropiona apresentam resultados satisfatórios, com período de abstinência até duas vezes maior em comparação com o placebo, além de menor ganho de peso4.

Os efeitos adversos da bupropiona ocorrem em 6-8% dos pacientes16. Os sintomas mais comuns são: insônia, agitação e xerostomia8. Kolber et al. (2003)16 salientam que essa incidência de efeitos adversos foi observada nos estudos clínicos patrocinados por um fabricante do medicamento, nos quais 35% dos pacientes não completaram o tratamento previsto. Os autores realizaram estudo independente para avaliar 39 pacientes e destes, 15 (38%) interromperam o uso da bupropiona em decorrência de efeitos adversos neuropsiquiátricos (tremores, agitação, confusão), insônia e erupções cutâneas. Sete pacientes (18%) tiveram de reduzir a dose da bupropiona para 150 mg/dia para que os efeitos colaterais fossem tolerados.

O risco de convulsões em usuários da bupropiona é de 1:1.000. Por isso a droga é contra-indicada para epilépticos4. Outras contra-indicações são: distúrbios alimentares (anorexia nervosa ou bulimia), hipertensão arterial não-controlada, abstinência recente do álcool e uso de inibidores da monoaminoxidase (tranilcipromina ou selegilina)2,4,8.

A bupropiona é droga da categoria B segundo a Food and Drug Administration, ou seja, não há estudos suficientes sobre segurança do uso desse medicamento na gestação4.

Terapia de reposição da nicotina (TRN)

O uso combinado de TRN e bupropiona praticamente dobra a taxa de sucesso no abandono do fumo14.

No Brasil estão disponíveis os adesivos e gomas de mascar de nicotina. Nos EUA existem também o spray nasal e o colutório de nicotina14.

Os adesivos são encontrados no mercado brasileiro nas dosagens de 7, 14 e 21mg/unidade, e cada embalagem contém sete unidades. Eles mantêm os níveis sangüíneos de nicotina por 16 a 24 horas17, portanto devem ser trocados diariamente. Seu efeito pleno é observado em dois a três dias de uso18. O período médio de tratamento é de oito semanas4.

As gomas de mascar contêm 2mg de nicotina/unidade e são vendidas em embalagens com 12 unidades. Recomenda-se a seguinte posologia18,19:

a. Para pacientes que fumam d"25 cigarros/dia:

1 goma (2mg) a intervalos de 1-2 horas nas 4 primeiras semanas, até o máximo de 20 gomas/dia18

1 goma (2mg) a intervalos de 2-4 horas da 5a à 8a semana

1 goma (2mg) a intervalos de 4-8 horas da 9a à 12a semana

b. Para pacientes que fumam >25 cigarros/dia:

2 gomas (4mg) a intervalos de 1-2 horas nas 4 primeiras semanas, até o máximo de 20 gomas/dia18

1 goma (2mg) a intervalos de 2-4 horas da 5a à 8a semana

1 goma (2mg) a intervalos de 4-8 horas da 9a à 12a semana

As gomas devem ser mastigadas com força até surgir sensação de formigamento da mucosa bucal ou o sabor do tabaco. Então o paciente deve parar de mastigar e manter a goma entre a bochecha e a gengiva até desaparecer o formigamento, voltando a repetir a operação por 30 minutos, quando se deve jogar fora a goma. O paciente não deve ingerir nenhum tipo de líquido enquanto estiver mascando a goma19.

O paciente deve parar de fumar assim que iniciar a TRN. Os efeitos sistêmicos mais comuns da reposição da nicotina são: náuseas, soluços e cefaléia18,20. O principal efeito adverso das gomas de nicotina é a irritação da mucosa bucal4.

A TRN é contra-indicada aos menores de 18 anos e portadores de doenças cardiovasculares graves (infarto agudo do miocárdio ocorrido há até duas semanas e angina instável)4. Em gestantes e nutrizes dependentes da nicotina é possível o uso da TRN, após ponderar riscos e benefícios do tratamento2.

Farmacoterapia de segunda linha

A clonidina pode ser usada na dose de 0,1 a 0,75 mg/dia para alívio dos sintomas da síndrome de abstinência da nicotina. Seus principais efeitos colaterais são sedação e hipotensão ortostática. A suspensão abrupta da clonidina pode desencadear crise hipertensiva4.

A nortriptilina inibe a recaptação de noradrenalina e dopamina no SNC, tendo efeitos antidepressivo e ansiolítico. Em curto prazo, sua eficácia no abandono do fumo parece ser similar à da bupropiona4.

Outras terapias

Acupuntura


O Painel de Consenso Sobre Acupuntura dos National Institutes of Health (NIH) dos EUA (1998)21 afirma que a acupuntura "pode ser útil como um tratamento coadjuvante, ou alternativa aceitável, ou parte de um programa abrangente" na terapia da adição a drogas, incluindo a dependência da nicotina. Segundo o Consenso de Abordagem e Tratamento do Fumante do Ministério da Saúde (2001)19, "até o momento atual não existem evidências científicas suficientes para comprovar a eficácia" da acupuntura e de outros métodos como aromaterapia e hipnose. Assim, a acupuntura "não é recomendada como o método de escolha para a cessação de fumar", mas poderá ser usada "caso seja de escolha dos pacientes e desde que não existam contra-indicações para o seu uso".

He et al. (2001)22 acompanharam 46 adultos que fumavam 10 ou mais cigarros por dia, dividindo-os em dois grupos. O grupo de estudo foi submetido à eletroacupuntura, auriculoacupuntura e auriculoacupressura (técnica manual, sem uso de agulhas) durante três semanas. Os pontos estimulados correspondiam aos pulmões, vias aéreas e boca. Os indivíduos do grupo controle foram submetidos à acupuntura com estimulação de pontos relacionados ao sistema músculo-esquelético, supostamente sem influência nos órgãos afetados pelo fumo. Dentre os pacientes do grupo de estudo, 32% abandonaram o fumo, contra 23% do grupo controle. O desejo de fumar reduziu-se em ambos os grupos, porém o sabor do tabaco piorou significativamente entre as pessoas submetidas à acupuntura. Segundo os autores, os mecanismos de ação da acupuntura no tratamento do tabagismo permanecem obscuros, mas é possível que a técnica reduza o paladar para o tabaco, com a conseqüente diminuição do desejo de fumar.

Ainda não há evidências suficientes de que a acupuntura seja eficaz no tratamento da dependência da nicotina13,23, mas vários pacientes sentem-se melhor ao fazê-la durante a abstinência do fumo13.

Terapia cognitivo-comportamental e grupos de auto-ajuda

Marques (2001)4 aponta que os grupos de auto-ajuda e a psicoterapia - individual ou em grupo - com sessões de aconselhamento são coadjuvantes eficazes no tratamento da dependência de nicotina. Isso é especialmente significativo quando a dependência é acompanhada de outras afecções como a depressão e a ansiedade.

O aconselhamento ajuda a identificar as situações em que o tabagista busca o cigarro por um comportamento (após as refeições, ao tomar um café, em reuniões com amigos) ou circunstâncias emocionais (ansiedade, aborrecimentos). Com base nisso o fumante aprende estratégias para quebrar o vínculo entre esses fatores e o ato automático de fumar14.

As intervenções comportamentais e o aconselhamento são a base do tratamento contra o fumo nos adolescentes2.

O Instituto Nacional do Câncer (INCA) coloca à disposição da população o telefone 0800-703-7033, através do qual são fornecidas, gratuitamente, informações sobre os métodos para abandono do fumo. Na opção " do menu o INCA informa os telefones das coordenações estaduais para tratamento do tabagismo no Sistema Único de Saúde (SUS). Os tabagistas participantes dos grupos de abandono do fumo no SUS têm o direito à farmacoterapia de forma gratuita.

Avaliação da resposta ao tratamento

Na prática diária o principal dado que o médico utiliza para avaliar a redução ou abandono do fumo é a informação do próprio paciente. Nos estudos clínicos, porém, é indispensável uma medida objetiva e confiável para saber se o indivíduo realmente parou de fumar.

O método mais usado em pesquisas clínicas de eficácia do abandono do fumo é a dosagem da cotinina no sangue, saliva ou urina22.

Outra metodologia é a medida do monóxido de carbono (CO) no ar exalado. No aparelho respiratório ocorre síntese de CO através das enzimas heme-oxigenases, em quantidade proporcional ao processo inflamatório local. Tabagistas geralmente apresentam níveis elevados de CO no ar exalado. Cerca de 24 horas após parar de fumar os níveis de CO exalado já começam a declinar, indicando o início da recuperação da função pulmonar. Nos não-fumantes a concentração de CO exalado é inferior a 10 ppm (partes por milhão)24.

Alguns pesquisadores utilizam os aparelhos portáteis para medição de CO exalado não apenas como avaliação clínica objetiva, mas também como estímulo ao paciente durante o programa de abandono do fumo24.

Um estudo nacional

Haggsträm et al. (2001)20 avaliaram 169 fumantes que se inscreveram voluntariamente em um serviço universitário para abandono do fumo. A maioria das pessoas que procurou atendimento era do sexo feminino (67%), meia idade (média 46 anos), bom nível de escolaridade e motivada a parar de fumar em decorrência de problemas respiratórios (85%). A dependência da nicotina era moderada em 50% dos casos, leve em 27% e grave em 22%. O tratamento proposto foi: psicoterapia cognitivo-comportamental para casos leves, psicoterapia associada à farmacoterapia (ou bupropiona 300 mg/dia ou TRN) para casos moderados, e psicoterapia associada à farmacoterapia (bupropiona 300 mg/dia e TRN) para casos graves. Cerca de 30% dos fumantes abandonaram o programa na primeira semana. Ao final do estudo, 124 pessoas continuavam freqüentando o programa; 49% pararam de fumar e 13% reduziram significativamente o consumo de cigarros. O índice de sucesso no abandono do fumo foi: 23% na psicoterapia, 50% na TRN, 59% no uso de bupropiona e 59% no uso combinado de bupropiona e TRN. Apenas um paciente necessitou interromper o uso de bupropiona por causa de efeitos adversos.

DISCUSSÃO

Ironicamente, após cinco séculos o tabaco passou de planta medicinal - usada até para prevenir o câncer - a um dos piores problemas mundiais de saúde pública.

A dependência da nicotina é hoje uma das doenças crônicas mais comuns na população24. Ao contrário do álcool e drogas ilícitas, a nicotina não causa quadros agudos de overdose nos dependentes. Também não leva ao comportamento agressivo, nem piora o desempenho psicomotor na direção de veículos e operação de máquinas. Portanto a dependência da nicotina choca menos a sociedade do que a dependência do álcool e outras drogas psicoativas. Excepcionalmente o tabagista é visto como inconveniente ou perigoso - embora exista o risco de queimar acidentalmente móveis, roupas, toalhas de mesa ou colchões e provocar incêndios.

Por outro lado um número cada vez maior de pessoas manifesta aversão ao tabaco e ao fumo passivo. Nos locais públicos onde o fumo ainda não foi proibido por lei, comumente ocorre a segregação dos fumantes. Essas medidas protegem os não-tabagistas, mas são ineficazes para solucionar a questão da dependência da nicotina.

As campanhas governamentais de combate ao tabagismo se intensificaram na última década, sobretudo através da mídia e das advertências impressas nos maços de cigarro. Entretanto cerca de ¼ da população brasileira é dependente da nicotina e está sujeito à morbimortalidade causada pelo tabaco4. Conclui-se que a propaganda antitabagista contundente é útil para conscientizar as pessoas de que fumar é nocivo à saúde, mas não é o bastante para eliminar a dependência da nicotina.

A maioria dos tabagistas conhece os malefícios do cigarro e deseja parar de fumar8. Todavia é preciso vencer obstáculos práticos para alcançar a meta: 1) a falta de diagnóstico médico da dependência de nicotina; 2) o desconforto da abstinência e 3) o número insuficiente de serviços de apoio para abandono do fumo e distribuição gratuita de medicamentos na rede pública de saúde.

É difícil comparar os resultados dos vários estudos científicos quanto à eficácia para abandono do fumo. É preciso levar em conta inúmeros fatores: as características culturais e socioeconômicas dos pacientes, os motivos que os levaram a participar do programa de abandono do fumo (procura espontânea ou motivo de doença, como câncer e DPOC), o grau de dependência da nicotina, o tempo de acompanhamento e os critérios utilizados para avaliar o sucesso do tratamento (objetivos ou subjetivos).

Tratamentos invasivos das complicações do tabagismo, por exemplo, influem muito no abandono do tabaco. Pacientes laringectomizados para tratamento do câncer têm o dobro de probabilidade de se absterem do fumo do que os doentes tratados apenas com radioterapia3.

De acordo com a literatura, a bupropiona é eficaz no tratamento da dependência da nicotina, mas há várias condições clínicas que contra-indicam seu uso2,4,8. A ocorrência de efeitos colaterais é relativamente alta, obrigando a redução da dose ou suspensão do tratamento medicamentoso em até 38% dos casos16.

A terapia de reposição da nicotina traz bons resultados quando associada à bupropiona, mas também tem restrições e fica excluída da terapêutica dos portadores de doenças cardiovasculares graves4.

A acupuntura é o método mais controverso para o abandono do fumo23, até pela falta de familiaridade da Medicina ocidental com essa técnica. A tendência da literatura científica ocidental é considerá-la inócua no tratamento do tabagismo, mas é forçoso reconhecer os efeitos positivos da acupuntura - desde que realizada por médico habilitado - em certos casos, por mecanismos que ainda desconhecemos. Isso encoraja a realização de mais estudos sobre o tema.

COMENTÁRIOS FINAIS

É importante que o otorrinolaringologista saiba quais são as opções terapêuticas para a dependência da nicotina. O conhecimento científico, aliado à sensibilidade e perspicácia, permitirá ao médico abordar os tabagistas da forma mais adequada e cativante, a fim de motivá-los a parar de fumar, diminuir os sintomas desagradáveis da abstinência e evitar as recaídas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Musk AW, De Klerk NH. History of tobacco and health. Respirology 2003; 8: 286-90.

2. Prokhorov AV, Hudmon KS, Stancic N. Adolescent smoking: epidemiology and approaches for achieving cessation. Pediatr Drugs 2003; 5: 1-10.

3. Cox LS, Africano NL, Tercyak KP, Taylor KL. Nicotine dependence treatment for patients with cancer. Review and recommendations. Cancer 2003; 98: 632-44.

4. Marques ACPR, Campana A, Gigliotti AP, Lourenço MTC, Ferreira MP, Laranjeira R. Consenso sobre o tratamento da dependência de nicotina. Rev Bras Psiquiatr 2001; 23: 200-14.

5. Phillips DE, Hill L, Weller P, Willett M, Bakewell R. Tobacco smoke and the upper airway. Clin Otolaryngol 2003; 28: 492-6.

6. Do Carmo JT, Pueyo AA. A adaptação ao português do Fagerström test for nicotine dependence (FTND) para avaliar a dependência e tolerância à nicotina em fumantes brasileiros. Rev Bras Med 2002; 59: 73-80.

7. Rosemberg J. Nicotina. Farmacodinâmica. Ação sobre os centros nervosos. Nicotino-dependência. In: Rosemberg J, Pandemia do tabagismo: enfoques históricos e atuais. Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo, Centro de Vigilância Epidemiológica, 2002, pp. 43-9.

8. Khurana S, Batra V, Patkar AA, Leone FT. Twenty-first century tobacco use: it is not just a risk factor anymore. Respir Med 2003; 97: 295-301.

9. Vasconcelos GM, Struchiner CJ, Suarez-Kurt G. CYP2A6 genetic polymorphisms and correlation with smoking status in Brazilians. Pharmacogen J 2005; 5: 42-8.

10. Furtado RD. Implicações anestésicas do tabagismo. Rev Bras Anestesiol 2002; 52: 354-67.

11. Rose JE, Behm FM, Westman EC, Mathew RJ, London ED, Hawk TC et al. PET studies of the influences of nicotine on neural systems in cigarette smokers. Am J Psychiatry 2003; 160: 232-33.

12. Dani JA. Roles of dopamine signaling in nicotine addiction. Mol Psychiatry 2003; 8: 255-6.

13. Jain A. Treating nicotine addiction. BMJ 2003; 327: 1394-5.

14. Grable JC, Ternullo S. Smoking cessation from office to bedside. Postgrad Med 2003; 114: 45-54.

15. Tonnesen P, Tonstad S, Hjalmarson A, Lebargy F, Van Spiegel PI, Hider A et al. A multicentre, randomized, double-blind, placebo-controlled, 1-year study of bupropion SR for smoking cessation. J Int Med 2003; 254: 184-92.

16. Kolber M, Spooner GR, Szafran O. Adverse events with Zyban (bupropion). CMAJ 2003; 169: 103-4.

17. De Graff Jr. AC. Pharmacologic therapy for nicotine addiction. Chest 2002; 122: 392-3.

18. Marlow SP, Stoller JK. Smoking cessation. Respir Care 2003; 48: 1238-54.

19. Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional do Câncer (INCA). Abordagem e Tratamento do fumante - Consenso 2001. Rio de Janeiro, INCA, 2001, 38 p.

20. Haggsträm FM, Chatkin JM, Cavalet-Blanco D, Rodin V, Fritscher CC. Tratamento do tabagismo com bupropiona e reposição nicotínica. J Pneumol 2001; 27: 255-61.

21. NIH Consensus Development Panel on Acupuncture. Acupuncture. JAMA 1998; 280: 1518-24.

22. He D, Medbo JI, Hostmark AT. Effect of acupuncture on smoking cessation or reduction: an 8-month and 5-year follow-up study. Prev Med 2001; 33: 364-72.

23. Linde K, Vickers A, Hondras M, Riet G, Thormählen J, Berman B et al. Systematic reviews of complementary therapies - an annotated bibliography. Part 1: Acupuncture. BMC Complement Altern Med 2001; 1: 3.

24. Balbani APS, Montovani JC. Monóxido de carbono endógeno e as vias aéreas. Rev Bras Alergia Imunopatol 2002; 25: 116-21.

25. Britton J, Jarvis M, McNeill A, Bates C, Cuthbertson L, Godfrey C. Treating nicotine addiction. Am J Respir Crit Care Med 2001; 164: 13-5.

1 Doutora em Medicina, Professora Voluntária Doutora da Disciplina de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da
Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (UNESP).
2 Livre Docente da Disciplina de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (UNESP) Disciplina de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Faculdade de Medicina de Botucatu (UNESP).
Endereço para correspondência: Aracy P. S. Balbani - Rua Capitão Lisboa 715 cj. 33 18270-070 Tatuí SP.
E-mail: a_balbani@hotmail.com
Artigo recebido em 11 de maio de 2005. Artigo aceito em 20 de junho de 2005.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


Imprimir:
Todos os direitos reservados 1933 / 2024 © Revista Brasileira de Otorrinolaringologia