INTRODUÇÃO
A obstrução congênita do canal nasolacrimal produz, em crianças, secreção e epífora (lacrimejamento) persistentes. Como tratamento, uma única sondagem traz resultados excelentes em obstruções simples da válvula de Hasner, o que contrasta com o seu alto grau de insucesso em obstruções em nível da junção do saco lacrimal com o canal, mais prevalentes em crianças mais velhas.1 Os insucessos tem sido tratados principalmente com sondagens repetidas, luxação do corneto ou intubação nasolacrimal com silicone2,3. Dilatação com balonete está sendo testada em alguns centros4. Tan et al. recomendam a intubação nasolacrimal quando ocorre persistência dos sintomas após duas sondagens em que se consegue passar a sonda ou a fluoresceína5.
A tentativa de sondagem ou irrigação, entretanto, pode não conseguir vencer a obstrução, especialmente quando se trata de obstruções fibrosas ou ósseas. Têm-se recorrido, então, à dacriocistorrinostomia tradicional por via externa, mas esta cirurgia tem sido evitada na população pediátrica mais jovem6. A dacriocistorrinostomia por via endoscópica endonasal apresenta as vantagens de evitar a cicatriz na face e de ser menos traumática7. Nosso objetivo foi verificar se nossos resultados com a dacriocistorrinostomia endonasal endoscópica em crianças permitem considerá-la uma alternativa aceitável para o tratamento da obstrução nasolacrimal resistente a sondagens em crianças.
MATERIAL E MÉTODO
Foram incluídas no estudo crianças portadoras de epífora e secreção ocular decorrentes de obstrução nasolacrimal que haviam sido submetidas à sondagem lacrimal, sem sucesso, e que vieram a ser operadas com dacriocistorrinostomia por via endonasal endoscópica. Houve aprovação pelo Comitê de Ética da instituição.
Vinte e sete dacriocistorrinostomias endonasais foram efetuadas em 24 crianças com obstrução do canal nasolacrimal de agosto de 2000 a novembro de 2004. Todas elas haviam sido submetidas a sondagens lacrimais pelo menos uma vez. Três das crianças foram operadas de ambos os lados, em ocasiões diferentes.
Para duas crianças que apresentaram recidiva da epífora após dacriocistorrinostomia por via externa, a cirurgia endoscópica foi revisional. O critério de inclusão permitiu incluí-las no estudo.
A idade das crianças variou de 2 a 12 anos (média: 5,7 anos).
Para realizar a dacriocistorrinostomia endonasal com uncinectomia, utilizamos os endoscópios de 4mm de diâmetro, embora outros mais delgados também possam ser usados. Costumamos utilizar angulação de 0o. A transiluminação com fibra óptica introduzida pelo canalículo lacrimal pode confirmar a localização do saco lacrimal, porém não mais a fazemos de rotina. Sua utilização ou não nas cirurgias do presente estudo não foi registrada.
Após anestesia geral e vasoconstrição da cavidade nasal, o corneto médio é luxado em direção à linha média, dando acesso ao processo uncinado. Através de endoscopia nasal, um bisturi em foice incisa o processo uncinado (uncinectomia). A parte superior do processo é removida com pinça de Blakesley. O saca-bocado de Kerrison elimina a mucosa junto com a parede óssea que separa do saco lacrimal. Ao expor-se a parede medial do saco lacrimal, uma sonda lacrimal é introduzida pelo canalículo superior. Ela distende ou perfura o saco e este é incisado com bisturi. A ampliação da abertura do saco limita-se a aumentar um pouco a perfuração, removendo-se pequena porção da parede medial com Blakesley angulado. Com a abertura do saco, ocorre, em geral, a drenagem de alguma quantidade de secreção mucóide ou purulenta para a cavidade nasal.
A abertura do saco lacrimal foi pequena, cerca de 3mm. Intubação com silicone, ao final da cirurgia, foi feita em 4 crianças na tentativa de prevenir fechamento da abertura. A intubação não foi deixada por mais de seis semanas. O seguimento pós-operatório foi de três meses.
A dacriocistorrinostomia foi considerada bem sucedida quando, ao final do seguimento, os familiares da criança informavam ausência ou redução significativa da epífora e da secreção.
RESULTADOS
No total, 21 cirurgias (77,8%) foram bem sucedidas: ao final dos 3 meses, 17 cirurgias resultaram no desaparecimento da epífora e da secreção e 4 cirurgias em melhora significativa. Uma das crianças consideradas como obtendo redução significativa dos sintomas passou a não ter mais epífora nem secreção ocular, porém sua fístula lacrimal persistiu drenando. A secreção, entretanto, tornou-se mais rara e de aspecto claro.
Em uma das crianças, foi necessário antecipar a remoção do tubo de silicone, pois este havia se deslocado anteriormente entre os pontos lacrimais inferior e superior, chegando a encostar no globo ocular. Este prolapso foi a única complicação observada. Na verdade, trata-se mais de uma complicação da intubação com silicone do que da técnica cirúrgica.
DISCUSSÃO
Em crianças, a dacriocistorrinostomia tradicional (via externa) tem sido evitada6, embora possa ser realizada após a idade de 1 ou 2 anos, tendo níveis de sucesso comparáveis aos de adultos.8
Acreditamos que uma dacriocistorrinostomia em crianças requer técnicas minimamente invasivas, como a via endonasal. Numa série de crianças, Vanderveen et al. obtiveram bom resultado em 88% das dacriocistorrinostomias endonasais.6 Nossos resultados, embora um pouco inferiores, mostram que a via endonasal é uma opção válida e segura. Entretanto, tanto os nossos resultados quanto os de Vanderveen são inferiores aos obtidos com a via externa, como os de Barnes et al. (96% de sucesso)9. Ao permitir ampla exposição do saco lacrimal e a sutura dos retalhos, a dacriocistorrinostomia por via externa obtém resultados que a colocam na posição de "golden standard", o padrão ao qual se comparam as outras técnicas.
A via endonasal pode ter resultados não tão bons, mas ela tem grandes vantagens. É menos traumática, menos hemorrágica, evita cicatriz na face e o tempo cirúrgico é bem mais curto. Em crianças, julgamos importante utilizar um procedimento minimamente invasivo. Entretanto, não é em todos os pacientes que a via endonasal é de fácil execução, havendo dificuldade na presença de desvio de septo, células etmoidais muito anteriores (agger nasi), dacriocele ou hemorragia.
Descrita por vários autores, a técnica da dacriocistorrinostomia endonasal inclui tradicionalmente o uso de brocas. Costumamos, porém, em vez de utilizar brocas, iniciar a osteotomia pela remoção do processo uncinado. A uncinectomia abre o caminho para que a parede óssea lateral seja rapidamente removida, junto com a mucosa, com pinça saca-bocado de Kerrison. A realização desta etapa faz com que, para abrir o saco lacrimal, não seja necessário o broqueamento da parede óssea ou o uso de laser10. Isto torna a dacriocistorrinostomia mais rápida e evita o risco de lesar o septo ou o vestíbulo nasal com a broca, lesão esta relatada em algumas séries de crianças11.
A via endonasal requer excelente iluminação e magnificação. Para esta abordagem cirúrgica utilizamos endoscópios rígidos. A via endonasal com microscópio cirúrgico é realizada por alguns12, mas o uso do microscópio para a cirurgia endonasal não se tornou tão popular quanto a utilização de endoscópios rígidos.
A dacriocistorrinostomia endonasal combina um elevado índice de sucesso com uma técnica menos traumática que a via externa. Havendo indicação de dacriocistorrinostomia em criança, nossa conduta atual é utilizar, de início, a via endonasal para a maioria dos casos, reservando a via externa para um segundo tempo cirúrgico em caso de insucesso.
CONCLUSÃO
O total de 77,8% de sucesso em nossas cirurgias, aliado a uma incidência mínima de complicações, confirmam a dacriocistorrinostomia endoscópica endonasal como alternativa válida e segura para o tratamento de crianças com obstrução nasolacrimal resistente a sondagens.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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1 Otorrinolaringologista - Setor cirurgia palpebral e lacrimal. Hospital Petrópolis, Porto Alegre. Endereço para correspondência: Rua Cel. Bordini 830 conj. 303 90440-003 Porto Alegre, RS. Artigo recebido em 23 de maio de 2005. Artigo aceito em 16 de setembro de 2005.
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