É tarefa difícil escrever o nosso primeiro editorial à frente da querida Revista Brasileira de Otorrinolaringologia. Rica no seu conteúdo científico e excelente na sua qualidade editorial, a RBORL tem, de mais admirável, a sua história. E é essa história que nos desafia. Nascida Revista Oto-laringologica de São Paulo, em janeiro de 1933 (Figura), ocasião em que seus "redactores" procuravam desfazer "pensamentos malévolos" que lhe atribuíam, pelo título, um "acto de regionalismo", ela foi incorporada, nos primeiros anos da década de 1950, à recém criada Federação Brasileira das Sociedades de Otorrinolaringologia e Broncoesofagologia, tornando-se indiscutivelmente nacional, como fazia pressupor sua nova e definitiva denominação. É curioso (e talvez não mera coincidência) que, em 1935, em Recife, o nosso avô paterno, do qual herdamos o nome, criava a revista Anais de Oto-Rino-Laringologia, periódico científico de circulação regional bastante saudada pela comunidade otorrinolaringológica da época na capital pernambucana e no nordeste brasileiro.
Desde então ela tem desenhado uma curva ascendente e, mais recentemente - por que não dizer -, vertiginosa. Nada surpreendente, em se tratando de uma publicação comandada por personalidades como Mário Ottoni de Rezende, Homero Cordeiro, José Rezende Barbosa, Rudolph Lang, Arthur Kós, Fernando Portinho, Ricardo Bento, Paulo Pontes, Carlos Alberto Campos e, finalmente, Henrique Olival Costa (para não falar dos que, ao lado deles, os assessoraram de bem perto, como Nicanor Letti, Priscila Bogar, entre outros).
Sua trajetória acompanhou as mudanças ocorridas em termos globais em vários paradigmas relativos à publicação científica. Uma dessas mudanças foi o crescente grau de profissionalização da edição dos periódicos. Outra, não menos importante, foi a clara compreensão da publicação científica como elemento formador e indicador de nível de excelência científica de pesquisadores, programas de pós-graduação, instituições de ensino e, mesmo, de toda uma comunidade. Por outro lado, o grande avanço da RBORL reflete a igualmente íngreme ascensão da otorrinolaringologia brasileira como especialidade médica de ponta na produção intelectual do nosso país.
Temos a destacar que, neste momento em que recebemos a tarefa titânica de conduzir a Diretoria de Publicações da ABORL-CCF, a nossa revista encontra-se em fase final de indexação ao Medline, mérito cumulativo de todos os gigantes que a dirigiram e, mais especificamente, de Henrique Olival, que nos a entrega em uma condição de invejável respeito entre os órgãos de publicação médica nacionais, além de nos legar um sistema de gestão editorial extremamente prático e eficaz, em que pese algumas dificuldades naturais de um sistema recém implantado e que sempre poderá ser aperfeiçoado para atender às individualidades dos usuários.
A indexação de uma revista a uma base de dados se faz mister se se perseguem para ela visibilidade, prestígio e penetração nacional e internacional. Entre as principais bases de dados para as publicações brasileiras estão, em ordem crescente de importância, o LILACS, a SciELO, o Medline e, finalmente, o ISI (Institute for Scientific Information), que inclui revistas com alto fator de impacto. A indexação ao Medline, e mais a edição da versão em inglês - também obra da última gestão - foram os passos definitivos para buscarmos o nosso último horizonte - incrementar o nosso fator de impacto, que, em relação aos últimos três anos, se situa em 0,0512 pontos, enquanto o da Acta Cirúrgica brasileira, para citar uma revista similar, é de 0,1401. As Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, indexada ao ISI, têm um fator de impacto de 0,2022.
A qualificação de uma revista e o seu fator de impacto dependem de sua regularidade, periodicidade e qualidade científica. Este último critério é razão direta da proporção de artigos originais e relatos de caso. No caso da RBORL, essa proporção é muito boa, mas pode melhorar. Como é enorme a quantidade de relatos de caso submetidos, eles formam uma demanda reprimida gigantesca, à qual teremos que dar vazão, sem comprometer a qualidade científica, o que nos obrigará a, mormente a relevância de alguns relatos, temporariamente, interromper o recebimento deste tipo de artigo, após o que iremos instituir para eles métodos mais rigorosos de revisão e seleção, o que reduzirá o tempo de publicação dos artigos aprovados. Àqueles que desejam publicar seus casos, disporemos em breve uma área no nosso site. Aqueles trabalhos já submetidos serão tratados como sempre foram.
A melhoria desses nossos indicadores é fundamental para que sejamos alçados às mais altas categorias da classificação de periódicos da CAPES e que, com isso, os nossos artigos sejam mais valorizados ainda, ocupemos mais assentos nos cursos de pós-graduação, obtenhamos mais recursos dos órgãos de fomento, tenhamos mais influência nas decisões das instituições de ensino e dos hospitais universitários e, finalmente, conquistemos cada vez mais respeito para a nossa especialidade. É esse o caminho. E é esse o principal desafio que se nos apresenta. Desafio não menor do que o daquele outro Sylvio Caldas (o original, com "y"), que, em Recife, seguramente movido pelo mesmo espírito que tem impulsionado todos os atores da história da RBORL, há 70 anos, fundou, dirigiu e manteve, por iniciativa e recursos próprios, por três anos, os Anais de Oto-Rino-Laringologia. A ele e a esse espírito dedicamos este editorial.
Silvio Caldas Neto
Diretor de Publicações
ABORL-CCF