1 Prof. Assistente da Cadeira de ORL da Escola de Medicina e Saúde Pública / Prof. Associado da Residência de ORL da Santa Casa da Misericórdia da Bahia.
2 Chefe do Serviço de Otorrinolaringologia da Santa Casa da Misericórdia da Bahia, Prof. Assistente da Cadeira de ORL da Escola de Medicina e Saúde Pública.
3 Otorrinolaringologista da Santa Casa da Misericórdia da Bahia.
Trabalho realizado pelo Serviço de Otorrinolaringologia e Cabeça e Pescoço da Santa Casa da Misericórdia da Bahia e Instituto de Otorrinolaringologia Otaviano Andrade (INOOA) - Hospital Santa Izabel, Salvador, Bahia, Brasil.
Endereço para correspondência: Praça Almeida Couto s/n, Hospital Santa Izabel, INOOA, CEP 40050-410, Salvador Bahia, Brasil. Tel: (0xx71)326-0006/0260, (00xx71)242-0796; Fax: (0xx71)241-2623 - E-mail: inooa@terra.com.br / dgvarela@bol.com.br / omarambaia@borl.com.br
Dados preliminares apresentados no 35o Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia - outubro/2000 - Natal.
Artigo recebido em 13 de março de 2001. Artigo aceito em 10 de outubro de 2001.
Introdução As manifestações laríngeas do refluxo gastro-esofágico são problemas cada vez mais encontrados em nosso meio13,20,27. Estudos recentes revelam a sua associação com 25 a 50% dos pacientes com sensação de "globus"32, com mais de 80% dos pacientes com queixa de rouquidão crônica6,17 e com 10 a 20% dos pacientes com tosse crônica15,16, 21,29.
O refluxo laringofaringeano11,13,14 tem características peculiares, guarda semelhanças com o refluxo de amplitude gastro-esofágica, porém apresenta pontos diferentes desde a própria fisiopatologia até respostas ao tratamento1. Ele acontece não apenas no período noturno, mas também durante o dia na posição ereta e de forma intermitente. Nele há acometimento principal do esfíncter esofagiano superior24. Sua apresentação, via de regra, faz-se através de sintomas inespecíficos como rouquidão11,15, disfagia, sensação de "globus", sialorréia, tosse seca23, engasgos21,24,29.
Menos da metade dos pacientes podem apresentar queixas gástricas ou esofágicas e a endoscopia digestiva alta pode não revelar sua existência em até 50% dos casos15,10. Para a efetividade da conduta terapêutica clínica inicial, além das medidas dietéticas deve-se incluir o uso de bloqueadores de canal de prótons13,17. A resposta ao tratamento clínico devidamente conduzido dará subsídios para a decisão da necessidade ou não de intervenção cirúrgica25. A opção pela cirurgia ganha cada vez mais simpatizantes, devido aos bons resultados relatados, à crescente refratariedade ao uso de medicamentos e à necessidade de terapia por tempo prolongado12,25,26.
A endoscopia laríngea, associada quando possível à estroboscopia, geralmente é o primeiro exame solicitado pelo otorrinolaringologista. Ao achado de alterações como hiperemia do espaço interaritenóideo ou lesões de pregas vocais como granulomas, pólipos, Edema de Reinke, estenose subglótica, faz-se importante uma investigação diagnóstica mais completa. A pHmetria de 24 horas com dois ou três canais associada à manometria é o que apresenta melhor sensibilidade e especificidade5,14,31,32. Patologias associadas como Divertículo de Zencker e Carcinoma Laríngeo4,9 não podem ser esquecidas no diagnóstico diferencial.
O refluxo gastro-esofágico com repercussões laringofaringeanas é uma patologia freqüente, porém ainda subdiagnosticada16,27. O especialista, ao deparar-se com pacientes portadores de queixas laringológicas crônicas sem melhora aos tratamentos convencionais, deve obrigatoriamente incluir dentre suas suspeitas diagnósticas o refluxo laringofaringeano.
O diagnóstico correto e precoce alertará o paciente e o médico sobre os potenciais prejuízos a médio e longo prazo8,11,17,18 e a necessidade de tratamento seja ele clínico ou cirúrgico, tentando-se desta forma evitar novos episódios de laringite e até o surgimento de metaplasias e neoplasias do trato aéreo e digestivo3,25,26.
Material e MétodoTrata-se de um estudo prospectivo onde foram incluídos 61 pacientes adultos (maiores de 18 anos), residentes em Salvador, triados em consultório por um único médico, entre o período de janeiro/1998 a julho/2000. Necessitavam apresentar queixas crônicas (maior que 3 meses) como tosse seca, "globus", sialorréia, disfonia, pigarro, halitose e engasgos.
Após a triagem inicial, aqueles pacientes com história, exame físico ou nasofibroscopia revelando alterações nasossinusais eram eliminados do estudo, bem como os portadores de hipotiroidismo e tabagistas. Num segundo momento os participantes do estudo foram submetidos à endoscopia laríngea. Aqueles que possuíssem achados como espessamento do espaço interaritenóideo; hiperemia e/ou edema de aritenóides; hiperemia e/ou edema ou espessamento de pregas vocais; estase salivar em seios piriformes; hiperemia de epiglote ou hipofaringe continuariam no estudo. Outras patologias benignas da laringe, como cistos, pólipos, Edema de Reinke, granulomas e estenose subglótica, foram eliminados.
Todos os pacientes foram submetidos à pHmanometria de dois canais por 24 horas, realizada por uma única gastroenterologista. Inicialmente, o esfíncter esofagiano inferior era localizado através de manometria esofágica computadorizada e posteriormente eram posicionados dois sensores de pH, um 20cm acima do esfíncter esofagiano inferior e outro, a 5cm.
Os resultados entre os achados da pHmanometria de 24 horas e exame laringoscópico eram comparados e a partir de então uma decisão terapêutica conjunta adotada. Os pacientes com diagnóstico firmado de refluxo gastro-esofágico iniciavam tratamento com medicação bloqueadora de canais de prótons (omeprazol) associada à mudança de hábitos alimentares. A partir de então, duas reavaliações trimestrais eram realizadas. Nelas, foram comparadas freqüência e intensidade de sintomas prévios com os atuais. Novo exame endoscópico também foi considerado como critério de melhora ou piora.
ResultadosConsiderou-se uma amostra inicial composta por 61 pacientes sintomáticos que atendessem aos critérios de inclusão, tendo o mais jovem 26 anos e o mais velho 72 anos e sendo a média de idade de 48,44 anos. Houve um predomínio feminino de 35 (57,37%).
Cinqüenta e um pacientes (83,6%) apresentaram exame compatível com refluxo gastro-esofágico patológico, segundo os critérios de Johnson e De Meesters, sendo que 36 deles (73,4%) apresentavam caráter intermitente do refluxo. Um dos pacientes era portador de divertículo de Zencker (1,96%) e outro de megaesôfago grau I (1,96%). Seis pacientes apresentaram refluxo gastro-esofágico fisiológico (9,8%), o qual não levaria a sintomas laríngeos. Quatro (6,6%) apresentaram exame dentro da normalidade.
Dos sintomas associados com os achados à laringoscopia, mereceram destaque a disfonia, presente em 37 casos (72,5%), o pigarro em 31 (60,8%), a tosse em 15 (29,4%), o "globus" em 12 (23,5%) e a sialorréia em 10 (19,6%). Dos 51 pacientes, 32 (67,4%) apresentavam dois sintomas associados; 21 (41,2%), três sintomas e 11 (21,5%) compartilharam de quatro sintomas.
Os dois pacientes identificados como portadores de divertículo de Zencker e megaesôfago foram descartados do acompanhamento do estudo. Os 49 casos restantes iniciaram tratamento medicamentoso com bloqueador de canais de prótons (omeprazol) associado a orientações para mudança de hábitos alimentares.
Ao final da segunda avaliação trimestral, tomando-se em consideração um novo exame de endoscopia laríngea e os relatos de mudança de intensidade e freqüência dos sintomas em relação aos inicialmente coletados, houve melhora da sintomatologia em 41 pacientes (83,7%) e manutenção ou piora em 8 pacientes (16,3%). Em 47 pacientes (95,9%) houve melhora endoscópica (comparação realizada por mesmo examinador).
Gráfico 1. Faixa etária da amostra inicial
Gráfico 2. Resultados pHmanometria 24 horas
Gráfico 3. Sintomas mais comuns refluxo laringofaríngeo - 51 pacientes
Gráfico 4. Número de sintomas associados ao refluxo laringofaringeano
Gráfico 5. Avaliação após 6 meses tratamento clínico
DiscussãoOs achados do presente estudo sugerem que uma anamnese bem sedimentada, aliada a achados endoscópicos laríngeos sugestivos de refluxo laringofaríngeo têm uma grande chance de correlação com alterações patológicas à pHmetria (83,6%). Contudo o exame endoscópico laríngeo não conseguiu estabelecer uma gradação de gravidade do grau do refluxo, problema identificado por alguns autores em seus trabalhos13.
Devido à endoscopia digestiva alta (EDA) não ser um exame sensível para o refluxo laringofaríngeo, optou-se pela comparação direta entre a telescopia laríngea associada à anamese com a pHmetria de 24 horas com dois canais e manometria, fato este corroborado pela alta percentagem de correlação encontrada (83,6%). Na prática clínica a solicitação inicial da EDA poderá ser válida devido ao seu menor custo2,3,13.
Outro dado importante desta amostra foi o encontro de determinados sintomas associados ao refluxo laringofaringeano: disfonia (72,5%), pigarro (60,8%), tosse (29,4%), "globus" (23,5%) e sialorréia (19,6%). Além disso, cerca de 62,7% dos pacientes apresentavam mais de três sintomas associados, evidenciando a importância mais uma vez da anamnese na construção da suspeita clínica1,8,10,12.
O adequado diagnóstico de refluxo gastro-esofágico com repercussões laríngeas necessita de tratamento específico8,19. De acordo com estudos recentes, a adoção de hábitos alimentares saudáveis associados ao uso de medicamentos bloqueadores do canal de prótons alcançam grande sucesso terapêutico inicial. Os pacientes do estudo apresentaram melhora sintomatológica importante (83,7%), o que encontra-se de acordo com alguns trabalhos já publicados6,8,22,23, com destaque para os achados de Bauman2. Os oito pacientes (16,3%) que não responderam ao tratamento clínico inicial seriam reavaliados, novamente em três meses, nestes o aumento na dose da medicação ou associação de outras drogas, bem como a opção cirúrgica deverão ser analisadas.
Os conhecimentos sobre refluxo laringofaríngeo encontram-se em evolução, desde o seu diagnóstico até seu tratamento. Hoje sabe-se que há alterações detectadas ao exame histológico que não são revelados à endoscopia e à pHmetria de 24 horas13. Há autores que questionam a necessidade de exames sofisticados para a condução do refluxo gastro-esofágico e preferem o uso empírico de drogas como teste terapêutico e como ferramenta propedêutica7,10,12. A transposição destas terapêuticas para o refluxo laringofaríngeo ainda não estão sedimentadas, contudo, claro que ao não se dispor de meios adequados para uma completa investigação, pode-se optar por se iniciar o tratamento19.
Estudos mais complexos com amostras maiores e de preferência com um grupo controle fornecerão resultados mais fidedignos. Contudo, é lícito supor que pacientes sem achados otorrinolaringológicos outros que as alterações laríngeas de hiperemia e/ou edema de aritenóides, epiglote e hipofaringe, espessamento do espaço interaritenóideo, ou ainda, hiperemia e/ou edema e espessamento de pregas vocais à endoscopia e que apresentem queixa de disfonia, pigarro, tosse, sensação de "globus" ou sialorréia de caráter crônico, sejam objeto de investigação mais acurada, tendo em vista a sugestiva associação entre eles e a doença do refluxo gastro-esofágico.
ConclusãoHá uma estimativa de que cerca de menos da metade dos pacientes com sintomas otorrinolaringológicos1,16 do refluxo gastro-esofágico são submetidos à correta investigação diagnóstica através da pHmanometria esofágica com sensor duplo ou triplo, seja por questões econômicas ou por insuspeição.
A história clínica do paciente aliada à endoscopia laríngea, de preferência com estroboscopia, ao revelarem achados sugestivos de refluxo e sendo afastadas causa infecciosas, nasossinusais, hipotiroidismo e tabagismo merecem investigação adequada27. A endoscopia laríngea tem ganhado nos últimos anos parâmetros mais objetivos para a avaliação do grau de hiperemia, edema e lesão das estruturas glóticas e supra-glóticas. Isto torna-se importante para se tentar utilizá-la como um meio propedêutico para o diagnóstico inicial e acompanhamento das respostas às terapias clínicas ou cirúrgicas estabelecidas, além do controle do refluxo laringofaríngeo, mesmo quando não se dispuser da pHmetria de 24 horas e manometria.
O correto diagnóstico poderá trazer uma melhora na qualidade de vida do paciente e a uma prevenção de complicações ainda mais nocivas ao organismo já doente, sejam elas benignas17,18 ou malignas5,9. Daí a importância do acompanhamento multidisciplinar com gastroenterologistas, nutricionista e psicólogos.
A investigação desta patologia, que devido ao seu não-reconhecimento foi tachada várias vezes como distúrbio psicológico por alguns, pode ser hoje diagnosticada, acompanhada e bem tratada. Este estudo confirma achados da literatura internacional1,2,16,20,27,28, contudo requer ainda uma amostra maior de casos e a utilização de estudos epidemiológicos mais complexos, sejam eles populacionais ou experimentais.
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