INTRODUÇÃOA rinopatia alérgica é uma síndrome caracterizada por obstrução nasal, prurido nasal, coriza e crises esternutatórias (espirros em \"salva\")1. Esses sintomas são decorrentes de processo inflamatório crônico da mucosa nasal de natureza alérgica e podem vir acompanhados de outros sintomas como prurido ocular e de orofaringe2. A rinopatia alérgica não tem preferência por sexo e acomete pessoas de todas as idades, sendo, no entanto, mais comum em pacientes jovens.
O diagnóstico é eminentemente clínico, podendo-se lançar mão de exames complementares como o Prick Test e a dosagem de IgE específica2.
O tratamento da rinopatia alérgica deve ser baseado no controle ambiental, evitando o contato do paciente com potenciais alérgenos e medicamentosos. Inúmeras drogas podem atuar no controle das crises, como os anti-histamínicos, os corticosteróides, o cromoglicato, anticolinérgicos e os antileucotrienos2. A escolha do fármaco a ser utilizado deve ser feita baseada na qualidade e na intensidade dos sintomas apresentados pelo paciente. O tratamento cirúrgico é reservado aos pacientes com quadro obstrutivo nasal importante e não responsivo ao tratamento clínico3.
A turbinectomia parcial inferior é um procedimento cirúrgico tradicionalmente utilizado para desobstrução nasal nos pacientes com rinopatia alérgica não-responsíveis ao tratamento clínico. Esse procedimento consiste na ressecção parcial dos cornetos nasais inferiores3,4. Os primeiros relatos da literatura referentes à turbinectomia datam de 1908 com Escat.1 A partir da década de 1920, com os trabalhos de Citelli demonstrando a turbinectomia como técnica cirúrgica para tratamento da obstrução nasal, esse procedimento difundiu-se e muitos trabalhos foram publicados nas décadas seguintes. Labayle, em 1949, chamou atenção para o papel fisiológico das conchas nasais e descreveu a turbinectomia óssea submucosa. Em 1951, House preconizou procedimentos cirúrgicos distintos para as conchas nasais de ossos grandes e mucosas delgadas e para conchas de ossos pequenos e mucosas exuberantes. Missaka, em 1972, por meio de biópsias nasais de pacientes submetidos à turbinectomia, descreveu a recuperação gradual das estruturas da mucosa nasal nos seis meses seguintes à cirurgia.1 Atualmente, é um dos procedimentos cirúrgicos mais realizados na prática diária do otorrinolaringologista, sendo reconhecida como tratamento eficaz para obstrução nasal secundária à rinite hipertrófica.5
A turbinectomia tem como principais complicações a hemorragia trans e pós-operatória, a formação de sinéquias nasais, sensação nasal anormal, crostas nasais e rinite atrófica1,6,7.
Apesar de muito difundido como tratamento eficaz da obstrução nasal5,8-10, encontramos poucos trabalhos na literatura objetivando avaliar o impacto desse procedimento sobre os outros sintomas que acompanham os pacientes com rinopatia alérgica, como coriza, prurido nasal e crises esternutatórias.
O objetivo do presente trabalho é avaliar a melhora, em pacientes portadores de rinopatia alérgica com obstrução nasal não-responsível ao tratamento clínico, dos sintomas de obstrução nasal, coriza, prurido nasal e crises esternutatórias, seis meses após terem sido submetidos à turbinectomia parcial inferior.
CASUÍSTICA E MÉTODOForam estudados 49 pacientes atendidos no ambulatório de otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco (HC-UFPE), com diagnóstico clínico de rinopatia alérgica e com quadro obstrutivo nasal não-responsivo ao tratamento clínico com controle ambiental e corticosteróides tópicos. Todos os pacientes foram submetidos a tratamento cirúrgico (turbinectomia parcial inferior bilateral com ou sem septoplastia), no período de 2000 a 2002. Os pacientes tinham idades entre 12 e 61 anos (média de 25 anos), sendo 25 homens e 24 mulheres. No pré-operatório, todos, após assinatura de termo de ciência e consentimento, responderam a um questionário, no qual classificaram o grau de intensidade dos sintomas de obstrução nasal, coriza, prurido nasal e crises esternutatórias em ausente (grau 0), leve (grau 1), moderado (grau 2) e severo (grau 3).
A cirurgia foi sempre realizada pelo mesmo cirurgião, sob anestesia geral. A turbinectomia foi procedida da forma clássica, pela ressecção simples do excesso mucoso ou ósseo das conchas nasais inferiores, sendo feita cauterização monopolar cuidadosa de eventuais pontos sangrantes. Quando julgado necessário, foi realizada septoplastia pela técnica de Cottle. Dos 49 pacientes, 22 foram submetidos à turbinectomia e septoplastia e 27 pacientes foram submetidos apenas à turbinectomia. Em todos os casos, foi deixado tampão nasal anterior de dedo de luva e gaze, que foi removido 24 horas depois. Os pacientes foram orientados a realizar, no período pós-operatório, lavagens nasais com solução salina isotônica e não utilizar outras drogas que pudessem interferir nos resultados, como corticóides e anti-histamínicos. Revisões foram feitas a cada 3 ou 4 dias para aspiração de secreções e remoção de coágulos, crostas e fibrina até a cicatrização completa dos tecidos.
Seis meses após a cirurgia, os pacientes tornaram a responder o questionário, assinalando a intensidade dos sintomas, segundo os mesmo critérios. A comparação entre a intensidade dos sintomas observados no pré e no pós-operatório permitiu a classificação da melhora, ou piora, dos mesmos. A subtração do grau de intensidade dos sintomas encontrado no pré-operatório daquele encontrado no pós-operatório determinou o resultado obtido nesses pacientes para cada sintoma pesquisado. Os resultados desta subtração podiam ser: 0 = nulo; 1 = regular; 2 = bom; 3 = ótimo.
RESULTADOSTodos os sintomas pesquisados apresentaram melhora clínica e todos os resultados tiveram significância estatística com p<0,05. Quanto à obstrução nasal, 39 pacientes (79,6%) apresentaram resultado ótimo e nove pacientes (18,4%) apresentaram resultado bom, enquanto que apenas um (2%) teve resultado regular e nenhum paciente teve resultado nulo (Gráfico 1). Com respeito à coriza, houve resultado ótimo em sete (14,3%) pacientes, bom em 17 (34,7%), regular em 19 (38,8%) e nulo em seis (12,2%), como se vê no Gráfico 2. Os resultados em relação às crises esternutatórias foram ótimos em 22 (44,9%), bons em 18 (36,7%) e regulares em nove (18,4%). Assim como para a obstrução nasal, nenhum paciente teve resultado nulo (Gráfico 3). Finalmente, quanto ao prurido nasal, apenas três pacientes (6,1%) indicaram um resultado ótimo, enquanto que 19 deles (38,8%) relataram resultado bom, 22 (44,9%) apresentaram resultado regular e cinco (10,2%) não notaram qualquer melhora (Gráfico 4).
DISCUSSÃOA rinopatia alérgica manifesta-se clinicamente por sintomas de coriza, crises esternutatórias, prurido nasal e obstrução nasal, sendo o seu tratamento eminentemente clínico. Os pacientes com quadro obstrutivo que não obtêm melhora com tratamento clínico podem se beneficiar com tratamento cirúrgico2,5,8,11, Dentre as opções de tratamento cirúrgico, a turbinectomia parcial inferior é vista como opção terapêutica eficaz para obstrução nasal secundária a rinite hipertrófica9,10,12, sendo, no entanto, pouco estudados e não estabelecidos os benefícios desse procedimento sobre os outros sintomas da rinopatia alérgica.
A utilização de questionários para compreender melhor a importância de sintomas crônicos na vida dos pacientes já é consagrada em todas as áreas médicas, sendo ferramenta de pesquisa de grande valia quando se procura avaliar os resultados de tratamentos clínicos e cirúrgicos e o impacto desses tratamentos nas vidas dos pacientes.
Ophir et al.12 em estudo com 186 pacientes, utilizando questionários e realizando rinoscopia anterior, 10 a 15 anos após terem sido submetidos à turbinectomia, mostraram que 82% dos pacientes apresentavam melhora da obstrução nasal e 88% dos pacientes não apresentavam qualquer anormalidade na rinoscopia anterior. Rinorréia continuava a ser um problema em 34% dos pacientes, sendo que 19% destes faziam uso de medicações tópicas ou sistêmicas para controle da coriza.
Mori et al.13, acompanhando 45 pacientes com rinopatia alérgica submetidos à turbinectomia submucosa pelo período de 3 a 5 anos após a cirurgia, observaram que, após o procedimento, houve melhora significativa dos sintomas de obstrução nasal e crises esternutatórias, com 68,9% dos pacientes com boa resposta para obstrução nasal após 3 anos e 73,3% de boa resposta para este sintoma após 5 anos. Com relação às crises esternutatórias, 44,4% dos pacientes tiveram boa resposta após 3 anos e 33,3% após 5 anos. Houve também melhora da coriza, porém em menor percentual de pacientes (em 43,9% dos pacientes no primeiro ano de pós-operatório, em 17,8% após 3 anos e em apenas 3,4% dos pacientes após 5 anos).
No presente estudo, os sintomas que apresentaram melhores respostas após a cirurgia também foram a obstrução nasal e as crises esternutatórias, com 98% e 81,6% de resultado bom ou ótimo respectivamente. E, semelhante ao observado por Mori et al.13 e Ophir et al.12, os resultados foram bem mais limitados com relação à coriza, com mais da metade dos casos (51%) apresentando resultado nulo ou regular. Os piores resultados no nosso estudo foram observados quanto ao prurido nasal, sintoma que teve resposta boa ou ótima em apenas cerca de 45% dos pacientes operados. Todavia, mesmo para esses últimos sintomas, fica evidente que houve algum grau de melhora (pelo regular) na grande maioria dos casos (87,8% para a coriza e 89,8% para o prurido). Não foram observadas complicações maiores nem alterações atróficas ou infecções purulentas da mucosa nasal em nenhum dos nossos pacientes.
Com respeito à obstrução nasal, é necessário se fazer a ressalva de que alguns desses pacientes foram também submetidos à septoplastia, devendo-se os bons resultados dessa série também a este procedimento, que costuma ser realizado em associação à turbinectomia em um grande número de pacientes com esses quadros na prática diária do otorrinolaringologista. Todavia, não foi objetivo maior desse trabalho a avaliação dos resultados quanto à obstrução nasal (uma vez que este benefício da turbinectomia já está mais do que bem estabelecido na literatura), mas sim a resposta dos demais sintomas ao procedimento cirúrgico.
O objetivo maior da turbinectomia parcial inferior é permitir melhor passagem de ar através das fossas nasais. Entretanto, como a turbinectomia envolve a ressecção parcial dos cornetos inferiores e, dessa forma, reduz obrigatoriamente a superfície de mucosa nasal exposta à ação de alérgenos e de outros estímulos, bem como o número de tecido glandular dessa região, isso poderia justificar a melhora, também, dos outros sintomas da rinopatia alérgica observados nesses estudos.
Neste trabalho, observamos que não apenas a obstrução nasal, mas todos os sintomas pesquisados apresentaram maior ou menor melhora clínica após seis meses do tratamento cirúrgico, apesar de limitada para os sintomas de coriza e prurido nasal. Esses resultados vêm demonstrar que os benefícios obtidos com a turbinectomia parcial inferior não se limitam à melhora do quadro obstrutivo, podendo ser também oferecida aos pacientes a expectativa de melhora dos outros sintomas, sobretudo das crises esternutatórias.
Gráfico 1. Resposta da obstrução nasal após 6 meses de cirurgia.
Gráfico 2. Resposta da coriza após 6 meses de cirurgia.
Gráfico 3. Resposta das crises esternutatórias após 6 meses de cirurgia.
Gráfico 4. Resposta do prurido após 6 meses de cirurgia.
CONCLUSÃOO estudo mostra que a turbinectomia parcial inferior bilateral é um procedimento capaz de produzir, além de grande melhora da obstrução nasal, um benefício também com relação aos demais sintomas da rinopatia alérgica, com destaque maior para as crises esternutatórias e menor para o prurido nasal e a coriza.
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Residência médica, título de especialista, diretor.
Otorrinolaringologista, Professor Titular da Disciplina de ORL HC-UFPE.
Médico residente do 3º ano.
Médico residente do 2º ano.
Otorrinolaringologista, Professor Adjunto e Chefe da Disciplina de ORL HC-UFPE.
Fonoaudiólogo.
Disciplina de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco.
Artigo submetido em 11/3/2005 e aprovado em 16/6/2005.