INTRODUÇÃOA Síndrome da Apnéia-Hipopnéia do Sono (SAHOS) é uma doença crônica e evolutiva com alta taxa de morbidade e mortalidade acometendo 4% dos homens e 2% das mulheres. Apresenta grande variedade de sintomas sendo os mais importantes o ronco (90% dos casos), sonolência diurna excessiva, alteração do humor, cefaléia matutina, impotência sexual, queda do rendimento intelectual e alterações cardiológicas e neurológicas1. Caracterizam-se como apnéias e hipopnéias, respectivamente, a parada ou redução da passagem de ar pelas vias aéreas superiores (VAS) com duração mínima de 10 segundos, ocorrendo várias vezes e exclusivamente durante o sono.2,3 A obstrução nasal é um problema relativamente comum podendo alterar a qualidade de vida de uma pessoa, podendo causar ou agravar quadros de apnéias noturnas. Alterações estruturais como desvio de septo nasal, lesões traumáticas, lesões neoplásicas e pólipos, colapso da válvula nasal, aumento de adenóides e corpos estranhos estão entre as principais causas de obstrução nasal4.
A avaliação do paciente com suspeita de SAHOS deve compreender anamnese direcionada com especial atenção para escala de graduação do ronco e escala de sonolência. No que se refere a exames complementares, a rinoscopia anterior e posterior, a oroscopia e a nasofibrolaringoscopia com endoscópios rígidos e/ou flexíveis, determinam o local das possíveis alterações estruturais relacionadas com a síndrome5. A polissonografia, termo genérico que se refere ao registro simultâneo de variáveis fisiológicas durante o sono, tais como a eletroencefalografia (EEG), o eletromiograma (EMG), o eletrocardiograma (ECG), o fluxo aéreo nasal e oral, o esforço respiratório e os gases no sangue (saturação de oxigênio e concentração de dióxido de carbono), é o exame de eleição e tem a característica de classificar a SAHOS. Torna-se, portanto, um procedimento essencial na escolha da conduta a ser tomada em cada caso mediante a determinação do número de vezes que ocorre o evento respiratório, denominado índice de apnéia-hipopnéia por hora (IAH)6.
O tratamento da SAHOS pode ser clínico ou cirúrgico, e está diretamente relacionado com a determinação do IAH que classifica a doença em leve (IAH 5 a 15), moderada (IAH 15 a 30) e severa (IAH maior que 30). Nos pacientes com IAH até 15 devem ser considerados métodos auxiliares importantes no tratamento desta patologia as medidas comportamentais como perder peso, evitar o uso de álcool e sedativos e o abandono do hábito de fumar7.
O tratamento clínico mais utilizado atualmente para a SAHOS é a aplicação de máscara, com pressão positiva nas vias aéreas superiores, ligada a um compressor de ar (CPAP). A apnéia e o ronco respondem bem ao CPAP, em pacientes com IAH acima de 30, pois estes têm melhora imediata e toleram bem o uso da máscara7. A adequação e o conforto da máscara associada à determinação adequada da pressão do CPAP são os fatores de maior influência na eficácia do tratamento8.
O tratamento cirúrgico das alterações estruturais do nariz como septoplastia, turbinectomia e polipectomia, tem eficiência limitada no tratamento da SAHOS em adultos, porém melhora a tolerância para o uso da CPAP9.
Diversos tratamentos cirúrgicos têm sido propostos e sua escolha está relacionada à gravidade da SAHOS bem como nas alterações estruturais nasais, faríngeas e crânio-faciais encontradas previamente. Os procedimentos realizados são: faríngeos (amigdalectomias, uvulopalatofaringoplastia com cautério ou laser e radiofreqüência de palato), nasais (septoplastia, turbinectomia e cauterização dos cornetos) e maxilo-faciais (avanço maxilo-mandibular).
Este trabalho tem como objetivo mostrar que alterações estruturais da cavidade nasal, como desvio do septo do nariz e a hipertrofia dos cornetos inferiores, têm alta incidência em pacientes com SAHOS e devem ser lembrados na indicação para o tratamento cirúrgico (septoplastia e/ou turbinectomia) associados aos outros procedimentos específicos da síndrome.
MÉTODOEste estudo é retrospectivo, de 200 pacientes que foram atendidos por apresentarem distúrbios respiratórios do sono, no serviço de otorrinolaringologia do Hospital Prof. Edmundo Vasconcelos (SP) e na Unidade Paulista de Otorrinolaringologia, no período de março de 1992 a dezembro de 2003. Todos os pacientes foram submetidos à anamnese dirigida, exame otorrinolaringológico completo e nasofibrolaringoscopia com manobra de Muller e polissonografia. Após análise dos resultados foi proposta a forma de tratamento. Outras alterações foram avaliadas como as crânio-maxilo-faciais, obesidade, índice de massa corpórea (IMC), hipertensão arterial, diabetes mellitus e hábitos.
A indicação para tratamento cirúrgico foi baseada em alterações estruturais nas vias aéreas superiores, do esqueleto facial e na classificação polissonográfica, em que o índice de apnéia e hipopnéia (IAH) e a saturação de oxihemoglobina são de grande importância. Os procedimentos cirúrgicos no nariz foram a septoplastia e/ou turbinoplastia e na faringe a uvulopalatofaringoplastia, uvulopalatoplastia com cautério ou com laser.
RESULTADOSDos 200 pacientes, 196 eram homens (98%) e 4 mulheres (2%) (Tabela 1) com a faixa etária variando de 22 anos a 66 anos e média de. As cirurgias realizadas foram: uvulopalatofaringoplastia com septoplastia e turbinoplastia5, uvulopalatoplastia com cautério, com septoplastia e turbinoplastia (161), uvulopalatoplastia com cautério e turbinoplastia2,4 e uvulopalatoplastia com laser, com septoplastia e turbinoplastia10.
Agrupando estes procedimentos quanto a alterações estruturais do nariz temos: 176 septoplastias com turbinoplastia (88%) e 24 turbinoplastias (12%). (Tabela 2).
DISCUSSÃOApesar de alguns autores6 afirmarem que a correção cirúrgica de alterações estruturais nasais, como desvio de septo do nariz e hipertrofia de cornetos, têm eficiência limitada no tratamento da SAHOS, existem vários argumentos a favor dessa conduta terapêutica. A obstrução nasal e a conseqüente respiração bucal levam a alterações no crescimento e desenvolvimento crânio-facial, principalmente nos primeiros anos de vida. Este fato deve-se à velocidade de crescimento das estruturas faciais sendo maior do que o crescimento do crânio, em especial do terço médio da face.
O paciente que apresenta respiração bucal passa a ter a sua língua posicionada mais inferiormente em íntimo contato com o soalho da boca não exercendo pressão no palato. Desta forma ocasiona estreitamento do maxilar e o palato ogival, e conseqüentemente desvio da arcada dental superior, gerando a mordida cruzada. Este conjunto de alterações com a postura da língua, o tônus muscular e a má-oclusão dentária ocasionam também alterações de sucção, mastigação e deglutição atípica. Ao persistirem estas alterações na adolescência e na idade adulta, num primeiro momento estarão relacionadas como causa importante de roncopatia10,11 e, a seguir, de forma progressiva e persistente à apnéia e/ou hipopnéia.
Em vista disso, acreditamos que estes dados apresentam um papel importante na gênese da SAHOS e o fator obstrutivo nasal é de grande relevância, devendo ser corrigido.
Este estudo evidencia a presença de alterações nasais em pacientes com SAHOS. Todos os pacientes (200) foram submetidos a procedimento cirúrgico visando aumentar o espaço retropalatino (Tabela 1) e com o fator obstrutivo nasal abordado no mesmo tempo cirúrgico (176 septoplastia com turbinectomia parcial e 24 turbinectomias isoladas), conduta apoiada por diversos estudos10,12.
Outro aspecto importante é que eventualmente alguns pacientes ao longo da evolução da SAHOS, mesmo tendo feito tratamento cirúrgico, poderão fazer uso do CPAP para um controle mais efetivo e a cirurgia nasal provavelmente melhorará a tolerância ao uso do aparelho, já que pacientes com obstrução nasal têm aumento na pressão positiva11-13.
Concluindo, pensamos ser de grande importância na avaliação dos pacientes com sintomatologia sugestiva de distúrbios respiratórios do sono a abordagem diagnóstica das alterações estruturais do nariz, destacando-se desvio do septo nasal e/ou hipertrofia dos cornetos, bem como pólipos ou outra patologia que leve a obstrução na passagem do fluxo de ar pela via natural.
O tratamento concomitante destas alterações e da SAHOS mostrou-se possível e com grande probabilidade de aumentarem os índices de melhora destes pacientes com procedimentos cirúrgicos associados e/ou clínicos como o CPAP.
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Mestrando.
Docente do Curso de Pós-Graduação do Hospital Heliópolis.
Médico Residente de ORL do Hospital Prof. Edmundo Vasconcelos.
Doutor em Otorrinolaringologia pela UNIFESP.
Trabalho realizado no Hospital Prof. Edmundo Vasconcelos
Endereço para correspondência: Levon Mekhitarian Neto - R. José Maria Lisboa 397 Jardim Paulista 01423-000 São Paulo SP.
Artigo submetido em 9/3/2005 e aprovado em 14/6/2005.