ISSN 1806-9312  
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3247 - Vol. 71 / Edição 3 / Período: Maio - Junho de 2005
Seção: Relato de Caso Páginas: 392 a 395
Tratamento endoscópico do cisto odontogênico com extensão intra-sinusal
Autor(es):
Antonio C. Cedin1,Fausto A. de Paula Junior², Emanuel R. Landim², Flávio L. P. da Silva², Luis F. de Oliveira², Ana C. Sotter2

Palavras-chave: cisto odontogênico, cirurgia videoendoscópica, fístula oroantral, sinusite crônica.

Keywords: odontogenic cyst, videoendoscopic surgery, oroantral fistula, chronic sinusitis.

Resumo: Cistos odontogênicos são lesões pouco comuns que podem ocorrer após inflamação da polpa dentária. A abordagem terapêutica destes cistos é realizada em consultórios odontológicos e, dependendo de sua extensão, pode ocasionar a formação de fístula oroantral e rinossinusite crônica. O objetivo deste trabalho é propor o tratamento videoendoscópico do cisto odontogênico com expressão em seio maxilar. Realizou-se um estudo retrospectivo de quatro casos de cistos de origem dentária, com extensão intra-sinusal, complicados com fístula oroantral e sinusite crônica de seio maxilar após curetagem em consultório odontológico. Utilizamos a técnica videoendoscópica via transmaxilar para acessarmos o cisto intra-sinusal. Os quatro pacientes apresentaram resolução do quadro infeccioso e cicatrização da fístula oroantral, sem recidiva durante o seguimento. A cirurgia videoendoscópica é um método seguro e efetivo para tratamento do cisto odontogênico descrito, podendo contribuir para prevenir a formação de fístula oroantral e supuração de seio maxilar.

Abstract: Odontogenic cyst is a common lesion that can happen after inflammation of the dental pulp. The therapeutic approach of these cysts is made at dentist's offices, and depending on their extension, they may develop oroantral fistula and chronic sinusitis. The objective of this study is to propose the videoendoscopic treatment of the odontogenic cyst with expression in the maxillary sinus. We made a retrospective study of four cases of cysts of dental origin, with intra-sinusal extension, complicated with oroantral fistula and chronic sinusitis of maxillary sinus after curettage in a dentist's office. We used the videoendoscopic technique through transmaxillary approach to access the intra-sinusal cyst. All the four patients presented resolution of the infectious manifestation and healing of the oroantral fistula, without recurrence within two years of follow-up. Videoendoscopic surgery is a safe and effective method for the management of odontogenic cysts with extension to maxillary sinus, and it may prevent oroantral fistula formation and chronic sinusitis.

INTRODUÇÃO

Cistos odontogênicos são lesões freqüentes que ocorrem em maxila e/ou mandíbula, sendo formados a partir de restos epiteliais associados à odontogênese. Os tipos mais freqüentes são: cisto periapical (65%), cisto dentígero (24%) e cisto primordial ou queratocisto (5 a 8%).1,2

A maioria destes cistos é manipulada em consultórios odontológicos, sendo submetidos a procedimentos cirúrgicos, como enucleação combinada à irrigação com solução de Milton ou crioterapia, enucleação simples, curetagem, marsuapialização e extração dentária.

A intervenção em cistos que se expressam em seio maxilar pode levar à formação de fístula oroantral e rinossinusite crônica. O objetivo deste trabalho é propor a técnica videoendoscópica para a abordagem do cisto odontogênico com extensão intra-sinusal, complementando o tratamento odontológico.

Apresentação de Casos

Foram operados quatro casos de cistos de origem dentária com extensão intra-sinusal (Figura 1 e Figura 2), os quais haviam sido tratados ambulatorialmente por cirurgiões-dentistas, com extração dentária e curetagem transalveolar, acarretando fístula oroantral (Figura 3) e supuração crônica do seio maxilar.

Os pacientes foram tratados cirurgicamente sob anestesia geral. Optou-se pelo acesso combinado através da fossa canina, com meatotomia inferior. A abordagem pela fossa canina é realizada por meio de uma mini-antrotomia circunferencial de 10mm para permitir a manipulação simultânea da fibra óptica (endoscópio rígido 4mm de graus 0o, 30o e 70o) e de micropinças (fórceps e curetas de cirurgia endoscópica sinusal) que permitam a ressecção do cisto. A remoção do cisto deve ser de tal modo a restar apenas o leito ósseo na parede sinusal no local de sua implantação. Se houver fístula oroantral, seus bordos são curetados para reavivá-los. Sua oclusão é realizada com fragmento ósseo septal ou conchal e rotação de retalho de mucosa jugal ou palatina (Figura 4) e sutura com fio mononylon 3.0.


Figura 1. Tomografia Computadorizada: Cisto intramaxilar direito com fístula oroantral.


Figura 2. a: parede posterior do antro maxilar. b: cápsula do cisto. c: interior do cisto.


Figura 3. Seio maxilar pós remoção do cisto. a:cureta demonstrando o local da fístula. b:dente incluso. c: rebordo inferior da antrostomia.


Figura 4. Aspecto oral da rotação de retalho mucoso sobre fístula oroantral.


Todos os quatro pacientes apresentaram resolução do quadro infeccioso e cicatrização da fístula oroantral, sem recidiva em pelo menos dois anos de acompanhamento.Os fragmentos de cistos retirados durante o ato operatório foram enviados para exame anatomopatológico, resultando em quadro compatível com cisto periapical. Nos casos analisados não se encontrou sinais de malignidade.

DISCUSSÃO

Cisto é definido como uma cavidade recoberta por epitélio, contendo material líquido ou semi-sólido, originado às custas de tecido epitelial embrionário. O epitélio do cisto odontogênico pode originar-se das seguintes estruturas:

a) restos epiteliais da coroa dental

b) restos epiteliais de Malassez (células remanescentes do desenvolvimento das raízes dentárias localizadas dentro do ligamento periodontal)

c) restos epiteliais de Seres (remanescentes da lâmina dental)

d) do próprio germe dentário, que inclui esmalte, papila dental e saco dental.

A hipótese mais aceita para formação de cistos seria a que associa seu início à proliferação de restos epiteliais, levando à formação de ilhotas que, por serem avasculares, degeneram em sua região central. Estando longe do tecido conjuntivo vizinho, liberam enzimas que degeneram o próprio protoplasma celular, liquefazendo as células mortas. O líquido intracístico apresenta maior pressão osmótica em relação aos líquidos dos tecidos vizinhos circunjacentes, o que levaria ao progressivo crescimento do cisto.

O cisto dentígero tem sua origem após formação da coroa dentária, pelo acúmulo de líquido entre o epitélio do esmalte e a coroa dental, diretamente ligado a um dente retido. A lesão é mais freqüente em dentes caninos da maxila e nos terceiros molares inferiores3. É o mais agressivo dos cistos odontogênicos, podendo atingir grandes volumes, com abaulamento das corticais ósseas.

Radiograficamente é caracterizado por uma imagem radiolúcida bem delimitada por cortical óssea, envolvendo a coroa de um dente retido, a partir da porção cervical. Esta imagem radiográfica não deve ser menor que 2.5mm de extensão, para diferenciá-la da imagem do saco dentário. Pode ser central, lateral, circunferencial ou de erupção4.

O cisto primordial origina-se da degeneração de células do retículo estrelado do órgão de esmalte, antes que se inicie a formação do tecido mineralizado. Ele se desenvolveria no local onde estaria um dente da série normal, um dente impactado ou a partir de um dente supranumerário5.

Ocorre com maior freqüência na faixa etária mais jovem, em torno da segunda década de vida. Por não apresentar abaulamentos, passam desapercebidos, sendo constatados radiograficamente na grande maioria dos casos6. A região de maior ocorrência é na porção posterior da mandíbula. Edema, drenagem, dor ou infecção pode ocorrer em 50% casos7. Sua imagem radiográfica é um anel radiopaco, podendo apresentar imagens multinodulares8. Radiograficamente, segundo Main9, podem ser classificados como: de reposição, envolvimento, extraneous e colateral.

Cisto periapical, o mais comumente encontrado, resulta de um estímulo inflamatório a partir da polpa dentária. Geralmente assintomático, aparece na 3a ou 4a década de vida, sendo detectado radiograficamente. Sua imagem é radiolúcida, de densidade homogênea, ovalada ou arredondada relacionada a um ápice radicular intacto, com rompimento da lâmina dura nesta região, sendo delimitada por uma linha de esclerose óssea radiopaca10. Em geral, os cistos periapicais são pequenos, sendo tratados pelo cirurgião-dentista, que faz o canal do dente e enucleação do cisto, com aplicação da solução de Milton no seu interior, o que na maioria das vezes acarreta a involução do cisto. Não havendo regressão, realiza-se a apicectomia da raiz dentária acometida, com a sua curetagem. Em cistos maiores pode ser necessária a extração dentária e sua curetagem. Nestes casos sugerimos a intervenção otorrinolaringológica endoscópica combinada com o procedimento odontológico. Realiza-se a abordagem por acesso transmaxilar para exérese do cisto e meatotomia inferior para drenagem temporária do antro maxilar. A fístula oroantral ocasionada pela extração dentária é corrigida simultaneamente com curetagem das bordas e enxerto ósseo autólogo (septal, conchal ou cortical da mastóide) com rotação de retalho mucoso palatal ou jugal.

Com esta conduta, previne-se a ocorrência de fístula oroantral e supuração sinusal, garantindo-se a completa exérese do cisto.

CONCLUSÃO

Observamos que a cirurgia videoendoscópica é uma alternativa viável para o tratamento do cisto odontogênico com extensão para seio maxilar, podendo ser adotada simultaneamente à conduta odontológica com o objetivo de prevenção da supuração sinusal e exérese completa do cisto.

A correção de fístulas oroantrais ocasionadas por extrações dentárias deve ser realizada por meio de enxerto ósseo autólogo e rotação de retalho mucoso com sutura.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Daley TD, Wisoccki GP, Pringle GA. Relative incidence of odontogenic tumors and oral jaw cysts in Canadian population. Oral surg 1994; 77:276-80.

2. Shear M. Cysts of the jaw, recent advances. J Oral Pathol 1985,14:43-59.

3. Daley TD, Wisoccki GP. The small dentigerous cyst: a diagnostic dilemma. Oral Surg 1995; 79:77-81.

4. Constatino Ledesma, Hernández-Guerreiro JC, Garcés-Ortiz M. Clinico-Pathologic Study of Odontogenic Cyst in a Mexican Sample Population. Archives of Medical Research 2000; 31: 373-6.

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6. Blanas N; Freund B; Schwartz M; Furst M. Systematic review of the treatment and prognosis of the odontogenic Keratocyst. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod 2000; 90:553-8.

7. Brannon RB. The odontogenic Keratocyst: a clinic pathologic study of 312 cases. Part 1: clinical features. Oral Surg 1976; 42:54-72.

8. Gardner DC, Kessler HP, Morency R, Schaffner DL. The glandular odontogenic cyst: an apparent entity. J Oral Patholo 1988; 17:359-66.

9. Main DM. Epithelial jaw cysts: 10 years of the WHO classification. J Oral Pathol.1985; 14:1-7.

10. Joseph P. Lustig et al. Odontogenic cyst related to pulpotomized deciduous molars. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod 1999; 87:499-503.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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